“Amores profanos” no sacramento da confissão:
o delito inquisitorial de solicitação (século XVIII)
"Profane loves" in the sacrament of confession: the inquisitorial
crime of solicitation (eighteenth century)
SILVA, Sabrina Alves*
https://orcid.org/0000-0001-5203-8498
RESUMO: O delito inquisitorial de solicitação,
ou a solicitatio ad turpia, acontecia quando um
sacerdote confessor, no local da confissão,
assediava amorosa ou sexualmente os
penitentes. O confessionário, lugar sagrado
para o catolicismo, deveria ser um lugar de
“lavar almas”, mas, muitas vezes, tanto na
colônia brasileira como na Metrópole, se
transformou em um refúgio onde padres e
penitentes trocavam carícias, escritos
amorosos, promessas, presentes, galanteios,
local em que os confessores agiam com
violência, tocando o corpo da penitente,
mostrando as partes íntimas, forçando,
chantageando e fazendo perguntas indiscretas.
O intuito deste artigo é apresentar o delito e
demonstrar como ele acontecia. Para tanto,
utilizamos o método micro-histórico para
analisar as denúncias contra os sacerdotes no
século XVIII que eram suspeitos de profanar o
Sacramento da Penitência, tão caro aos
reformadores tridentinos. A solicitação
representava um desafio aos esforços de
moralização do clero e, consequentemente, dos
fiéis.
PALAVRAS-CHAVE: Solicitação; Inquisição;
confessionários; padres.
ABSTRACT: The inquisitorial offense of
solicitation, or solicitatio ad turpia, occurred
when a confessor priest, during confession,
sexually or romantically harassed the penitents.
The confessional, a sacred place for
Catholicism, was intended for being part of the
“cleansing of souls”. However, often, both in
the Brazilian colony and in the Metropolis, it
became a refuge where priests and penitents
exchanged caresses, loving writings, promises,
presentes and flirtation. In many cases,
confessors acted violently, touching the body
of the penitent, showing the intimate parts,
forcing, blackmailing, and asking indiscreet
questions. The purpose of this article is to
present the crime and demonstrate how it
happened. To that end, we use the micro-
historical method to analyze the complaints
against the priests suspected of desecrating the
Sacrament of Penance, so dear to the
Tridentine reformers. These complaints
represented a challenge to Tridentine efforts to
moralize the clergy and, consequently, the
faithful.
KEYWORDS: Solicitation; Inquisition;
confessionals; priests.
* Mestre pela Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), São João del Rei (MG), doutoranda do
Programa de Pós-Graduação da Unesp/Franca, Franca-SP. Bolsista da Agência Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES). E-mail: sabrinaalves87@hotmail.com. Este
artigo originou-se da dissertação de mestrado.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
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Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 156-172, jan./jun., 2025
Recebido em: 16/05/2024
Aprovado em: 28/11/2024
Considerações iniciais
Por meio das fontes da Inquisição portuguesa, que são essenciais para uma
compreensão abrangente da história da colônia brasileira, como as denúncias contra
padres solicitantes no século XVIII, este artigo almeja analisar a vigilância levada a cabo
pela Igreja aos confessionários e o empenho do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em
punir os solicitantes que profanavam o Sacramento da Penitência. A análise das fontes
teve como base o método micro-histórico, sendo, assim, possível empregar uma análise
minuciosa e um estudo aprofundado do material documental. Para Ginzburg (2007, p. 7),
a importância da micro-história para o ofício do historiador reside em sua capacidade de
destrinchar o entrelaçamento do verdadeiro, do falso e do fictício, buscando o que está a
contrapelo e, servindo-se do fio do relato”, os rastros que nos auxiliam na orientação “no
labirinto da realidade”, dessa forma buscando significados ocultos nas entrelinhas. A
micro-história, que se baseia na redução da escala de observação, tem sempre se
centralizado na busca por uma descrição mais realista do comportamento humano, “[...]
empregando um modelo de ação e conflito do comportamento do homem no mundo que
reconhece sua relativa liberdade, além, mas não fora, das limitações dos sistemas
normativos prescritos e opressivos” (Levi, 1992, p. 135). Deste modo, para Levi (1992):
[...] toda ação social é vista como o resultado de uma constante negociação,
manipulação, escolhas e decisões do indivíduo, diante de uma atividade normativa
que, embora difusa, não obstante oferece muitas possibilidades de interpretação
e liberdades pessoais [...]. Em outras palavras, uma investigação da extensão e da
natureza da vontade livre dentro da estrutura geral da sociedade humana (Levi,
1992, p. 136).
O delito inquisitorial de solicitação ocorria quando um padre confessor tentava
seduzir sexual e/ou amorosamente, tanto homens quanto mulheres, durante o Sacramento
da Confissão. Esse comportamento abrange diversas situações, com o objetivo final de
levar a cabo uma relação sexual e/ou amorosa entre o penitente e o confessor. Esse delito
nem sempre foi da alçada Inquisitorial; foi apenas em 1599 que a Inquisição portuguesa
recebeu, através de um Breve Papal, a jurisdição para proceder contra os clérigos que
solicitassem. A Inquisição foi um dos mecanismos de vigilância e disciplinamento que
atuou no campo da defesa moral sexual tridentina, situando “[...] na carne a origem da
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corrupção humana ao mesmo tempo em que propôs como meta o seu domínio” (Gouveia,
2015, p. 127). Segundo Lima (2022), as relações fortuitas ou mesmo concubinatos entre os
confessores e suas paroquianas permaneceram ligados à Justiça Eclesiástica, a Inquisição
punia os que “sentiam-se mal” pela católica, ou seja, que maculavam o confessionário.
