Análise de caso de representação LGBTI+
da edição DC Pride: Tim Drake special
Case analysis of LGBTI+ representation:
the DC Pride and Tim Drake
PAIVA, Mário Jorge de *
https://orcid.org/0000-0001-7158-4371
RESUMO: O texto realiza uma análise da
representação LGBTI+ contida em um dos
seguimentos do compilado, de 2022, DC Pride:
Tim Drake special. Abordamos o arco Sum of our
parts, que se revelou de importância, nesse tipo
de discussão, por apresentar uma personagem
Robin, Tim Drake, como bissexual. uma
tendência de aumento no número das
representações LGBTI+ em gibis de heróis; aqui
desejamos análise qualitativa do material.
Usaremos um aporte teórico amplo, sobre
representação LGBTI+, estética queer,
quadrinhos etc. Em termos de conclusão,
chegamos ao elemento ambivalente, pois um
lado positivo em mais representações e edições
especiais, contudo esse material nos soa pouco
inovador, em mais de um aspecto.
PALAVRAS-CHAVE: Robin; Comics;
Sadomasoquismo; Super-heróis; Queer.
ABSTRACT: The paper aims an analysis of the
LGBTI+ representation in one of the segments of
the compilation DC Pride: Tim Drake special. We
did a qualitative analysis of the material using a
broad theoretical framework about LGBTI+
representation, Queer Theory, aesthetics,
comics etc. In conclusion we come to the
ambivalent element, there are positives points,
however this material is not very inventive.
KEYWORDS: Robin; Comics; Sadomasochism;
Super heroes; Queer.
Recebido em: 27/05/2023
Aprovado em: 29/08/2023
Introdução
O social é marcado por multiplicidade. Mesmo quando, metodologicamente,
escolhemos um elemento fixo, esse se altera de acordo com a sociedade, com a época, com
* Doutor, mestre, licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela PUC-Rio, Rio de Janeiro-RJ, Rio de Janeiro-RJ.
E-mail: mariojpaiva91@gmail.com
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
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o campo em investigação, nosso aporte epistemológico sobre o pico. O que hoje
chamamos de representação LGBTI+ em outras épocas receberia outros nomes, outras
abordagens. Alexandrian (1993), por exemplo, ajuda-nos na observação de tal evento, de
variação, no que se refere aos materiais literários.
O presente trabalho é um recorte de uma mídia contemporânea, no caso um
seguimento do gibi DC Pride: Tim Drake special, mais especificamente os números que
formam o arco Sum of our parts. Porque nessa história uma relação bissexual entre a
personagem Robin, Tim Drake, e seu amigo Bernard.
Por que estudar quadrinhos, ou cultura pop, de um modo geral? Bem, enquanto uma
mídia mais barata, que pode ser vista como menor, e mesmo infantil, ela escapou de vários
analistas do social, talvez mais interessados nos grandes eventos literários ou
epistemológicos.
Pierre Bourdieu (2011, p. 84-5), por exemplo, chamou os quadrinhos de uma arte
média em vias de legitimação, junto com ficções científicas ou os romances policiais.
Enquanto arte média pode representar um campo prestigioso, em um meio de audácia ou
liberdade, porém pode surgir como um gosto médio típico, como simples substituto dos
bens legítimos mais importantes no mercado escolar e alhures, vide o conhecimento em
literatura clássica.
um componente de classe no gosto.
1
O gosto como destino, porque embora
estatisticamente forçado por condições existentes, em que pontos fora da moda
estatística,
2
o elemento do gosto pelo necessário, familiar. O que para uns se revela como
luxo, eletivo, para outros é efeito de privação (Bourdieu, 2011, p. 169). Isso se com os
quadrinhos, enquanto material de leitura, contudo também ocorre em outros campos.
3
O gosto envolve também como uma cultura de massas possui influência no que é o
mundo da, assim chamada, alta cultura.
4
Não separações estanques, espaços para
1
Gosto como um operador prático da transmutação de coisas em sinais distintos e distintivos, um acesso à
ordem simbólica das distinções significantes (Bourdieu, 2011, p. 166).
2
Os outros gostos surgem muito como devaneios.
3
Um exemplo, fácil de visualizar, é o programa de televisão Masterchef Brasil. O que para certos competidores
surge como sabor, fartura, combinações inusitadas ou esperadas, marcas legítimas, para os jurados pode
aparecer como um excesso de gordura, falta de equilíbrio, combinações bizarras, falta de produtos frescos,
mesmo marcas inaceitáveis na cozinha profissional.
