Recebido em: 08/02/2019
Aprovado em: 26/03/2019
“Livrai-nos do maléfico perigo amarelo”: a sociedade
dos amigos de Alberto Torres e a campanha contra a
imigrão japonesa no Brasil (1932-1946)
“Free us from the malefic yellow danger”:
the society of
the friends of Alberto Torres and the campaign against
japanese immigration in Brazil (1932-1946)
SANTOS, Rodrigo Luis dos
*
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar as ações realizadas pela Sociedade dos
Amigos de Alberto Torres, entidade nacionalista fundada em 1932, na tentativa de
impedir a imigração de japoneses para o Brasil, especialmente entre os anos de 1932 e
1946. Além da difusão de um discurso antinipônico por meio de livros e jornais, este
grupo conseguiu espaço significativo no meio potico, elegendo representantes para as
Assembleias Constituintes brasileiras de 1933 e 1946. Objetiva-se delinear as estratégias,
discursos e formas de inserção desta entidade para atingir seus objetivos, especialmente
durante o período do Estado Novo.
Palavras-chave: Imigração Japonesa; Nacionalismo; Xenofobia.
Abstract: The objective of this article is to analyze the actions carried out by the Society
of Friends of Alberto Torres, a nationalist organization founded in 1932, in an attempt to
prevent the immigration of Japanese to Brazil, especially between the years 1932 and
1946. In addition to the diffusion of a discourse in books and newspapers, this group
achieved significant space in the political environment, electing representatives to the
*
Graduado e mestre em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS, São
Leopoldo/RS. Doutorando no Programa de Pós-graduação em História da mesma instituão (bolsista
PROSUC/CAPES). Email: rluis.historia@gmail.com.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.6, nº1, p.364-384, jan.-jun., 2019
“Livrai-nos do maléfico perigo amarelo”: a sociedade dos amigos de Alberto Torres e a campanha contra a imigração japonesa no Brasil (1932-1946)
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Brazilian Constituent Assemblies of 1933 and 1946. It aims to outline strategies,
discourses and ways of insertion of this entity to achieve its objectives, especially during
the New State period.
Keywords: Japanese immigration; Nationalism; Xenophobia.
Introdução
Em 1942, por meio da Editora da Livraria do Globo, de Porto Alegre, é publicada
uma obra intitulada A ofensiva japonesa no Brasil: aspecto social, econômico e político
da colonização nipônica. Seu autor é um advogado residente em São Leopoldo, município
próximo à capital do Rio Grande do Sul. Este advogado, chamado Carlos de Souza
Moraes, contando então com 34 anos de idade, ocupava cargos importantes dentro da
administração municipal leopoldense: secretário da Prefeitura, diretor municipal de
Instrução Pública e diretor do jornal Correio de São Leopoldo, periódico oficial da
municipalidade local.
A publicação de 1942 é a segunda edição de A ofensiva japonesa no Brasil. A
primeira edição data de 1937, sendo financiada pelo próprio autor. Segundo Carlos de
Souza Moraes, a nova edição era “amplamente ilustrada e ampliada”. O livro, em sua
reedição, possui mais de 400 páginas, contendo ilustrações e mapas que complementam
a narrativa empreendida ao logo de seus capítulos.
Imagem 1. Capa do livro A ofensiva japonesa no Brasil.
Fonte: Exemplar pertencente à Biblioteca do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo
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Mas quais as razões deste advogado e político radicado em São Leopoldo publicar
uma obra contra a presença japonesa em solo brasileiro? O motivo principal é a
vinculação de Carlos de Souza Moraes com um importante grupo nacionalista fundado
no início da década de 1930: a Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, também
conhecida pela sua sigla, SAAT. A partir da vinculação de Carlos de Souza Moraes e de
seu livro, procuraremos, ao longo deste artigo, analisar o discurso antinipônico da
Sociedade dos Amigos de Alberto Torres e de seus membros entre as décadas de 1930 e
1940. Antes, porém, é preciso tecer algumas considerações do pensamento social
brasileiro acerca do processo de imigração e a relação do Estado Nacional com
determinados grupos étnicos, dos quais alguns eram classificados como perigosos ou
indesejáveis (grifos meus).
Imigrantes e o pensamento social brasileiro: conjecturas de um período
O século XIX, especialmente a partir de sua segunda metade, marcou o
crescimento do pensamento e das ações vinculadas com o chamado nacionalismo. Nesta
conjectura, ganhou forma o que pode ser conceituado como nacionalismo étnico, cuja
caracterização, em linhas gerais, reflete o fato de estar marcadamente assentado sobre
características não liberais ou até mesmo democráticas , pelos discursos e ações
particularizadoras e exclusivistas. Os elementos de identificação, como língua, origem,
cultura, religião, alinhados com premissas da etnicidade
1
, servem como síntese
norteadora da construção de uma nação. Deste modo, outros sujeitos individual ou
coletivamente que não se enquadram nos pressupostos e modelos concebidos por esse
modelo nacionalista, passam a sofrer retaliações dentro do ambiente social, cultural e
geográfico onde estão inseridos. Neste sentido, a questão racial se tornou um elemento
deveras significativo na construção destes modelos de nação, como assim destaca
Hobsbawm (2013, p. 123): “[...] na segunda metade do século XIX o nacionalismo étnico
recebeu reforços enormes; em termos práticos através da crescente e maciça migração
geográfica; na teoria, pela transformação da “raça” em conceito central das ciências
sociais do século XIX”.
1
Conforme Poutignat & Streiff-Fenart (1998, p.141), ao dialogarem com a perspectiva de Fredrik Barth:
“etnicidade é uma forma de organização social, baseada na atribuição categorial que classifica as pessoas
em função de sua origem suposta, que se acha validada na interação social pela ativação de signos
culturais socialmente diferenciadores. Esta definição mínima é suficiente para circunscrever o campo de
pesquisa designado pelo conceito de etnicidade: aquele dos estudos dos processos variáveis e nunca
terminados pelos quais os atores identificam-se e são identificados pelos outros na base de
dicotomizações Nós/Eles, estabelecidas a partir de traços culturais que se supõe derivados de uma origem
comum e realçados nas interações raciais”.
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No espectro dos debates sobre a construção de uma nação brasileira, a questão
da raça passou a fazer parte das temáticas debatidas pela intelectualidade e também
pelas autoridades governamentais desde o século XIX, ganhando mais ênfase nas
décadas finais daquele século e nas primeiras do século XX. Concomitantemente, as
discussões sobre os projetos de imigração também tinham forte ligação com esse
panorama. Segundo Giralda Seyferth (1992, p. 18), uma parcela significativa de
pensadores sociais brasileiros neste período via a imigração como o recurso logístico
para o branqueamento brasileiro, tendo em vista que a maior parte da população era
negra ou mestiça. Esse conceito de branqueamento tinha sua conformação a partir de
teses e argumentos racistas em voga na Europa e Estados Unidos, apregoando a
superioridade dos brancos e a inferioridade de outras raças, especialmente negros, mas
avançado para os grupos asiáticos, por exemplo.