Dessa forma, a profanação do Sacramento da Penitência passou a ser considerada uma
heresia, sujeita à punição pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.
Segundo Bethencourt (2000) a perseguição das heresias é o traço característico
comum a todos os tribunais da Inquisição, traço que justifica sua existência. No entanto, a
diversidade dos delitos cobertos é significativa, no tempo e no espaço, “[...] o que
pressupõe não apenas adaptação dos tribunais a condições específicas, mas, também, a
capacidade de classificar novos fenômenos de desvio e de encontrar novos domínios de
atividade” (Bethencourt, 2000, p. 295). Ademais, como bem observou Gouveia (2022):
Se a natureza dos tribunais inquisitoriais fez com que a sua atividade estivesse
orientada fundamentalmente para a erradicação das heresias, a definição de suas
diversas manifestações foi um aspecto crucial na própria fixação da sua esfera
de ação. Considerou-se que os erros de doutrina eram passíveis de serem
captados, não apenas em afirmações heterodoxas explícitas, como também em
comportamentos que implicassem suspeita de heresia. Seria o caso da
conspurcação do poder sacral, implícita nas ações de solicitação (Gouveia, 2022,
p. 533).
Para o Regimento do ano de 1640, no título XVIII: “Dos confessores solicitantes no
Sacramento da Confissão”, a solicitação aconteceria quando:
[...] algum confessor, no ato da confissão sacramental, antes ou imediatamente
depois dele, ou com ocasião de pretexto de ouvir de confissão, no confessionário
ou no lugar deputado para ouvir ou em outro escolhido para esse efeito, fingindo
que ouve de confissão, cometer, solicitar ou de qualquer maneira provocar atos
ilícitos e desonestos com palavras ou com tocamentos desonestos, para si ou
para outrem, as pessoas que a ele se forem confessar, assim mulheres como
homens (ANTT. IL. Liv. 987. Livro III, título XVIII, p. 187).
Quanto às punições, o mesmo Regimento declara que o sacerdote seria privado do
poder de confessar e teria suas ordens suspensas por tempo de oito até dez anos e “[...]
pelo mesmo tempo degredado para fora do bispado e para sempre do lugar do delito, aonde
não poderá mais entrar, pelo escândalo que nele deu com suas culpas” (ANTT. IL. Liv. 987.
Livro III, título XVIII, p. 187).
Portanto, não estavam em causa as práticas “torpes” levadas a cabo pelos clérigos.
Era, de fato, o abuso e o desrespeito pela confissão que deveriam ser penalizados. Punindo
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a solicitação, a Inquisição participava do esforço da Igreja em moralizar o clero, o que era
uma condição indispensável para a moralização dos leigos. Como afirma Gouveia (2022,
p. 534), era “[...] a justificação de que não se tratava de corrigir um comportamento, mas
o erro doutrinal que provocara, isto é, a má doutrina”, ou seja, o Tribunal do Santo Ofício
“[...] intervinha não pelas ações luxuriosas, mas pelas circunstâncias em que elas eram
cometidas”.
O Tribunal Inquisitorial afirmava a presunção, usada para legitimar condenações
quando o u não confessava. Nos processos de solicitação, essa presunção
desempenhava um papel crucial, pois, mesmo que os réus reconhecessem suas ações,
nunca admitiam a intenção de desrespeitar os preceitos da católica, de profanar o
Sacramento da Penitência. Como, na maioria dos casos, a confissão completa não era
obtida, os inquisidores presumiam a culpa doutrinária. A reincidência, a consumação dos
atos e, especialmente, o escândalo gerado eram também considerados critérios para
determinar a pena.
Segundo Marcocci e Paiva (2013, p. 15), o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi
“[...] uma poliédrica instituição com impactos enormes na sociedade portuguesa, na qual
assumiu uma vocação hegemônica que respondia à ordem religiosa e cultural em
transformação, com repercussões em todos os âmbitos”. Vigiando e estabelecendo
normas e regras, a Inquisição desempenhou um papel fundamental na manutenção da
estrutura de colonização e na formação da sociedade brasileira.
Lentamente, ainda que sem tribunais, a Inquisição se foi cristalizando na
sociedade colonial. Pela ação de seus próprios visitadores, comissários e
familiares, ou pelas periódicas devassas episcopais, montaria uma fabulosa
máquina de vigilância, lubrificada pelo apoio dos jesuítas e dos confessores
sacramentais- sorvedouro de réus em toda a colônia (Vainfas, 2010, p. 288).
Na colônia brasileira as denúncias contra confessores solicitantes eram feitas para
os comissários
1
, oralmente ou por escrito, e essas denúncias eram reunidas e enviadas à
Mesa inquisitorial de Lisboa. Quando chegavam ao tribunal lisboeta não eram anexadas
aos Cadernos do Promotor, como era de praxe, mas eram arquivadas em cadernos
separados, chamados de Cadernos dos Solicitantes (ANTT. IL. Código 37), mostrando a
preocupação com esse delito. A reforma da cristandade colonial, conforme almejavam os
bispos, implicava na reforma do clero, seus principais atores, e “[...] ao punir os
1
A Inquisição no Brasil atuou no século XVIII com base na tríade composta por familiares, comissários e
visitas diocesanas. Para mais informações: Rodrigues, 2009.
