Recebido em: 02/10/2014
Aprovado em: 14/04/2015
OS CAMINHOS DO DESCAMINHO: RELAÇÕES
TRANSFRONTEIRIÇAS ENTRE BRASIL E ARGENTINA –
COMÉRCIO E CONTRABANDO PARA SÃO BORJA E SANTO
TOMÉ
THE WAYS OF THE EMBEZZLEMENT: CROSS-BORDER
RELATIONS BETWEEN BRAZIL AND ARGENTINA – TRADE
AND SMUGGLING TO SÃO BORJA AND SANTO TOMÉ
COSTA, Marcus Vinicius da
1
Resumo: O objetivo do presente artigo é compreender a prática do contrabando nas e
para as cidades-gêmeas de São Borja, Rio Grande do Sul, Brasil e Santo Tomé, Província
de Corrientes, Argentina, na segunda metade do século XIX, tendo como marcos os
anos de 1850 e 1889. Ele existiu em pequena e em grande escala, estando inserido
dentro de uma cultura fronteiriça específica, as rotas utilizadas pelos contrabandistas
eram bastante variadas, ora o contrabando era feito por terra ora era feito pelas águas
dos rios, em especial, o rio Uruguai. Buscamos, igualmente, perceber quais foram as
propostas de combate ao contrabando elaboradas pelas autoridades do Império do
Brasil, bem como, lançar luz sobre a importância dessa prática para as populações
1. Doutor em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) defendeu Tese de
Doutorado intitulada: Nação, contrabando e alianças políticas na fronteira oeste do Rio Grande do Sul
na segunda metade do século XIX: relações transfronteiriças entre as comunidades de São Francisco de
Borja e Santo Tomé. Mestre em Integração Latino-Americana, Area História Latino-Americana, pela Uni-
versidade Federal de Santa Maria (UFSM) defendeu dissertação intitulada: A Revolução Federalista (1893-
1895): o contexto platino, as redes, os discursos e os projetos políticos liberal federalistas. Graduado em
História pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), defendeu TCC
sobre O Coronelismo em Santo Ângelo. Foi Professor Colaborador da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC) no período de 2007 a 2009, atualmente trabalha em pesquisas sobre as relações trans-
fronteiriças entre Brasil e Argentina e outros temas.
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CONTRABANDO PARA SÃO BORJA E SANTO TOMÉ
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locais.
Palavras Chave: fronteira; cidades-gêmeas; contrabando.
Abstract: The purpose of this paper is to comprehend the smuggling practice in and
towards the twin cities: São Borja, Rio Grande do Sul, Brazil and Santo Tomé, Corrientes,
Argentina, during the second half of the nineteenth century, mostly in 1850 and 1889.
This existed in small and large scale, being inserted into a specific border culture, the
routes used by the smugglers were quite varied, sometimes the smuggling was done
through land and sometimes the smuggling was done through the Uruguay River. We
also seek to understand what were the proposals to avoid smuggling were
established
by the Empire of Brazil authorities, as well as shedding light on the importance of this
practice for the local people.
Keywords: border, twin cities, smuggling
Introdução
Descaminho é a expressão jurídica que se usa para definir o contrabando em
suas várias formas. Esse ocorre ao longo das fronteiras latino-americanas há séculos,
no entanto, as pesquisas sobre o contrabando ainda são escassas. O presente trabalho
se insere nos estudos americanistas, buscando compreender o contrabando na
América Latina em uma zona específica: a fronteira oeste do Rio Grande do Sul, nas
cidades-gêmeas de São Borja e Santo Tomé. A história dessas duas comunidades foi
pouco pesquisada, sendo raros os trabalhos sobre as mesmas. Ainda mais raras são
as pesquisas que procuram pensar a situação do contrabando na região em foco na
segunda metade do século XIX, período delimitado para nossa análise. Assim sendo,
a historiografia sobre a área é escassa, tornando-se extremamente difícil termos com
quem dialogar ao longo do texto. Em virtude disso, o artigo está centrado na análise dos
documentos primários encontrados ao longo da nossa pesquisa em arquivos do Brasil
e da Argentina.
Cabe observar que a expressão cidades-gêmeas, no caso específico da fronteira
brasileira, corresponde a diversos arranjos espaciais. Essas cidades, raramente,
apresentam tamanhos urbanos similares e, nem sempre, estão situadas na fronteira
seca. Também não precisam, obrigatoriamente, ocupar posição simétrica em relação
à divisa internacional (CARNEIRO FILHO, 2008, p. 29). No caso específico em análise,
os dois centros urbanos têm tamanhos diversos, o rio Uruguai une/divide as duas
cidades e as mesmas não se encontram em posição simétrica na divisa internacional.
Tanto São Borja, quanto Santo Tomé, estão posicionadas a grandes distâncias de seus
centros políticos e econômicos, o que fazia com que o isolamento fosse uma das marcas
dessas comunidades. Além disso, os caminhos existentes para se chegar e sair desses
espaços, eram extremamente precários no século XIX, o que aumentava a importância
estratégica do rio Uruguai
2
para as duas comunidades.
2 O rio Uruguai nasce da confluência dos rios Canoas e Pelotas, no estado de Santa Catarina. Seu
curso é de aproximadamente 1838 quilômetros, é bastante sinuoso e acidentado nos primeiros 1000 qui-
lômetros, sendo frequentes rápidos e pequenos saltos e cascatas. No trecho do Alto Uruguai o rio segue
o sentido oeste, mudando de rumo a sudoeste, até alcançar a boca do rio Cuarein. No Médio Uruguai o rio
corre de forma mais vagarosa, mas a navegação se interrompe em vários pontos desse trecho. O terceiro
trecho é o do Baixo Uruguai, desde o Salto Grande até a desembocadura. Os principais afluentes da mar-
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Maria do Carmo Brazil, estudando a importância dos rios na história, citando
Shama, coloca que, “[...] em cada árvore, cada rio, cada pedra estão depositados séculos
de memória” (SHAMA apud BRAZIL, 2014, p. 8). Ainda segundo ele, o ocidente romano
já havia compreendido os rios como “[...] estradas que podiam se tornar retas; que
transportavam mercadorias e, se necessário, homens armados; que definiam entradas
e saídas” (SHAMA apud BRAZIL, 2014, p. 9).
Estudando a história do Rio Paraguai, Maria do Carmo Brazil salientou que:
São as águas poderosas e históricas de seu leito que cristalizaram no tempo
a produção material, os conflitos diplomáticos e étnicos, as guerras, os fluxos
migratórios e os sonhos que, incansavelmente, continuam a correr em direção
meridional da América do Sul, conduzindo para a posteridade as riquezas, a
magia, os mitos e a sombra dos heróis nacionais e anônimos permanentemente
vivos na memória coletiva da Argentina, do Uruguai, do Paraguai e, sobretudo,
do Brasil (BRAZIL, 2014, p. 12).
Assim como o Rio Paraguai, o rio Uruguai também foi um importante meio de
contato comercial, político e cultural entre os agentes sociais que viviam e habitavam
às suas margens, tornando-se um espaço de integração econômica e sociopolítica. O
Uruguai é, antes de tudo, um complexo de engrenagens que são políticas, econômicas e
culturais. Em nossa leitura antes de ser um rio-trincheira é, acima de tudo, um traço de
união, um rio latino-americano que criou vínculos entre povos e culturas, mas devido
a sua condição política de fronteira entre Brasil e Argentina, escrever uma história que
fale desse rio dependerá de qual lugar se escreverá: da sua margem direita, esquerda ou
do meio de suas águas, e, além disso, se estará próximo ou distante do mesmo.
Outros pesquisadores têm colocado a história de um Uruguai exclusivamente
trincheira-fronteira
3
, isso é um mito que está precisando, há muitos anos, de uma
revisão apropriada. Primeiro, porque esse rio nem sempre foi uma fronteira político-
administrativa, ele foi considerado assim a partir do século XVIII, mais precisamente, a
partir de 1750 (provisoriamente) e de 1801 (definitivamente)
4
. Segundo, porque mesmo
tendo sido transformado em uma fronteira, isto não significa sua automática, imediata
e eterna aceitação pelas populações ribeirinhas, nem significa que tenha desaparecido
o rio enquanto via de comunicação e traço de união dessas populações. Nessa luta
pela definição do rio, os historiadores têm desempenhado o papel de fornecedores de
ideias para todas as posições. É importante ressaltarmos que existem relações entre
gem esquerda do Uruguai eram o rio Ijuí, Ibicuí, Cuarein, Arapey Grande e Chico, o Dayman, Queguay, e o
Negro. Na margem direita afluem o Chapeco, Pepirí-Guazu, Aguapey, Miriñay, Mocoretá, Gualeguaychu.
3. Para uma historiografia mais tradicional do Rio Grande do Sul, a fronteira Brasil-Argentina foi perce-
bida e tratada exclusivamente como limite entre os dois Estados Nacionais, interessava para esta histo-
riografia ressaltar as delimitações da fronteira, os tratados, as guerras, ou seja, marcar a diferença entre
os brasileiros e os argentinos, nesta visão a fronteira e o rio Uruguai eram tratados exclusivamente como
limites.