Chineses e hindus logo receberam a
classificação de indesejáveis, pois suas misturas com o brasileiro poderiam causar
degenerações na raça nacional, argumentação esta em consonância com as ideias
eugênicas
2
que circulavam complementadas pelas apropriação do darwinismo social
3
que percorria os debates intelectuais e ões públicas. Ainda conforme Seyferth,
[...] o postulado assimilacionista tinha dois aspectos: por um lado, a tese do
branqueamento da população vislumbrava os europeus como parte de um
processo de caldeamento racial e, por outro lado, estes europeus deviam
integrar-se ao "melting-pot" também na forma de abrasileiramento cultural (o
que significava a condenação das etnicidades produzidas pelo processo
imigrario). O imaginário nacionalista obcessivamente apegado a um sentido
étnico de formação nacional ajudou a criar não só outras formas de exclusão
por graus de assimilabilidade (privilegiando imigrantes de comprovada
latinidade) como reafirmou os preceitos racialistas de desqualificação dos
"nativos da Ásia e da África" que, no início da república, estavam consignados
em lei, depois revogada. A construção simbólica da individualidade nacional,
portanto, ajudou a produzir os preceitos de exclusão que marcaram a política
imigratória no Brasil (SEYFERTH, 2000, p. 25).
2
O termo Eugenia foi cunhado por Francis Galton (1822 1911), antropólogo inglês, primo de Charles
Darwin. Um dos significados empregados ao termo é bem nascido. Podemos definir a eugenia,
conceitualmente, comoo estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as
qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”, conforme argumentos de seu próprio
criador. O pensamento eugênico busca atribuir aos seres humanos o conceito de seleção natural de
Darwin.
3
Charles Darwin (1809 1882), em seus estudos sobre o processo biogicos das espécies, suas
modificações e adaptação, formulou teorias como a evolução das espécies e seleção natural. Essas
concepções foram destacadas na principal obra de Darwin, A Origem das Espécies, de 1859.
Posteriormente, o biólogo, antropólogo e filósofo Herbert Spencer (1820 1903), admirador e estudioso
dos trabalhos de Darwin, buscou aplicar essas ideias ao processo de constituição dos indivíduos e
sociedades humanas. Segundo alguns pesquisadores, tanto Darwin quanto Spencer tiveram suas ideias
distorcidas, sendo utilizadas para a elaboração de classificações e práticas racistas e excludentes,
marginalizando grupos humanos em detrimento de outros, considerados como superiores. Deste modo, o
Darwinismo Social tornou-se uma concepção de que “a seleção natural distinguia os humanos em
superiores e inferiores. No caso dos grupos inferiores, ainda poderiam ser empregadas ações civilizadoras
e de aperfeiçoamento especialmente genético”. Essa afirmativa foi elaborada por Francis Galton, sendo
base do pensamento e práticas da Eugenia.
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A política de exclusão de determinados grupos sociais no panorama imigratório
brasileiro estabelecia uma interação entre o pensamento intelectual e as ações estatais.
Essa política de exclusão se dava de diferentes formas: desde a construção de um
imaginário classificatório para alguns grupos, adjetivando-os como perigosos, até
medidas proibitivas ou, no mínimo, restritivas. Um dos principais intelectuais que pode
ser destacado desse período era o sergipano Silvio Romero (1851 1914). Polemista, ao
abordar o futuro do Brasil e de sua população, dizia:
A minha tese, pois, é que a vitória na luta pela vida, entre nós, pertencerá, no
porvir, ao branco; mas que esse, para essa mesma vitória, tem necessidade de
aproveitar-se do que de útil as outras duas raças lhe podem fornecer, máxime a
preta com quem tem mais cruzado. Pela seleção natural, todavia, depois de
prestado o auxílio de que necessita, o tipo branco irá tomando a preponderância
até mostrar-se puro e belo como no Velho Mundo. Será quando já estiver de
todo aclimatado no continente. Dois fatos contribuirão largamente para esse
resultado: de um lado, a extinção do tráfico africano e o desaparecimento
constante dos índios, e de outro a imigração europeia (ROMERO, 1880, p. 3).
Romero (1880), defensor das ideias eugênicas de assimilação e seleção natural da
raça, aponta para a miscigenação do imigrante branco europeu com o indígena e com o
negro, mas que, com o avançar do tempo, estes últimos praticamente desaparecerão,
dando lugar ao novo tipo ideal brasileiro, com feições e padrões socioculturais mais
próximos da Europa. Entretanto, alerta para o perigo que determinados grupos, já
instalados no Brasil, representam para o êxito destes objetivos, assim como para a
própria soberania e unidade geopolítica e sociocultural nacional. O principal alvo das
incisivas críticas de Romero são os alemães, instalados principalmente nos três estados
da Rego Sul. Em 1906, escreveu uma obra dedicada ao tema, intitulada O Allemanismo
no Sul do Brasil. Nas palavras deste intelectual, a não integração dos imigrantes alemães
e seus descendentes conduziria para uma ruptura desta região em relação ao restante do
país. Ao mesmo tempo, a raça alemã se mostrava indisposta a colaborar com o projeto de
branqueamento nacional, por sua cultura endomica e isolacionista, tanto nos aspectos
linguísticos como nas práticas sociais. Deste modo, os núcleos coloniais alemães
formavam quistos étnicos no tecido social brasileiro argumento este amplamente
utilizado, pouco mais de trinta anos depois, com a instalação do Estado Novo e da
política de nacionalização. Algumas propostas de Silvio Romero, lançadas em 1906, foram
implementadas dentro do panorama estadonovista:
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1º) proibir as grandes compras de terrenos pelos sindicatos alemães, máxime
nas zonas das colônias; 2º) obstar a que estas se unam, se liguem entre si,
colocando entre elas, nos terrenos ainda desocupados, núcleos de colonos
nacionais ou nacionalidades diversas da alemã; 3º) vedar o uso da língua alemã
nos atos públicos; 4º) forçar os colonos a aprenderem o português,
multiplicando entre eles as escolas primárias e secundárias, munidas dos
melhores mestres e dos mais seguros processos;) ter o maior escrúpulo, o
mais rigoroso cuidado em mandar para as colônias, como funcionários públicos
de qualquer categoria, somente a indivíduos da mais esmerada moralidade e de
segura instrução; 6º desenvolver as relações brasileiras de toda a ordem com os
colonos, protegendo o comércio nacional naquelas regiões, estimulando a
navegação dos portos e dos rios por navios nossos, criando até alguma linha de
vapores que trafeguem entre eles e o Rio de Janeiro;) fazer estacionar sempre
vasos de guerra nacionais naqueles portos; 8º) fundar nas zonas de Oeste,
tolhendo a expansão germânica para o interior, fortes colônias militares de
gente escolhida no exercício (ROMERO, 1906, p. 52)
Os discursos como os de Romero (1906) evidenciam que, no contexto da busca de
soluções para resolver problemas sociais brasileiros, especialmente no final do século
XIX e princípio do XX, a qualificação racial configurava em uma política de seleção,
privilegiando determinados grupos e rotulando outros como inassimiláveis ou
indesejados. Além dos alemães, segundo Carneiro (2018, p. 117), outros grupos foram
enquadrados na amalgama de perigosos, com destaque para eslavos, judeus, negros e
japoneses.
