Imigração e eugenia no pós-Segunda Guerra Mundial:
práticas eugênicas na política imigratória brasileira (1946-1955)
"Immigration and eugenics in the post-Second World War: eugenic
practices in Brazilian immigration policy (1946-1955)
SANTOS, Amanda P.*
https://orcid.org/0000-0003-2311-4433
RESUMO: Este artigo analisa determinados
critérios e mecanismos eugênicos que se
mantiveram vigentes na política imigratória do
Brasil após a Segunda Guerra Mundial. Ainda
que a eugenia tenha passado por
transformações graduais, sobretudo como
objeção à eugenia nazista, os seus ideais
perduraram nos debates políticos acerca dos
movimentos migratórios internacionais, assim
como nos processos de concessões de visto aos
estrangeiros, na condição de refugiados ou de
imigrantes. Nesse contexto, considerando-se o
problema das continuidades e rupturas da
eugenia, discute-se a origem do movimento
eugênico no Brasil e a aplicação de seus
pressupostos na política imigratória a partir dos
anos 1930, assim como nas atividades
executadas pelo Instituto Nacional de
Imigração e Colonização e pelos serviços de
seleção de imigrantes que atuaram na Europa
no pós-1945.
PALAVRAS-CHAVE: Política imigratória;
Eugenia; Instituto Nacional de Imigração e
Colonização.
ABSTRACT: This article analyzes certain
eugenic criteria and mechanisms that remained
in force in Brazil's immigration policy after the
Second World War. Even though eugenics went
through gradual transformations, especially as
an objection to Nazi eugenics, its ideals
persisted in political debates about
international migratory movements, as well as
in the processes of granting visas to foreigners,
as refugees or immigrants. In this context,
considering the problem of the continuities and
ruptures of eugenics, the origin of the eugenic
movement in Brazil and the application of its
assumptions in immigration policy from the
1930s onwards, as well as in the activities
carried out by the National Institute of
Immigration and Colonization and for the
selection services of immigrants who worked in
Europe after 1945.
KEYWORDS: Immigration policy; Eugenics;
National Institute of Immigration and
Colonization.
Recebido em: 01/02/2024
Aprovado em: 06/02/2025
* Doutoranda em História do Programa de Pós-Graduação da UNESP, Campus de Assis, São Paulo. Visiting
PhD na Alma Mater Studiorum - Università di Bologna, Bolonha, Itália. A pesquisa para este artigo teve o
apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (processo 2022/01867-7 FAPESP e
processo 2024/02490-0 BEPE-FAPESP). E-mail: amandapds19@gmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
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Considerações iniciais
Os primeiros pressupostos eugênicos foram formulados no final do século XIX pelo
cientista inglês Francis Galton (1822-1911). A partir do início do século XX, a eugenia
difundiu-se e institucionalizou-se nas agendas governamentais de diversos países,
convertendo-se em um extenso e heterogêneo movimento científico e social, vinculado às
teorias raciais e evolutivas vigentes no período, principalmente associadas ao racismo
científico e ao darwinismo social (Souza, 2022, p. 94). Suas concepções suscitaram um
vasto debate acerca da seleção social, da superioridade racial, da saúde pública e da
higiene, das medidas de controle sobre as populações nacionais e da reprodução humana.
Enquanto ciência, a eugenia foi exaltada como um conjunto de teorias biológicas e dicas
que seria capaz de produzir um novo homem e estimular o desenvolvimento de nações
“saudáveis”, inserindo-as no caminho da evolução e da civilização (Souza; Wegner, 2018,
p. 328-329). Os seus ideais popularizaram-se mundo afora e foram legitimados por
proeminentes médicos, cientistas, estadistas, intelectuais e ativistas sociais de diferentes
vertentes políticas e ideológicas (Souza, 2019, p. 32).
O auge do movimento eugênico sucedeu a complexa conjuntura que abarcou as
duas guerras mundiais, marcada pela ascensão dos ideais nacionalistas e imperialistas, o
qual fomentou a crença na hierarquia racial e na aplicação da ciência para extinguir as
imperfeições hereditárias e adiantar o processo evolutivo das futuras gerações. Dessa
forma, a eugenia como um campo que associou raça, ciência e política viabilizou a
formulação de leis e a execução de medidas radicais que produziram efeitos catastróficos
na história da humanidade. Os seus ideais contribuíram para a instauração de barreiras
segregacionistas, critérios de seleção imigratória e política de esterilização compulsória
implementada em países como Alemanha, Estados Unidos e Suécia , assim como para as
atrocidades cometidas pelos nazistas contra milhões de judeus, ciganos, comunistas,
pessoas com deficiências, homossexuais e prisioneiros de guerra (Souza; Wegner, 2018, p.
328-329).
Após a Segunda Guerra, o movimento eugênico sofreu certa inflexão e foi banido,
supostamente, do debate e da vida blica, condenado ao ostracismo devido à sua má
reputação, sobretudo como reação ao nazismo. No entanto, pesquisas recentes assinalam
as continuidades das concepções e das práticas eugênicas até meados dos anos 1960.
Apesar das comoções pública e intelectual que revelaram as atrocidades cometidas em
prol desses ideais durante a guerra, eles continuaram vigentes nos discursos e nas práticas
de diversos biólogos, geneticistas, médicos, juristas e higienistas, em diferentes países.
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Tendo em vista esses aspectos, o presente artigo busca apresentar e analisar
determinados critérios e mecanismos eugênicos que se mantiveram presentes na política
imigratória do Brasil após a Segunda Guerra Mundial. Em um primeiro momento, discute-
se sobre a origem da eugenia e a sua difusão em vários países, sobretudo no Brasil. Em um
segundo momento, evidencia-se a instauração de uma legislação discriminatória,
fundamentada em amplos pressupostos eugênicos, a qual orientou a política imigratória
durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Em um terceiro momento,
constatam-se as premissas que orientaram a política imigratória brasileira no pós-
Segunda Guerra, levando em consideração a manifestação pela escolha da reserva
espacial, que concedia prioridade aos refugiados de origem europeia, assim como o projeto
de criação do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC) e as suas práticas de
seleção e controle sobre as concessões de visto aos imigrantes e aos refugiados,
assinaladas pela permanência das ideias eugênicas.
A origem e a difusão da eugenia
A eugenia caracteriza-se como um movimento científico e social, que obteve o
status de disciplina científica nas últimas décadas do século XIX e na primeira metade do
século XX, com o principal objetivo de instaurar métodos de seleção humana
fundamentados em premissas biológicas. Segundo Stepan (2005, p. 29), o termo “eugenia”
foi cunhado por Francis Galton em 1883 e divulgado no seu livro Inquiries into Human
Faculty and its Development, porém se insere em um longo processo de mudanças
intelectuais e sociais que se sucedeu no decorrer do século XIX, no qual a vida humana
passou a ser compreendida cada vez mais sob o ponto de vista das leis biológicas e do
evolucionismo.
O livro A origem das espécies por meio da seleção natural ou a preservação das
raças favorecidas na luta pela vida (1859) apresentou e propagou os resultados da pesquisa
realizada por Charles Darwin acerca da seleção natural e da luta pela vida entre os animais.