4
Aqui por alta cultura estamos encarando padrões elitizados de consumo ou modos de realizar práticas
culturais, com algum grau de distinção, exclusividade. Não pretendemos dar aqui uma definição final do termo,
mas pensamos em algo que seja de acesso mais restrito, como certos restaurantes caros que possuem estrelas
Michelin etc.
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porosidades, diálogos, relações. Relações essas que podem ser encobertas e difíceis de
acompanhar, mapear, exatamente por esse elemento dos desníveis de poderes, saberes,
falta de fontes, diferentes legitimidades existentes etc. Sendo exemplo dessa relação o
próprio caso da marca espanhola Balenciaga,
5
a qual faz parte do mundo da haute couture
de Paris, porém possui técnicas de impacto em redes sociais de massas, com uma
irreverência aos próprios elementos consagrados do campo (Zeitune, 2021).
Estudar o popular, por tudo isso, possui importância. Não sendo sem razão que Slavoj
Žižek (2017, 2018) observa desde obras de grandes franquias até produtos mais cults, como
os filmes de David Lynch ou músicas da banda alemã Rammstein. Algo que, enfim, não foi
inventado por Žižek. Afinal, como Miorando (2020, p. 8) lembra, quadrinhos e animações
possuíam críticas comunistas nos anos 70.
O objetivo da pesquisa presente envolve estudar formas de representação LGBTI+ em
uma mídia de circulação considerável dentro da cultura pop. Em termos de relevância, a
pesquisa se mostra relevante tanto em âmbito antropológico, sociológico, político ou
histórico, mostrando mudanças nas formas de representação desses grupos minoritários ao
longo do tempo.
Com o objeto de pesquisa delimitado, parte da edição especial mencionada,
gostaríamos de falar sobre a metodologia do trabalho presente. Metodologia enquanto os
passos estipulados para trilhar o estudo, e confirmar ou não uma hipótese. A primeira fase,
como é comum, envolveu uma revisão na literatura acadêmica. Assim há, mesmo em um
estudo introdutório como este, certo grau de familiaridade com certas questões e termos. A
segunda fase envolveu uma releitura da história em questão, com olhar crítico, e
relacionado com o que nosso aporte teórico elaborou. Sempre tendo em vista, claro, que
concordamos mais com certos autores e menos com outros.
6
A terceira fase envolveu essa
elaboração do presente artigo, como um resultado parcial dessas leituras e reflexões. Como
nos mostra Rocha (2018, p. 403), o conhecimento é analítico, logo aqui separações e
hierarquias de tópicos também. É uma aceitação de que certos elementos metodológicos
clássicos, existentes em Max Weber, ainda fazem sentido. Nosso presente objetivo não é
falar extensamente de todos os grupos existentes no universo LGBTI+, ou no universo dos
5
Sob regência criativa de Demna Gvasalia.
6
O aporte como um direcionamento, não como um conjunto de dogmas, como se a autora A ou o autor B
fosse impossível de criticar etc.
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gibis, ou usar todo o aporte teórico possível, nosso objetivo é um recorte analítico, diante de
um universo de pesquisa impossível de ser esgotado em um trabalho. Outras abordagens
seriam igualmente plausíveis, vide um uso mais contundente de Theodor Adorno ou Judith
Butler, porém ao nos utilizarmos da história das ideias, enquanto um instrumento de análise
da anatomia do pensamento, de suas transformações e mesmo de certa doxologia de um
campo, acreditamos usar uma abordagem válida. Em um diálogo entre o material
contemporâneo e o que veio antes, mostrando assim mudanças no cenário social, nesses
conflitos sociais envolvendo saberes, poderes, entes com importâncias dentro dos campos
sociais etc.
O trabalho se divide em quatro partes. Começou por esta introdução. Passa para a
seção Sobre a personagem Robin e representações LGBTI+ nos gibis, que busca relembrar
certa discussão sobre representações LGBTI+ nos quadrinhos; é uma seção sem ululantes
novidades, sendo mais uma contextualização. A terceira parte, Roteiro e ilustrações de Sum
of our parts, é o seguimento mais longo e original do artigo. O texto se encerra com
considerações finais, que montam um fechamento e uma integração melhor entre os
seguimentos do material.
