Projeto político udenista para o Brasil no contexto histórico da
Guerra Fria (1945-1964)
Udenista political project for Brazil in the historical context of
the Cold War (1945-1964)
LION, Marina Olinda Calori de*
https://orcid.org/0000-0001-8806-361X
RESUMO: A União Democrática Nacional
(UDN) foi um partido político que transitou
entre liberalismo e conservadorismo. Com um
discurso de modernizar o país, o partido
alinhava-se ao capital internacional e seguia
uma linha mais privatista e entreguista, além de
também ter uma forte influência no setor
agrário e nas classes médias urbanas, pois se
mantinha afastado da classe trabalhadora e
tinha pouco apoio popular. Neste artigo,
procurou-se trazer um debate sobre a atuação
da UDN no contexto histórico e político da
Guerra Fria, ou seja, em conjuntura de disputa
geopolítica entre União Soviética e Estados
Unidos, e como esse evento influenciou a
política interna brasileira e a América Latina.
Desse modo, a metodologia é a revisão
bibliográfica de caráter histórico-político, mas
também sociológico, uma vez que dialoga com a
teoria das classes sociais e suas formas de
representação. As obras levantadas para
compreender o partido foram as produções de
Picaluga (1980), Benevides (1981) e Mendonça
(2002), escolhidas por conterem uma amplitude
de informações acerca do objeto estudado, bem
como por se tratar de análises mais alicerçadas
na historiografia acerca da UDN e seus agentes
políticos.
PALAVRAS-CHAVE: Projeto político; UDN;
Guerra Fria.
ABSTRACT: The National Democratic Union
(UDN) was a political party that moved between
liberalism and conservatism. With a discourse
of modernizing the country, the party aligned
itself with international capital and followed a
more privatizing and pro-subsidiary line, in
addition to also having a strong influence in the
agrarian sector and the urban middle classes, as
it remained distant from the working class and
had little popular support. This article seeks to
bring a debate about the UDN's performance in
the historical and political context of the Cold
War, that is, in a context of geopolitical dispute
between the Soviet Union and the United
States, and how this event influenced Brazilian
domestic politics and Latin America. Thus, the
methodology is a bibliographic review of
istorical-political nature, but also sociological,
since it dialogues with the theory of social
classes and their forms of representation. The
works used to understand the party were those
of Picaluga (1980), Benevides (1981) and
Mendonça (2002), chosen because they
contain a wide range of information about the
object studied, as well as because they are
analyses more grounded in the historiography
of the UDN and its political agents.
KEYWORDS: Political project; UDN; Cold War.
* Licenciada e Bacharela em Ciências Sociais pela FFC/Unesp, Marília-SP, mestranda do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da mesma instituição na linha de pesquisa “Determinações do Mundo do
Trabalho”. E-mail: marina.calori@unesp.br.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
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Recebido em: 28/05/2024
Aprovado em: 15/01/2025
Considerações Iniciais
Os eventos políticos que ocorreram no Brasil entre 1945 e 1950 desde o fim do
Estado Novo até o retorno de Getúlio Vargas ao poder, que engloba a fundação definitiva
da União Democrática Nacional (UDN) não devem ser desassociados do contexto
internacional, uma vez que não se pode perder de vista a totalidade histórica dos eventos,
bem como seu movimento e as contradições que daí se desdobram. Esses acontecimentos
devem ser percebidos no complexo contexto internacional que abrange tanto o fim da
Segunda Guerra Mundial quanto o imediato início da Guerra Fria.
Eric Hobsbawm categoriza esse período como a “Era de Ouro”, marcado tanto por
uma grande expansão de países de economia capitalista da centralidade do sistema quanto
por uma acelerada modernização das economias tidas como “Terceiro Mundo”. Ainda de
acordo com o historiador britânico, a particularidade da Guerra Fria encontrava-se,
principalmente, no fato de que não existiam condições efetivas para que acontecesse um
conflito armado, como fora a Segunda Guerra Mundial (Hobsbawm, 1995).