Os japoneses e solo brasileiro: breve contextualização
Sobre os imigrantes japoneses, havia uma classificação representativa, que arfava
entre o estereótipo de trabalhador honesto, dócil, pacato, diligente e o agente do perigo
a serviço de um país imperialista, portanto um potencial perigo potico e racial” (CROCI,
2010, p. 284).
Célia Sakurai (1998), ao se debruçar sobre a imigração japonesa para o Brasil,
classifica-a em duas fases: 1) o período experimental e 2) a fase de imigração em massa e
de imigração tutelada. A primeira fase se encontra, temporalmente, entre 1908 e 1924,
marcada pela vinda de em torno de 32.267 imigrantes japoneses (SAKURAI, 1998, p. 7). A
grande maioria com destino ao mercado de produção cafeeira, com maior concentração
no estado de São Paulo.
A segunda fase da imigração japonesa, entre 1924 e 1941, com o maior fluxo de
vinda para o Brasil, cerca de 130 mil pessoas, está relacionada com mudanças
significativas no cenário internacional, como as restrições para com a entrada de
imigrantes japoneses em outros países, especialmente nos Estados Unidos.
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O ponto culminante para o Japão na questão da emigração é a proibição
definitiva das entradas nos Estados Unidos, em 1924. Até lá, aquele país é o
destino preferencial dos japoneses, apesar do clima de hostilidade. Com a
proibição, o Japão precisa buscar alternativas: nas Américas, o Peru, México,
Canadá seguem o exemplo norte-americano. Restam países como a Bolívia, o
Paraguai e a Colômbia que recebem pequenos contingentes. Na Oceania, os
países sob protetorado inglês ou francês impedem a entrada de japoneses, até
como trabalhadores temporios. O Brasil está ainda aberto, sem proibição
explícita. A alternativa torna-se efetivamente o Brasil. O mesmo ano de 1924
coincide com o corte dos subsídios à viagem dos imigrantes pelo governo
paulista. A partir daquele ano então, o governo japonês passa a sustentar as
vindas para o Brasil (SAKURAI, 1998, p. 8-9).
O incentivo governamental japonês, assim como a intensa propaganda de
companhias colonizadoras, tem profundas razões de ordem econômica. De um lado,
estava a necessidade de sanar um problema de aumento demográfico e,
consequentemente, os problemas de abastecimento e deficiências sociais que este salto
populacional demandaria. Sendo assim, essa segunda fase imigrantista não estava
atrelada ao abastecimento de mão de obra para os cafezais paulistas, mas para a
implementação de um plano desenvolvimentista imperial nipônico. A maior parte dos
imigrantes vindos nesta fase o faziam de forma espontânea, interessados em alcançar
objetivos pessoais e familiares tornarem-se proprietários de terras, ampliando poder
econômico, entre outros.
Do outro, a compra de lotes de terras no Brasil, para colonização, estava
vinculada com a tentativa do Império do Japão em abrir um mercado consumidor no
Brasil, especialmente para produtos como a seda. Por seu turno, as autoridades
brasileiras percebem na ampliação de relações comerciais com o país oriental a
possibilidade de abertura para um novo mercado consumidor de café, o principal
produto de exportação nacional no período. Nas áreas coloniais japonesas, a agricultura
se baseava no cultivo de café, arroz, açúcar e chá. Na década de 1930, Japão e Brasil se
associam no setor da cotonicultura (algodão), sendo que a produção tinha em torno de
90% destinada ao mercado nipônico. Outros imigrantes se inseriram em espaços
urbanos, atuando no ramo comercial.
Entretanto, os planos do governo japonês e das empresas colonizadoras sofrem
com medidas imprevistas adotadas pelos imigrantes aqui instalados. Conforme Celia
Sakurai,
[...] percebe-se no entanto, um nítido descompasso entre os objetivos das
autoridades japonesas e os dos imigrantes. Pois afinal, se por um lado o
imigrante deseja mais do que nunca enriquecer e voltar para o Japão, a meta das
companhias de emigração, é a de fixá-los na nova terra. Não há nenhum
interesse do Japão em incentivar qualquer retorno. Para fixar, o governo
japonês oferece facilidades que são prontamente aproveitadas por aqueles que
querem enriquecer e voltar (SAKURAI, 1998, p. 12).
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Contextualmente, esse processo de ampliação da entrada de imigrantes japoneses
no Brasil se coaduna com as reações antinipônicas, tendo em vista a inserção deste
grupo étnico na configuração geopolítica e social brasileira:
[...] a idéia de um ‘perigo japonês’, engloba todo o conjunto de preocupações em
torno do Japão, Estado emergente no cenário mundial. Os interesses japoneses
se chocam com os das potências ocidentais. Os ecos dessa discussão chegam ao
Brasil em 1914, provenientes da Argentina e do Uruguai, tomando corpo durante
a década de 1920. A presença de japoneses no convívio com os brasileiros alerta
as elites locais, em vista dos acontecimentos internacionais. Em 1934, o governo
brasileiro adota um sistema de cotas para a entrada de novos imigrantes
(SAKURAI, 1998, p. 8).
É nesse ambiente de crescente desconfiança que a Sociedade dos Amigos de
Alberto Torres, ao longo das décadas de 1930 e 1940, incorpora e verbaliza o discurso
contra o Japão e os imigrantes de lá originários, transformando a luta contra a vinda
deste grupo para o Brasil em uma das bandeiras norteadoras da agenda política da
entidade, buscando por meio de seu capital relacional, alcançar seus objetivos, sobretudo
através de restrições por parte do governo de Getúlio Vargas.