Sua teoria defendia que apenas os mais bem adaptados sobrevivem na luta pela vida,
enfatizando o papel da herança de caracteres adquiridos na perpetuação da natureza. De
acordo com Diwan (2007, p. 30-32), essas ideias encontraram repercussão em teorias
econômicas e sociais, as quais buscaram justificar o comportamento humano no âmbito
social a partir de premissas biológicas, dando origem ao darwinismo social. Nesse sentido,
a biologia e a sociologia associaram-se e sustentaram-se mutuamente. A biologia, por um
lado, procurou explicação no organismo social, com suas fragilidades teóricas relativas à
hereditariedade e à genética, enquanto a sociologia ambicionou o desenvolvimento de
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métodos científicos a fim de avaliar e quantificar os indivíduos a partir das suas áreas de
estudo, como a psicologia, a estatística e a antropometria.
O novo evolucionismo da década de 1860 foi basilar para a ascensão da eugenia.
Diwan afirma que os pressupostos da seleção natural e da teoria evolutiva despertaram
Francis Galton, considerado o “pai” da eugenia, para o que se tornou o seu principal objeto
de estudo: o aprimoramento da raça humana. O primeiro trabalho publicado por Galton,
Hereditary Talent and Character (1865), esboçou os princípios da eugenia que foram
reforçados no livro Hereditary Genius (1869), cuja ideia principal era comprovar, através
de métodos genealógicos e estatísticos simples, que o talento humano cabia à
hereditariedade, não à educação ou ao meio. De modo semelhante, Galton tencionou
mostrar no livro Inquiries into Human Faculty and its Development (1883) que o crime, a
marginalidade e a doença mental também seriam consequências da herança genética.
Nessa perspectiva, após a reunião de uma série de dados, medidas antropológicas e
análises sociológicas, Galton propôs a resolução para um dos problemas mais relevantes
da teoria eugênica: a seleção dos mais aptos e a extinção ou o controle dos inaptos de cada
classe social com o propósito de resguardar as futuras gerações da inaptidão biológica.
Além das publicações de diversos livros e artigos, Francis Galton e seus
companheiros de pesquisa criaram diferentes instrumentos de medição do corpo humano,
montaram laboratórios para a coleta de milhares de dados e empenharam-se na divulgação
dos pressupostos eugênicos, que passaram a atrair cada vez mais adeptos. Por volta do
final do século XIX, tais ideias ganharam espaço nos meios acadêmicos e intelectuais dos
Estados Unidos e da Europa, sobretudo na Alemanha (Diwan, 2007, p. 42-44).
Nesse período, ocorreu uma crescente competição econômica entre as nações e o advento
de novas demandas dos grupos marginalizados. O otimismo quanto ao futuro da sociedade
foi substituído por certo pessimismo generalizado em relação à vida moderna e seus
problemas. A “evolução” principal metáfora do século XIX cedeu lugar à
“degeneração” social, cuja origem atribuía-se variavelmente ao vício, crime, trabalho
feminino, meio urbano e à imigração. Dessa forma, os estudos acerca da hereditariedade
humana obtiveram interpretações eugênicas pessimistas e conservadoras, as quais
consideraram que a linhagem determinava o caráter do indivíduo, não a vida social
(Stepan, 2005, p. 31-34).
Além disso, à medida que se propagava a concepção de que a hereditariedade era
um valor fixo e inerente ao indivíduo desde o seu nascimento, capaz de determinar uma
ampla gama de comportamentos humanos, as sociedades eugênicas passaram a ser
criadas com intenções diversas. Algumas objetivavam a realização de pesquisas genéticas
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de modo científico e acadêmico, enquanto outras visavam o debate e a aplicação de novas
políticas, inclusive leis, que corroborassem as ideias do movimento eugênico. A primeira
foi a Sociedade Alemã para Higiene Racial, criada em 1905, em Berlim; seguida da
Sociedade para Educação sobre Eugenia, em 1907-1908, na Inglaterra; e a fundação do
Escritório de Registros de Eugenia dos Estados Unidos, em 1910 (Stepan, 2005, p. 35-36).
Também houve a formação de instituições e comitês eugênicos em outros países europeus
e na América Latina. Diwan afirma que todos esses grupos estiveram vinculados à eugenia
de maneiras diferentes, porém ambicionavam comumente “a substituição das leis de
proteção social por outras que favorecessem a reprodução dos bons elementos na
sociedade, fossem da elite ou da classe operária” (2007, p. 48).
Stepan (2005, p. 36-37) aponta que a maior parte das políticas sociais propostas
pelos eugenistas variou de concessões de bolsas para as famílias eugenicamente aptas à
seleção de imigrantes conforme os critérios eugênicos, bem como a segregação dos
inadequados. No entanto, em fins da década de 1920, muitos eugenistas passaram da
eugenia “positiva” postulada por Galton, que concedia incentivos à reprodução dos
adequados, para uma eugenia “negativa”, que pretendia evitar a reprodução dos
inadequados. Por volta de 1930, a esterilização compulsória dos inaptos tornou-se a
principal questão para a maioria dos eugenistas, representando uma transformação
radical nas políticas públicas de diversos países. Nesse contexto, milhares de indivíduos
foram esterilizados na Suíça e na Dinamarca devido à “anormalidade sexual e psíquica” e
à “má hereditariedade”. Os Estados Unidos aprovaram as primeiras leis de esterilização
involuntária pelo poder estatal e estima-se que, entre 1907 e o fim da Segunda Guerra
Mundial, cerca de 70 mil pessoas foram esterilizadas. A legislação mais abrangente acerca
da esterilização eugênica foi, evidentemente, a da Alemanha nazista. Esquizofrenia,
epilepsia, alcoolismo, “debilidade mental hereditária”, cegueira e surdez hereditárias,
deformidades graves no corpo e, posteriormente, “prole racialmente miscigenada” foram
algumas das condições que justificaram a esterilização involuntária de uma parcela da
população alemã (Stepan, 2005, p. 37-38).
Nesse contexto, constata-se que diversos cientistas, médicos e ativistas sociais
participaram e contribuíram para o movimento eugênico, definindo-o como o resultado
adequado ao desenvolvimento das teorias sobre a hereditariedade humana. Em 1912, na
cidade de Londres, realizou-se o Primeiro Congresso Internacional de Eugenia com a
reunião de 750 participantes dos Estados Unidos e de diversos países europeus, fato este
que demonstra o seu grande atrativo. Ocorreram mais dois congressos internacionais de
eugenia em Nova York, nos anos de 1921 e 1932. Além disso, foi fundada a Federação
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Internacional de Sociedades Eugênicas, em 1921, com o intuito de coordenar as atividades
das diversas organizações nacionais e das propostas legais apresentadas no primeiro
congresso. Em meados dos anos 1920, o movimento eugênico já era alvo de muitas críticas
e a maioria das suas pretensões sociais e legislativas mais radicais não foram efetivadas.
Entretanto, a teoria de que os indivíduos e os grupos humanos têm valores hereditários
variáveis e, sendo assim, as políticas sociais deveriam respaldar-se justamente nesta
diferença, foi amplamente consentida e legitimada em diversos países (Stepan, 2005, p.
12-13).