O que houve, de fato, foi um discurso ameaçador de ambos os lados, mas
essencialmente do lado ocidental e de seus aliados, que mantinham um tom catastrófico
quando o assunto era o bloco soviético (Hobsbawm, 1995), posto que as duas
superpotências aceitaram a divisão geopolítica do pós-guerra, que
[…] equivalia a um equilíbrio de poder desigual, mas não contestado em sua
essência. A URSS controlava uma parte do globo, ou sobre ela exercia
predominante influência a zona ocupada pelo Exército Vermelho e/ou outras
Forças Armadas comunistas no término da guerra e não tentava ampliá-la com
o uso de força militar. Os EUA exerciam controle e predominância sobre o resto
do mundo capitalista, além do hemisfério norte e oceanos, assumindo o que
restava da velha hegemonia imperial das antigas potências coloniais. Em troca,
não intervinha na zona aceita de hegemonia soviética (Hobsbawm, 1995, p. 224).
O início da Guerra Fria também marcou o fim dos impérios coloniais. Os dois países
protagonistas do conflito passaram, então, a exercer um papel de “neocolonizadores” nas
regiões em que mantinham influência. É importante ressaltar que cada bloco tinha suas
particularidades e a influência da União Soviética, por vezes, acabava sendo menos
belicista e conflituosa do que a dos EUA. Neste artigo, pretende-se demonstrar, mesmo
que de maneira breve, as influências e interferências que o bloco ocidental, liderado pelo
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imperialismo estadunidense, exerceu na política brasileira, especificamente na formação
ideológica da UDN.
Breve contexto histórico-político da Guerra Fria e seu impacto no Brasil
Nos chamados países do Terceiro Mundo, a União Soviética exerceu pouca ou
quase nenhuma influência. Ainda que a política externa norte-americana não fosse
apreciada por completo, essas nações, em sua maioria, eram “[…] anticomunista[s] em sua
política interna e ‘não alinhada[s]’ (ou seja, fora do campo soviético) nos assuntos
internacionais […]” (Hobsbawm, 1995, p. 225). A propaganda irracionalista anticomunista
liderada por demagogos dos Estados Unidos espalhou-se pelo continente americano, e,
por consequência, ganhou força e se consolidou no Brasil, cujo impacto permanece na
longa duração. Um dos principais nomes responsáveis pela difusão do anticomunismo foi
o senador Joseph McCarthy (1908-1957), conhecido na bibliografia a partir da expressão
“macarthismo”, cunhada por críticos e historiadores.
A Guerra Fria mudou de maneira efetiva o cenário social e político mundial e cindiu
o globo em dois polos que exerciam bastante influência em diferentes nações. Como
explica Eric Hobsbawm, essas mudanças aconteceram principalmente em três aspectos
diferentes: a queda do sistema colonial que existia antes da Segunda Guerra Mundial,
momento em que impérios coloniais espalhados pelo mundo caíram, dando início à
bipolaridade e ao imperialismo estadunidense , a manutenção da dinâmica política
internacional, com certo grau de inércia em decisões internas, e o aumento vertiginoso do
número de armas, disponibilizadas em nível mundial, não com diferentes países
produzindo seus próprios armamentos (incluindo nucleares), mas também com a
distribuição pelas duas potências por todo o mundo, com o consequente aumento e
consolidação do mercado bélico (Hobsbawm, 1995).
A Guerra Fria influenciou diretamente o cenário histórico-político do século
passado. A despeito de, no Ocidente e nos países onde os EUA eram influentes, caso do
Brasil, por exemplo, o comunismo ter sido demonizado através de fortes campanhas
realizadas contra a URSS, e seus apoiadores e partidos comunistas duramente
perseguidos, em 1945, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) após anos na ilegalidade e
quase ter sido neutralizado, devido à violenta repressão que sofreu depois do levante
comunista de 1935 retornou à legalidade institucional. O partido concorreu às eleições
gerais daquele ano e saiu da disputa com um saldo de quatorze deputados federais eleitos,
uma significativa bancada de deputados estaduais e um senador, a saber, Luís Carlos
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Prestes
1
também eleito deputado federal por três estados diferentes, Rio de Janeiro,
Pernambuco e Rio Grande do Sul, tendo optado por ocupar vaga no Senado, representando
o Rio de Janeiro. o candidato à presidência Yedo Fiúza, apesar de não ter sido eleito,
obteve uma expressiva votação, se considerado todo o histórico do partido até aquele
momento
2
e a decisão tardia de lançar seu candidato à presidência.