A Sociedade dos Amigos de Alberto Torres e o discurso antinipônico (1932 1946)
A origem da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres (SAAT) remonta ao ano de
1932, quando ocorre sua fundação na cidade do Rio de Janeiro. Entre o grupo de
fundadores, encontramos intelectuais, como o sociólogo Francisco José de Oliveira Viana
e o antropólogo Edgar Roquette-Pinto, políticos, como Juarez Távora, Miguel Couto e
Antônio Xavier de Oliveira (estes últimos, deputados constituintes em 1933) e
empresários do setor de comunicação, podendo ser citados Roberto Marinho, do jornal
O Globo, e Félix Pacheco, cidade do Rio de Janeiro. Ideologicamente, a SAAT se estrutura
com base nas elaborações sociais e poticas de Alberto de Seixas Martins Torres.
Alberto Torres nasceu no município de Itaboraí, Rio de Janeiro, em 1865.
Bacharelou-se em Direito e passou a colaborar com textos jornalísticos, em periódicos
como O Constitucional e A República. Ocupou cargos políticos, como o de ministro da
Justiça, entre 1896 e 1897, no governo presidencial de Prudente de Morais, e presidente
do estado do Rio de Janeiro entre 1897 e 1900. Dedicou-se também no campo intelectual,
sobretudo em temas concernentes com a realidade social brasileira daquele período.
Nesse sentido, entre suas obras principais se destacam O problema nacional
brasileiro e A organização nacional, de 1914, e As fontes da vida no Brasil, de 1915. Em
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sua perspectiva ideológica, Alberto Torres idealizava o Brasil como um país de origem e
natureza predominantemente agrária, colocando-se em oposição com qualquer tentativa
de política industrialista. De caráter nacionalista, pregava um Poder Executivo forte,
assim como uma participação mais incisiva dos intelectuais na organização da sociedade.
Defendia também a valorização da mão de obra nacional, opondo-se ao que compreendia
ser uma supervalorização do capital humano estrangeiro, conferindo ao trabalhador
nacional um papel subalterno e depreciado na configuração social, econômica e cultural
brasileira. Neste sentido, tecia críticas às políticas imigratórias empreendidas no Brasil,
porém, seus argumentos não convergiam para uma dinâmica xenofóbica. Alberto Torres
faleceu no Rio de Janeiro, em março de 1917.
Durante a década de 1930, com o crescente aumento de ideias nacionalistas no
Brasil, as elucubrações advindas do pensamento de Alberto Torres passaram a ganhar
novo destaque no cenário intelectual do período. Em linhas gerais, ao analisarmos a
utilização destas ideias e discursos, percebemos que as mesmas passaram por um
processo de apropriação e ressignificação por determinados setores, recebendo, por seu
turno, uma forte carga de xenofobia. Percebemos algumas apropriações dentro do
ideário integralista, por exemplo, mas, principalmente, dentro do bojo de concepções da
Sociedade dos Amigos de Alberto Torres. A aproximação entre os integralistas e a SAAT
foi um fato concreto, pois Plínio Salgado, fundador da Ação Integralista Brasileira (AIB),
também no ano de 1932, ingressou na Sociedade dos Amigos de Alberto Torres logo após
a fundação da mesma. É plausível dizer que, mesmo com diferenças entre as duas
organizações, ocorreram trocas intelectuais entre estas. Politicamente, os membros da
SAAT impediram que a mesma se transformasse em partido político, fato que ocorrera
com a AIB de Plínio Salgado. Mas, a não estruturação partidária não significou falta de
participação política. A entidade encontrou um significativo espaço de interlocução
dentro do governo de Getúlio Vargas, especialmente a partir de 1935, como veremos
mais adiante neste artigo.
Na plataforma político-ideológica da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres,
três elementos constituíam seu principal eixo de atuação: a conservação da natureza, a
educação rural e a campanha contra a imigração para o Brasil, com ênfase na
contrariedade a determinados grupos étnicos, como japoneses e sírio-libaneses. Nos
ateremos, nesse texto, ao último aspecto. Sobre a objeção a esses grupos, um editorial
publicado em novembro de 1934, no Jornal do Comércio, a pedido da diretoria da SAAT,
exprime essa ideia de forma substanciosa:
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A ameaça que paira sobre o Brasil, de uma invasão dos habitantes do Iraque,
que a Inglaterra queria colocar no Paraná, foi um sinal de alarme que despertou
nosso povo e os alertou contra certas correntes imigratórias que vêm dirigindo-
se para cá. Referimo-nos, em particular, aos japoneses e aos judeus, que, por
boas razões, são imigrantes indesejáveis, rejeitados hoje por todas as nações
que necessitam de mão-de-obra estrangeira (JORNAL DO COMÉRCIO, 1934, p.
02).
4
A nota foi publicada em decorrência da proposta feita em 1934, pelo Auto-
Comissário da Liga das Nações
5
para os Refugiados, o norte-americano James McDonald,
de trazer para o Brasil refugiados da Alemanha Nazista, especialmente judeus. As
tentativas de McDonald de abrigo para os judeus refugiados não encontrou eco em
diversos países, entre eles o Brasil. Por conta disso, o mesmo pediu demissão de seu
cargo em 1935.
6
A questão imigratória constituía um dos pontos nevrálgicos da atuação da
Sociedade dos Amigos de Alberto Torres. Tanto no campo ideológico quanto na prática
política, percebemos que nesse quesito ocorrera uma ressignificação radical das ideias
do patrono da sociedade. Para este grupo, a imigração de determinados grupos étnicos
representava um problema de imensa gravidade para o país, pois eram grupos humanos
desprovidos de qualificativos que contribuíssem para a sociedade nacional que os
recebia. Segundo Sonia Campos de Pinho (2007, p. 182), “as campanhas anti-imigratórias
promovidas pela SAAT eram explicitamente racistas, e o argumento racial era utilizado o
tempo todo. O que não era coerente com um autor que tantas vezes declarou não
existirem raças superiores ou inferiores”.
Deste modo, podemos compreender que as formulações sociais de Alberto Torres
visavam uma defesa do trabalhador nacional, mas sem que isso fomentasse ações
xenófobas por parte das autoridades brasileiras.
No decorrer das décadas de 1920 e 1930, ocorrera uma acentuada vinculação de
teses eugenistas nas discussões políticas acerca da imigração para o país. Cabe destacar,
por exemplo, o Congresso Brasileiro de Eugenia, realizado em 1929, no Rio de Janeiro. O
referido congresso foi presidido pelo antropólogo e médico Edgard Roquette-Pinto,
4
Não foi possível verificar maiores detalhes sobre esta edição. Por conta disso, a citação deste periódico
nas referências deste artigo está incompleta.