4. O Tratado de Madri de 1750 estabeleceu o Rio Uruguai como limite entre o Império Português e o
Império Espanhol, na região onde se localizavam as Reduções Jesuítico-Guaranis de São Borja e Santo
Tomé, assim São Borja ficaria sobre domínio Português e Santo Tomé sobre domínio Espanhol. Mais tarde
este tratado foi revisto e São Borja voltou a estar sobre domínio Espanhol. Em 1801, um grupo que reunia
aventureiros, contrabandistas, milicianos e criadores de gado tomou a região dos Sete Povos das Missões
e o Rio Uruguai passou a ser a fronteira de fato entre o Império Português e o Império Espanhol nesta
região da América Latina.
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vizinhos fronteiriços que merecem ser conhecidas de forma mais aprofundada, pois o
rio Uruguai é o produto de uma história profundamente humana e não simplesmente
um dado da natureza.
Dentro das discussões sobre a América Latina tem se destacado vários estudos
sobre as fronteiras5 ou nas fronteiras. A maior parte da historiografia sobre fronteira
trata da mesma dentro da lógica do Estado Nacional, em que a fronteira é percebida quase
que, exclusivamente, como um espaço periférico e de hegemonia desse Estado. Porém,
nas últimas décadas, esse quadro vem mudando e a fronteira vem sendo destacada,
nos EUA e na Região Platina6, como um centro, ou seja, um objeto de investigação,
um foco de análise e uma problemática teórica. Na Argentina, especialmente a partir
da década de 1970, a noção de região passou a ser definida como espaço construído e
continuamente modificado e reestruturado pela ação humana. Buscou-se compreender
a singularidade na totalidade e os estudos se voltaram para os mercados, a circulação
de bens e pessoas, a divisão social e espacial do trabalho, analisados em suas diversas
conjunturas. Como nos esclarece Teruel:
Nesse sentido, também as fronteiras são suscetíveis de serem tratadas
como regiões, com a peculiaridade de que neste caso se trata de espaços de
contato entre sociedades distintas. Superando a noção de fronteira como um
simples limite físico, concebendo-a como construção social, historicizando-a
no processo de apropriação, de um território por uma sociedade dada, as
fronteiras estabelecem sua identidade frente a si mesmas e as sociedades
vizinhas (TERUEL, 2005, p. 13).
Por fim, Alejandro Grimson, tem se destacado por pensar, criticamente, questões
em torno das fronteiras nacionais. Para ele, o estudo das fronteiras pressupõe escapar
das versões estáticas homogêneas de cultura unitária. Para uma melhor compreensão
das fronteiras políticas entre os Estados Latino-Americanos, é fundamental considerar
os diversos aportes realizados por múltiplos estudos fronteiriços e inscrevê-los em uma
história social diferente. Esse autor tem enfatizado que é vital que proliferem novos
estudos sobre zonas fronteiriças realizando uma análise “[...] territorial, relacional,
sociocultural de espaços fronteiriços específicos” (GRIMSON, 2004, p.1), ou seja,
considera importante:
[...] ir às fronteiras estatais com uma perspectiva aberta que permitisse
detectar e compreender não só a multiplicidade e mistura de identidades,
mas também suas distinções e conflitos. Não só os contatos e trocas
transfronteiriços, mas também as lógicas locais de disputas interfronteiriças.
Ir às fronteiras para mostrar a contingência e historicidade do limite não
implicava enfatizar exclusivamente sua porosidade e seus cruzamentos, mas
também as lutas de poder, os estigmas persistentes e as novas formas de
nacionalismo (GRIMSON, 2004, p. 2).
5. A fronteira pode ser entendida tanto como um limite que separa dois ou mais povos, ou como uma
zona. Essa diferenciação entre fronteira linha e fronteira zona é fundamental. Neste artigo entendemos
e tratamos a fronteira como zona, de contato, de integração, de interação entre os diferentes agentes
sociais que viviam e circulavam por ela no dia-a-dia.
6. Região Platina diz respeito a área compreendida pela Bacia do Rio da Prata.
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Normalmente, pensa-se a construção da fronteira de cima para baixo, dentro
de uma visão centralista, assim, estudos nas zonas de fronteira podem contribuir para
recuperar o papel de agentes sociais que os habitantes desses espaços tiveram e têm.
Permite, também, pensar a dialética de acima e abaixo, centro x periferia, micro x
macro percebendo que essas regiões têm um impacto crítico na formação dos estados
nacionais. As comunidades fronteiriças podem ser agentes de mudanças sociopolíticas
significativas que ultrapassam sua localidade e inclusive seu estado.
Para muitos estudiosos, as pesquisas sobre a fronteira dos EUA-México têm
sido um paradigma importante, mas desse paradigma surge um problema: a ênfase na
metáfora do cruzador de fronteira e, consequente, negligência de outras metáforas
possíveis como a do reforçador da fronteira. Assim, é fundamental ter uma postura
menos extrema, nem radicalizar a rigidez da fronteira, nem acentuar em excesso sua
porosidade, mas sim, buscar compreender a fronteira por meio da combinação da
metáfora do cruzador e do reforçador, construindo uma análise fecunda e crítica acerca
da interculturalidade
7
das zonas fronteiriças.
Os estudos têm demonstrado que cada espaço fronteiriço tem suas próprias
características de formação e delimitação em um processo constante de negociação,
conflito e renegociação, que envolvem o Estado Nacional e as populações locais. Em
suma, não se pode compreender a ação estatal sem se estudar os vínculos complexos
que os Estados constroem com os atores sociais nas fronteiras. O fato das populações
fronteiriças receberem influências internacionais em sua cultura gera configurações
políticas específicas, o que faz com que a sua relação com o centro do poder do Estado
Nacional seja conflituosa. Muitas vezes, a cultura específica de uma determinada zona
de fronteira entra em conflito com os pressupostos do Estado Nacional.
Por conseguinte, centro e periferia passaram a ser categorias de tensão
permanente e constitutiva e que se redefinem em situações relacionais e temporais
específicas. O estudo do contrabando guarda, também, uma relação com a história
transnacional uma vez que analisa “unidades que transbordam e vazam [infiltram-se]
através de fronteiras nacionais, unidades que podem ser tanto maiores como menores
que o Estado Nação” (SEIGEL apud BARROS, 2014, p. 90). Nosso objetivo não é fazer,
mais uma vez, uma história nacionalista dessa região fronteiriça banhada pelo Rio
Uruguai e, sim, uma história que busque perceber a prática do contrabando e as atitudes
pensadas e tomadas pelos agentes do Império do Brasil para fazer o combate a essa
prática na segunda metade do século XIX.
A prática do contrabando na fronteira Brasil-Argentina.
Na região fronteiriça do Brasil com a Argentina desenvolveu-se, durante todo o
7. Interculturalismo ou interculturalidade é antes de tudo a defesa do diálogo entre as diferentes culturas,
o interculturalismo estuda a cultura dos povos, mas se diferencia de outras áreas das ciências sociais e
humanas, uma vez que, se preocupa com a interação entre as pessoas, não defende que todas as pessoas
sejam iguais umas as outras, mas sim que elas poderiam estar mais próximas, ter mais contato. O inter-
culturalismo preocupa-se em estudar a interação entre as pessoas e as sociedades, para esta concepção
a identidade cultural das pessoas é formada justamente nesta interação com os outros, defende também
que as pessoas podem ter varias identificações possíveis (brasileiro, rio-grandense, fronteiriço) que po-
dem ser acionadas conforme a época ou situação. Por fim, a interculturalidade preocupa-se em ajudar as
pessoas a conviver com o diferente e poder viver em uma sociedade mais pacifica.
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século XIX, intenso comércio lícito e clandestino (CHIARAMONTE, 1991); (COLVERO,
2004); (FLORES, 2007) e (FLORES, 2012). Tal comércio utilizava como principal via os
rios e as precárias estradas, ou melhor, caminhos que cortavam a fronteira. Chiaramonte,
estudando a questão do comércio e contrabando, na primeira metade do século XIX,
chamou atenção para o comércio lícito e clandestino de gado equino, vacum e muar
para o Rio Grande do Sul. Tal comércio foi, especialmente, ativo durante os períodos
de conturbação da ordem social da Província, como durante a Revolução Farroupilha
(1835-1845), mas também se dava em momentos menos conturbados. O contrabando de
muar abastecia a feira de Sorocaba em São Paulo.
Também existia uma rota de comércio entre a cidade de São Borja e Itapúa (atual
Encarnación, Paraguai) passando por Santo Tomé. Era por meio dessa rota que os
contrabandistas faziam chegar ao Paraguai produtos oriundos do Brasil e da Argentina.
Também escoavam a produção do Paraguai para os portos de Buenos Aires, Montevidéu,
utilizando o rio Uruguai e os caminhos precários existentes para as suas atividades.