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solicitantes, o Santo Ofício protegia um dos principais instrumentos de intervenção da
Igreja na vida cotidiana dos fiéis: o sacramento da penitência” (Lima, 2022, p. 105).
Este artigo tem como propósito analisar o delito inquisitorial de solicitação no
século XVIII, destacando a preocupação da Igreja tridentina com o Sacramento da
Reconciliação e com os comportamentos nada ortodoxos de diversos sacerdotes no
momento da confissão, tanto na colônia brasileira quanto na Metrópole, as táticas de
sedução, que variavam entre galanteios e abusos extremos, e, sobretudo, a relevância que
a Inquisição atribuía a esse delito. Nas páginas seguintes, examinaremos o zelo da Igreja
pela confissão e, consequentemente, como a Inquisição se empenhou em punir aqueles
que profanavam o Sacramento da Penitência. Além disso, será demonstrado como esse
delito ocorria tanto na colônia brasileira quanto na Metrópole.
A preocupação com o confessionário e com o Sacramento da Confissão
De acordo com Almeida (1992), ao contrário do que se pensa, nem sempre a
confissão sacramental e obrigatória existiu entre os cristãos. Na Igreja primitiva, era a
eucaristia que cumpria a função de controle sobre os pecadores, a confissão constituía
requisito para receber a comunhão no caso de pecado evidente e era “[...] geralmente
pública, realizada diante da comunidade de fiéis e pressupunha uma relação direta e
imediata entre o pecador e Deus” (Almeida, 1992, p. 12). Foi no IV Concílio de Latrão, em
1215, que ficou determinado que todo cristão com idade legal e discernimento estaria
obrigado a confessar os seus pecados a um sacerdote no mínimo uma vez por ano. Depois
de confessar, o cristão deveria cumprir a penitência imposta e receber a eucaristia pelo
menos na Páscoa. No entanto, foi com o Concílio de Trento (1545-1563) que a obrigação
anual da confissão se consumou. Os párocos deviam registrar quem se desobrigava desse
preceito, e aqueles que não o fizessem seriam anotados em listas remetidas aos bispos,
incorrendo em excomunhão, da qual podiam ser absolvidos pelo bispo. “A confissão
moderna, tal como foi institucionalizada pelo Concílio de Trento, erigiu-se exatamente
sobre a base do sacerdotismo e da teoria dos sacramentos, que integrando o livre-arbítrio,
neutralizou a ideia original da predestinação pela graça divina” (Almeida, 1992, p. 16). Dessa
forma, o padre assumiu o papel de intermediário da salvação.
Assim como ocorrera na Europa, a Inquisição atuou na colônia como instrumento
da Reforma Católica. Reforma cuja implementação dependia da constituição de
um clero paroquial afinado com os princípios tridentinos, pois, por seu lugar
privilegiado no contato com os fiéis, o clero seria o responsável pelas mudanças
que as autoridades eclesiásticas pretendiam promover (Lima, 2022, p. 128).
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Segundo Fernandes (1995), a Igreja preocupava-se com a formação moral e cristã
e utilizou a confissão e o casamento como mecanismos de controle. A Igreja criou modelos
de condutas que deveriam ser seguidas, inclusive sexuais. Na sessão XIV do Concílio de
Trento foram aprovados 13 cânones que diziam respeito à administração do sacramento
da penitência. Passaram a incentivar a confissão frequente, mensal ou de dois em dois
meses, alegando que seria mais fácil lembrar os pecados. Dessa forma, os fiéis alcançariam
as graças de Deus e uma consciência aliviada. Além disso, foram produzidos uma série de
manuais
2
para orientar confessores e penitentes. No entanto, apesar do grande esforço da
Igreja, em muitos casos, isso não teve o efeito desejado, devido à ignorância não apenas
dos penitentes, mas, também, e de forma mais preocupante, dos confessores. Após o
Concílio de Trento, a confissão tornou-se um sacramento cotidiano, valorizando os
pecados veniais ocorridos no dia a dia e também se concentrando na detecção de pecados
mais graves, incluindo heresias (Gouveia, 2015).
A confissão era, primordialmente, um ritual de submissão que exigia que cada
penitente internalizasse a culpa. Além de reconhecer a Igreja como a instituição capaz de
redimi-lo do pecado, ela se tornava um meio destacado para orientar as consciências,
combinando vigilância e estabelecimento de padrões comportamentais de acordo com os
preceitos doutrinários católicos. A minuciosa análise dos pecados e das circunstâncias em
que foram cometidos visava identificar todas as práticas desviantes, incluindo aquelas dos
próprios clérigos. Segundo Gouveia (2015), era através dos fiéis que melhor se poderia
conhecer as condutas desviantes dos sacerdotes.