5
Fundada em abril de 1919, após o fim da Primeira Grande Guerra Mundial, tinha por objetivo central a
tentativa de pacificação em nível mundial e a mediação de conflitos. Apresentou resultados positivos, por
exemplo, em arbitrar e mediar o assentamento de refugiados. Por outro lado, não conseguiu evitar, por
exemplo, a invasão japonesa à Manchúria, em 1931. Por conta desta ineficiência, a Sociedade dos Amigos de
Alberto Torres se colocou de forma feroz contra a tentativa da Liga das Nações de trazer refugiados para o
Brasil, tendo em vista a mesma não ter conseguido impedir a ação imperialista japonesa, sendo esse um
dos grupos mais atacados pela SAAT. A Liga das Nações se dissolveu em 1946, passando para a recém
criada Organização das Nações Unidas (ONU) suas atribuições.
6
Para maiores detalhes, queira ver: LESSER, Jeffrey. O Brasil e a questão Judaica: Imigração, Diplomacia e
Preconceito. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1995.
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então diretor do Museu Nacional, tendo como secretário o médico legista Renato Ferraz
Kehl, considerado um dos principais defensores e propagadores das ideias eugênicas no
Brasil. Edgard Roquette-Pinto, posteriormente, ingressaria na Sociedade dos Amigos de
Alberto Torres, contribuindo, juntamente com o médico fluminense Miguel Couto, para
difusão e implementação de concepções da eugenia na plataforma e discurso político da
SAAT. A presença de concepções advindas do Darwinismo Social e da Eugênia Racial
foram intensas, por exemplo, durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1933.
Destacando-se dentre os principais porta-vozes dessas ideias, estão os médicos Artur
Neiva, Antônio Xavier de Oliveira e Miguel Couto.
Artur Neiva nasceu em Salvador, Bahia, em 1880. Cursou medicina no Rio de
Janeiro, sendo aluno do médico sanitarista Oswaldo Cruz. Ocupou importantes cargos na
área sanitária em São Paulo. Em 1931, logo após Getúlio Vargas assumir o poder como
presidente do Brasil, Neiva foi nomeado interventor federal da Bahia. Em 1933, é eleito
deputado federal constituinte pelo Partido Social Democrático (PSD) da Bahia. Antônio
Xavier de Oliveira era cearense, nascido na cidade de Juazeiro do Norte, em 1892.
Também estudara na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi eleito deputado
federal constituinte pela Liga Eleitoral Católica (LEC) do Ceará. Miguel de Oliveira Couto
nasceu no Rio de Janeiro, em 1865. Formado pela Academia Imperial de Medicina, tornou-
se professor catedrático da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, além de presidente
da Academia Nacional de Medicina, cargo que ocupou durante vinte anos, entre 1914 e
1934, quando faleceu, ainda ocupava o cargo de deputado federal, pelo qual havia sido
eleito pelo Partido Economista do Rio de Janeiro. Estes três homens, além de exercerem
a mesma profissão, também partilhavam de ideias semelhantes no que se referia ao
problema imigratório, além de serem integrantes de uma mesma organização: a
Sociedade dos Amigos de Alberto Torres.
Além dos discursos, nos quais defendiam suas teses científicas sobre a
“inferioridade da raça japonesa” e os perigos dessa imigração para o país, os deputados
que representavam o ideário da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres também se
articularam para que suas plataformas políticas fossem atendidas pela nova carta
constitucional. Um dos reflexos dessa atuação foi a inclusão na Constituição de 1934 de
dispositivos que restringiam a imigração para o Brasil, visando favorecer a integração
étnica. No artigo 121 da carta constitucional, parágrafo 6, havia a fixação de um limite
para a entrada de novos imigrantes anualmente no Brasil: em 2% do número de
imigrantes já existentes no país. Foi a chamada Lei de Cotas (grifo meu), mantida
posteriormente na Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas em 10 de
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novembro daquele ano, mesmo dia em que deflagrou o golpe de estado que implantaria o
regime do Estado Novo no país, que perdurou até 1945.
Contudo, é importante salientar que as preocupações e discussões acerca da
imigração japonesa (e oriental, como um todo), já estavam inseridas nos debates
intelectuais e políticos desde os primeiros meses da República no Brasil. O decreto
federal de número 528, datado de 28 de junho de 1890, assinado pelo presidente
provisório marechal Deodoro da Fonseca, onde são estabelecidas determinações legais
sobre a imigração para o Brasil, reflete essas preocupações ainda incipientes com a raça
amarela, dentro do esquema de racialização moderna brasileira. Em seu artigo 1°,
encontrava-se a seguinte redação:
É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos indivíduos válidos e
aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos à acção criminal do seu paiz,
exceptuados os indigenas da Asia, ou da Africa, que somente mediante
autorização do Congresso Nacional poderão ser admittidos de accordo com as
condições que forem então estipuladas (BRAZIL, 1890, p. 1424).
Cabe ressaltar que, neste período, crescem novamente as discussões acerca da
cidadania dos imigrantes já instalados no país desde as primeiras décadas do século XIX,
como alemães e italianos, por exemplo. Sem contar a questão envolvendo as populações
afro-brasileiras recém libertas do jugo da escravidão.
Onze ano mais tarde, em 1901, o diplomata Manuel de Oliveira Lima, encarregado
pelo Ministério das Relações Exteriores de estabelecer relações diplomáticas com o
Japão, manifestou sua contrariedade ao projeto, assim como a intenção de iniciar a
imigração de japoneses para o Brasil. Alertou ao ministério que tal iniciativa seria
prejudicial ao país, tendo em vista que os nipônicos eram uma “raça inferior” (LESSER,
2001, p. 157). Entretanto, alguns anos depois, os primeiros imigrantes japoneses chegam
ao Brasil, em 18 de junho de 1908, trazidos pelo navio Kasato Maru, desembarcando no
Porto de Santos. Estes primeiros imigrantes foram deslocados para o trabalho em
fazendas de café no interior do estado de São Paulo. Na edição de número 325 da revista
O Malho,
7
publicada no Rio de Janeiro, datada de 05 de dezembro de 1908, é publicada
uma crítica, em forma de charge, sobre a chegada de imigrantes nipônicos em São Paulo,
com os dizeres: O governo de São Paulo é teimoso. Após o insucesso da primeira
7
A revista O Malho, de cunho humorístico, foi fundada no Rio de Janeiro em 1902, por Luís Bartolomeu de
Souza e Silva e Crispim do Amaral. Era conhecida por satirizar fatos políticos e sociais. Em 1930, por conta
do golpe de estado que levou Getúlio Vargas ao poder, foi empastelada e fechada. Naquela conjuntura, a
revista se colocou em campanha contra a Aliança Liberal. Reativada em 1935, fez publicações até 1954,
quando foi definitivamente fechada. Suas edições foram digitalizadas pela Casa de Rui Barbosa, sendo seu
acesso possível através do seguinte endereço eletrônico: http://www.casaruibarbosa.gov.br/omalho/.
Acesso em: 30 set. 2017.
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imigração japonesa, contratou 3.000 amarelos. Teima, pois em dotar o Brasil com uma
raça diametralmente oposta à nossa” (O MALHO, 1908, p. 10).