As relações do PCB com o Movimento Comunista Internacional (MCI) mostravam-
se confusas até 1945, pois o VII Congresso da Internacional Comunista lançara diretrizes
em que propunha frentes amplas de combate ao nazifascismo. O partido adotou essa linha
política e transformou-se em partido da ordem, num esforço de compor a frente de luta
contra o fascismo, uma decisão fortemente questionada. No governo Dutra, o PCB
reforçou essa imagem de partido pacífico em nome da consolidação da democracia
burguesa, que, naquela conjuntura, se mostrava como um sistema político avançado, pois
o mundo estava diante da barbárie nazista. Mas essa postura não durou muito tempo e
acabou se rompendo, não por iniciativa dos comunistas, cumpre destacar, haja vista que
“[...] estavam empenhados em construir um partido para atuar dentro da legalidade
burguesa, na qual haviam crescido [...]” (Mazzeo, 1999 p. 73).
O PCB havia se tornado o maior partido da América Latina, construía sólida
influência nos sindicatos brasileiros e o número de filiados chegava a, pelo menos, 200
mil, o que, entendia-se, possibilitaria uma atuação expressiva nas próximas eleições caso
continuasse nesse rumo, fato que incomodou profundamente a burguesia antipopular e
autocrática brasileira. Mesmo com a postura conciliatória que o partido havia adotado
naquele momento, o temor da burguesia de uma revolução proletária fez com que o
presidente Eurico Dutra colocasse novamente o PCB na ilegalidade
3
, o que recebeu forte
apoio do congresso liberal conservador com traços reacionários da época (Mazzeo, 1999).
Foi justamente o retorno para a ilegalidade que fez com que a política de conciliação
adotada até então pelo PCB fosse interrompida.
1
Luís Carlos Prestes, que havia sido perseguido e preso pela ditadura do Estado Novo, foi anistiado em 1945
com centenas de outros presos políticos.
2
Yedo Fiúza obteve cerca de 10% dos votos e ficou em terceiro lugar na colocação final dos candidatos, atrás
de Eduardo Gomes, da UDN, e do presidente eleito, Eurico Dutra, da coligação PSD/PTB (Mazzeo, 1999).
3
O PCB foi cassado sob a alegação de ser uma espécie de agente da URSS no Brasil. Desde antes da cassação,
o partido denunciava os vínculos do governo Dutra com o imperialismo norte-americano e sua linha pró-
Guerra Fria. Na autocrítica que o partido fez quando deixou a linha mais reformista que havia adotado,
chegou a apontar que o processo que pôs fim ao Estado Novo não rompeu com as estruturas da autocracia
burguesa no Brasil, categorizada como uma das bases do fascismo. O PCB teve seu registro cassado no dia
7 de maio de 1947, mesmo com parte da imprensa e diferentes forças políticas (ainda que timidamente)
defendendo sua existência legal (Mazzeo, 1999).
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É curioso o fato de a UDN ter cindido na decisão de cassação dos comunistas, pois
enquanto uma parte defendia a legalidade do partido e dos mandatos dos deputados em
nome dos princípios liberais clássicos de preservação da democracia e do
pluripartidarismo, outra defendeu veementemente a cassação, muito movida pelo
anticomunismo do partido. Dessa forma, em 1947, o PCB foi novamente posto na
ilegalidade e todos os seus membros eleitos tiveram suas candidaturas cassadas. No
mesmo ano, aliás, também ocorreu o rompimento diplomático do Brasil com a URSS, o que
demonstra o cenário de confronto e busca por expandir áreas de influências entre as duas
potências antagônicas, sendo que a hegemonia norte-americana prevaleceu em território
brasileiro.
Em 1948, agora na ilegalidade, o PCB inclinou-se definitivamente à esquerda e fez
uma autocrítica: “[...] no documento, o partido reconhece que se havia deixado seduzir por
‘ilusões reformistas’ [...] denuncia, também, os vínculos do governo com o imperialismo
norte-americano e com sua política internacional pró Guerra Fria” (Mazzeo, 1999, p. 75).
A repressão ao PCB era resultado direto da disputa por hegemonia dos dois blocos que
protagonizavam a Guerra Fria, que o partido seguia diretrizes da URSS e do MCI.