A Reforma Protestante, mesmo não tendo atingido Portugal como atingiu outras
partes da Europa, impôs um novo clima de vigilância e defesa da ortodoxia, alimentado
também pela obsessão “para a condição religiosa das minorias- os judeus, em particular-
convertidos à força nos finais do século XV”. A luta contra a heresia tornou-se uma
prioridade, “aliando-se à tutela do poder constituído, como forma de proteger a sociedade
cristã no seu conjunto e as almas dos seus membros” (Marcocci; Paiva, 2013, p. 15,16).
Dispunha o Concílio de Trento, sobre o sacramento da penitência, o seguinte:
Se em todos os regenerados houvesse tal gratidão para com Deus, que
conservassem constantemente a justiça recebida no Batismo por benefício e
2
De acordo com Lima (2017, p. 116), os Manuais de Confissão de inspiração tridentina foram difundidos a
partir do século XVI e eram “[...] guias voltados para a prática no confessionário, estabeleceriam, através da
casuística, a ponte entre a regra consolidada na Teologia Moral e a realidade multifacetada dos pecadores,
procurando abarcar, ordenar e hierarquizar todas as situações vividas”. Dessa forma, os Manuais de
Confissão apresentavam um interrogatório destinado ao penitente com o objetivo de vasculhar seus
pensamentos e sentimentos mais íntimos.
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graça sua, não seria necessário outro sacramento diverso deste, instituído para
remissão dos pecados. Mas, como Deus, rico em misericórdia, conheceu a
fragilidade de nossa ficção, quis também conceder um remédio vivificante aos
que se entregassem de novo à escravidão do pecado e ao poder do demônio,
a saber: o sacramento da Penitência, pelo qual se aplica o beneficio da morte de
Cristo aos que caem depois do Batismo [...], nem antes da vinda de Cristo a
Penitência era sacramento, nem depois dela o é para alguém antes do Batismo. O
Senhor, porém, instituiu o sacramento da Penitência, antes de tudo naquela
ocasião em que, ressuscitado dos mortos, soprou sobre os Apóstolos dizendo:
Recebei o Espírito Santo; àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos (Jo 20, 22 s). Por
esta ação tão insigne e palavras tão claras, o consenso de todos os Padres
entendeu sempre ter sido comunicado aos Apóstolos e seus legítimos sucessores
o poder de perdoar e reter os pecados para reconciliar os fiéis que caíram em
culpa depois do Batismo [...] (Concílio De Trento, tomo I, p. 299, grifo próprio).
Assim, o Concílio de Trento confirmou que a obrigatoriedade anual da confissão
era questão de direito divino, tendo sido instituída por Deus, vinculando a salvação à
confissão dos pecados a um clérigo, que detinha o poder da absolvição. Esse Concílio
enfatizou a importância do Sacramento da Penitência para a salvação e fez dele um dos
instrumentos mais eficazes da Reforma Católica na Época Moderna (Lima, 2004). Os
princípios do Concílio de Trento foram prontamente adotados no Brasil. Contudo, essa
aplicação, semelhante à de Portugal, nem sempre foi perfeita, e foi influenciada não apenas
pelas condições coloniais e missionárias, mas também pela determinação e esforço dos
líderes eclesiásticos locais ou do rei (Feitler, 2014).
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia
3
(Vide, 2007), legislação
canônica que condensou a adaptação para a realidade colonial das decisões tridentinas,
abordam a questão da penitência, descrevendo-a como:
[...] segunda tábua depois do naufrágio: porque tanto que um homem batizado
naufragou pela culpa mortal, perdendo a graça de Deus, que no Batismo tinha
recebido, não lhe resta outro remédio para se salvar neste naufrágio, mais do que
a tábua do Sacramento da Penitência, confessando inteiramente, e com dor os
seus pecados ao legítimo Ministro, e alcançando por este meio a absolvição deles
(Vide, 2007, livro I, título 33, grifo próprio).
As Constituições confirmam, também, o poder dado ao ministro do sacramento
pelo próprio Cristo quando depois de sua ressurreição “comunicou aos Discípulos o
3
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia foram inspiradas pelo Concílio de Trento e receberam
o apoio da monarquia portuguesa, que buscava estabelecer de maneira sistemática e clara as relações entre
o Estado e a Igreja na América portuguesa. As Constituições, que refletiram o ideal de funcionamento do
aparato religioso e da sociedade católica desejado pelo seu autor, o Arcebispo D. Sebastião Monteiro da
Vide, representaram um trabalho inédito de adaptação das normas eclesiásticas à realidade local de uma
diocese luso-americana e mantiveram-se em vigor até o declínio do Império, o que comprova sua
durabilidade e reforça sua relevância como uma fonte fundamental para a pesquisa sobre a Igreja e a
sociedade brasileira (Feitler; Sales Souza, 2010).
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Espírito Santo dando-lhes poder (e neles a todos os sacerdotes futuros) para absolverem
de todos os pecados” (Vide, 2007, livro I, título 33). Assim como também advertiam aos
confessores para que: “antes de chegar a administrar o Sacramento da Penitência,
considerar que naquele ato representam a pessoa de Cristo”. Além disso, era recomendado
que eles fugissem de perguntas curiosas nas “confissões de gente moça”, para que com
elas não dessem ocasião a novos pecados (Vide, 2007, livro I, título 42, p. 77).