A atuação da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres foi além de conseguir
implantar alguns de seus projetos na nova constituição brasileira. Em 1935, é criada pelo
governo de Getúlio Vargas uma Comissão de Imigração, com o intuito de centralizar e
estruturar de forma mais organizada o processo imigratório no país. Compunham essa
comissão, nomeada pelo próprio presidente: Oliveira Vianna, que presidiu a mesma,
Dulphe Pinheiro Machado, Raul de Paula, conde Debanné, Edgar Roquette-Pinto (todos
integrantes da SAAT), Vaz de Mello e Renato Kehl. Sobre Roquette-Pinto e Renato Kehl
já tecemos algumas considerações anteriormente. Oliveira Vianna, que foi também
bacharel em Direito, já atuava como consultor jurídico do Ministério do Trabalho. É de
sua autoria a frase que afirmava que os “japoneses eram como o enxofre: insolúveis”
(LENHARO, 1986, p. 129). Dulphe Pinheiro Machado, engenheiro, ocupara o cargo de
diretor do Departamento de Povoamento. Raul de Paula era membro da direção nacional
da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres. Conde Nicolas Debanné foi cônsul brasileiro
em países orientais. E Vaz de Mello era diretor dos Serviços de Passaporte do Ministério
das Relações Exteriores.
A participação mais efetiva dos membros da sociedade na gestão das políticas
imigratórias para o Brasil garantiria a implementação das restrições aprovadas
constitucionalmente. O discurso passava a ser concretizado por ações práticas. Em 1938,
por sugestão de membros da Comissão de Imigração, é criado pelo governo Vargas o
Conselho de Imigração e Colonização. Dentre os membros deste conselho, encontramos
novamente o nome de Oliveira Vianna. Um das práticas políticas desse conselho foi
coibir a entrada de japoneses no Brasil, criando medidas restritivas mais severas, em
comparação com outros grupos étnicos.
Além da eugenia racial e da teoria de inferioridade dos japoneses, aspectos
geopolíticos também embasavam os discursos dos representantes da Sociedade dos
Amigos de Alberto Torres, seja por meio da imprensa, seja nos debates da Assembleia
Nacional Constituinte. Conforme Endrica Geraldo,
[...] um outro elemento passou a ganhar crescente importância nessa discussão:
a questão do imperialismo e expansionismo japonês como ameaça à segurança
nacional. Por várias vezes, em seus discursos, Miguel Couto alertou quanto à
invasão japonesa na Manchúria como exemplo concreto dessa ameaça. Dessa
forma, os japoneses passaram a reunir alguns fatores temidos por este e outros
deputados: a condição racial de não brancos, membros de uma nação
imperialista e, ainda, um grupo inassimilável concentrado em núcleos coloniais
(GERALDO, 2009, p. 183).
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As tensões decorrentes da expano nazista pela Europa a partir da segunda
metade da década de 1930, somadas com a união entre Alemanha, Itália e Japão durante a
Segunda Guerra Mundial (chamada também de Eixo), reforçaram a desconfiança e as
ações cerceadoras para com imigrantes japoneses. Durante o conflito mundial, as
imigrações para o Brasil foram praticamente interrompidas. O Japão, assim como a
Alemanha e a Itália (mas principalmente os dois primeiros), tinham interesses, segundo
partidários do Estado Novo, em expandir seus domínios políticos, econômicos e culturais
para outras partes do planeta. E os principais alvos dessa ofensiva expansionista eram
aquelas regiões que possuíssem imigrantes advindos destes países. Com isso, a ideia de
um perigo alemão e de um perigo nipônico (ou amarelo, como também se convencionou
chamar), tornou-se mais presente no cotidiano brasileiro, permeando as práticas
coercitivas de nacionalização e repressão durante o regime estadonovista. Isso, pois na
visão de um número considerável de intelectuais e lideranças políticas, o “isolamento”
destes grupos era uma estratégia de expansão estrangeira, a partir do interior do
território brasileiro. Neste panorama, segundo afirma Endrica Geraldo,
o governo de Getúlio Vargas, nos anos de 1930 a 1945, é identificado como
tendo sido bastante rigoroso em criar restrições à entrada de imigrantes e em
promover políticas de nacionalização que atingiram as populações de origem ou
de ascendência estrangeira no país. Os imigrantes foram muitas vezes
considerados como “indesejáveis”, com exceção dos chamados “brancos
europeus”. Os que já se encontravam aqui fixados foram muitas vezes acusados
de constituírem uma ameaça à formação da nacionalidade, em termos raciais ou
culturais. A concentração de determinados grupos em núcleos coloniais
(resultado de políticas anteriores de imigração) foi pejorativamente denominada
de “quistos” étnicos ou raciais. A partir do Estado Novo, o governo moveu
campanhas destinadas a fiscalizar e “nacionalizar” (GERALDO, 2009, p. 175-
176).
Em 7 de dezembro de 1941, a Marinha Imperial Japonesa efetuou um ataque
aeronaval a base militar norte-americana de Pearl Harbor, no Havaí. O plano de ataque
foi elaborado pelo almirante Isoroku Yamamoto, comandante da Marinha Imperial. O
ataque resultou em um saldo de mais de duas mil mortes, representando uma vitória
japonesa contra as forças norte-americanas. Entre os fatores antecedentes, estava o
fato do Império do Japão considerar os Estados Unidos um adversário forte em sua
tentativa de expansão imperialista no sudoeste asiático. A deflagração do ataque de Pearl
Harbor tinha, entre outros objetivos, tentar enfraquecer a capacidade bélica norte-
americana, forçando os Estados Unidos a manter-se como um país neutro na Segunda
Guerra Mundial. Contudo, a resposta foi a adesão definitiva do país ao conflito,
declarando guerra ao Japão e aliando-se com a Inglaterra, França e, posteriormente, a
União Soviética, contra as potências do Eixo.
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A repercussão do ataque japonês a base de Pearl Harbor causou efeitos no Brasil.
