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História Oral, Territorialidades e Identidades Quilombolas: Furquim, Mariana, Minas Gerais 
 
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um copo de água em uma mão e um garfo na outra, pediu que sua nora ficasse do lado 
oposto, com o intuito de protegê-la de algo que proveria daquela situação: “Passe pra lá. 
Passe pro lado de lá pra você não receber!”, ordenou Dona G.V.P. Fez o gesto do rito 
católico do “Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, e passou a retirar com um garfo, 
alguns pedaços de brasa do fogão. Para cada benzeção, fazia o “nome do pai” segurando 
o pedaço de brasa com o garfo, e os lançava ao copo com água, recitando sua oração: 
“Te benzo (nome de quem vai ser "benzido") em nome das três pessoas da Santíssima 
Trindade, Pai, filho e Espírito Santo”. Repetia os versos para as cinco ou seis brasas que 
retirava para cada pessoa que era "benzida". Trocava a água do copo e descartava os 
pedaços de carvão no ralo do quintal, por onde passava a água corrente que vinha de um 
tanque. Tem-se, portanto, alimentação, tradição, memória e religião se entrelaçando em 
torno do fogão à lenha, de forma peculiar na cultura desta família de quilombolas. Não se 
deve esquecer que a lenha que dá sentido à existência do fogão e de tudo que se 
relaciona com este instrumento vem da terra —  ou das árvores que se nutrem desta 
(G.V.P. entrevista, 31 ago. 2018).  
Além da ciência e dos conhecimentos no preparo de alimentos, ainda havia a 
ciência médica no tratamento de algumas doenças. Afinal, o acesso a hospitais, postos de 
saúde ou farmácias era raro e difícil no passado narrado por Dona G.V.P.: 
O que? Manjerona minha filha. Dava é Manjerona com mel, isso é que era o 
remédio que a gente dava pra eles, manjerona com mel. Fazia um chá de 
manjerona, e pegava o mel, adoçava com mel. É isso é que fazia! Era o remédio, 
porque não podia nem levar pro médico. Quedê? Era difícil médico. Tinha que 
aplicar remédio em casa. Uma gripe que não queria acabar! (...) Quando matava 
galinha, que nós tinha muita galinha, galinha gorda  aí, tirava aquela gordura, 
punha num pote daquele ali, tampava o óleo. Colocava rapaz, o óleo no chá, 
dava pra eles, minha filha oh, a gripe sumia, oh. É isso que eu dava a ês. Não 
precisou dar outro remédio não. Meus filho tudo foi criado assim. Só ocê vendo 
como é que ês é forte! Num é forte V.? Meus filho como é que ês é forte! Graças 
a Deus, quase nem adoece! Tá aquês baita!  Forte! João era mais miúdo, V., agora 
ta ficando forte também! Graças a Deus! Ficava doente não! (...) Num vê ês 
reclamando de doença! Òh o outro que tá tocando capoeira do outro lado ali óh! 
É Zezé! Reclama de doença não! Graças a Deus!  (...) Ih minha fia, era difícil pra 
sair. Era difícil pra sair. Carro difícil. Agora não, agora tem estrada aí (...), corre 
carro aí óh, mas mesmo assim, corre carro, mas não carro pra pegar passageiro. 
Isso aí é difícil, você tem que arrumar um carro, pagar tudo, pra levar pra 
Mariana. Antigamente era pior minha filha. Antigamente era pior ainda, né V., 
não tinha estrada, era pior, antigamente era pior! (Dona G. V. P., entrevista, 31 
ago. 2018). 
 
A cura ou a prevenção para as doenças vinha da terra, das ervas, da horta, das 
plantações, da alimentação. O território quilombola se trata de uma área onde se 
encontra tudo o que é necessário à sobrevivência e reprodução de uma família: abrigo, 
alimento, remédio para o corpo e para a alma, para a espiritualidade, dentre outros. No