Stepan (2005, p. 149-152) destaca que a eugenia era, sobretudo, um “movimento
estético-biológico” que se preocupava com a beleza e a feiura, a pureza e a contaminação
na medida em que se representavam na raça. Também se tratava de um movimento pelo
“aprimoramento racial”, razão pela qual a relação entre eugenia e racismo é considerada
como definidora. Contudo, a autora ressalta que o racismo assume diferentes formas e é
produzido de variadas maneiras a partir das relações sociais e das circunstâncias locais.
Os eugenistas da América Latina, por exemplo, empregaram a noção de “miscigenação
construtiva”
1
, a fim de atender aos seus interesses em uma conjuntura de estereotipagem
racial extremamente negativa, na qual os biólogos estrangeiros apontavam a hibridização
racial como principal causa da degeneração latino-americana. Do ponto de vista de alguns
cientistas e intelectuais latino-americanos, a concepção de que a sua própria mestiçagem
racial poderia obter resultados positivos era precisamente a fenda na teoria biológica que
se adequava aos seus projetos políticos e ideológicos, permitindo-lhes declarar que
compunham nações eugênicas em formação. Defendia-se que, por meio da hibridização
racial, as “raças superiores” seriam capazes de se sobreporem às “inferiores” e exterminá-
las, fixando, dessa maneira, a identidade nacional na “raça superior”. Outros eugenistas
latino-americanos argumentavam que a mistura de variadas raças poderia conceber um
tipo racial novo e superior. Tal compreensão refutava a ideia de que o mestiço era, em sua
essência, “não eugênico”.
A eugenia no Brasil
Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do XX, a tese sobre o
branqueamento ou o “ideal de embranquecimento” da população brasileira era aceita e
1
Segundo Stepan (2005, p. 179-180), “poder-se-ia dizer que a ‘miscigenação construtiva’ era, por
conseguinte, tanto um produto do racismo quanto seu reverso. O conceito havia estabelecido a raça
biológica como o ponto crucial da nacionalidade e deixara, em alguns casos, legados institucionais
duradouros na forma de leis de restrição à imigração influenciadas pela eugenia”.
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defendida pelos setores das elites econômica, política e intelectual (Maio, 2010, p. 55). No
Brasil e em outros países latino-americanos, essa tese propunha como solução para o
problema racial o desaparecimento gradual dos negros através da sua absorção pelos
brancos, uma vez que se apoiava na presunção da superioridade branca (Hasenbalg, 1996,
p. 236). Isto é, a miscigenação seria capaz de produzir “naturalmente” uma população mais
clara, visto que o gene branco era considerado o mais forte. Skidmore (1976, p. 81) afirma
que a conclusão dessa tese racial baseou-se em uma asserção chave: “a de que a
miscigenação não produzia inevitavelmente ‘degenerados’, mas uma população mestiça
sadia capaz de tornar-se sempre mais branca, tanto cultural quanto fisicamente”.
Desde o final do século XIX, as elites do Brasil e de outros países da América Latina
admitiram o ideal do branqueamento como um projeto nacional que deveria ser instaurado
por meio da miscigenação seletiva e das políticas de imigração e colonização com europeus
(Hasenbalg, 1996, p. 235-236). Seyferth (2002, p. 134) aponta que a retórica sobre a
miscigenação seletiva amparou-se nas estatísticas imigratórias e direcionou os debates da
política imigratória para conferir privilégios à figura do imigrante europeu. Os legisladores
e pensadores sociais, ao articularem a miscigenação com a imigração europeia,
assinalaram a “nação pretendida mestiça, porém com um povo branco na aparência,
mantidas as características socioculturais da civilização latina de língua portuguesa”
(Seyferth, 2002, p. 134).
De acordo com Stepan (2005, p. 165), “em uma sociedade socialmente
hierarquizada e racialmente estratificada, o racismo aberto florescia e declinava no Brasil
de acordo com as contingências do nacionalismo e da imigração”. Souza (2019, p. 56-59)
afirma que o movimento eugênico no país assumiu posições distintas em diferentes
momentos. No final da década de 1910, o discurso médico-sanitarista e a crença no poder
salvacionista dos estudos científicos, como recursos para reformar e regenerar a
população, passaram a integrar a ideologia de construção da nacionalidade brasileira. A
“raça nacional” era caracterizada como inferior e incivilizada, assinalada pela mestiçagem,
pela indolência moral e física e pelo clima tropical. Nesse contexto, as ideias eugênicas,
largamente incorporadas ao discurso médico-sanitarista, comprometeram-se a sanear e a
eugenizar tanto o sertão quanto as cidades localizadas no litoral, propondo resoluções
científicas práticas para os problemas nacionais (falta de saneamento, epidemias,
endemias, precárias condições higiênicas e sanitárias).
Na década de 1920, alguns setores da sociedade acreditavam que a rápida expansão
da economia cafeeira de exportação, as entradas de imigrantes europeus e a ascensão de
novos grupos profissionais conseguiriam reformar a tradicional política do país, lançando-
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o como potência mundial. Nesse contexto, a noção da “miscigenação construtiva” passou
a firmar-se em termos positivos. Os pensadores sociais defendiam que a seleção, tanto
natural como social, transformaria a negritude em branquidade. Os imigrantes brancos
eram vistos como meio próprio para elevar rapidamente a taxa populacional branca, ao
mesmo tempo em que a miscigenação entre mulatos e brancos favoreceria um contínuo
branqueamento da “raça nacional”. Souza (2022, p. 97-98) aponta que, apesar da posição
central ocupada pelo sanitarismo na eugenia brasileira, a questão racial ocupou uma
posição privilegiada nos debates acerca da imigração, do branqueamento e da
miscigenação racial. Confiantes nas pressuposições eugênicas, os eugenistas passaram a
defender a seleção dos imigrantes como providência fundamental para se alcançar o
progresso social e biológico do Brasil. Esta seleção também era vista como uma medida
essencial para prevenir diferentes problemas sociais como a criminalidade, o alcoolismo,
a delinquência e a loucura e para impedir as entradas dos “imigrantes indesejáveis”.
No final da década de 1920, uma eugenia mais racista e negativa passou a circular
por diversos motivos. Segundo Stepan (2005, p. 168), ocorreu o declínio do liberalismo e
do otimismo no Brasil, que foi acelerado pela depressão econômica nos anos 1930. A
aprovação da lei de restrição à imigração nos Estados Unidos, com premissas eugênicas,
provocou considerável debate, inclusive nos países da América Latina. A diminuição dos
movimentos migratórios europeus para o Brasil gerou preocupações quanto à
miscigenação e ao futuro racial do país, que não mais estava recebendo um contínuo fluxo
de sangue branco. De modo ncrono, os debates blicos a respeito da miscigenação e da
seleção racial adquiriram novos contornos. Souza (2022, p. 98-99) destaca que o
radicalismo eugênico produziu efeitos significativos nas discussões sobre a formação da
identidade racial do Brasil. Dessa forma, a confiança positiva em relação à miscigenação
foi cedendo espaço para uma visão pessimista, fortemente marcada pelo racismo científico
e pela concepção de que os mestiços eram seres degenerados.