Ademais, havia questões internas, como, por exemplo, a propaganda anticomunista
intensa da Igreja Católica. Esses fatos influenciaram o encolhimento do partido e,
sucessivamente, enfraqueceram a luta por uma democracia popular, o que se mostrava de
interesse da burguesia interna, ou seja, neutralizar qualquer tipo de projeto político-
econômico de caráter progressista e, principalmente, de influência comunista.
de se destacar que as forças políticas hegemônicas brasileiras daquele momento
estavam alinhadas diretamente aos interesses dos Estados Unidos, refletindo diretamente
na cassação do PCB e na propaganda anticomunista. O temor da influência da URSS era
o acentuado que mesmo o princípio democrático liberal burguês estava sendo posto em
xeque, cassando candidatos que haviam sido eleitos democraticamente.
A UDN era peça chave nessa cruzada contra as ideias socialistas e comunistas.
Declaradamente liberal, representante da burguesia entreguista brasileira e com forte
apelo ao conservadorismo, não media esforços para barrar qualquer projeto político,
institucional ou não, que apresentasse um caráter mais popular. No que diz respeito à
vocação entreguista da burguesia brasileira, tratava-se de prática contrária ao
nacionalismo adotado nos países centrais do capitalismo, cujas ações formavam uma
coesão política e social entre as elites e as demais classes, ao permitir avanços econômicos
das diversas camadas sociais, ainda que continuassem persistindo desigualdades. Nos
países da periferia, por sua vez, as elites tendiam a se associar aos países centrais “[...] em
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vez de fazerem um pacto nacional com o seu próprio povo” (Bresser Pereira, 2008, p. 181),
o que resultou na entrega das algumas riquezas nacionais ao estrangeiro, em forma,
principalmente, de privatizações de estatais estratégicas à soberania, numa demonstração
de submissão aos países imperialistas, conforme se verificou nos pós-Estado Novo
4
.
A atuação do partido contra os comunistas, mesmo tendo a citada cisão em
relação à cassação da bancada parlamentar do PCB (que reforça a ambiguidade
udenista), foi indispensável para o projeto burguês de associação com o capital
internacional, visto que a modernização proposta pela UDN para o Brasil não era uma
ruptura definitiva com o Estado Novo e suas estruturas, mas um projeto continuísta da
autocracia burguesa que perpassava por romper as políticas protecionistas de Vargas e
abrir a economia para investimentos externos, leia-se: privatizar empresas nacionais
estratégicas para a soberania do país e barrar qualquer projeto contra-hegemônico
representado, principalmente, pelo PCB.
A atuação da UDN contra projetos de cunho popular e social tinha aliados, mesmo
que de forma extraoficial. O Partido Social Democrático (PSD), por exemplo, reunia forte
representação ruralista, sua bancada no congresso era composta basicamente por
representantes de latifundiários, tendo sido o maior partido de atuação político-
institucional até 1964. Sua influência era tão grande que, por muito tempo, o partido
praticamente determinou o cenário político-partidário brasileiro, cujas demais siglas o
orbitavam.
o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com origem a partir do movimento
sindicalista estruturado pelo Estado Novo, era, na prática, um partido que competia pelo
eleitorado do PCB e servia à institucionalidade burguesa, que os sindicatos eram
corporações controladas pelo Ministério do Trabalho com o fim de moderar a luta dos
trabalhadores. No PTB, não existia uma proposta de emancipação do proletariado, pelo
contrário, o partido servia mais como um instrumento do Estado para manter os
trabalhadores sob seu domínio e controle, ou seja, ao fim e ao cabo, não passava de mais
um partido da ordem.
Essas legendas, ainda que competissem entre si pela ampliação do espaço político
e se apresentassem como rivais, estavam em sintonia com o projeto da UDN, uma vez que
4
Ainda sobre a tese de entreguismo, o termo nasceu na década de 1940 e foi utilizado para apontar as alas
políticas que defendiam um modelo econômico para o Brasil associado ao capital estrangeiro que consistia
na entrega de recursos nacionais para corporações estrangeiras, surgiu a partir da campanha pela
estatização do petróleo (CPDOC [2024]), o termo transcendeu o momento histórico de sua criação e se
tornou um conceito utilizado para descrever diferentes momentos da política econômica brasileira.
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em seus programas apresentavam-se propostas de interesses burgueses. A atuação
desses partidos durante o fim do Estado Novo e no governo de Eurico Dutra foi de grande
importância para os projetos de hegemonia que estavam em disputa naquele momento, o
que torna perceptível a influência da Guerra Fria e do bloco ocidental no cenário político
brasileiro, pois os partidos da ordem, mesmo os que se diziam oposição ao governo,
também se mantinham alinhados aos interesses dos EUA, e a disputa entre eles era muito
mais performática do que efetiva, afinal, os projetos de nação não se diferenciavam
profundamente e disputavam espaços de representação entre as várias frações da
burguesia.