Erva mate, tabaco, mel e couros, produzidos no Paraguai, chegavam aos portos de São
Borja e Santo Tomé e eram reexportados para Buenos Aires e Montevidéu. O Paraguai,
em contrapartida, recebia armas, têxteis, alimentos e metalurgia.
José Carlos Chiaramonte explicou detalhadamente como se davam as transações:
O certo é que existia então um comércio do Paraguai com Buenos Aires, disfarçado
sobre a aparência de transações brasileiras-paraguaias que se efetuavam
através da rota Itapúa-São Borja-Buenos Aires. Esta suposta inexistência de
tráfico Itapúa-Buenos Aires era facilitada pelo ardil dos comerciantes rio-
grandenses intermediários, que desembarcavam as mercadorias portenhas em
São Borja, as passavam a outra margem e, com carretas de sua propriedade,
as transportavam a Itapúa como se fossem mercadorias de origem brasileiras,
através do território do noroeste correntino. Procedimento similar empregado
para retornar mercadoria paraguaias, com destino a Montevidéu e Buenos
Aires, via São Borja (CHIARAMONTE,1991, p. 87).
Além do tráfico citado acima, existia, também, nesse período histórico, intenso
comércio licito e ilícito de escravos por São Borja e Santo Tomé. Assim, a prática do
contrabando vinha de longa data nessa região. Na década de 1840, a região de Santo
Tomé continuava a exportar couros, couros curtidos, tabaco e erva mate de forma legal
(SCHALLER, 2012. p. 29-33), além de outros produtos que entravam e saiam de Santo
Tomé por meio do contrabando e que, consequentemente, não entravam nas estatísticas.
Vamos nos deter agora em analisar a questão do contrabando nessa região
fronteiriça na segunda metade do século XIX. A Alfândega de São Borja deixou de
funcionar, em 1848, devido a ter sido apurado uma série de irregularidades na mesma.
Além disso, a cidade de Uruguaiana estava localizada em um local mais estratégico para
instalação de um órgão finalizador tão importante, logo, a Alfândega foi transferida para
este local. Foram também criadas as Mesas de Renda de Jaguarão, Itaqui e São Borja
(FLORES, 2012, p. 144). Na década de 1850, o responsável pela Alfândega de São Borja
criticou o fim das atividades da mesma. Entre as razões para a crítica, era argumentado
que, pelo rio Uruguai, entravam produtos variados provenientes de Montevidéu e Buenos
Aires. O fim da Alfândega faria com que os mesmos produtos continuassem a entrar na
província, porém, por via do contrabando. Dizia-se, ainda, que os produtos vindos de
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Montevidéu e Buenos Aires eram mais variados e sortidos que os que se conseguia nas
praças de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, o que os tornava mais atrativos para os
comerciantes da fronteira (Correspondência da Alfândega de São Francisco de Borja,
16 de mar. 1850. AHRS). Além disso, os produtos adquiridos nesses dois portos tinham
valores inferiores em relação aos que podiam ser adquiridos nas praças comerciais
do Leste do Rio Grande do Sul (FLORES, 2012, p. 141). Por conseguinte, os principais
pontos de entrada e saída do contrabando na região eram os portos de Buenos Aires e
Montevidéu.
Buenos Aires devia sua importância, em grande parte, pela sua localização nas
proximidades da desembocadura dos rios Paraná e Uruguai. “Buenos Aires se encontrava
em uma localização muito favorável para retirar proveito da expansão da produção
pecuária em toda a área servida por esses dois grandes cursos de água [...]” (HORA, 2010,
p. 64). Tornou-se a intermediária entre o comércio Atlântico e o proveniente do interior
da Confederação e províncias litorâneas
8
. Além disso, era o ponto de convergência do
sistema de transportes terrestres dos estados da Confederação Argentina. Era ainda o
local de chegada e partida de vários comerciantes e contrabandistas que vinham para e
da região de Santo Tomé na província de Corrientes.
Sobre a preferência dada ao porto de Montevidéu pelos comerciantes da fronteira
Souza esclarece que:
Os negociantes das praças fronteiriças, em geral, efetuavam suas compras em
Montevidéu. Lá, eles tinham suas relações e seu crédito aberto. As mercadorias
compradas lá ofereciam vantagens de preços e acondicionamentos muito maiores
do que aquelas adquiridas nas praças do Rio Grande e Porto Alegre. Os fretes
e seguros marítimos de qualquer parte do mundo para Montevidéu custavam
menos da metade dos fretes e seguros dos mesmos portos de procedência para
o Rio Grande e Porto Alegre. Deve-se agregar, ainda, os prejuízos que no Litoral
rio-grandense resultavam das baldeações, mutilações de volantes, extravios e
avarias, que representavam capitais imobilizados. Ou ainda faturas de compras,
cujo vencimento do prazo estava correndo e cujas mercadorias não tinham ainda
entrado na casa do comerciante (SOUZA, 2007, p. 306).
Existiam duas formas principais de contrabando na região fronteiriça, o
contrabando de grande escala feito por atravessadores que utilizavam as estradas ou o
Rio Uruguai e o contrabando de pequena escala feito por moradores ou negociantes das
duas comunidades. Esse contrabando de pequena escala, geralmente, era realizado pelos
moradores da Vila de São Francisco de Borja e de Santo Tomé e, raramente, causava
problemas para aqueles que o executavam.
Em 1859, o guarda da alfândega de Uruguaiana, Oreste Ferreira Paes, foi até São
Francisco de Borja e realizou apreensão de mercadorias trazidas em pequeno volume de
Santo Tomé. Nesse ato, desacatou o administrador da mesa de rendas
9
de São Francisco
de Borja, por considerá-lo conivente com o contrabando, bem como, os guardas nacionais
que trabalhavam no local de desembarque. Além de apreender mercadorias, o guarda
da alfândega de Uruguaiana ainda apreendeu uma chalana de Santo Tomé e obrigou o
8 Províncias Litorâneas neste contexto refere-se às províncias banhadas pelo Rio da Prata e seus auentes.
A Província de Corrientes, onde se localiza Santo Tomé, é considerada uma Província Litorânea.
9 Mesa de Rendas era a forma como se chamava o local onde eram pagos os impostos devidos pelas merca-
dorias que transitavam pela fronteira.
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condutor a levá-lo até a Alfândega de Uruguaiana. No caminho, parou em algumas ilhas
do rio Uruguai e apreendeu víveres de moradores chamando os mesmos de criminosos
e assassinos. O condutor da chalana era menor de idade o que causou um problema
diplomático entre o Império do Brasil e a Confederação Argentina. (Correspondências
Delegados de Polícia São Francisco de Borja. 15 jul. 1859. AHRS). A atitude do guarda de
alfândega de Uruguaiana teve grande repercussão na comunidade de São Borja e Santo
Tomé que a consideraram abusiva. O conflito tomou essa proporção porque colocava em
risco uma das formas de barateamento do custo de vida das populações locais, que era
o contrabando de pequena monta, além disso, contestava uma cultura já estabelecida
em ambas comunidades de buscarem os produtos necessários na outra margem do rio
Uruguai. Ao que tudo indica, o administrador da mesa de rendas de São Borja e os guardas
nacionais não viam problemas nesse comércio.
Outro assunto que o documento traz à tona é a questão em torno das ilhas
do rio Uruguai. Essas eram locais de trabalho e de sobrevivência para inúmeras
famílias, que praticavam a agricultura e pecuária de pequena escala. Também
eram utilizadas como esconderijos por todos aqueles que desejavam escapar das
autoridades de um ou outro lado da fronteira (criminosos, desertores, escravos
fugidos, contrabandistas) e, por m, eram também utilizadas como depósito de
mercadorias pelos contrabandistas. As populações dessas ilhas eram bastante
heterogêneas, havendo moradores de várias origens, brasileiros, paraguaios e
correntinos em sua maioria. Por esses motivos, eram visadas pelas autoridades
que, frequentemente, cometiam abusos em suas investidas sobre esses territórios.
A scalização desses espaços era muito difícil de ser realizada e, geralmente,
ocorriam com violência por parte das autoridades. É importante ressaltar que o
contrabando de pequena escala era uma forma de sobrevivência e de barateamento
do custo de vida para as comunidades, fazendo parte da vida cultural das mesmas e
sendo um hábito bastante arraigado, além disso, criava vínculos entre os moradores
de ambos os lados do rio Uruguai.