O fortalecimento do movimento eugênico no final dos anos 1920 também esteve
atrelado à organização institucional e aos espaços de articulação constituídos pelos
eugenistas. Nesse cenário, destacou-se o médico Renato Kehl figura central na difusão
das ideias eugênicas no Brasil , o qual criou e dirigiu o periódico Boletim de Eugenia com
o objetivo de promover e divulgar a eugenia para outros intelectuais, setores da elite
política e blico leitor, formado majoritariamente por pessoas da classe média urbana
(Souza, 2019, p. 206-207). Kehl passou a delimitar as diferenças entre saneamento e
eugenia, defendendo que o Brasil precisava mais da esterilização dos degenerados e de
leis para o controle da natalidade do que de higiene geral e de educação. Com uma visão
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elogiosa às práticas executadas pelo governo nazista, Kehl defendia que “toda política
deveria ‘ser essencialmente uma política biológica’, pautada na ‘higiene racial” (apud
Souza, 2022, p. 102).
De acordo com Stepan (2005, p. 60-61), a manifestação pública mais importante do
movimento eugênico no país foi o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, em julho de
1929, durante as comemorações do centenário da fundação da Academia Nacional de
Medicina. Aproximadamente duzentos profissionais - médicos, jornalistas, deputados,
sanitaristas - participaram desse congresso durante uma semana. As temáticas debatidas
abordaram diferentes setores: educação eugênica; casamento e eugenia; tipos raciais;
campanhas antivenéreas; proteção à nacionalidade; tratamentos para deficientes mentais,
entre outros. Os participantes aprovaram diversas propostas, porém a mais polêmica
tratava sobre o “problema eugênico da imigração”, apresentada pelo deputado A. J. de
Azevedo Amaral. Após intenso debate, sua recomendação foi reformulada e dividida em
duas: uma que limitava a imigração de não-europeus em geral e outra que restringia a
entrada de pessoas negras especificamente. Outros participantes eram a favor da
restrição à imigração de asiáticos com base em critérios eugênico-raciais. Todavia, a
proposta de Amaral não foi consentida e a política nacional de exclusão da imigração,
fundamentada em termos raciais, foi inicialmente rejeitada pelos congressistas.
Eugenia e imigração no primeiro governo Vargas (1930-1945)
Após o golpe de 1930, resultado da ação de novas forças sociais e políticas, a
Primeira República foi dissolvida e Getúlio Vargas ascendeu ao cargo de presidente do
Brasil. Seguiu-se um período de agitação política que, simultâneo à crise econômica
provocada pela depressão mundial, favoreceu a difusão da eugenia nos âmbitos político e
ideológico. A aspiração por uma sociedade racionalmente orientada e cientificamente
purificada extrapolava as disputas de classe, assim como era admitida por ideologias
corporativistas, antidemocráticas e nacionalistas que ganharam espaço no período
(Stepan, 2005, p. 172-173).
A nomeação de alguns eugenistas para a ocupação de cargos públicos incentivou a
elaboração de ideias a respeito da adequação e do aprimoramento nacionais. Em 1931, foi
fundada a Comissão Central Brasileira de Eugenia, que reuniu membros da área da saúde
blica, da medicina e das ciências biológicas. Seu objetivo central era a divulgação do
pensamento eugênico em nível nacional, evidenciando que os movimentos imigratórios
constituíam o principal problema médico da nação (Stepan, 2005, p. 61).
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Com a instauração do Estado Novo, em 1937, Vargas ampliou os poderes estatais a
fim de controlar e gerenciar os diversos grupos sociais. Autoritário e corporativista, esse
governo ambicionou criar uma “consciência homogênea” de nacionalidade por meio da
criação de novos aparatos estatais, da mobilização do patriotismo e do aplainamento das
“diferenças étnicas”. Essa pretensa homogeneidade e a identidade nacional foram
impulsionadas por um nacionalismo excludente que suscitou uma série de decretos que
limitavam a proporção de estrangeiros nas empresas brasileiras e estabeleciam a língua
portuguesa como o único idioma de instrução nas escolas. Outras medidas impuseram
restrições à imigração com base em argumentos de “proteção nacional”, pois se defendia
que alguns grupos como os alemães, japoneses e judeus possuíam características
físicas e culturais que poderiam prejudicar o processo de homogeneização racial no Brasil,
considerando-se, inclusive, o declínio da imigração europeia. Essa preocupação com a
“brasilianização” e a unidade nacional uniu políticos e eugenistas em torno da questão
racial (Geraldo, 2007).
A elaboração de novas constituições durante o governo Vargas viabilizou a
introdução de ideais eugênicos no debate sobre imigração, nacionalidade e identidade
brasileiras. O artigo de restrição à imigração da Constituição de 1934 (Brasil, 1934, art. 121,
§ 6 e § 7) manteve-se na de 1937, validando, portanto, o compromisso com a eugenia, a
homogeneização e o branqueamento como política estatal. Instituiu-se uma lei de
imigração eugênica e racial que fixou cotas raciais, assim como comprovantes econômicos
e testes de adequação para as entradas de imigrantes no país. Estas cotas foram
estipuladas em 2% da população total para cada grupo nacional. Dessa forma, o projeto do
Estado Novo buscou impossibilitar a entrada de todos os estrangeiros definidos como
“indesejáveis” e “inadequados” em relação ao projeto de formação eugênica e étnica do
povo brasileiro (Koifman, 2012, p. 422).
De acordo com Seyferth (2002, p. 138-139), diversos intelectuais e militares, que
exerciam influência sobre o campo da política imigratória do Estado Novo, defendiam que
era necessário averiguar, através de pesquisas científicas, os “índices de fusibilidade”
racial dos imigrantes um tipo de indicador da miscigenação com o objetivo de utilizá-
los na definição de leis biológicas que direcionassem a formação do povo. Tais índices,
sem quaisquer enunciados metodológicos, foram usados como subterfúgios para designar
os indesejáveis conforme a eugenia racial, sendo que os africanos e, em alguns casos, os
asiáticos foram inclusos nesta categoria.
De qualquer maneira, a assimilação dos imigrantes transformou-se em uma
questão nacional, acarretando implicações na orientação da política imigratória e na
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conformação da campanha de nacionalização, que interviu diretamente nas organizações
comunitárias criadas por diversos grupos de imigrantes. A tomada de medidas
intransigentes associou-se à recrudescência do nacionalismo e da xenofobia, em parte
motivada pelos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial e que afetaram
principalmente os imigrantes alemães, japoneses e os seus descendentes (Seyferth, 2002,
p. 139).
A ampla legislação do Estado Novo incluiu tanto os pressupostos mais gerais da
eugenia, mediante a proibição da imigração de doentes, deficientes e de indivíduos com
“comportamento nocivo ou imoral”, quanto reuniu outras referências que mencionavam
critérios raciais, a exemplo dos “ciganos e congêneres”. O Decreto-Lei 406, de 04 de maio
de 1938, por exemplo, determinou no artigo 2º que concedia ao governo federal o “direito
de limitar ou suspender, por motivos econômicos ou sociais, a entrada de indivíduos de
determinadas raças ou origens, ouvido o Conselho de Imigração e Colonização”. Seyferth
(2002, p. 139) assinala que não há uma designação explícita acerca desses indivíduos (com
exceção dos ciganos), mas é preciso atentar para o fato de que diversos funcionários do
Conselho de Imigração e Colonização (CIC) enunciaram a sua crença no mito do
branqueamento do povo brasileiro, sob termos atenuantes em prol da “formação
nacional”, assim como argumentaram a favor da interdição do deslocamento de imigrantes
não-brancos em diferentes textos publicados na Revista de Imigração e Colonização.