A Igreja Romana oferecia aos fiéis o perdão divino e, em troca, exigia uma confissão
explícita. Para obtê-la, instruiu pormenorizadamente o pecador acerca da lista e das
circunstâncias dos pecados. Para Delumeau (1991), a compreensão da modernidade
ocidental passa por uma história da confissão. Ela refinou a consciência, fez progredir a
interiorização, mas impôs um jugo muito pesado sobre milhões de fiéis.
De acordo com Lima (1986), a confissão poderia ser uma “faca de dois gumes”. A
utilização, no confessionário, de uma análise minuciosa
4
sobre a luxúria criava situações
delicadas. A confissão se tornava, muitas vezes, um momento único de intimidade, que não
seria normal em outras circunstâncias. Confessores deparavam-se, constantemente, com
descrições pormenorizadas do cometimento de alguns pecados de natureza sexual. O
sacerdote, no antigo regime, sempre foi considerado uma autoridade. Em um mundo onde
a religião era o principal elemento de integração social e as manifestações religiosas
sempre tinham um alcance social, o poder da Igreja era indiscutível. Além disso, o
sacerdote era o administrador do sagrado. Virada pelo avesso, a confissão, instrumento
da sujeição à regra, torna-se instrumento do próprio desejo. Caindo em sua própria
armadilha, o confessor acaba seduzido pelo discurso que ele mesmo incita e, de censor,
transforma-se em agente do pecado” (Lima, 1986, p. 88, grifo próprio).
Por meio da confissão, a Igreja no período da Contrarreforma almejava impor às
pessoas comportamentos “virtuosos e corretos”. Assim, o Sacramento da Penitência,
instrumento hábil de disseminação de uma regra comportamental e moral, precisou de
uma “base” material, o confessionário, para além dos tratados e manuais sobre a confissão.
Essa estrutura serviria como um suporte vital para proteger o Sacramento contra as
“corrupções da carne”.
4
Nos manuais dos confessores, havia uma preocupação em equilibrar misericórdia e severidade. A habilidade
nesse delicado jogo de punição e conforto garantia o sucesso da confissão. No contexto desses manuais, a
discussão sobre sexualidade se encaixava no pecado da luxúria, abordado nos sexto e nono mandamentos.
Mais do que meros textos teóricos, esses manuais funcionavam como guias práticos destinados a lidar com
uma trama social complexa. As circunstâncias do pecado tornavam-se uma variável na classificação da falta,
indo além dos atos e das intenções. Dessa interseção, emergia um discurso obsessivo que almejava abranger
todas as situações e todas as pessoas. Alguns desses manuais incluíam perguntas a serem feitas aos
penitentes sobre os pecados já confessados, como onde, quantas vezes, de que maneira pecaram e quando
ocorreram (Silva, 2016).
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Ao longo de todo o período pós-tridentino, houve, efetivamente, uma tentativa de
vigiar e disciplinar os comportamentos imorais do clero. Foi indispensável a ativação de
uma série de meios, como a implementação de diversas políticas de vigilância e
disciplinamento para impedir os desvios. Havia um esforço da Igreja em tornar o celibato
clerical um elemento diferenciador dos demais cristãos.
O móvel confessionário, geralmente construído em madeira com o propósito de
separar confessor e penitente, constituiu-se como um dos instrumentos destinados ao
controle de comportamentos considerados, no mínimo, inadequados durante o
Sacramento da Penitência.
Desde sua elaboração, no século XVI, o confessionário foi utilizado para diminuir
os “efeitos colaterais” do Sacramento da Confissão, que seriam a intimidade e a conversa
ao “pé do ouvido” entre confessor e penitente. Afinal, a solicitação poderia colocar em
xeque os intentos tridentinos.
De acordo com Frade (2007), o Sacramento da Penitência tinha uma dimensão
fortemente eclesial e comunitária e estava ligado à dinâmica da celebração pascal. Com o
passar dos anos, chegou-se à forma de confissão individual, que era realizada na igreja
perante o altar-mor, com o penitente ajoelhado diante do padre. Segundo o autor, o
“confessionário”, entendido como o lugar onde se recebe o Sacramento da Reconciliação,
tem sua origem nas Constitutiones, escritas em 1542 pelo bispo de Verona Gian Matteo
Gilberti.
Para evitar os escândalos, que às vezes podem ocorrer no ministério das
confissões, estabelecemos que essas, especialmente aquelas das mulheres, de
agora em diante se façam sempre em lugar ‘aberto e evidente’, de modo que seja
possível igualmente ver o confessor e o penitente. Além disso, estabelecemos e
ordenamos que entre o sacerdote e a penitente exista uma Itabula cum
fenestella, supra quam sit uma gradata seu lamina perforata’. Esta tábua a
denominamos de ‘confessionário’, e em todas as igrejas ordenamos que sejam
eretos os chamados confessionários (Grazioli, 1945, p. 108-116 apud Frade, 2007,
p. 169).
Ainda segundo Frade (2007, p. 169), Carlos Borromeu, então arcebispo de Milão e
amigo do bispo de Verona, levou adiante a ideia e, a partir do uso difundido na diocese de
Milão e da autoridade de Carlos junto à Igreja na Itália, esse tipo de confessionário de
madeira foi disseminado por quase toda Igreja ocidental.