O governo de Eurico Gaspar Dutra
Eurico Gaspar Dutra foi eleito com 55% dos votos em 1945, derrotando seu
principal oponente, o Brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN. O apoio de Getúlio Vargas
durante a campanha foi decisivo e não garantiu a vitória de Eurico Dutra como ainda
hoje é considerado uma importante transferência de votos na história política brasileira
5
.
No primeiro ano de mandato, Dutra prezou pelo lema “volta a tranquilidade”, para o qual
a UDN, severa opositora, independentemente da situação, cooperou num primeiro
momento. Logo após a constituinte, Dutra escolheu seu gabinete, que, em linhas gerais,
era notadamente conservador, como se pode verificar com a escolha do udenista Raul
Fernandes para o Ministério das Relações Exteriores e do General Canrobert Pereira da
Costa um anticomunista confesso para o Ministério da Guerra (Skidmore, 1975).
Apesar de a UDN ter colaborado e conquistado alguns cargos, conflitos internos tiveram
início em relação a ser oposição ou continuar na base de apoio do governo Dutra,
circunstância que foi liderada principalmente pela ala lacerdista
6
, o que fez com que em
pouco tempo o partido decidisse voltar para a oposição.
O governo de Eurico Dutra ficou marcado pela abertura política e pelo retorno à
democracia, além da já citada tranquilidade, e mesmo com todas as suas problemáticas, a
exemplo de traços autocráticos e repressivos, o princípio democrático burguês resistiu
até certo ponto. A constituição de 1937 foi, finalmente, substituída por nova Carta Magna
em assembleia eleita com diferentes representantes de vários partidos. Para além disso,
Dutra fez um governo alinhado aos interesses dos EUA, sua política econômica constituiu-
5
O slogan da campanha era: “Ele disse: votem em Dutra”, fazendo uma referência à indicação de Vargas
para que seu eleitorado votasse no general (Picaluga, 1980, p. 32).
6
O lacerdismo foi uma tendência que surgiu logo no início da atuação da UDN, era fortemente golpista,
moralista e flertava com o militarismo. Tinha como líder, evidenciado já em seu nome, o jornalista e membro
fundador da UDN: Carlos Lacerda.
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se basicamente de privatizações e de abertura ao capital estrangeiro, seus principais alvos
eram as empresas estatais estruturadas por Vargas durante o Estado Novo. De maneira
concisa, no campo econômico, o governo de Eurico Dutra pode ser identificado em duas
fases diferentes:
[...] a primeira, de 1946 a 1947, em que houve uma retomada dos princípios do
liberalismo, com o mínimo de controle em cada setor; a segunda, de 1947 a 1950,
marcada pela reintrodução de controles cambiais e a aceleração da
industrialização, favorecida por uma política creditícia que incluía empréstimos
do Banco do Brasil a diversos setores-chave da indústria privada (Mendonça,
2002, p. 83).
O primeiro momento do governo Dutra foi orientado pelos ideais do liberalismo,
como o clássico laissez faire, “[...] uma política que foi abalada pelo rápido esgotamento
das reservas brasileiras de divisas [...]” (Skidmore, 1975, p. 96), o que deu início à transição
para o segundo momento. Os controles cambiais de 1947 incentivaram a industrialização
do Brasil, através de políticas que aconteceram de maneira semelhante às de apoio ao
combate à crise da bolsa em 1929, isto é, não tinham como objetivo fortalecer e ampliar a
indústria, mas consequentemente provocou esse efeito. Com a indústria crescendo a
partir de tais políticas os empréstimos do Banco do Brasil e de setores privados cresceram
rapidamente, o que marcou a segunda fase do governo Dutra. Houve também a tentativa
de implantação do chamado plano SALTE (iniciais de Saúde, Alimentação, Transporte e
Energia), “[...] incorporado ao projeto de orçamento federal para 1949, mas nunca foi
inteiramente aplicado. Funcionando durante um ano, apenas, [...] entrou em dificuldade
financeira e acabou sendo abandonado em 1951 [...]” (Skidmore, 1975, p. 99), o plano previa
investimentos nesses setores a fim de coordenar os gastos públicos e foi proposto ainda
em 1947, mas acabou fracassando.