Continuidades da eugenia no pós-Segunda Guerra
Próximo ao término da Segunda Guerra Mundial, o debate acerca da questão
imigratória assumiu diretivas de natureza eugênica e racial, pois passou a classificar como
“indesejáveis” os deslocamentos imigratórios de ascendência não europeia. Na conjuntura
do pós-1945, a política imigratória brasileira recorreu de maneira evidente às exclusões de
natureza racial em prol de uma suposta “imigração cientificamente orientada e policiada”
(Seyferth, 2002, p. 146).
De qualquer modo, raça é um indicador preponderante quando se discute o pós-
guerra, muito mais visível e apregoado do que em períodos anteriores, apesar do
uso do termo etnia (reforçado duplamente como indicador somático e cultural).
Não são raras, nesse contexto, correlações entre etnia, raça e saúde, dentro do
jargão eugenista, exigindo uma “política biológica” seletiva (com exames
fenotípicos), a imigração associada à “melhoria da etnia nacional”. A preocupação
com a eugenia, além da raça, refletia o temor de receber a escumalha de guerra”
referência básica aos refugiados (Seyferth, 2002, p. 146).
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Nas legislações referentes à imigração formuladas no pós-Segunda Guerra
persistiram a correlação entre a nacionalidade (dependente do abrasileiramento dos
estrangeiros) e a homogeneidade racial, baseada no ideal de branqueamento. O imigrante
ideal continuava a ser o indivíduo branco e culturalmente mais próximo da formação
nacional luso-brasileira (Seyferth, 2002, p. 148). O Decreto-Lei 7.967, de 27/08/1945,
determinou explicitamente esse ideal no artigo 2º: “Atender-se-á, na admissão dos
imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população,
as características mais convenientes da sua ascendência européia, assim como a defesa
do trabalhador nacional”. Em seu capítulo II, a colonização do território nacional é avaliada
como uma utilidade pública, reforçando, portanto, as orientações de povoamento por meio
dos núcleos coloniais como prioritários no campo imigratório.
No pós-Segunda Guerra, elevaram-se consideravelmente os números relativos às
entradas de estrangeiros no Brasil, assim como ocorreu em maiores proporções nos
Estados Unidos, no Canadá e na Argentina. Baeninger (2012, p. 26) destaca que, entre 1950
a 1959, essas entradas assemelham-se quantitativamente ao período de 1900 e 1909 (583
mil e 622 mil imigrantes estrangeiros, respectivamente), apesar das diferentes condições
assinaladas pelo conflito armado e pelos processos de urbanização e industrialização no
país.
Nesse contexto, configurou-se uma nova organização político-institucional nos
âmbitos nacional e internacional. As práticas intergovernamentais adquiriram pertinência
e visibilidade a partir da fundação de agências especializadas no direcionamento e
estabelecimento de refugiados, deslocados de guerra e, posteriormente, imigrantes em
diversos países. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a
Organização Internacional de Refugiados (OIR) e o Comitê Intergovernamental para as
Migrações Europeias (CIME) passaram a direcionar e a controlar os movimentos
migratórios no plano internacional (Santos, 2022). O governo brasileiro, alinhado ao Bloco
Ocidental na conjuntura da Guerra Fria, participou como Estado-membro desses
organismos e abriu as suas fronteiras para a recepção de refugiados e deslocados de
guerra, sinalizando aos demais países que partilhava dos mesmos valores humanitários
evidentes naquele período, ao mesmo tempo em que atendia aos interesses políticos,
demográficos, socioeconômicos e étnico-culturais no âmbito nacional (Bravo, 2014, p.
106).
Os debates internacionais referentes à política, às relações externas e à ideologia,
que apresentavam uma roupagem humanitária”, afluíram com questões internas que
propiciaram a tomada de medidas favoráveis ao recebimento de refugiados europeus por
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parte do governo brasileiro. Contudo, as normas de entrada no território nacional para
essa “categoria” caracterizaram-se como seletivas em diversos aspectos. Moreira (2012,
p. 90-91) pontua que, em primeiro lugar, a adesão à Convenção Relativa ao Estatuto do
Refugiado, formulada no âmbito da Organização das Nações Unidas, ocorreu mediante a
opção pela reserva espacial, que limitou o alcance do termo “refugiado” à data dos eventos
sucedidos na Europa, a partir do início do funcionamento do ACNUR. Ou seja, o Estado
brasileiro comprometeu-se a acolher somente os refugiados europeus e assumiu a posição
eurocêntrica. Esse instrumento internacional foi assinado pelo governo em 1952, mas a
sua aprovação pelo Congresso Nacional aconteceu somente em 1960. Segundo Menezes
(2018, p. 118-119), a escolha pela reserva espacial demonstra que, em última instância, as
ideias eugênicas e o ideal de branqueamento, associados à concepção de progresso e
imigração, continuaram a nortear os “interesses nacionais” e os processos imigratórios.
Em segundo lugar, apesar da recepção dos refugiados ser regulamentada por
acordos internacionais, os quais precisavam ser aprovados no âmbito nacional, as normas
que permitiram a entrada efetiva dos refugiados no Brasil caracterizaram-se como
demasiadamente seletivas. As instruções gerais enviadas às missões brasileiras na Europa
formuladas pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), pelo Conselho de Imigração
e Colonização e, posteriormente pelo Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC)
determinaram critérios rigorosos de seleção dos refugiados com a finalidade de inibir a
imigração de “elementos indesejáveis”, apoiadas em justificativas socioeconômicas,
político-ideológicas, étnicas e morais (Santos, 2022; Moreira, 2012). Em ofício
encaminhado para o Ministério das Relações Exteriores, o encarregado da Delegação
Permanente do Brasil em Genebra, Alfredo T. Valladão, após participar das reuniões do
ACNUR, afirmou que o Brasil não admitia propriamente pessoas refugiadas, mas aquelas
que atendiam aos critérios definidos nos regulamentos de imigração. Em suas palavras:
A defecção do Brasil, cuja assistência aos refugiados é sempre motivo de
parágrafos laudatórios em documentos da ONU e nos noticiários de imprensa,
teria repercussão considerável e, ouso acrescentar, seria pouco condizente com
a nossa tradição de generosidade e liberalismo. Aliás, vale lembrar que, a rigor,
nós não recebemos refugiados. Acolhemos indivíduos que respondem às
exigências dos nossos regulamentos de imigração. É, pelo menos, o que me
informam as nossas Missões de Seleção na Europa. Ajuda stricto sensu aos
refugiados consiste em abrir-lhes as portas, sem apurar as suas condições de
saúde e as suas habilitações profissionais. Não parece ser o que fazemos, nem o
que fazem os grandes países de imigração. Apenas alguns países europeus, como
a França, Reino Unido, Suécia, recebem os “casos difíceis”, hospitalizando-os e
dando-lhes abrigo em instituições de caridade (Delegação dos Estados Unidos do
Brasil em Genebra, 1955, n. 11).