Outro aspecto do contrabando diz respeito a quem o praticava. Eram muitos
os segmentos sociais envolvidos no contrabando no Rio Grande do Sul. Souza,
analisando o contrabando na região fronteiriça Brasil/Uruguai, no nal do século
XIX e início do século XX, elencou os principais tipos sociais envolvidos na prática:
Nas formas tradicionais do intercâmbio fronteiriço, percebemos que eram
variadas as motivações que levavam ao desempenho dessa atividade
bem como os tipos sociais que a praticavam. Assim, nas áreas rurais,
eram contrabandistas alguns proprietários de gado e de charque, muitos
deles com terras no lado oposto da fronteira, que julgavam os impostos
demasiado elevados para a exportação de uma riqueza considerada natural
da região. Eram contrabandistas também negociantes que obtinham
manufaturas europeias mais baratas pela via do porto de Montevidéu e
das ferrovias uruguaias. Nesses dois casos, estancieiros ou comerciantes
estavam sempre a salvo de todo o risco, pois sua qualidade de empresário
estava aliada a sua inuência política. Havia, ainda, os contrabandistas
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prossionais, simples passadores de mercadorias de outros, no caso
negociantes, que se arriscavam para enriquecerem os que compravam
ou vendiam por atacado. E havia, nalmente, a população urbana que
sobrevivia a partir do contrabando-formiga: os passadores na fronteira
argentina, os chibeiros na fronteira brasileira, os quileros, na fronteira
uruguaia (SOUZA, 2007, p. 314).
Em São Francisco de Borja e Santo Tomé, também encontramos um grupo
variado de tipos sociais envolvidos, tanto no contrabando de pequena escala, como
no de grande escala, do qual participam pecuaristas, negociantes, comerciantes,
mascates etc. (COSTA, 2013, p. 157). Assim, o contrabando, além de ser uma forma
de sobrevivência e de barateamento do custo de vida das populações locais, era
também uma prática costumeira, um hábito das populações. Muitos contrabandistas
eram conhecidos e protegidos nas comunidades fronteiriças. É importante aqui
chamarmos a atenção para a ressalva que Flores faz a esse respeito: mesmo que
muitos comerciantes zessem uso do contrabando para abastecer seus negócios,
nenhum deles gostaria de ver seu nome envolvido publicamente com a prática,
muito menos de ser taxado como contrabandista (FLORES, 2012, 172).
O contrabando de grande escala, por sua vez, era realizado por terra e por via
uvial. Durante o século XIX, foi intenso o comércio e o contrabando via rio Uruguai
e o mesmo também acontecia no Alto Uruguai, apesar de serem poucos os dados
disponíveis a esse respeito, uma vez que o contrabando não entra nas estatísticas
ociais.
Juan Pedro Abadie, falando a respeito do trânsito de mercadorias no Alto e
Médio Uruguai, defende que:
Apesar das diculdades que se apresentavam à navegação, durante o
século passado [XIX] e as primeiras décadas do presente [XX] esta chegou
a adquirir certa importância no Baixo Uruguai e alguns lugares ao norte
de Salto Grande, particularmente entre Santo Tomé e Monte Caseros;
de onde era frequente o trafego de embarcações de 100 toneladas que
transportavam principalmente açúcar, erva, couros, madeira, calando 3
pés. (ABADIE, 1998, p. 10).
Apesar da pouca informação que dispomos, sabemos que a navegação entre
portos do Alto, Médio e Baixo Uruguai era bastante intensa na segunda metade
do século XIX. Por exemplo, a navegação realizada entre São Borja e o porto
de Federação na Argentina era ainda pouco conhecida pelas autoridades, mas
circulavam embarcações de 4 a 30 toneladas, o que indicava um ativo comércio
entre os dois pontos (Notas de Governo a Governo. Argentina e outros. 1823-1898.
25 agosto 1864. AHI). Assim, o comércio no Alto Uruguai, apesar das diculdades
de navegação, especialmente nas épocas de seca do rio, tinha uma grande
importância e ocorria paralelamente ao contrabando. Durante a época de cheias, o
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rio permitia sua navegação em longos trechos. Na época da vazante, a navegação
cava mais difícil. Lilia Inês Zanotti Medrano (1989) assinalou que o rio Uruguai,
de abril a novembro, tinha seu período de cheia que facilitava a navegação e o
comércio.
Franco Melchior Carneiro de Mendonça (MENDONÇA, 1863. IR² 1. AN.),
cônsul encarregado do combate ao contrabando na República Oriental do Uruguai,
apresentou importante relatório sobre o assunto na década de 1860. Ele nos
uma boa ideia de como era a prática do contrabando nessa zona fronteiriça. O
autor sustentava que procurou fazer o melhor levantamento possível:
[...] atravessando desertos habitados por salteadores, desertores e
contrabandistas, descendo pelo Alto Uruguai em uma ligeira pernoitando
por ilhas e entre suspeitos com risco da própria vida afrontando privações
consumadas que podem ser avaliadas por quem conhece estas
paragens [...]. (MENDONÇA,1863. IR² 1. AN).
De acordo com o autor do relatório, a criação de vice-consulados, em
Salto, Constituicion e Santa Rosa já atendia ao imperativo de levantar melhores
informações sobre o contrabando na região, reconhecia que esses eram os pontos
intermediários das rotas do contrabando para o Alto Uruguai, incluindo a região de
São Borja e Santo Tomé.
Saindo de Salto o Cônsul subiu:
[...] ao Alto Uruguai no intuito de atingir o m que tinha em vista o de
reconhecer o modo porque se faz o contrabando pelas fronteiras terrestres
e uviais como também estudar os meios de evitá-lo, se não no todo ao
menos em sua maior parte [...] (MENDONÇA, 1863. IR² 1. AN).
Sobre o contrabando argumentava que o Salto, povoação da República
Oriental do Uruguai, situado a cinco léguas abaixo da cachoeira do rio Uruguai, da
qual tomava o nome, era porto de depósito e trânsito e o armazém do comércio de
contrabando para a Província do Rio Grande do Sul. Nos armazéns da respectiva
alfândega eram recebidas as mercadorias estrangeiras procedentes das praças
do Rio de Janeiro, Montevidéu e Buenos Aires. Desses armazéns eram levados,
em despachos, mais ou menos regulares para os portos, também de depósito e
trânsito da Constituição, de Santa Rosa e de Santo Eugênio, dos quais os dois
primeiros estão localizados à margem do rio Uruguai e o terceiro ao do rio Quaraí.
Dali as mercadorias eram despachadas a um dos portos da Província de Entre Rios
e Corrientes (Caseros, Federación, Restauración, La Cruz e Santo Tomé).
Abadie também explicita que esses eram os principais portos em atividade no
Uruguai e era por eles que passavam produtos em grande quantidade (ABADIE,
1998, p. 10). Esses produtos eram recebidos em depósitos, ora ocialmente na
COSTA, Marcus Vinicius da
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alfândega da terceira localidade (Restauração, hoje Passo de Los Libres, em frente à
cidade brasileira de Uruguaiana) acima indicada, ora em ranchos ou casas escusas
preparadas à margem do Rio e em suas ilhas. Recolhidas as mercadorias aos
depósitos, das mencionadas localidades, eram retiradas para uma companhia
de navegação uvial que dispunha de meios necessários para isso e transportados
para Uruguaiana, Itaqui e São Borja.
Segundo Medrano, o porto de Restauración era o grande irradiador do
contrabando de produtos para o Rio Grande do Sul. Em seus depósitos eram
armazenados os produtos que depois eram distribuídos pelos portos do rio
Uruguai em chalanas, pailebotes, botes, goletas, lanchões, queches, canoas e
balandras (MEDRANO, 1989, p. 171). As companhias de navegação instaladas
no Uruguai possuíam vários despachos para seus navios, utilizados para enviar
suas mercadorias para o porto de La Cruz ou Santo Tomé, porém, muitas vezes,
desembarcavam as mercadorias em outros pontos fazendo as mesmas entrar no
Rio Grande do Sul por contrabando (MEDRANO, 1989, p. 187).
Uma companhia de navegação uvial cuja direção era presidida por um Italiano
de nome Antonio Corso, encarregava-se de transportar mercadorias por contrabando
da Restauración para Itaqui e São Borja. Munindo-se com os necessários despachos
com destino aos portos da La Cruz e Santo Tomé (Província de Corrientes) as
embarcações subiam o rio Uruguai e, ao chegarem, davam fundo (fundear) na
foz do Rio Aguapey durante a noite, muitas vezes de dia, em horas próprias e
convencionadas com autoridades corruptas, e desembarcavam o contrabando na
margem brasileira. Muitas vezes, os contrabandistas, ao perceberem a chegada das
forças ociais de repressão, livravam-se das mercadorias e, ao serem abordados,
não possuíam mais nada que caracterizasse o contrabando.
Além dessas formas, fazia-se o contrabando para Itaqui e São Borja da
seguinte maneira:
Despacham-se em Uruguaiana gêneros já despachados para consumo, e
os respectivos volumes (fardos, caixões, barricas) vazios ou cheios de pa-
lha, pedra, e tijolos, já numerados com marcas e contramarcas são confe-
ridos por certo e determinado Guarda mediante uma cota convencionada
como contendo as mercadorias declaradas nos despachos. Assim em-
barcados tais vasilhames, são conduzidos para ilha grande (entre Itaqui
e Uruguaiana), povoada por correntinos, malfeitores, e por desertores do
nosso exército, e ai abandonados em troca de outros, que são na mesma
ocasião (trazidos) da Restauración, iguais em dimensões, marcas, nume-
rações e contramarcas, de que faz menção o manifesto (MENDONÇA,
1863. IR² 1. AN).
Esse não era o meio usual por ser um tanto incômodo aos contrabandistas.