O confessionário, local onde os pecados seriam “lavados”, segundo a doutrina
católica, tornou-se um lugar vigiado pela Igreja após o Concílio de Trento e pelo temido
Tribunal Inquisitorial. O móvel, que durante todo o período colonial foi encontrado em
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diversos formatos, foi alvo de preocupação das autoridades eclesiásticas. Desse modo, as
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (Vide, 2007, livro I, título 43, p. 79),
advertiram que o confessionário deveria estar em local público e que “[...] os confessores
não deviam confessar fora destes lugares”.
De acordo com Lima (2022, p. 115), no Brasil setecentista, houve uma caça aos
solicitantes: “Essa caça somente foi possível graças à conjunção dos esforços de vários
agentes, entre os quais se destacou o próprio clero paroquial”. Os principais agentes da
“caça aos solicitantes” foram, de fato, os próprios confessores, incentivados pelos bispos
por meio de suas cartas pastorais. Os confessores tinham a obrigação de investigar se o
penitente tinha sido solicitado por outro confessor. Se o penitente admitisse ter sido
solicitado, seria absolvido mediante a denúncia ao Santo Ofício. Foram 1.700 sacerdotes
denunciados pelo delito de solicitação ao Tribunal lisboeta entre 1700 e 1821. Dessas
denúncias, 432 correspondem ao Brasil (Silva, 2016). Segundo Gouveia (2022, p. 535) o
delito de solicitação englobava um conjunto de práticas que vão além do sentido literal do
termo solicitação e “correspondia a situações comportamentais portadoras de uma
imoralidade intrínseca” e que estavam relacionadas ao espaço e tempo da confissão
sacramental.
“Amores profanos” no sacramento da confissão
Mais do que apontar como a solicitação acontecia segundo o regimento, é
importante perceber como acontecia na prática. Para tanto, temos uma rica
documentação
5
em que penitentes denunciavam, às vezes, com riqueza de detalhes, a
solicitação supostamente sofrida. Afinal, as grades do confessionário, apesar de
dificultarem os toques e outros “atos libidinosos”
6
entre confessor e penitente, parecem
não ter sido de grande impedimento para a prática da solicitação. Dessa maneira, a
“observação microscópica revelará fatores previamente não observados” (Levi, 1992, p.
139).
5
As denúncias de solicitação, quando chegavam ao Tribunal de Lisboa eram anexadas em cadernos à parte,
chamados de Cadernos dos Solicitantes (ANTT, códice 37). Trata-se de uma documentação rica, composta
por centenas de denúncias, algumas das quais verdadeiros Sumários de Culpas com dezenas de páginas e
uma riqueza de detalhes sobre o delito, as/os denunciantes e o denunciado. Essas documentações estão
disponíveis no site do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (https://digitarq.arquivos.pt/).
6
Impudico, lascivo, desonesto (Silva, 1789, tomo II, p. 21)
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O primeiro exemplo é o do padre Antônio Álvares Pugas (ANTT, IL, processo 256)
7
,
que foi processado em 1742 pelo Tribunal do Santo Ofício por ter solicitado oito recolhidas
8
do Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição de Macaúbas, que se localizava na
freguesia de Santo Antônio da Roça Grande, Minas Gerais. O padre Pugas, ouvindo
confissões nas grades do Recolhimento proferia “palavras desonestas”, cometia “atos
torpes
9
” e trocava com algumas recolhidas “tatos e ósculos
10
desonestos”.
O Padre Amaro da Visitação (ANTT, IL, C.S., liv. 761, fol. 613), religioso da Ordem de
São Francisco, residente na cidade de Salvador, na Bahia, foi denunciado em 1710 pelo
reverendo João Borges de Barros. Este último reportou ao comissário João Calmon que
obteve autorização de sua freguesa, chamada Bernarda, que era escrava de Duarte de
Brás, para relatar que o Padre Amaro, durante o ato da confissão, a solicitou para pecar
com ele. Além disso, afirmou que antes mesmo da confissão, o padre já lhe fazia acenos.
O Padre José da Cruz Monteiro (ANTT, IL, C.S., liv. 765, fol. 41), morador do bispado
de Pernambuco, foi denunciado ao Santo Ofício em 1729 por ter solicitado Caetana
Moreira, mulher de Domingos Gomes, homem do mar. Segundo Caetana, o Padre José, na
confissão, lhe disse agora acabei de entender que não me tinha amor”. A penitente
entendeu que ele falava com malícia porque ele a havia “provocado” muitas vezes fora
da confissão. Como em muitas freguesias havia um sacerdote, muitas penitentes se
viam obrigadas a confessar novamente com o mesmo solicitante. Caetana, por exemplo,
se confessou mais uma vez com o padre denunciado e ele a chamou para a Sacristia e lhe
“meteu as mãos nos peitos” (ANTT, IL, C.S., liv. 765, fol. 41).
O Padre Teotônio Gomes de Azevedo, morador na Vila Nova da Rainha de Caeté,
foi acusado por duas mulheres. Uma das denúncias, de 1794, se encontra em um sumário
(ANTT. IL. C.S., liv.771, fol. 255- 268) e relata que Maria Gomes Lira, indo satisfazer o
preceito da Quaresma com padre Teotônio, ele a provocara ad turpia no ato da confissão
sacramental. Estando o padre doente na cama e morando em uma casa que esunida à
7
Para mais informações sobre esse processo: SILVA, Sabrina Alves da. “Execrados ministros do demônio”.