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Valladão, interessado na projeção das relações exteriores do país, sugeriu que o
governo brasileiro desenvolvesse uma “ação intermediária e em pequena escala” por meio
do Serviço de Seleção de Imigrantes, que atuou no continente europeu nos anos 1950. A
norma do INIC, encaminhada para esse serviço, não abrangia quaisquer aspectos
humanitários ou de auxílio direto aos refugiados, uma vez que estes eram avaliados
somente pela sua “capacidade produtiva” e, de antemão, já considerados como um “ônus”
para o Estado. O chefe da delegação brasileira defendia, assim, uma seleção “sob regime
especial”:
Entre os refugiados que se encontram em campos na Europa alguns existem que
não podem preencher tôdas as exigências do nosso Serviço de Seleção de
Imigrantes, mas que não são tampouco doentes, nem inválidos, nem anciãos. A
seleção de alguns sses refugiados, feita sob regime especial pela nossa
Comissão de Seleção na Europa e em nome de nossa colaboração para com o
programa das Nações Unidas, colocaria o Brasil no rol dos países que concorrem
expressamente para a solução do problema dos refugiados (Delegação
Permanente dos Estados Unidos do Brasil em Genebra, 1955, n. 149, p. 5-6, grifo
próprio).
O projeto de fundação do INIC, apresentado por Getúlio Vargas ao Congresso
Nacional em maio de 1952, trouxe em seu bojo a concepção de que os países de imigração
precisavam “selecionar os elementos” que pudessem ser-lhes “mais úteis”, fixando-os nas
áreas que demandavam a sua “oportuna e necessária” colaboração. Nessa perspectiva, o
“problema imigratório” exigia uma pronta mobilização de recursos e uma unidade de
planejamento a partir da criação do INIC, considerando-se que a imigração também se
relacionava com as questões do povoamento e do “entrosamento” entre o estrangeiro e o
trabalhador brasileiro.
É a imigração um problema extremamente complexo, estreitamente ligado ao do
povoamento, compreendendo, portanto, não apenas a importação do braço
estrangeiro como seu perfeito entrosamento com o trabalhador nacional, de
forma que êste não fique desamparado ante a concorrência de operários e
agricultores de técnica superior, mas se beneficie do exemplo e da emulação do
imigrante estrangeiro (Brasil, Mensagem nº 180, 1952, p. 5835-5836).
O poder executivo assinalava que os países que exerciam uma política imigratória
ativa, como o Canadá e a Austrália, tinham alcançado bons resultados com a fundação de
um órgão centralizador, responsável por orientar e efetivar todas as fases da imigração e
do povoamento, desde a seleção dos imigrantes até a sua localização e incorporação à
economia do país. Nesse sentido, a criação do Instituto Nacional de Imigração e
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Colonização foi legitimada a partir do artigo 162, da Constituição Federal de 1946, que
previa:
Art. 162 - A seleção, entrada, distribuição e fixação de imigrantes ficarão sujeitas,
na forma da lei, às exigências do interesse nacional.
Parágrafo único - Caberá a um órgão federal orientar esses serviços e coordená-
los com os de naturalização e de colonização, devendo nesta aproveitar nacionais
(Brasil, 1946).
Os debates promovidos no Congresso Nacional acerca da fundação do INIC, na
primeira metade da década de 1950, indicam que o imigrante branco continuava a ser
considerado como “elemento indispensável” ao progresso do Brasil. Em um primeiro
momento, interessava-se pela sua força de trabalho e pela sua capacidade de difundir
conhecimentos técnicos que pudessem atender aos interesses do mercado nacional. Sem
embargo, outro aspecto aparecia como extremamente relevante: o potencial reprodutor
do imigrante. Os representantes políticos manifestaram o interesse pelos braços”
estrangeiros, que seriam direcionados para a lavoura e para a indústria, mas também
argumentavam que os imigrantes acrescentariam “sangue” à população. Essa
“contribuição étnica” deveria incrementar o “branqueamento da raça” ou até mesmo
compor uma “nova raça”, pois o povo brasileiro ainda era, nessa perspectiva, um povo em
formação. Em 1954, no contexto do debate mencionado, o senador José Ferreira de Sousa
afirmou que era necessária a aplicação de recursos no direcionamento dos movimentos
migratórios internacionais com o seguinte objetivo:
Receber braços adestrados, técnicos em maior número para as indústrias,
homens mais adiantados, no trato da coisa agrícola, e por que recebamos, cada
vez mais, essa grande colaboração de sangue da raça branca que a Europa nos
pode mandar, contribuindo para a manutenção do teor da nossa gente e para o
nosso maior progresso (Brasil, Congresso Nacional, Livro 3, 1954, p. 519, grifo
próprio).
Para o senador Landulpho Alves, relator da Comissão de Economia que analisou o
projeto de criação do INIC, a colonização com o “elemento estrangeiro”, sobretudo o
europeu, apresentava-se como uma “necessidade premente” que não mais poderia ser
postergada. Em suas palavras,
Nêsse capítulo (...) estamos às apalpadelas, ocupando-nos com detalhes de
somenos importância (se um cego, um aleijado, um paralítico, um irmão de
criminoso nas famílias que devemos receber), perdendo de vista o grosso do
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problema e os grandes lances para a sua solução, qual seja a entrada de centenas
de milhares de agricultores ou de industriais, que de todos carecemos
inadiavelmente, na fusão dos elementos que hão de constituir a nova densidade
demográfica, notadamente no meio rural. (...)
É necessário o elemento estrangeiro, ao lado do qual estará o nacional, crescendo
em eficiência, transformando-se em valor realmente produtivo, pelo exemplo,
pela evidência da vantagem de processos que melhor influirá na orientação dos
seus filhos os quais desde meninos, terão a atividade voltada para as lides
agrícolas, com sentido novo de exploração racional e econômica (Câmara dos
Deputados, Parecer n.º 1.156, 1953, p. 3, grifo próprio).
Esse parecer emitido pelo senador no processo legislativo é representativo no que
se refere às continuidades dos pressupostos eugênicos no pós-Segunda Guerra e da
ideologia de inferiorização do trabalhador brasileiro. De acordo com Azevedo (1987), desde
a crise do trabalho escravo no Brasil durante o século XIX, divulgou-se uma corrente
ideológica que julgava o trabalhador nacional como um indivíduo ocioso, preguiçoso,
indolente e indisciplinado. Em diversos pareceres e discursos enunciados pela elite
brasileira nos anos 1950, podemos observar a manutenção de alguns aspectos dessa
ideologia de inferiorização dos brasileiros e certa preocupação governamental quanto à
constituição de uma mentalidade de trabalho entre os nacionais e os seus descendentes,
que deveriam assimilar a disciplina e aprender novas técnicas para que fossem elevadas
as produções dos proprietários agrícolas e dos industriais.
Os “detalhes de somenos importância” especificados pelo senador demonstram a
persistência das ideias eugênicas, inclusive no debate público, pois o fomento da imigração
europeia dava-se em conformidade com os parâmetros da eugenia e das tendências à
assimilação dos imigrantes, percebida como a “fusão dos elementos” que compõem a
população brasileira. Nos anos 1950, assim como nos precedentes, o imigrante ideal era
aquele que se integrava, pela mestiçagem, com os brasileiros, correspondendo ao desígnio
do branqueamento e da fusão racial. A questão demográfica continuava a ser pensada
como questão racial, assim como os interesses econômicos e a distribuição populacional
vinculavam-se à formação histórica da nacionalidade.