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CONTRABANDO PARA SÃO BORJA E SANTO TOMÉ
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O mais comum era que os barcos que partissem de Uruguaiana para Itaqui e São
Borja recebessem grandes volumes por contrabando. Ao chegarem àqueles portos,
desembarcavam os volumes à sombra da noite ou de dia em conveniência com os
guardas das respectivas mesas de rendas e seguiam sem maior preocupação para
a casa dos negociantes contrabandistas.
Pelos diferentes passos do Quaraí e fronteira terrestre fazia-se o contrabando
de vários modos, ainda que em pequena escala, em relação ao que entrava pelo
rio Uruguai. Carretas com mercadorias de diversas qualidades, valores e origens,
em grandes fardos, caixões e outros envoltórios transitavam, constantemente, pelo
passo real daquele rio (Chamado Pay-passo) com direções a Uruguaiana e outros
pontos. O cônsul admitia que os contrabandistas possuíam muitos outros meios
para introduzir produtos no Rio Grande do Sul que eram empregados segundo as
circunstâncias de ocasião, lugares e desleixo das autoridades. Os contrabandistas
contavam, em vários lugares, com a proteção das autoridades e também da
população sendo que “nos municípios de São Gabriel, Santana do Livramento,
Itaqui, São Borja e Uruguaiana raro é o estancieiro que não proteja, na fazenda, a
pessoa do contrabandista” (MENDONÇA, 1863. IR² 1. AN). Essa proteção derivava
de uma cultura existente na fronteira na qual o contrabandista não era visto como
um contraventor, mas simplesmente como uma pessoa que trazia produtos mais
baratos para abastecer o mercado local e regional e que, dessa forma, conseguia
sua própria sobrevivência e contribuía com a sobrevivência da comunidade.
O contrabando podia, também, ser passado por dentro da Alfândega de
Uruguaiana. Mariana Flores, em sua dissertação de mestrado, analisando
Processos Crimes e Autos de Responsabilidade, conseguiu demonstrar as formas
como os produtos passavam por dentro da Alfândega, sem pagar os valores scais
ou pagando valores inferiores aos devidos e a conveniência das autoridades
alfandegárias com essas ações.
Segundo essa autora:
O contrabando podia se dar pela passagem de mercadorias por passos
de fronteira desguarnecidos, mas também era passível de ser passado
por dentro da própria Alfândega, valendo-se de estratégias consolidadas
que aparecem permanentemente ao longo das diferentes gestões de
inspetores (FLORES, 2007, p. 93).
Muitas embarcações com destino a Itaqui e São Borja não eram nem mesmo
conferidas na alfândega de Uruguaiana (FLORES, 2012, p. 185).
Mesmo nos passos mais vigiados o contrabando era prática comum, conforme
disse um viajante à alfândega de São Francisco de Borja, a qual vigiava de dia
e dormia de noite. nos passos mais afastados da vila, como o de Garruchos
COSTA, Marcus Vinicius da
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 11-21, jan.-jun., 2015.
127
(povoado localizado a norte de São Borja), a movimentação comercial era grande,
lanchões chegavam com certa frequência de Uruguaiana com produtos para as
casas comerciais da povoação. Mesmo com a existência de guardas nacionais
permanentes, mesmo que os moradores só pudessem usar canoas e barcos
licenciados e os postos de passagens fossem fechados à noite, havia uma leva
e traz por contrabando e muitos contraventores conseguiam “[...] chegar de uma
margem a outra sem serem notados” (BESCHOREN, 1989, p. 125).
Em 1883, em uma “Memória histórico-administrativa sobre o contrabando
praticado nas fronteiras do sul do Império e dos meios que se podem empregar
para reduzi-lo até sua extinção”, sustentava-se que o contrabando tinha uma origem
muito remota na história dos países da bacia platina. Esse fenômeno se originava
segundo o autor “[...] não na repugnância, para assim dizer, natural e quase
instintiva que inspira o imposto, mas também na facilidade, que encontram os que
se dão à semelhante tráco, nas condições topográcas das fronteiras, que são o
teatro de seus tão notados feitos” (PARANAGUA, 1883. Anexo D. p.4).
A província do Rio Grande do Sul “[...] além de connar quer uvial, quer
terrestremente, em uma muito considerável extensão com os referidos estados
platinos, oferece aos contrabandistas a extraordinária vantagem de ser, em alguns
pontos, quase nula a distância que a separa do estado vizinho” (PARANAGUA,
1883. Anexo D. p. 4). Muitas casas de comércio, ao longo da fronteira, sobreviviam
e se enriqueciam praticamente somente com o contrabando. Comentando relatórios
anteriores (1872) sobre o assunto, armava que os mesmos sustentavam que o
contrabando no Alto Uruguai era prática comum, sendo o mesmo mais volumoso
em momentos de perturbação da ordem nos estados vizinhos e que, tal fato, era
motivo de reclamação pelas praças comerciais de Rio Grande e Porto Alegre. O
autor acreditava que se cessasse o contrabando, a renda nas aduanas, no mínimo,
dobraria, o que permite uma ideia da dimensão do mesmo.
no nal do século XIX, João Alfredo Correa de Oliveira comunicava que o
contrabando era um agelo que muito tempo assolava a fronteira sul do Império.
Argumentava que muitas medidas já haviam sido propostas e adotadas para
combatê-lo, mas que, no entanto, devido ao número de reclamações, parecia que
o mesmo não havia recuado. Entre as medidas destacava a tarifa especial adotada,
em 1879, e que se buscava um acordo com os demais países fronteiriços para criar
formas novas de combate (OLIVEIRA, 1888, p. 13-14). Ressaltava a importância de
convênios com as Repúblicas vizinhas para regular melhor o trânsito de mercadorias
e aumentar a renda destinada às unidades scais (OLIVEIRA, 1888, p. 31). Os
governos do Império e da Confederação Argentina não caram imóveis frente ao
contrabando e tomaram uma série de medidas para tentar reprimi-lo ou atenuá-lo.
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CONTRABANDO PARA SÃO BORJA E SANTO TOMÉ
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 115-142, jan.-jun., 2015.
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Medidas de combate ao contrabando na fronteira Brasil-Argentina.
O controle sobre o trânsito de mercadorias era bastante precário no rio Uruguai
e isso vinha de longa data. Segundo Chiaramonte, o “[...] rio Uruguai foi de muito
difícil controle para os dois estados [Rio Grande do Sul – Corrientes], cujas capitais
e maior densidade de população estavam precisamente nas zonas mais distantes
do mesmo” (CHIARAMONTE, 1991, p. 77). Uma das armas, na luta contra o
contrabando praticado no rio Uruguai, era a melhoria nas estradas da Província do
Rio Grande de São Pedro do Sul. Para o Presidente de Província, João Luis Vieira
Cansansão de Sinimbu:
[...] o comércio, que subindo pelas águas do Uruguai vai abastecer as
comarcas de Alegrete e de Missões, não toma aquela direção somente
atraído pelo incentivo do contrabando, sem todavia querer negar
que seja esta uma das razões, mas sim porque o nosso transporte de
Pelotas até aqueles outros lugares é tão difícil e dispendioso, por falta
de boas estradas, que os gêneros transportados vão ali chegar por custo
exorbitante (SINIMBÚ, 1853, p. 35).
Efetivamente, os produtos que chegavam à região de São Borja, provenientes das
praças comerciais de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas, localizadas na região Leste do
Rio Grande do Sul, tinham os preços elevados devido aos caros fretes que eram cobra-
dos para transportar esses produtos pelas péssimas estradas da Província. Esse era um
dos fatores que alimentava o contrabando na região. O governo provincial, anualmente,
investia grandes recursos para a melhoria nas estradas. A Câmara de São Borja também
fazia o possível, mas mesmo assim, a situação das estradas e dos transportes era precária
(COSTA, 2013, p. 121-140).
As autoridades brasileiras procuravam, de todas as maneiras, coibir o contrabando
e outros crimes mas esbarravam sempre nos mesmos obstáculos. As diculdades apre-
sentadas iam desde a extensão da fronteira ao pequeno número das forças responsáveis
por vigiá-la. Em 1857, o Presidente da Província informava que a arrecadação da fazen-
da provincial era muito prejudicada pelo contrabando realizado nas fronteiras. Em muitas
alfândegas e coletorias havia conveniência dos empregados com o contrabando, o que
atingia, também, as mesas de rendas de Itaqui e São Borja devido à dependência para
com a Alfândega de Uruguaiana (Correspondências dos Presidentes de Província. 17 out.
1857. IJJ 9. AN).
Na Província de Corrientes também procurava-se coibir o contrabando. Para
isso, foi concedido aos administradores de aduanas e rendas nacionais faculdades
especiais para julgar os contrabandistas em primeira instância e aumentou-se a
vigilância sobre os funcionários das alfândegas para impedir qualquer atividade
COSTA, Marcus Vinicius da
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 11-21, jan.-jun., 2015.