Nossa questão principal envolve responder: a representação LGBTI+ de Robin
funcionou em tal recorte? Ou esbarra em certos problemas de tal universo? Aqui estamos
fazendo referência aos problemas do queerbaiting (Caravaca, 2017), uma representação em
demasia conservadora etc. E nossa hipótese é de que o material irá mostrar uma melhora
substancial em relação aos gibis de décadas anterior, mas mesmo assim, em algum nível,
continuará possuindo questões por fatores mercadológicos, enquanto um produto de
massas; ele deve, idealmente, conseguir captar o maior público possível, logo tenta um
equilíbrio entre a representatividade e o aceite de um público mais conservador.
Últimas três considerações, antes de prosseguirmos: primeira, pela natureza do
presente estudo nos focaremos, quando utilizamos o termo LGBTI+, mais em personagens
masculinos cisgêneros, e em relações bissexuais e homossexuais. Segunda, por queer
entendemos uma política de alianças, algo que desafie certa lógica dominante, logo o queer
aqui será encarado como um elemento possível dentro da sigla LGBTI+.
7
Enquanto algo
rebelde e contestatório (Caravaca, 2017; Felizardo, 2015) nem toda representação LGBTI+ é
7
Ramzi Fawaz & Darieck Scott (2018) falam de um elemento queer nos quadrinhos, mesmo que os estudos de
quadrinhos e os estudos queer ainda conversem pouco.
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queer, nessa chave de leitura. Terceira, não nos focaremos em materiais abertamente
pornográficos e mais obscuros ainda, como The Tijuana Bibles, que Miorando (2020) cita.
Sobre a personagem Robin e representações LGBTI+ nos gibis
Como é possível ver com toda uma literatura que se debruçou sobre diversos
aspectos da questão histórica LGBTI+, vide Bimbi (2017), Trevisan (2018), James Green
(2019), Green & Quinalha (2018), Mota (2019), Mott (2003), Nunan (2003) etc., houve
perseguição, violência e mesmo um silêncio imposto contra muitas existências LGBTI+.
Ao falarmos de certas representações LGBTI+, nas mídias, estamos abordando muitas
representações veladas e mesmo regras que tentavam restringir liberdades artísticas. Aqui
podemos falar do Código Hays no cinema; existiam poucas representações e elas podiam ser
negativas (Santos, 2015).
8
No mundo dos quadrinhos processo similar existiu. Certas
representações dos anos 30, 40, 50, do século XX, podiam ser vistas como dialogando
implicitamente com os entes LGBTI+ do período, como demonstra Cruz (2017).
Em 1954 um ponto de corte de relevância, com o livro Sedução dos inocentes, de
Fredric Wertham, que ampliou uma preocupação com os quadrinhos, porque esses
poderiam ser responsáveis pela delinquência de certos jovens. Houve uma tentativa de
relacioná-los com uma produção de desejos, mesmo inconscientes, homossexuais. Fez assim
surgir esse debate um código chamado de Comics Code Authority, CCA, executado pela
Comics Magazine Association of America. Um controle dos próprios produtores de
quadrinhos, com medo de uma interferência mais direta do governo, ou qualquer outro
problema do gênero.
Claro, o CCA se modificou ao longo do tempo, não sendo algo estático, ver Miorando
(2020). Contudo o ponto central, que nos interessa, é essa restrição para uma abordagem
mais direta da sexualidade de certas personagens.
Já nessa época existia uma indagação da natureza do relacionamento entre Batman e
Robin, mesmo sobre o uniforme de Robin; ou se a Mulher Maravilha, pelo seu
empoderamento para os padrões da época, era lésbica. A Figura 1 mostra a dupla dinâmica
realizando certas atividades, como dividir uma cama ou se bronzearem sem roupas. Homens
8
Igualmente em desenhos animados muitos entes que apareceram como vilões, ver Caynnã Santos (2015)
e Mancio, Maranho & Santos (2019).
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vivendo vidas duplas, muitas vezes solitárias, tinha paralelos com tal homossexualidade
americana do período.
Figura 1 Batman e Robin vivendo juntos
Fonte: Cruz, 2017, p. 57.