Os principais propagandistas contra a imigração nipônica utilizaram do episódio para
justificar sua campanha e suas críticas, enfocando novamente a política expansionista
japonesa, além de qualificarem este grupo como capaz de “atos sorrateiros e
destrutivos”. Carlos de Souza Moraes, em 1942, destaca o que percebe ser uma “ameaça
amarela” em solo brasileiro: “essa torrente de aborígenes amarelos que, sóbrio até o
extremo e fanáticos até o haraquiri, vêm estendendo, estrategicamente, sua influência
em nosso território” (MORAES, 1942, p. 93). Ao mesmo tempo, demonstra preocupação
em ver que pouco se comenta acerca deste perigo. Contudo, cabe destacar que no
referido ano de 1942, em consequência dos ataques japoneses à Pearl Harbor, há um
aumento considerável de manifestações contrárias ao grupo étnico nipônico. Exemplo
disso são as manifestações do engenheiro, jornalista e escritor fluminense Vivaldo
Coaracy, que publicou uma série de artigos no Jornal do Comércio (principal periódico
de difusão das ideias da SAAT), intitulados O Perigo Japonês, que foram, posteriormente,
publicadas em forma de livro naquele mesmo ano. Os termos utilizados por este autor
visam vincular a imagem dos japoneses com a de “células cancerígenas”, que deveriam
ser combatidas a todos e qualquer custo:
o elemento japonês [...] tem sido comparado a um quisto encravado na
nacionalidade a que não se incorpora. A imagem [...] não é adequada. Os quistos
são formados por corpos estranhos que se encapsulam, segregados nos tecidos
do organismo [...] A infiltração japonesa há de ser comparada a um câncer
prolífero, que se desdobra e desenvolve, estendendo raízes, transformando a
natureza dos tecidos através dos quais progride, fatal para o organismo em que
se implanta [...] A medida de defesa político-social do Brasil, que se impõe, é
uma medida de profilaxia, de higiene preventiva: impedir e proibir de forma
terminante a entrada [no] [...] país de novos contingentes desses elementos
nocivos e perigosos (COARACY, 1942, p. 152).
Não foi possível, até o momento, verificar se Vivaldo Coaracy era integrante da
Sociedade do Amigos de Alberto Torres. Mas seu discurso, em muito, se aproxima
daquele difundido por essa agremiação socialista, encontrado, por exemplo, na obra de
Carlos de Souza Moraes. Ainda em 1942, incentivado por políticos e intelectuais
apoiadores de medidas restritivas à imigração, defensores de uma nacionalização
sistemática dos grupos étnicos já existentes no Brasil, o governo de Getúlio Vargas
emitiu do decreto-lei número 4166, determinando a apreeno dos bens de imigrantes
japoneses, alemães e italianos, medida essa que serviria como “garantia ao pagamento
de indenizações devidas pelos atos de agressão” praticados pela Alemanha, Japão e Itália,
conferindo a indivíduos e grupos de imigrantes a responsabilidade por possíveis atos de
guerra de seus países de origem.
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Ao mesmo tempo, os Estados Unidos passavam a pressionar mais o governo
brasileiro, para que também definisse qual lado apoiaria no conflito armado. Por fim, o
governo estadonovista aderiu ao lado das chamadas forças aliadas, rompendo relações
diplomáticas com os países do Eixo e enviando forças militares para atuarem na Europa,
a partir de 1943.
Diante dos ocorridos de 1941 e seus desdobramentos, o lançamento da segunda
edição de A ofensiva japonesa no Brasil adveio diante de um campo fértil para sua
difusão. Como estratégia de propaganda sobre o livro, um dos comentários principais
utilizados é que, diante do ataque em Pearl Harbor, a obra tinha o mérito de alertar de
forma enfática e contundente, já em sua primeira edição, para o perigo japonês, que era
iminente; a segunda edição, por sua vez, ampliava a denúncia, alertando para perigos
ainda maiores, inclusive em solo brasileiro. O livro teve divulgação ampla em nível
nacional, sendo utilizado como forma de divulgação das ideias da Sociedade dos Amigos
de Alberto Torres sobre determinados grupos étnicos, reforçando a assertiva de que
alguns, como os japoneses, eram realmente indesejáveis para o desenvolvimento do país
e de sua identidade.
Nesta conjuntura histórica, componente constante são as ações de violência e
represálias contra imigrantes e descendentes. No Rio Grande do Sul, por exemplo, em
agosto de 1942, após o afundamento de navios brasileiros na costa do Nordeste,
bombardeados por submarinos alemães, ocorreram depredações em empresas, templos
e outros espaços vinculados como imigrantes alemães e descendentes em cidades como
Porto Alegre, São Leopoldo e São Lourenço do Sul. No caso de imigrantes e
descendentes nipônicos, atos semelhantes ocorreram em São Paulo e estados nortistas,
como o Pará, onde casas foram queimadas por militares em Belém, além do
apedrejamento de pessoas que transitavam pelas ruas. Mas, um dos elementos que
merecem ser destacados dentre as ações de repressão são as chamadas Colônias Penais
Agrícolas. René Gertz (2005), ao analisar o Estado Novo no Rio Grande do Sul, destaca
duas colônias principais: a Colônia Agrícola de Santa Rosa e a Colônia Penal Agrícola
General Daltro Filho, onde os principais prisioneiros eram de origem alemã. Priscila
Perazzo (2009), por sua vez, amplia o leque, analisando esses centros de internação de
potenciais suspeitos, comparando-os, inclusive, com campos de concentração alemães.
Não é nosso objetivo analisar se o termo campos de concentração é o mais adequado
para nomear os campos de isolamento criados no Brasil entre 1937 e 1945. Mas,
abordamos este assunto para chamar a atenção para as medidas de repressão e, ao
mesmo tempo, de assimilação coercitiva aplicada sobre aqueles grupos vistos como
isolados ou, como no caso dos japoneses, indesejáveis. No Pará, onde hoje está
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localizado o município de Tomé-Açú, na época interior da cidade de Acará, existiu,
conforme Camila Taira (2009), um destes campos de isolamento, destinado aos
imigrantes e descendentes nipônicos. Este local recebia prisioneiros não apenas do Pará,
mas também do Amazonas. O isolamento deste grupo, dentro das concepções de
membros da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, poderia contribuir para uma
“purificação racial”, não permitindo que a sociedade brasileira fosse “impregnada” pelo
maledicente “perigo amarelo” e suas desqualificações “morais, culturais e orgânicas”,
conforme os discursos de Vivaldo Coaracy.
Em termos gerais, ao analisarmos a campanha que a Sociedade dos Amigos de
Alberto Torres empreendeu contra a imigração japonesa para o Brasil, podemos
considerar que a mesma ocorreu em duas frentes: na divulgação do discurso
antinipônico e na ação política contra esse grupo étnico. No primeiro caso, esse discurso
era transmitido por meio de palestras e conferências realizadas por membros da
sociedade, por artigos publicados em alguns jornais, com destaque para aqueles que
ganharam espaço nas páginas do Jornal do Comércio, e em livros que foram lançados nas
décadas de 1930 e 1940, de forma especial a obra A ofensiva japonesa no Brasil, de
Carlos de Souza Moraes. Na ação política, além do uso do recurso discursivo nas sessões
da Assembleia Nacional Constituinte por parte de deputados membros da SAAT, a
inclusão de leis restritivas no processo imigratório para o Brasil e a inserção de
integrantes da entidade em comissões e conselhos nacionais de imigração também foram
conquistas significativas da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres. Deste modo,
poderiam operacionar um sistema que garantisse a aplicabilidade de seu ideário,
principalmente contra japoneses e sírio-libaneses, os grupos étnicos mais visados pela
organização.