O delito de solicitação em Minas Gerais (1700-1821). 2016. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal
de São João del-Rei, São João del Rei, 2016.
8
As recolhidas eram moradoras dos Recolhimentos, que abrigavam mulheres de diferentes condições
casadas, viúvas, adolescentes e até crianças , e, diferentemente dos conventos, não exigiam votos
perpétuos. Era um espaço destinado à elite, pois um dote era obrigatório. Segundo Silva (2016), os motivos
para o ingresso variavam: desde a pressão social (evitar a "desonra" ou a divisão de heranças) até razões
educacionais, que muitas ali tinham acesso à instrução. Também serviam para esconder as filhas
ilegítimas, abrigar mulheres que resistiam às normas familiares ou mesmo para as esposas de homens que
precisavam viajar.
9
Desonesto, impudico, indecoroso, infame (Silva, 1789, tomo II, p. 21).
10
Beijos (Silva, 1789, tomo II, p. 140).
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igreja, ouviu confissão em sua cama e, ali, confessando-se com ele, antes de dizer a
confissão geral, fora interrompida pelo padre e lhe insistiu que fizesse:
[...] uma [manitrupaçam] com as mãos, e que defendendo-se ela e que atendesse
ao seu estado e o exemplo, que [nu] devia dar, replicou ele, que ela era uma
ignorante, e tola, e que esta ação não fazia mal algum, e que se calasse porque os
demais penitentes haviam de ouvir, e mandara os demais penitentes que estavam
de fora que cerrassem mais a porta, e logo pegando com as suas mãos nas mãos
dela testemunha as conduzira às suas partes venéreas, e ela por temer algum
[desmanxo] com ele seu roco lhe fizera aos pecados até a sua consumação
(ANTT. IL. C.S., liv.771, fol. 255-268).
Gouveia (2015) faz algumas comparações entre a Metrópole e a colônia brasileira
e, na maioria das vezes, não encontra muitas diferenças nos comportamentos luxuriosos
clericais. Um bom exemplo é o do Padre Custódio José de Oliveira (ANTT. IL. C.S., liv.771,
fol. 363-365), da freguesia de Carvide, Leiria. Ele foi denunciado em 1801 por Josefa Maria,
que relatou que, quando se confessou com o Padre Custódio, ele perguntou-lhe “se era já
assistida, se tinha já penugem nas suas partes mais vergonhosas”.
O Frei Antônio da Trindade (ANTT. IL. C.S., liv. 767, fol. 118) se delatou em 1750. Ele
era morador na Ilha da Madeira e declarou que enquanto estava exorcizando no lugar da
Ribeira Braba, solicitou “duas mulheres casadas uma por nome Antônia mulher de José da
[Roda] e outra Josefa mulher de Antônio da Silva”. A autodelação era uma ferramenta
utilizada por alguns solicitantes para evitar ou amenizar as consequências de um processo.
O Tribunal do Santo Ofício atribuía grande importância às confissões acompanhadas de
pedidos de perdão e promessas de "emenda". O solicitante tentava, assim, não só cair nas
boas graças do Tribunal, atenuando uma futura pena, mas também dar sua própria versão
dos acontecimentos” (Lima, 2022, p. 28).
Alguns sacerdotes utilizavam chantagens para conseguir a satisfação de seus atos.
Por exemplo, o Padre Estanistão de Morais (ANTT, IL, C.S., liv. 765, fol. 447), que foi
denunciado em São Paulo no ano de 1734, não absolveu Maria Antunes dizendo que ela
não consentiu com suas investidas, “mas que passados alguns dias fora segunda vez
confessar-se com o dito padre e que a absolvera por lhe prometer de ter com ele trato”.
As solicitações, mesmo em número imensamente menor, também foram dirigidas
aos homens, de acordo com a orientação sexual do confessor. Segundo Lopes (2019, p. 12),
“na Idade Moderna, a sodomia alcançara uma definição mais cristalizada e foi utilizada
largamente pelos inquisidores do Santo Ofício enquanto: ‘coito anal com derramamento
de sêmen’”. Ainda de acordo com Lopes (2019) foram 32 processados pelo Tribunal de
Lisboa e destes processos, 15 se referem ao Brasil colônia. Vainfas (2010, p. 193) afirma
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que as fontes inquisitoriais revelam que “homens de todas as classes e raças, padres,
autoridades, mulheres, crianças”, ou seja, uma ampla variedade de indivíduos praticava o
“nefando”. No que diz respeito aos padres que solicitavam homens no confessionário,
apenas seriam considerados sodomitas se ocorresse a cópula anal com “derramamento de
sêmen”. Nesse caso, seriam acusados tanto de solicitação quanto de sodomia.
Referente às regiões sob a jurisdição do Tribunal de Lisboa, foram encontrados 14
solicitantes de homens (Silva, 2016). Um deles foi o do Padre Manuel Saraiva (ANTT. IL.
C.S., liv.773, fol. 411), denunciado na Bahia em 1747 por Antônio Dias da Costa, que relatou
que o padre, logo depois de absolvê-lo, e antes que ele levantasse de seus pés, o convidou
“para o mato e teve comigo um ato torpe”. Outro exemplo é o do Frei Antônio da
Trindade (ANTT. IL. Cx. 1642), da Ilha da Madeira, que foi denunciado em 1733 por Antônio,
que declarou que durante a confissão sacramental o religioso o “[...] cometera para atos
de sodomia, violando-o e fazendo o sobredito”.