Muitos hoje não concordam com o pânico moral de Wertham, sendo ele o motivo de
várias críticas, como nosso aporte teórico bem mostra. Outros pesquisadores, vide Dalbeto
(2015) ou Neil Shyminsky (2011), apontaram elementos dos super-heróis como modelos
conservadores e reacionários em seu cenário mainstream. Mesmo que, claro, a cultura pop
possa ser lida de diferentes formas e até vista como uma antena para direcionar fantasias,
sexuais também, como aponta Miorando (2020).
A figura do jovem ajudante poderia ser inquietante por causa de seu elemento de
transição, Shyminsky (2011) abordou o tópico. Mas isso dialoga com todo um reforço do
elemento de heterossexualidade, que os quadrinhos de super-heróis podem passar. Em uma
glorificação da força e da masculinidade, contra elementos comumente atribuídos ao
feminino, vários apontamentos de Cruz (2017) são úteis nesse sentido.
Os anos 60, 70, 80 foram momentos para algumas efervescências culturais, contudo
essa parte mainstream dos quadrinhos pareceu refratária aos temas, em algum nível. Cruz
(2017) e Dalbeto (2015) são claros: até os anos 80 certas personagens não podiam se revelar
homossexuais. Podemos aqui pensar em Estrela Polar, da Marvel, que se revelou gay nos
anos 90; também Extraño, polêmica personagem da DC, que pela sua caracterização
conseguiu desagradar conservadores e progressistas.
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Foi material mais adulto, underground, que pode ter uma liberdade maior para
explorar certas questões, acreditamos. Nisso certas discussões de Alan Moore parecem
pontos fora da moda dos gibis.
Mesmo nos anos 90 com maiores liberdades, como mostra Cruz (2017), certas
críticas poderiam ser feitas, vide uma sexualização exagerada de certas personagens
femininas bissexuais. Apenas um exemplo: a pose brokeback,
9
como vemos na Figura 2.
Figura 2 Exemplo da pose brokeback
Fonte: Cruz, 2017, p. 85.
9
Para ressaltar nádegas e seios.
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De 2000 em diante vimos uma melhora, e ampliação, nesse tipo de mídia aos
elementos de representações LGBTI+. As explorações nesse mercado foram lentas então,
acreditamos. Não causa surpresa como elas parecem ter começado com personagens nem
tão conhecidos, vide Estrela Polar.
A personagem Robin é uma velha questão e ressurge o tópico de tempos em tempos,
seja através do sucesso do seriado dos anos 60, de Batman e Robin, com seguimentos da
comunidade LGBTI+ (Lendrum, 2004) ou em uma piada do Coringa, sobre o Robin se depilar
(Paiva, 2021). A pessoa no uniforme de Robin mudou algumas vezes e o próprio uniforme se
alterou com o tempo (Lendrum, 2004), todavia ainda esse elemento, que pode surgir
como deboche, sobre Robin ser gay.
De uma época de pânico moral diante da questão LGBTI+ hoje um problema
oposto, em certos seguimentos, uma busca aberta por capturar o público LGBTI+. Nisso o
surgimento do queerbaiting, sobre o termo vale conferir Caravaca (2017). Mas se certas
marcas querem fisgar tal público, elas querem realizar isso, muitas vezes, sem uma afronta
direta contra padrões conservadores ou reacionários. Nisso há uma ambiguidade, uma busca
delicada.
O conservadorismo aqui não está sendo encarado como uma corrente política muito
definida, em estritas leituras de Edmund Burke ou Richard Hooker ou David Hume, mas
como uma disposição, mentalidade. Logo, aqui, o conservadorismo é um padrão da defesa
de algum elemento conhecido, como certa modalidade heterossexual e masculina nos gibis.
O que pode desembocar em críticas reacionárias, de parcial retorno para uma época
extinta; o próprio limite entre conservadorismo e mente reacionária não é tão claro, em uma
série de tópicos, algo que autores como Joseph-Marie de Maistre, Gustavo Corção, Voegelin
e Leo Strauss exemplificam bem.
A apresentação de um Robin bissexual pode ser uma oportunidade, em termos de
representações midiáticas, mas também há questões e possíveis problemas.
Roteiro e ilustrações de Sum of our parts
A edição consultada abre com uma capa, que podemos ver na Figura 3, com
elementos que remetem ao Orgulho LGBTI+,
10
mesmo que não de modo muito explícito.
10
Como o próprio título DC Pride, que está ao lado da logo da editora, e que aparece com os elementos da
Bandeira do Orgulho LGBTI+.