Garland Allen (1980, apud Stepan, 2005, p. 207-208) defende que ocorreu uma
modificação gradual nos debates sobre eugenia e genética nos anos 1930 e 1940,
principalmente como reação à eugenia nazista. No entanto, essa transformação alcançou
apenas a estrutura externa, uma vez que o núcleo de convicções eugênicas e as estruturas
sociais a ele vinculadas (sob os termos “raça” e “classe”) permaneceram intactos. Allen
aponta que, ainda que o movimento eugênico tenha alcançado uma má reputação, as suas
concepções basilares continuaram ativas no campo reformulado da genética humana, que
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surgiu após a Segunda Guerra Mundial, assim como a antiga convenção acerca dos
controles racial e hereditário assumiu uma nova roupagem.
Carvalho e Souza (2017, p. 888-889) assinalam que, apesar das comoções pública
e intelectual que divulgaram as violências e atrocidades cometidas em prol dos ideais
eugênicos durante o conflito armado, os pressupostos da eugenia mantiveram-se
presentes nos discursos e nas práticas de biólogos, geneticistas, médicos, juristas e
higienistas. Renato Kehl, a liderança do movimento eugênico no Brasil, prosseguiu
divulgando em diferentes jornais os princípios da eugenia como uma medida para o
aperfeiçoamento do povo brasileiro até meados da década de 1960.
Com a adoção de novos conceitos que tratavam das mesmas ideias e que
continuavam a defender métodos semelhantes, Kehl, alguns representantes políticos e
jornalistas fizeram com que o termo “eugenia” continuasse a ser difundido de modo
variado tanto na vida pública como em periódicos de grande circulação (A Gazeta, O
Globo, O Correio da Manhã). Carvalho e Souza (2017, p. 900) destacam que, em 1957, Kehl
ainda defendia explicitamente “a segregação, a imigração selecionada, os cruzamentos
eugênicos, com impedimento dos disgênicos”, a fim de beneficiar geneticamente a espécie
humana. Estes pontos demonstram que as suas propostas continuavam voltadas para o
modelo eugênico, inclusive o “negativo” que visava o controle rigoroso sobre a reprodução
dos “inadequados”.
Além da divulgação de ideias eugênicas em jornais brasileiros no pós-Segunda
Guerra, podemos constatar que essas concepções mantiveram-se vigentes em diferentes
normas, instruções e acordos elaborados e executados por órgãos nacionais e autoridades
responsáveis pela orientação da política imigratória nos anos 1940 e 1950. Nas próximas
linhas, analisaremos algumas diretrizes delineadas principalmente pelo Instituto Nacional
de Imigração e Colonização, criado em 1954 com o propósito de deliberar sobre a execução
da política migratória e de expedir instruções aos órgãos federais, que exerciam as
atividades relacionadas à imigração e à colonização. Uma das primeiras normas emitidas
pelo INIC determinava o seguinte:
I Nenhum visto permanente para o Brasil a pessoas portadoras de defeito físico,
moléstia ou doença, será concedido sem a prévia audiência do Instituto Nacional
de Imigração e Colonização.
IV Todo estrangeiro que pretenda, desacompanhado, dirigir-se para o Brasil,
em caráter permanente, deverá fazer declaração expressa de que não possui
dependentes portadores de defeito físico, moléstia ou doença.
Parágrafo único Caso o estrangeiro possua dependente portador de defeito
físico, moléstia ou doença, a autoridade consular:
a) negará o visto, se considerar a profissão do estrangeiro de nenhuma ou
mínima utilidade para o país;
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b) consultará o Instituto Nacional de Imigração e Colonização, através do
Ministério das Relações Exteriores, sôbre a possibilidade da concessão do
visto, se julgar de utilidade para o país a profissão do alienígena,
remetendo laudo médico circunstanciado de seu dependente.
V Far-secomunicação do disposto no item IV ao Ministério das Relações
Exteriores, solicitando que as declarações de que trata sejam remetidas ao
Instituto Nacional de Imigração e Colonização (Instituto Nacional de Imigração e
Colonização, 1954, n. 785/610.33).
Para a diretoria executiva do INIC, essa norma respaldava-se legislativamente nos
seguintes decretos-leis publicados durante o Estado Novo, os quais regulamentaram a
política imigratória e a entrada de estrangeiros no Brasil: o decreto-lei 7.967, de 18 de
setembro de 1945, o decreto-lei 406, de 4 de maio de 1938, e o decreto 3010, de 20
de agosto de 1938. Estes decretos estabeleceram que não seria permitido conceder visto
ao imigrante que não atendesse às exigências de saúde prefixadas, assim como não seria
autorizada a entrada no país de estrangeiros aleijados ou mutilados, inválidos, cegos,
surdos-mudos, indigentes, vagabundos, ciganos, alcoolistas, toxicômanos, que
apresentassem quaisquer tipos de afecção mental, doença infectocontagiosa grave
(especialmente tuberculose, tracoma, infecção venérea, lepra) e lesões orgânicas com
insuficiência funcional.
Verifica-se, portanto, que a mencionada norma do INIC baseou-se em uma
legislação que refletia os pressupostos mais amplos da eugenia e que objetivava impedir a
entrada dos “disgênicos”, assim como buscava selecionar o “alienígena” pela sua
capacidade produtiva. Tais concepções foram aplicadas na prática pelas autoridades
consulares, pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo próprio INIC durante as
análises de concessões de visto aos candidatos à imigração e aos grupos familiares
estrangeiros. Na década de 1950, um dos documentos imprescindíveis para a obtenção do
visto era o laudo/atestado médico, no qual constavam avaliações sobre as condições
físicas e/ou psicológicas dos estrangeiros.
Uma “deficiência visual no olho esquerdo”; ser portadora de retardo psíquico
causado por mau funcionamento das glândulas endócrinas” ou ser “surdos-mudos de
nascença”; “sofrer de debilidade mental congênita” ou ter “certo grau de atrazo mental,
embora compatível com o trabalho agrícola sobretudo dirigido”; ou ainda apresentar uma
“claudicação no andar” devido a uma poliomielite acometida na infância, todos esses
termos compuseram os argumentos apresentados nos pareceres médicos, os quais
serviram como justificativa para o INIC e os cônsules brasileiros indeferirem as
concessões de visto solicitadas por diversos estrangeiros. Além dessa seleção prévia
baseada nos exames clínicos e realizada no país de emigração, aconteciam inspeções
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sanitárias nos portos do Brasil que complementavam outras práticas de controle sobre as
entradas de imigrantes, as quais também dificultaram ou impediram o desembarque de
determinados estrangeiros.