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ilícita. Foi sancionada uma severa lei contra o contrabando, em outubro de 1857,
e se reforçaram as medidas para controlar a circulação de pessoas e mercadorias
nas costas dos rios com especial atenção para o rio Uruguai (BUCHBINDER, 2004,
p. 80-81). Todas essas medidas sem dúvida coibiam o contrabando, mas não o
eliminavam por completo.
Entre as medidas preventivas que deveriam ser adotadas para coibir o
contrabando na região fronteiriça, Franco Melchior Carneiro de Mendonça
(MENDONÇA, 1863. IR² 1. AN), chamava a atenção para a chamada tarifa especial
que era defendida por grande número de pensadores na década de 1860.
Segundo os mesmos, a diminuição do direito de importação na razão dos lucros que
recebiam os contrabandistas acabaria com o contrabando. No parecer do cônsul,
essa seria uma medida ecaz no Rio Grande do Sul, devido a sua excepcionalidade
em relação às demais províncias do Império. Assim, propunha que se estipulasse,
durante dois anos, uma tarifa especial a m de ver quais resultados teria. Mas,
argumentava que, caso a tarifa especial fosse adotada, o governo imperial deveria
tomar o devido cuidado e precauções para impedir que as mercadorias que fossem
introduzidas na Província do Rio Grande não fossem reexportadas para outras do
Império. Para evitar isso, deveriam scalizar os navios que partissem dos portos do
Rio Grande do Sul
10
.
Além da tarifa especial, era fundamental adotar outros meios de repressão ao
contrabando, entre os quais, a criação de duas novas mesas de rendas, uma em
Pay-passo e outra no passo do Baptista, em frente à povoação oriental de Santo
Eugênio. Essas mesas estariam subordinadas à Alfândega de Uruguaiana. Essa,
por sua vez, deveria ser administrada por um funcionário especialmente qualicado
e que, de preferência, não fosse natural da Província. Buscava-se, com isso, romper
a intrincada rede que unia contrabandistas, guardas, administradores e scais
corruptos. Obviamente, nem todos os funcionários de alfândega ou mesa de renda
eram corruptos, mas a documentação de que dispomos mostra que a corrupção e
a conveniência com o contrabando era muito acentuada nos órgãos scalizadores.
O autor do relatório propunha ainda, o estabelecimento, no Rio Uruguai, de uma
esquadrilha composta de quatro pequenos vapores e que tivessem, quando
muito, de 2,5 a 3 pés de água (escala inglesa) de calado, com máquinas de força
que dessem uma velocidade de 8 milhas por hora a m de scalizar o rio. Que
essas embarcações fossem armadas, assim como seus tripulantes, além disso,
manutenção dos dois escaleres e mais uma baleeira de 5 remos.
Ainda no ano de 1864, foi instalado o vice-consulado em Restauração. Essa
instalação era vista com um passo para tentar coibir o contrabando que se realizava
10 Na realidade as propostas para adoção de uma tarifa especial vinham sendo cogitadas desde a
década de 1850.
OS CAMINHOS DO DESCAMINHO: RELAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS ENTRE BRASIL E ARGENTINA – COMÉRCIO E
CONTRABANDO PARA SÃO BORJA E SANTO TOMÉ
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 115-142, jan.-jun., 2015.
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por aquela fronteira para o Rio Grande do Sul, devido a serem muito frequentes as
passagens de mercadorias de uma para outra margem do rio Uruguai. Defendia-
se, ainda, instalações de vice-consulados no Alto Uruguai, em La Cruz e Santo
Tomé e que isso também tinha objetivo de contrariar o contrabando praticado nesta
fronteira. Havia “[...] esperança de que o comércio e navegação no Alto Uruguai,
dominado, hoje, pela anarquia e imoralidade, marcharão pelas vias legais, sob
a paternal proteção dos dois governos” e que para acabar com o contrabando
era importante mais severa scalização na fronteira uvial (Notas de Governo a
Governo. Argentina e outros. 1823-1898. 25 agosto 1864. AHI).
no ano de 1864, surgiu um conito entre o vice-cônsul de Restauração e
autoridades argentinas. Tal conito originou-se do empenho dos contrabandistas
daquela localidade, intimamente ligados às autoridades locais, que agiram e
pressionaram para impedir que o Vice-Cônsul brasileiro conseguisse colocar em
prática suas medidas repressivas contra o contrabando. O vice-cônsul sustentava
que as embarcações não cumpriam os regulamentos existentes e que, para não os
cumprirem, mudavam sua bandeira da brasileira para a argentina. Criticava a falta
de exigência de passaporte pelas autoridades para os que cruzavam a fronteira e
que “[...] no tocante ao contrabando, a imoralidade se torna inacreditável, no entanto
o que se pratica a tal respeito é de pública notoriedade naquelas comarcas” (Notas
de Governo a Governo. Argentina e outros. 1823-1898. 25 agosto 1864. AHI). Isso
indica que a prática do contrabando continuava ocorrendo, apesar das medidas
tomadas pelo governo brasileiro e que os vice-cônsules recém-destacados para as
localidades fronteiriças não conseguiam fazer com que tal prática diminuísse.
O problema na região era antigo. Ainda no ano de 1859, o vice-consulado da
Argentina, em Uruguaiana, reclamava do excesso de exigências que as embarcações
tinham que cumprir para poder navegar o que, segundo o vice-cônsul, dicultava
as trocas comerciais com os portos do Alto Uruguai e do Baixo Uruguai (Ocio Vice
Consulado Argentino em Uruguaiana 22 Jul. 1859. AMREARC). Assim, o conito
entre os dois países se intensicava sempre que os vice-cônsules brasileiros
tentavam coibir as práticas estabelecidas de longa data na região fronteiriça.
Comércio e contrabando eram duas atividades que se desenvolviam paralelamente
nessa região sendo difícil separar um do outro.
Franco Melchior Carneiro de Mendonça propunha, ainda, obrigar todos os
veículos que saíssem para a Campanha (região) apresentarem à estação scal
do lugar de procedência, dentro de um prazo razoável que essa lhes marcaria,
certicado de descarga dos gêneros que conduzissem, comprometendo-se a
não fazer uso ilegal de suas mercadorias em benefício do contrabando. A ança
a que estariam sujeitos os transportadores nunca seria menor que a importância
COSTA, Marcus Vinicius da
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 11-21, jan.-jun., 2015.
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dos impostos a que estivessem sujeitos os produtos, devendo todo veículo ser
acompanhado das mesmas disposições regulamentares que subsistiam nas
embarcações mercantes. Salientava, ainda, que era imprescindível exercer a mais
rigorosa scalização e conferência dos volumes e das mercadorias despachadas.
Entre as medidas repressivas, argumentava que, em caso de apreensão em
agrante ou fora dele, era fundamental a imediata punição dos contrabandistas
sem protelação e que o presidente da Província fosse investido de poder de tribunal
em última instância. Terminava dizendo que todos os funcionários da Alfândega de
Uruguaiana deveriam ser substituídos (MENDONÇA, 1863. IR² 1. AN).
Em 17 de maio de 1865, o representante da Argentina, no Rio de Janeiro,
enviou ofício ao Ministro de Relações Exteriores do Brasil solicitando conversações
sobre as questões mercantis entre os dois países. Sustentava que o espírito
liberal que regia a conduta da República nos últimos dez anos não podia deixar de
incentivar o comércio entre os dois países e que:
[...] a importância crescente do movimento mercantil sobre o Alto Uruguai,
entre as possessões argentinas e brasileiras, tem feito compreender ao
governo da república a conveniência que havia para os dois Estados que
alimentam este comércio, diante de maiores e mais ecazes facilidades.
Daí também a experiência tem demonstrado aquele Governo que a mes-
ma necessidade daquelas possessões tão vantajosa para suas recíprocas
trocas, será sempre um abrigo a impunidade do contrabando que prejudi-
ca a Renda de ambos os Estados (Notas de Governo a Governo. Argenti-
na. 1865. 17 de maio de 1865. AHI).
Salientava, ainda, que os dois governos tinham que usar todos os meios para
evitarem a prática do contrabando tanto quanto fosse possível. Para isso, propôs
um convênio aduaneiro que facilitasse o comércio lícito pelo Alto Uruguai, com
maior vigilância entre os dois países, para facilitar a scalização. Propunha que:
[...] os governos contratantes nomearam um empregado interventor em
cada uma das Aduanas do outro, que existam no Alto Uruguai para que
procedam de acordo com os administradores em todas as operações
de aduana, do comércio de ambos os países, sujeitando-se as leis dos
países onde exerçam suas funções, para a vericação e reconhecimentos
necessários e para as certicações e demais documentos que devem
expedir a aduana correspondente (Notas de Governo a Governo.
Argentina. 1865. 17 de maio de 1865. AHI).
Os empregados interventores estariam sob-regime disciplinar da aduana em que tra-
balhassem. O governo do Império respondeu que o acordo sobre as aduanas não teria
bom efeito se não fosse articulada a participação do Uruguai, sem a qual o contrabando
COSTA, Marcus Vinicius da
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 11-21, jan.-jun., 2015.