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Chama maior atenção tais personagens mais próximas, no caso Tim Drake e Bernard;
entretanto podemos ver outras personagens mais ao fundo, no vitral de uma igreja. Nada
em Tim e Bernard nos avisa, previamente, que eles são um casal. Como o garoto loiro está,
aparentemente, com as duas mãos dentro do casaco não possibilidade de eles estarem
de mãos dadas.
Figura 3 Capa da edição especial
Fonte: Acervo do autor (edição DC Pride: Tim Drake special, 2022).
A história Sum of our parts começa com Robin e Oráculo, outra heroína que orbita o
universo comercial do Batman etc., investigando o desaparecimento de adolescentes na
cidade de Gotham. Já no começo se revela o tom da história, mesmo tendo tópicos realistas
não é completamente realista; Robin pula do topo de um prédio, de altura indefinida, e cai
de no chão. Também possui um estilo artístico sombrio, mas não é exageradamente
sombrio; a história se passa quase toda de noite e em espaços não tão iluminados, com
exceção do final.
É interessante também como uma paleta, talvez não tão comum em gibis,
envolvendo tons mais escuros de amarelo, vermelho, azul, rosa, roxo. Por isso, uma
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conversa com tais cores da bandeira do Orgulho Bissexual, que possui como cores: o rosa
escuro (enfim, um tom magenta), o azul escuro e o púrpura (lavanda). Logo, mesmo que não
sejamos especialistas em cores e tons, fica evidente como esse azul, rosa escuro e roxo são
propositais. Vale observar, por isso, a paleta da Figura 4.
Esses tons somados dão para tal história esse visual sombrio, que lembra um
pesadelo (em certos momentos), junto com esses cultistas estranhos com rostos escondidos.
Esses exageros nas cores e o clima soturno, em alguma medida, lembram certos momentos
dos filmes italianos de Dario Argento, acreditamos. Ora, de que lugar surge essa iluminação
azulada e roxa?
Figura 4 Sobre a escolha proposital das cores na edição
Fonte: Acervo do autor (edição DC Pride: Tim Drake special, 2022).
No diálogo, entre Oráculo e Robin, os elementos de investigação, mas eles
também falam sobre o fim do relacionamento de Tim Drake com Stephanie, a Oráculo está
preocupada com ele. Outras personagens, aliadas, vão falar isso para Tim de novo ao longo
da história, vale mencionar. Há, então, questionamentos da personagem diante de um fim
de relacionamento e diante de quem ele realmente é, do que ele quer etc.
Depois de tirar o uniforme, e terminar sua jornada de vigilante, vemos Tim Drake em
um bar e restaurante. Ele revela certo nervosismo por estar ali, para encontrar seu amigo
Bernard. Ele também se sente desconfortável em suas roupas sociais, que envolvem até um
blazer. Bernard aparece, eles se abraçam. Decidem se sentar e Bernard mais uma vez coloca
suas mãos nele, demonstrando uma proximidade entre eles.
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No meio da conversa uma taça de vinho, ou algo igualmente avermelhado, cai.
Aparece o vilão que Tim estava caçando mais cedo. Conhecido, em tradução livre e literal,
como Monstro do Caos. uma luta entre o Monstro do Caos e Tim, mas o herói perde
rapidamente o combate, desmaiando. Quando acorda, enquanto conversa com um policial,
descobre que seu amigo foi sequestrado.
Robin, então, entra em modo de urgência, buscando solucionar o desaparecimento
de Bernard. Em sua investigação descobre que o garoto estava interessado na questão da
dor, e possuía equimoses, welts, em seus braços e pernas. O que termina o levando a se
infiltrar, como Tim Drake, em um culto especializado em dor, chamado Criança de Dioniso.
contatos das personagens com certos elementos sadomasoquistas, como é
possível ver nas Figuras 5 e 6. Fala Robin, por exemplo, que se sentiu bem abraçando sua
dor. Um dos membros do culto diz, por sua vez, que a dor ajuda com nossos desejos
profundos; em certo entendimento deles, do culto, de que Tim, como tantos outros, é um
promissor jovem envolto no tédio.
A discussão do tédio, na estética do sadomasoquismo, não é uma novidade.
11
A
relação do sadomasoquismo com grupos fechados também não, surge de sua origem; se
lembrarmos como Sade (2005), enquanto representante maior de uma geração do
pensamento libertino na França, podia escandalizar. motivos para La Mothe Le Vayer,
outro libertino famoso, falar da preferência pelo escuro de um gabinete amigo, e por
assembleias privadas, ao invés do brilho da luz pública e da tola multidão, sobre isso ver
Onfray (2009).