Sociedade dos Amigos de Alberto Torres e a Constituinte de 1946
A Sociedade dos Amigos de Alberto Torres encerrou suas atividades logo após o
término do Estado Novo, em 1945. Mas sua plataforma político-ideológica contra a
imigração japonesa continuou presente mesmo após sua extinção. Em 1946, nas
discussões da Assembleia Nacional Constituinte eleita para elaboração da nova
constituição brasileira, promulgada ainda em 1946, ainda ocorriam debates intensos
contra e a favor desse grupo étnico. Do lado contrário, estavam nomes como o deputado
pessedista Miguel Couto Filho,
8
filho do deputado constituinte de 1933 e membro da
8
Miguel Couto Filho nasceu no Rio de Janeiro, em 8 de maio de 1900. Formou-se em Medicina, tal qual seu
pai, também enveredando para o ramo político. Eleito deputado estadual no Rio de Janeiro entre 1934 e
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Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, Miguel Couto. Na tribuna da Câmara Federal,
continuou a defender as ideias de seu pai e da entidade a qual fora vinculado, como o
discurso a seguir:
[...] sábia lei que restringiu, na Constituinte de 1934, a imigração japonesa e nos
defendeu em tempo de uma verdadeira avalanche de amarelos belicosos, que o
Imperador Divino pretendia nos enviar em sucessivos Marus, para aqui formar
um outro exército, no propósito de nos enfraquecer e colocar os Estados
Unidos da América entre dois fogos, como profetizara Miguel Couto (BRAGA,
1998, p. 617).
Foi sua a proposta de proibição permanente a imigração nipônica para o Brasil,
através do projeto de emenda constitucional de número 3.165. O texto de sua indicação
constitucional, assim como a forma pela qual a mesma deveria constar na Carta Magna,
era simples e objetiva: é proibida a entrada no país de imigrantes japoneses de qualquer
idade e de qualquer procedência.
Quanto a votação da lei que proibia a imigração japonesa para o Brasil, proposta
por Miguel Couto Filho, a votação resultou empatada: 99 deputados contra, 99 a favor.
Isso evidencia o quanto as questões de racialização, eugenia e de preocupação com
determinados grupos étnicos ainda era recorrente, não apenas entre os constituintes,
mas dentro da própria sociedade brasileira daquele período, recém saída da Segunda
Grande Guerra Mundial e do regime estadonovista.
Fato que chama a atenção no processo de votação está relacionado com a postura
adotada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), liderado na Assembleia Nacional
Constituinte por Luís Carlos Prestes, eleito senador. Parte da nominata do partido, como
os deputados João Maranhão, Jorge Amado, Carlos Marighela e o próprio Prestes,
votaram favoravelmente à proposta. Prestes, inclusive, foi enfático ao afirmar que para o
bem do Brasil, naquela conjuntura histórica, a imigração japonesa deveria ser banida
radicalmente. Por seu turno, deputados vinculados com partidos mais conservadores,
como a União Democrática Nacional (UDN), votaram contra a proposição de Miguel
Couto Filho. Foi o caso do deputado paulista Prado Kelly, um dos mais incisivos críticos
da emenda antinipônica, argumentando, inclusive, que a aprovação daquela proposta
“mancharia o trabalho da Constituinte”.
1937, ingressou no Partido Social Democrático (PSD) após a redemocratização do país. Em 1953, é
convidado por Getúlio Vargas, eleito democraticamente para a Presidência da República, em 1950, para
assumir o posto de chefe do Ministério da Saúde, recém criado. Foi governador do Rio de Janeiro entre
1954 e 1958, quando renunciou ao cargo para candidatar-se ao Senado, já pelo Partido Social Progressista
(PSP), de Adhemar de Barros. Faleceu em 1969, no exercício do cargo de deputado federal pela Aliança
Renovadora Nacional (ARENA). Destacou-se por ser defensor de “teses científicas”, como o Darwinismo
Social e a Eugenia Racial, inclusive publicando trabalhos acerca do tema.
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Contudo, a votação terminou empatada. Caberia, então, ao senador mineiro
Fernando de Melo Viana (PSD), presidente da Assembleia Nacional Constituinte, emitir o
chamado Voto de Minerva, para determinar o destino do imbróglio. O voto de Melo Viana
foi contrário a proposta de lei apresentada. Com isso, a lei que proibia a imigração
japonesa foi rejeitada, não sendo inclusa na Constituição de 1946. Mas a desconfiança e
os discursos contra os imigrantes japoneses ainda perduraria no Brasil durante mais
tempo.
Considerações finais
A desconfiança contra os imigrantes japoneses era um elemento presente no meio
intelectual e potico brasileiro desde, pelo menos, o último quartel do século XIX,
ganhando maior fôlego no decorrer das primeiras décadas do século XX. A partir de
1932, com a constituição de uma entidade de cunho nacionalista, a Sociedade dos Amigos
de Alberto Torres, e a adoção de uma agenda potica que empreendera uma campanha
intensa contra esse grupo étnico, foram adotadas inclusive medidas constitucionais em
1934 e 1937 para limitar ou impedir sumariamente a vinda destes imigrantes. Embora os
nipônicos fossem o principal alvo das ações restritivas da SAAT, a plataforma de
perseguição e imposição de classificações qualitativas como úteis, assimiláveis ou
indesejáveis também foi implementada para com outros grupos, como sírio-libaneses,
alemães, judeus, eslavos, negros, entre outros.
Mapear e analisar os discursos intelectuais, a circulação de ideias, as redes e
contatos políticos é de suma importância para ampliar a compreensão sobre o período
do Estado Novo e suas práticas de controle imigratório e nacionalização dos grupos
étnicos já fixados em solo brasileiro. Não é incomum que seja dada uma ênfase mais
significativa para a atuação dos agentes estatais e de um grupo mais próximo destes.
Contudo, rastrear os espaços de manifestação de elucubrações sobre o tema migratório,
especialmente nas décadas de 1930 e 1940, fornece subsídios para a requalificação das
interpretações sobre os mecanismos sociopolíticos e culturais então vigentes. As
sociedades intelectuais, por exemplo, são laboratórios frutíferos para a verticalização
destas pesquisas. Neste artigo, a partir de considerações acerca da SAAT, enfocamos a
agenda desta agremiação para com os considerados indesejáveis nipônicos, mas também
lançando perspectivas de apreciações críticas sobre os anteriormente mencionados
grupos intelectuais e seus desdobramentos na política seja ela em nível nacional, seja
nos cotidianos regionais e locais.
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