O Frei Baltazar de Figueiredo (ANTT. IL. C.S., liv.761, fol. 735), da Bahia, foi
denunciado em 1710 por duas mulheres. Uma característica das suas investidas sexuais no
confessionário foi pegar nos seios das penitentes, assim ele fez com Prudência dos
Inocentes e com Izabel da Silva. Além disso, ele disse às penitentes que estava cego de
amores e que eram muito formosas. Sobre o frei denunciado, os testemunhos disseram
que, por ser ainda moço, ele mantinha mulheres em sua fazenda e com uma delas tinha
filhos. É notório que muitos sacerdotes não se restringiam a violar a castidade apenas no
confessionário, mas mantinham um estilo de vida incompatível com as exigências de seu
estado clerical. Como Vainfas (2010) observou, muitos homens, mulheres, padres
seculares e regulares frequentemente se amancebavam. Em contraponto com a solicitação
ad turpia, caracterizada muitas vezes como um ato instintivo, alguns sacerdotes tinham
famílias constituídas por relações de amor e cumplicidade.
O Frei Manuel de Castelo Branco (ANTT. IL. C.S., liv.761, fol. 1191) foi denunciado
em 1710 no bispado de Pernambuco. O frei foi denunciado por quatro mulheres. Uma das
denunciantes disse que o confessor, no ato da confissão, estando ela ajoelhada aos seus
pés, a solicitou “[...] com palavras feias e tão desonestas incitando-a que pegasse em suas
partes pudentas”. A denunciante tentou se livrar das investidas, mas o confessor “[...]
quisera levá-la por violência e com ela lhe rompera parte do manto”.
Como os casos acima citados demonstram, os confessores se aproveitavam do
momento único da confissão e de sua posição de autoridade para solicitar, molestar,
constranger, galantear e assediar sexualmente as/os penitentes. O crime de solicitação
representava uma séria ameaça ao Sacramento da Penitência. Por esse motivo, a punição
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era essencial e devia ser aplicada com rigor para preservar a integridade da Igreja e de
seus Sacramentos, evitando que fossem maculados pelo pecado.
Considerações Finais
Como evidenciado, para a Igreja da Contrarreforma, a confissão configurou-se
como um poderoso instrumento de disciplinamento e vigilância que, aliada à Inquisição, se
converteu em um formidável mecanismo de controle social. A profanação do Sacramento
da Penitência passou, então, a ser entendida como uma heresia, que deveria ser punida
pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.
A religiosidade, também, se expressava por meio de objetos e espaços, como o
confessionário, que tinha como objetivo proteger e inibir comportamentos inadequados.
No entanto, parece que não obteve os resultados esperados. Posto isso, o móvel
confessionário foi um dos tantos instrumentos utilizados pela religião para propagar
modelos virtuosos de condutas. Desde sua elaboração, no século XVI, esse objeto
representa uma obrigação para os fiéis, uma parte significativa da cristandade, utilizado
desde sempre para diminuir os “efeitos colaterais” do Sacramento da Penitência, que
seriam a intimidade e a conversa ao “pé do ouvido” entre corpos vigiados, convertendo-
se em um momento ímpar de privacidade.
No século XVIII, no Brasil, foram denunciados pelo delito de solicitação ao Tribunal
lisboeta 432 sacerdotes (Silva, 2016) e, consonante com o que afirmou Lima (2022), houve
no Brasil setecentista uma verdadeira caça aos solicitantes”. Afinal, a solicitação colocava
em risco a tentativa de moralizar os clérigos.
A despeito disso, encontramos, até o momento, referente ao Brasil, apenas onze
padres processados. Segundo Gouveia (2015, p. 350), “a rigorosa praxe da Inquisição após
a recepção das denúncias é um dos fatores que ajuda a explicar que o insucesso na
passagem das denúncias à instauração de processos e à finalização dos mesmos não
decorria de ilibações falseadas”. De acordo com Lima (2022, p. 13), para compreender a
preocupação inquisitorial com o delito de solicitação, é preciso enquadrá-lo “no contexto
da Reforma Católica, destacando o papel do sacramento da penitência como instrumento
das mudanças de costumes que a Igreja pretendia impor à cristandade na Época Moderna”.
Vainfas (2010) afirma que também é possível observar, nas denúncias acima
analisadas, que os solicitantes não pareciam cultivar doutrinas heréticas. Na verdade,
eram padres mal afeitos ao voto de castidade e que aproveitavam o momento para buscar
satisfação amorosa e sexual. Enquanto alguns sacerdotes denunciados recorriam a
galanteios, palavras amorosas, cartas, presentes e promessas, outros adotavam táticas
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violentas, abusando de sua autoridade e dos penitentes. Além disso, algumas denúncias
revelam que alguns sacerdotes não eram negligentes apenas no contexto sacramental, mas
também em suas vidas pessoais. Acredita-se que muitas denúncias não tenham chegado
ao conhecimento do Santo Ofício devido à dificuldade de acusar uma autoridade,
especialmente quando o sacerdote era o único na freguesia.
Referências
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ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO (ANTT). Inquisição de Lisboa. Liv. 987:
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