Figura 5 Dor e as questões do sadomasoquismo
11
Aqui pensamos, apenas para exemplificar, no próprio The hellbound heart de Clive Barker (2007, p. 10-1), em
que um dos cenobitas pergunta para Frank se esse mundo o desaponta e ele responde que o mundo o
desaponta bastante. A personagem, cenobita, fala como Frank não é o único cansado das trivialidades do
mundo; eles, os cenobitas, conhecem esse frenesi, sabem o que Frank possui como expectativas, conhecem tal
fome por novas experiências.
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Fonte: Acervo do autor (edição DC Pride: Tim Drake special, 2022).
Figura 6 Robin abraça a dor
Fonte: Acervo do autor (edição DC Pride: Tim Drake special, 2022).
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Tim Drake descobre que era difícil seguir um padrão do Monstro do Caos, porque ele
não é uma pessoa, mas cada membro do culto, são Monstros do caos. Com essas pontas
unidas da investigação, ele descobre o esconderijo do grupo, bem no momento em que eles
iriam sacrificar Bernard, em um ritual mal explicado. Robin intervém. Ele ganha o combate, a
polícia aparece etc. Depois vemos Tim Drake indo até a casa de Bernard. O garoto gagueja
ao recebê-lo, típico elemento para passar o nervosismo da personagem. Eles conversam e,
por fim, Bernard o convida para sair, sendo que Tim Drake aceita, em um final feliz; ver
Figura 7.
nesse final, mesmo em sua paleta de cores, um elemento destoante. No fim esses
sorrisos, e luminosidade, não apagam tudo o que aconteceu antes. E o fato de, no futuro,
ser possível explorar novamente esse interesse de Bernard e de Tim pela dor.
Figura 7 Tim Drake aceita um encontro com Bernard
Fonte: Acervo do autor (edição DC Pride: Tim Drake special, 2022).
Sobre nossa questão anterior, se a edição funciona enquanto uma representação
LGBTI+, a resposta é ambivalente. pontos positivos e negativos. Enquanto elementos
positivos, vemos uma construção que foge aos elementos da representação implícita, Robin
aceitou sair com outro homem, há discussões sobre uma relação entre desejo e dor etc. Não
piadas sexuais e uso de estereótipos negativos, por causa da sexualidade de Tim Drake.
Porém, enquanto pontos negativos, vemos uma apropriação leve de tais elementos LGBTI+;
inclusive em relação ao novo Superman, Jon Kent. Na edição em que esse se declarou
LGBTI+, o novo Superman, ele deu um beijo em outro homem, além de fazê-lo com o
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uniforme da personagem, em uma associação imagética maior com o label Superman. Mas,
claro, não há em tal edição do Superman uma discussão sobre sadomasoquismo.
Esse elemento de falta de afetos físicos mais explícitos de Robin com Bernard, como
o beijo, é um ponto relevante, pois torna tal representação mais discreta diante do público
conservador ou reacionário. Outro elemento que poderia ser explorado melhor, em uma
história mais ousada, é igualmente toda essa questão do sadomasoquismo.
Sadomasoquismo é tipicamente um campo para estudos queer, vale lembrar também.
Mesmo que não seja obrigatório o uso de teoria queer para uma análise de tal campo. E essa
não é a primeira vez em que se discute se uma personagem de gibis é sadomasoquista;
vimos isso antes, como exemplo vale conferir a Figura 8.
Figura 8 Watchmen e o sadomasoquismo
Fonte: Cruz, 2017, p. 89.
O sadomasoquismo é um conceito polissêmico, vale dizer. Que vai desde um jogo
consensual entre entes, com regras de segurança etc., até dimensão realmente clínica e
psiquiátrica do termo. Em um mundo amplo de possibilidades artísticas queer, que Glauco
Mattoso (2006) e Wilma Azevedo (1998) nos descrevem no caso brasileiro. Mas certas
discussões parecem muito avançadas, para uma história que não termina nem com um beijo
desse casal.