Essa foi a circunstância enfrentada, por exemplo, pelo português José Miguel de
Brito, de 77 anos, sapateiro, que foi chamado por seu filho José Francisco de Brito,
português, industriário e residente na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com o atestado
médico, o idoso tinha um “pé boto varus de ambos os lados”, uma deformidade congênita
que provocava “marcha oscilatória, mas desembaraçada” e “flexão do auricular da mão
direita, de origem tendinosa”. O senhor José Miguel chegou ao Brasil em 1954, porém seu
desembarque foi inicialmente interditado pelo Serviço de Saúde dos Portos devido à
alegação de que ele se achava “incurso no item I do artigo 114, do Decreto 3010, de
20/08/1938”. Este item estabelecia que os estrangeiros “aleijados ou mutilados, inválidos,
cegos, surdos-mudos” deveriam ser impedidos de desembarcar no país, ainda que com o
visto consular regular e vindos como permanentes. Sendo assim, as autoridades do
mencionado serviço autorizaram o desembarque condicional do idoso, “mediante termo
de responsabilidade apresentado àquele Serviço pela Companhia Comercial e Marítima
S/A, consignatária do referido vapor, até decisão final das autoridades competentes”. O
presidente do INIC, informado sobre esse caso, solicitou esclarecimentos ao Ministério
das Relações Exteriores acerca da razão pela qual o Consulado Geral do Brasil em Lisboa
concedeu visto permanente ao mencionado alienígena, muito embora sendo o mesmo
portador de defeito físico, caso em que necessitaria da autorização dêste órgão”.
A seleção dos candidatos à imigração pautada em critérios eugênicos também foi
adotada indubitavelmente pela Comissão de Seleção de Imigrantes, organizada
inicialmente pelo Conselho de Imigração e Colonização e associada ao Comitê
Intergovernamental para Migrações Europeias, a qual exerceu suas atividades, sobretudo,
na Itália e na Áustria, visando o direcionamento de refugiados e imigrantes europeus como
mão de obra para as indústrias e lavouras brasileiras. Posteriormente, o INIC viabilizou as
atividades dessa Comissão, sediada em Milão, e autorizou a sua transferência para os
países europeus vizinhos com a finalidade de “efetuar a seleção dos imigrantes cujas
profissões sejam de interêsse para o mercado brasileiro de mão-de-obra”.
Em setembro de 1954, a Comissão de Seleção de Imigrantes era liderada pelo cônsul
Arnaldo Vieira de Melo e composta por dois engenheiros, responsáveis pela seleção de
trabalhadores para a indústria e a agricultura; dois médicos “encarregados dos exames
médico-sanitários”; um “selecionador político” e dois outros membros. Esses funcionários
governamentais deslocaram-se por diferentes países da Europa, inclusive nos campos de
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refugiados, a fim de efetuar avaliações “in loco” a respeito da “qualidade” dos possíveis
imigrantes, assim como elaboraram estudos e relatórios sobre as condições desses
indivíduos, os quais eram enviados ao INIC. Os estrangeiros selecionados pela comissão
obtinham o deferimento do visto a fim de emigrarem legalmente para o Brasil e, em alguns
casos, eram transportados em navios que prestavam serviços ao CIME. Em junho de 1955,
encerraram-se as atividades da Comissão de Seleção de Imigrantes, porém poucos meses
depois entrou em ação o Serviço de Seleção de Imigrantes na Europa, que também se
manteve vinculado ao CIME. Em setembro daquele ano, o presidente do INIC nomeou o
doutor Fernando Jorge da Rocha para a função de “médico selecionador”.
Os critérios de seleção e de concessão de visto, adotados tanto pela comissão
quanto pelo serviço citados, atendiam às normas estipuladas previamente pelo INIC que
ponderavam, grosso modo, dois aspectos como imprescindíveis: as condições físicas e
psicológicas dos estrangeiros e as suas qualificações profissionais. Não foi por acaso que
tanto a Comissão quanto o Serviço de Seleção de Imigrantes incluíram os “médicos
selecionadores” em suas equipes, pois eles eram os encarregados pela inspeção sanitária
na etapa das concessões de visto, bem como pela reprovação da emigração de pessoas
que apresentassem quaisquer tipos de deficiências ou lesões que pudessem comprometer
as suas capacidades produtivas.
Os serviços de seleção dos imigrantes também analisavam os antecedentes
políticos e criminais, pois se tencionava coibir os deslocamentos migratórios de indivíduos
que possuíssem algum registro de militância política, sobretudo os adeptos ao socialismo
ou ao comunismo que representavam um “perigo para a segurança nacional” na
conjuntura da Guerra Fria (Ferraz, 2017). Este fator também se refletiu na execução da
política imigratória e nas concessões de vistos sob a análise dos juízos políticos.
Considerações finais
O silenciamento em relação à eugenia, após o fim da Segunda Guerra Mundial, é
objeto de controvérsias pela sua associação direta ao regime nazista, que se baseou nessa
ideologia para justificar as atrocidades, as violências e os crimes cometidos contra milhões
de pessoas. No Brasil, essa “amnésia voluntária” foi construída historicamente, tornando
mais complexa a análise crítica sobre a atuação de diversos grupos e indivíduos que
apoiaram, divulgaram e efetivaram institucionalmente os pressupostos eugênicos durante
a primeira metade do século XX.
Os estudos historiográficos que analisam o primeiro governo de Getúlio Vargas
(1930-1945) ressaltam, com certa unanimidade, a execução de medidas restritivas que
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visaram a seleção e o controle sobre a entrada e a permanência de imigrantes no Brasil.
Os discursos e as práticas do Estado relacionados à segurança, ao projeto de formação
nacional, à assimilação racial e cultural atingiram tanto os imigrantes residentes no país
quanto os estrangeiros que pleitearam as concessões de visto. O governo brasileiro
objetivou a definição e a implementação de critérios que possibilitassem um controle
rígido e seletivo, a fim de autorizar apenas a entrada de estrangeiros classificados como
“desejáveis” que, em última análise, atendiam aos mencionados critérios raciais,
socioeconômicos e técnico-profissionais.
Essas concepções e práticas não sofreram alterações fundamentais no pós-
Segunda Guerra, sobretudo quando se trata da política imigratória brasileira e da
permanência das ideias eugênicas na vida pública. Tendo em vista as medidas adotadas
pelo INIC, que orientaram algumas atividades do Ministério das Relações Exteriores e das
autoridades consulares na década de 1950, verifica-se que ocorreu uma política rigorosa
de seleção dos estrangeiros, principalmente nas ocasiões em que os pleiteantes de vistos
eram diagnosticados com algum tipo de deficiência física ou mental. Tanto a Comissão
quanto o Serviço de Seleção de Imigrantes na Europa contaram com “médicos
selecionadores” em seus quadros de funcionários para a realização de “exames in loco”
dos refugiados e potenciais imigrantes. Isto demonstra, em última instância, que as
concepções eugênicas mantiveram-se vigentes nas análises dos processos imigratórios,
as quais foram aplicadas por funcionários públicos que lidavam diretamente com as
questões da política imigratória.
Portanto, ainda que a eugenia tenha adquirido uma má reputação após a Segunda
Guerra Mundial, os pressupostos eugênicos perduraram no campo imigratório brasileiro.
A conclusão deste artigo é também um convite para que outros pesquisadores voltem o
seu olhar para o estudo da eugenia no pós-1945. Para qualquer historiador que se debruce
sobre a história da imigração nesse contexto, faz-se necessário considerar a questão das
continuidades e rupturas da eugenia. Este pode ser um ponto de partida profícuo que nos
possibilite a reflexão sobre os silêncios, traduzidos na escassez de investigações que
abordam as restrições impostas aos estrangeiros que desejaram emigrar para o Brasil, mas
que foram impedidos por não corresponderem às exigências do “imigrante ideal”,
fundamentadas em ideias racistas e capacitistas.
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