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continuaria ocorrendo e a medida se tornaria inecaz (Notas de Governo a Governo. Ar-
gentina. 1865. 7 junho 1865. AHI). Em virtude disso, tal acordo não teve seguimento.
No nal da década de 1860, em relatório sobre a situação nas fronteiras, a
comissão encarregada chegou à conclusão que o controle sobre esses espaços era
totalmente precário. Mesmo nos locais onde existia uma barreira natural como o Rio
Uruguai, o contrabando de todo o tipo uía livremente devido à enorme quantidade
de passos existentes e à impossibilidade de controlar os mesmos. Alguns desses
passos eram melhores que os ociais, sendo também preferido pela população
fronteiriça por este motivo. Além disso, o fato de que quem fazia a guarda ser
morador da localidade, facilitava o trânsito de mercadorias e pessoas conhecidas
dos guardas:
vossa Ex. que aquele que quiser passar contrabando ou passar
criminosamente de um estado para outro, não ca embaraçado, nem pelas
guardas, nem por mau passo; ao contrário, a existência das guardas,
aos contrabandistas a segurança de sua livre passagem pelos outros
pontos visto que não ignoram onde elas estão (MELLO, 1868, p. 34-35).
Propunham-se, como solução, guardas volantes e incertos e nunca moradores
do local, para tentar romper a rede de solidariedade que, muitas vezes, unia
contrabandistas, guardas, administradores, scais e população.
Desde o início da década de 1870, aumentou a preocupação do Governo
Imperial com o contrabando na região fronteiriça do Rio Grande do Sul. Estudava-
se a possível adoção da tarifa especial incorporando novos produtos com tarifa
reduzida, mas esperava-se um acordo com o Uruguai e com a Argentina para
possibilitar essa mudança. Também houve proposta da criação de um corpo de
cavalaria especíco, dividido em esquadrões, para scalizar a fronteira e combater
o contrabando. Salientava-se que era importante a criação de novos postos
scais na zona de fronteira e de um sistema uniforme de talões para despacho de
mercadorias, a m de evitar as fraudes feitas com o uso dos mesmos. Além disso,
os funcionários das alfândegas e mesas coletoras deveriam ser de localidades
diferentes para impedir favorecimentos. O mesmo procedimento deveria ser
adotado para os policiais. Tais propostas, se colocadas em prática, dicultariam a
ação dos contrabandistas (PARANHOS, 1874, p. 76-78).
A partir do nal da década de 1870, cresceu a pressão para adoção de uma
tarifa especial como única maneira de desestimular o contrabando na Província. O
ministro da Fazenda sustentava que o comércio nas praças de Rio Grande e Porto
Alegre “[...] continua a ressentir-se seriamente dos efeitos do contrabando [...]”
que diziam ser feito pela fronteira. Para averiguar as condições foram realizadas
duas comissões que, mais uma vez, propuseram as mesmas medidas para coibir
COSTA, Marcus Vinicius da
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 11-21, jan.-jun., 2015.
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o contrabando (PARANHOS, 1874, p. 73). Finalmente, em 1879, foi adotada
a tarifa especial para a Província do Rio Grande do Sul. A proposta havia sido
posta em prática por Gaspar Silveira Martins. Ela gerou aumento da receita das
aduanas e diminuição do contrabando, mas não sua extinção. Ele novamente se
metamorfosearia e continuaria existindo.
Além da adoção da tarifa especial, eram propostas outras medidas para
coibir o contrabando. Entre elas: lanchões armados no rio Uruguai e mais guardas
terrestres, uma legislação mais rígida com extradição de nacionais homiziados em
países vizinhos, penas mais severas para contrabando na fronteira, estabelecimento
de tratado com Uruguai e Argentina para uniformização de tarifas. No acordo a ser
estabelecido com os outros países fronteiriços deveria ser acrescentado a seguinte
cláusula:
As Altas Partes contratantes no acordo em que se acham de prover as
medidas necessárias para reduzir ate extinguir o contrabando, que, com
desobediência das leis e escândalo da população honesta, se pratica nas
respectivas fronteiras, se obrigam a manter, cada uma de sua parte, uma
força uvial encarregada de policiar constantemente os rios Uruguai e
Quarai; e bem assim qualquer outro que possa servir para trânsito dos
gêneros e mercadorias contrabandeadas; podendo as embarcações das
altas partes contratantes chamar a fala, visitar e aprisionar, havendo para
isso razão e motivo, a qualquer, navios, barcos, chatas, lanchas, ou outro
qualquer, seja qual for a sua natureza e denominação que se tornar
suspeito ainda quando arvorada traga a bandeira de uma das outras:
devendo unicamente no caso de realizar-se a suspeita de ser o navio,
barco, chata etc., efetivamente contrabandista, e de pertencer a nação
cuja for a bandeira que tiver arvorada, mandar a embarcação apreensora
entrega-lo no porto mais próximo pertencente a respectiva nação; e neste
caso pertencerá e será entregue, conforme as leis scais, metade do
produto da apreensão ao apreensor (PARANAGUA, 1883. Anexo D, p.
22.).
Ainda constava a proposta exótica de que a polícia terrestre, em perseguição
a criminosos, poderia entrar em território de países vizinhos. Todas estas propostas
esbarravam no mesmo problema: a soberania das nações, já que não havia como
permitir, dentro do direito internacional da época, que forças uviais ou terrestres
entrassem no território de outro país, mesmo sendo para perseguir contrabandistas
ou criminosos, pois tal atitude seria considerada uma violação do Direito Natural e
das Gentes. A apreensão de embarcações também esbarrava no mesmo problema,
que forças navais do Brasil não poderiam apreender ou scalizar embarcações
com bandeira da Argentina que circulassem na parte do rio que estava sob soberania
desse país.
No Relatório do Conferente da Alfândega do Rio de Janeiro, José Baptista de
Castro e Silva, eram apresentadas novas ponderações sobre o tema. Em relação
COSTA, Marcus Vinicius da
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à fronteira com a Argentina, sublinhava que a mesma era constituída por um dos
maiores rios internacionais, o rio Uruguai, mas que, apesar disso, ininterruptamente,
barcos e vapores de todos os formatos e tamanhos somados a facilidade de
navegação, além da proximidade das povoações da fronteira das margens do rio,
faziam com que a scalização se tornasse extremamente difícil de ser realizada
(OLIVEIRA, 1889. Anexo B. p. 3-4.). Acrescentava que as estações scais estavam
muito distantes uma da outra, “[...] tendo cada uma delas a guardar e vigiar uma
zona de dezenas de léguas [...], que possuíam enormes facilidades naturais para o
exercício do contrabando, “[...] difícil, se não impossível, será sempre garantir uma
scalização absolutamente satisfatória” (OLIVEIRA, 1889. Anexo B. p. 4.). Susana
Bleil de Souza, por sua vez, comentou que o rio Uruguai era um facilitador da
navegação ao longo da fronteira e que sua extensão dicultava as scalizações por
parte das autoridades (SOUZA, 1995, p. 130).
Oliveira dizia ainda que não era somente de “[...] uma fonte que se alimenta
o contrabando na fronteira, mas de todas àquelas de que tira ele a sua existência”
(OLIVEIRA, 1889. Anexo B. p. 6.) e que somente a tarifa especial não garantia
o m do contrabando, pois havia facilidade para conseguir as guias permisos de
transporte e depósito de mercadorias que cavam na fronteira, sob guarda dos
próprios comerciantes que as retalhavam e acomodavam como queriam e que:
Com todas essas franquezas concedidas ao comércio de trânsito, é fácil
de ver que não é prejudicado somente o Império, onde as mercadorias
encontram fácil ingresso por todos os pontos da fronteira, já em partidas
consideráveis, ao favor de uma população vagabunda, aventureira,
e arrojada, entre a qual recruta o contrabando os seus agentes por
qualquer insignicante salário, buscando de preferência os pontos menos
guardados, e não raro opondo força a força, é sorrelfa, fracionada em
pequenas parcelas, e de mil modos disfarçadas, conduzidas por toda
qualidade de gente, que ao primeiro sinal de perseguição as abandona
[...] (OLIVEIRA, 1889. Anexo B. p. 5.).
Dizia, ainda, que por “Santa Rosa e pelo Ceibo” as mercadorias seguiam rio
acima em chatas e em vapores apropriados a acostarem as margens do rio e,
então, aí, eram transportadas para as margens brasileiras (OLIVEIRA, 1889, Anexo
B. p. 6).
Por conseguinte, o contrabando continuava disseminado pelo rio Uruguai,
utilizando diversas embarcações, e o trabalho de diversas pessoas das mais
diversas origens e de variados segmentos sociais. Os contrabandistas faziam
o seu negócio à noite, escondidos pela escuridão ou durante o dia em locais e
horários determinados. Mais uma vez, era visualizada a diculdade de locomoção
dos responsáveis pela scalização como uma das causas de falta de combate
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ao contrabando e enumeradas às diculdades dos órgãos scalizadores. O autor
reconhecia que o contrabando não era no volume que as reclamações das praças
comerciais de Pelotas, Rio Grande e Porto Alegre faziam crer, mas que o mesmo
era signicativo e que ocorria, ainda, o contrabando feito por funcionários corruptos
das repartições públicas scalizadoras.