A DC enquanto uma marca muito voltada para um blico-alvo jovem, mesmo que
tenha seguimentos mais adultos etc., parece apostar em uma dimensão mais contida de
formas de representação LGBTI+; em um produto que se satisfez em ser mediano. Nada de
certas desfigurações, violências e ousadias artísticas descritas por, por exemplo, Eliane
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Robert Moraes (2017) ou Felizardo (2015). Certas ausências, esperadas, revelam um pouco
dos limites existentes nos campos mais centrais dos gibis. Vilões, anti-heróis etc.,
possivelmente, ainda possuem mais abertura queer para desafios aos padrões culturais
existentes. Isso é inevitável? A própria figura do herói e do super-herói se for distorcida, de
certas formas, termina o jogando para uma dimensão do anti-herói?
Esperamos que próximos artistas, com poderes dentro do campo, ousem mais, sejam
mais rebeldes. A rebeldia, quando bem direcionada, é uma grande força criativa, a qual pode
muito impulsionar uma marca, como alguns dos acertos da Balenciaga mostram.
Aqui pensamos em certo duplo de Bourdieu (2011, p. 210). Ele fala do respeito pelas
formas e pelas formas de respeito dos rituais e condutas. Há, por outro lado, uma subversão
simbólica, que pode transformar necessidade em virtude. Roupas informais e cabelos
compridos, no rock, foram desafios aos rituais obrigatórios, ou seja, roupas de corte clássico,
carros de luxo, ópera. Nisso tal força do queer parece estar, mais, na segunda opção. Mas
certas operações para serem simbolicamente legitimadas, em algum grau, possuem
necessidade de entes com certo nível de poder, dentro do campo em questão. Aqui
voltamos ao exemplo do Masterchef. Se um dos competidores desse programa usar
margarina, em um amuse-bouche, é uma coisa. Se chef Anthony Bourdain ou chef Alex Atala
resolvesse colocar isso em um prato, por uma legitimação simbólica bem maior, a recepção
e percepção seria completamente diferente. É a questão dos quadrinhos pornográficos de
Miorando (2020), muita força criativa, mas nunca irão ser canônicos.
Considerações finais
O presente artigo foi um cruzamento entre dois universos de pesquisa, a dimensão
das representações LGBTI+ e os estudos de quadrinhos. Enquanto um campo social, o
mundo dos quadrinhos seguiu certos padrões de silêncio, e dubiedade, diante de tópicos
LGBTI+, que poderiam estar associados ao cômico ou aos vilões etc.
Como um campo social existe heresias dentro dos quadros de possíveis, e formas de
se tentar driblar tais barreiras. Foram em espaços mais adultos, underground, que certas
discussões puderam aflorar melhor, assim como em quadrinhos mais pornográficos, porém
esse não foi tópico bem explorado no artigo.
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Nos anos de 1980, no universo principal de heróis, personagens não podiam sair do
armário, sendo que esse tipo de movimentação parece ter acontecido nos anos 90. Como
nos mostra, por exemplo, o caso da personagem Estrela Polar.
Atualmente existem mais, e melhores, representações LGBTI+. Porém essas
representações ainda esbarram em alguns elementos; a hipótese inicial do trabalho, que nos
pareceu bastante razoável e esperada, confirma-se, em um resultado de ambivalência,
vitórias lentas. Em uma contenção de certas marcas, que, no melhor dos mundos, querem
capturar o público LGBTI+ e os consumidores conservadores. Pois querem criar produtos
médios, nesse diálogo com formas de artes médias, em vias de legitimação, para pensar nos
termos usados por Bourdieu.
A história abordada se mostra interessante, por trazer esse Robin LGBTI+. Uma
discussão que existia desde meados da década de 1950, pelo menos. Todavia é uma
representação pouco ousada, em nossa análise; pouco se desenvolve, por exemplo, de uma
dimensão mais queer da personagem, como um possível desejo sadomasoquista de Tim
Drake. Outras personagens atuais, da própria editora DC, parecem mais desenvolvidas em
certos termos de representações plurais, como o caso de Jon Kent, o novo Superman.
O achado acadêmico do presente texto é essa análise sobre como a personagem
Robin está sendo representada contemporaneamente, a relevância da pesquisa na área é
por ainda existirem em português poucos estudos, comparativamente falando, sobre
representatividade LGBTI+ em quadrinhos. Algo que ocorre, como Bourdieu apontou, por
certos mecanismos de legitimação, em que, mesmo de modo implícito, esse tipo de estudo
para muitos ainda é visto como algo menor, sem importância.
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