Entre as formas de irregularidades ociais apresentava:
[...] averbação de descarga ou entrada no armazém e de conferência do
manifesto sem data e sem assinatura; assinatura e agência de despacho
por pessoa incompetente; mercadorias não classicadas no termo da
tarifa; volumes cuja entrada para o armazém não consta dos despachos;
falta de base para vericação da legalidade das taras; abatimento
indevidamente concedido para taras e para quebras; quebras e taras
englobadamente deduzidas da totalidade dos direitos; cobrança dos
direitos pelo peso líquido quando devidos pelo peso bruto; recolhimento
e despacho de inamáveis no armazém interno da alfândega; falta de
cobrança da percentagem de 40% sobre o fumo fabricado; distribuição
ou calculo antes da conferência com o manifesto; distribuição processo
de despacho antes de devidamente selados; falta da primeira conferência
por empregado para ela designado; falta das declarações precisas para
abatimentos dados aos tecidos mistos; falta da distribuição justicativa da
saída realizada; saída efetuada antes do pagamento ou distribuição; falta
de conferência de saída; falta de recibo dos donos ou consignatários, e
tudo isto, não isolada ou singularmente, não por este ou aquele empregado
ou despachante, mas em profusão, e por todos sem exceção (OLIVEIRA,
1889. Anexo B. p. 9.).
Tudo isso propiciava as fraudes nos despachos pela alfândega, que eram
todos repletos de irregularidades. Dessa maneira, os contrabandistas conseguiam
introduzir mercadorias de alto valor, como se fossem mercadorias de baixo valor.
Também, dessa forma, introduziam, no Rio Grande do Sul, mercadorias que não
teriam tarifa reduzida, como se as tivessem e seguiam para seus respectivos
destinos.
Outro problema levantado nos relatórios sobre contrabando dizia respeito à
extensão da fronteira. Sobre a Mesa de Rendas de São Borja, José Baptista de
Castro e Silva comentava que a Vila tinha uma população de 2500 habitantes e que
a sede scal localizava-se no Passo.
11
O município possuía uma fronteira uvial
de 240 km desde a foz do rio Botui até proximidades da Colônia Militar do Alto
Uruguai. Era, predominantemente, pastoril, mas cultivava, também, cereais, cana-
de-açúcar, fumo e outros gêneros. Salientava que a mesa de rendas possuía um
trabalho bastante regular, mas que a extensão da fronteira e os inúmeros passos
existentes na mesma dicultavam qualquer trabalho de scalização.
Em suas palavras:
11 O Passo atualmente é um Bairro do Município de São Borja, na segunda metade do século XIX já era
habitado, inclusive por muitos estrangeiros, esta posicionado as margens do rio Uruguai cerca de 6 Km do
centro de São Borja.
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A extensão da fronteira que tem a scalizar, com os seguintes pontos a
guardar: o Passo de Santo Isidro em uma linha de 40 km, desde a barra
do Piratiny até ao porto do Oliveira no rio Ipahy; o passo de Garruchos em
igual extensão, desde a barra do Piratiny até o porto do Mestrinho; o ponto
do Manoá até Mercedes, com uma extensão de 30 km; o Passo de São
Marcos em frente a povoação argentina de Santo Tomé, em linha de 36 km,
desde a barra do (I)Camaquan até Mercedes; o passo de Santa Luzia com
extensão de 30 km, desde o porto de Proença até o Passo de Sant’Anna;
e a Ilha Botuhy; - não permite uma scalização regular com os simples
recursos de que dispõe a mesa, a saber: quatro guardas e um escaler
tripulado por dois marinheiros, precisando pelo menos o aumento de 6
guardas, seis marinheiros e um escaler, e convindo para maior celeridade
de comunicação entre aqueles pontos e a sede da administração, assim
como para inspeção do serviço por parte desta última que seja ela dotada
com uma lancha a vapor de pequeno calado e boa marcha (OLIVEIRA,
1889. Anexo B. p. 15.).
Recomendava a construção de uma casa na beira do rio, pois, com mais
recursos, a Mesa poderia cumprir melhor suas funções. A ação scal deveria
ser auxiliada pela guarda de linha que estava composta de 40 homens e que o
chamado Regimento de Cavalaria, composto por esses 40 praças e um ocial,
teria que cobrir passos de Sant’Anna, do Proença, de São Borja, São Marcos,
Sarandi, Mercêdes, Carneadeira, Mestrinho, Garruchos, Santo Isidro e Santa
Maria. Dizia ainda que, quando passou por São Borja, havia uma “[...] visível e
ostensiva má vontade do comandante militar de fronteira para com o administrador
[...]” e que o novo comandante deveria prestar melhor auxílio ao serviço de
scalização (OLIVEIRA, 1889. Anexo B. p. 16.). Percebe-se que, apesar de todas
as recomendações que haviam sido feitas desde a década de 1860, a situação na
fronteira das mesas de rendas e demais órgãos nalizadores ainda era precária,
não havendo nem pessoal, nem equipamentos sucientes para vigiar a região e o
contrabando continuava sendo uma prática disseminada por toda a fronteira.
Considerações nais:
O contrabando foi uma realidade presente nas comunidades fronteiriças de
São Francisco de Borja e Santo Tomé, sendo uma forma de romper o isolamento
das mesmas e uma maneira de diminuir o custo de vida das populações. O
contrabando na região se dava em duas escalas. O de pequena escala acontecia
entre as duas comunidades, era feito pelos próprios moradores das duas cidades
e servia para consumo próprio ou de vizinhos. O contrabando de grande escala
era feito pelo rio Uruguai, em sua maior parte, ou ainda por dentro da própria
alfândega de Uruguaiana. O contrabando pelo rio Uruguai ocorria com o intermédio
de Companhias de Navegação que transportavam produtos de Salto no Uruguai,
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Concordia ou Restauracion, na Argentina, para São Francisco de Borja e Santo Tomé,
usando fundos falsos, ou manipulando os talões de despacho e desembarcando
mercadorias em passos escondidos das autoridades, nas ilhas do rio Uruguai, na
calada da noite, ou mesmo durante o dia em passos e horas combinadas com
autoridades corruptas.
O contrabando por dentro da Alfândega de Uruguaiana se dava pela
manipulação dos talões de despacho e sempre com a conveniência ou incompetência
das autoridades alfandegárias, dali seguiam por terra para São Francisco de
Borja passando depois para Santo Tomé. Para tentar coibir o contrabando, foram
propostas inúmeras medidas no período imperial: formação de uma cavalaria,
uma esquadrilha no rio Uruguai, nomeação de funcionários de outras regiões ou
províncias do Império, adoção de uma tarifa especial etc. Algumas destas medidas
foram colocadas em prática, mas o que conseguiram foi que os contrabandistas e
o contrabando se metamorfoseassem, continuando a acontecer de outras formas
e conjunturas.
O contrabandista era por essência um cruzador de fronteira. O scal e o
guarda de alfândega deveriam ser um exemplo de reforçador de fronteira, mas
como vimos, muitas vezes, esses sucumbiam à prática do contrabando tornando-
se, também, facilitadores do cruzamento na fronteira. Podemos identicar em outros
agentes, como nos vice-cônsules encarregados de levantar informações sobre o
comércio e o contrabando na região, a gura do reforçador da fronteira, aquele
indivíduo que, com sua ação, contribui para reforçar a ideia da fronteira como limite
que não pode ser ultrapassado sem o devido trâmite legal. O contrabando não foi
apenas uma prática econômica que permitiu a diminuição do custo de vida das
populações fronteiriças, apesar de ter sido também isso. Foi uma prática que, ao
longo do tempo, gerou um determinado tipo de cultura, um determinado habitus.
Assim, podemos dizer que o contrabando fazia parte da cultura da fronteira oeste
do Rio Grande do Sul e, frequentemente, entrava em conito como os pressupostos
do Estado Nacional.
O contrabando, também, foi um forjador de laços transfronteiriços entre os
diversos agentes sociais com ele comprometidos. Além de ser uma prática que criou
solidariedade entre as pessoas envolvidas, contrabandistas, agentes do Estado
envolvidos com o contrabando, pessoas que se beneciavam do contrabando
– comerciantes, estancieiros, criadores, população em geral – que, direta ou
indiretamente, estavam envolvidas na atividade. O contrabandista era aquele
indivíduo que, com sua ação de cruzar a linha divisória, acabava contestando a
sua existência e a sua xidez. Com sua ação, mesmo que não tivesse consciência
disso, contestava a própria existência dos estados nacionais. O contrabandista
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também era um agente social que criava uma ponte entre os dois ou mais mundos:
o mundo do Rio Grande do Sul e o mundo da província de Corrientes; o mundo do
comércio atlântico e destas cidades perdidas no sul da América Latina.
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