O partido de certa maneira, saiu vitorioso com a eleição do general Eurico Dutra,
pois uma parte das suas propostas, ainda que não as originadas pelos udenistas, foi posta
em prática pelo mandatário durante a primeira fase do seu governo, principalmente nas
condutas econômicas, o que satisfez a UDN em relação à linha político-ideológica. A forte
orientação liberal do novo presidente podia ser notada pela influência empresarial em
setores estratégicos do seu governo, mas uma orientação incompleta, como exposto.
Aliás, características incompletas, ambíguas e duais são uma marca quando o assunto é
liberalismo no Brasil (Mendonça, 2002).
Na política externa, o alinhamento com os Estados Unidos e o rompimento oficial
e diplomático com a URSS deu-se desde o início da Guerra Fria, período em que a
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tendência liberal se destacou, manifestando-se nas políticas de privatizações que
beneficiavam o empresariado e abriam a economia para o capital estrangeiro, preceitos
defendidos pela UDN. A criação da Escola Superior de Guerra, em 1949, e a perseguição
interna a comunistas, que o governo Dutra incentivava, por exemplo, acabaram também
simbolizando uma vitória dos udenistas, uma vez que os oficiais que passaram a compor a
Escola Superior de Guerra (ESG) eram, sobretudo, antigetulistas e anticomunistas,
características centrais da UDN (Mendonça, 2002).
A verdadeira oposição ao governo veio do PCB, que, como exposto, retornou
como o maior partido comunista da América Latina. Na Assembleia Constituinte de 1946,
os comunistas foram os críticos mais ferrenhos dos dispositivos liberais da Constituição
e incisivos quanto ao apelo do governo com os investidores estrangeiros (Skidmore, 1975),
o que permite compreender o motivo da cassação do registro do partido, pois seus
membros eleitos representavam o verdadeiro projeto contra-hegemônico e incomodavam
a burguesia.
A partir daquele momento, a trajetória imposta ao partido não foi das melhores,
fato que beneficiou amplamente o PTB, que aproveitou o vazio político advindo da
cassação do PCB. Em suma, foi o partido incentivado por Getúlio Vargas que ocupou esse
lugar, angariando os votos da esquerda e servindo como uma base para seu próprio
retorno nas eleições de 1950.
As eleições gerais de 1945 e a Constituição de 1946 prometiam um “novo Brasil”,
democratizado e moderno, com propostas políticas liberais e discursos acalorados contra
ditaduras. A nova Constituição, a quarta desde a queda do império, em 1889, previa todos
os velhos princípios democráticos de liberdades individuais e eleições livres, mas não
apresentava rompimento efetivo com as diretrizes do Estado Novo, nem mesmo a
oposição concentrada na UDN questionou a estrutura corporativista arquitetada por
Vargas. Por fim, esse “novo Brasil”, redemocratização e modernização não passaram de
propostas de nível superficial, cuja intenção dizia respeito à aparência, pois a essência do
Estado permaneceu a mesma.
O Projeto Político da UDN
Se o governo de Eurico Gaspar Dutra foi influenciado pela disputa geopolítica que
acontecia no contexto da Guerra Fria, não dúvida que se alinhou com os interesses
estadunidense e sua política econômica foi fortemente liberal. A UDN, por sua vez, esteve
intensamente ativa desde a sua fundação, em 7 de abril de 1945, mas sua participação no
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governo Dutra foi instável, acarretando até mesmo em conflitos internos, o que convida a
compreender qual o projeto político que a UDN propunha para o país.
Eduardo Gomes conseguiu mobilizar boa parte da pequena burguesia, sobretudo
urbana, como seu partido pretendia, afinal, a UDN se colocava como o “partido das classes
médias”, bem como dos intelectuais e das Forças Armadas. Porém, não conquistou a classe
trabalhadora, que o via como um candidato dos ricos ou dos “grã-finos”, em contraposição
a Getúlio Vargas, que ainda era tido pelos trabalhadores como o “pai dos pobres”. A
derrota do Brigadeiro representou uma perda para a burguesia agrária e exportadora, que
via nele uma possibilidade de retomar o arranjo político federalista que vigorava antes de
1930, de poder dos Estados em relação à União, já que Dutra não rompeu com a estrutura
corporativista e centralizadora do Estado Novo (Mendonça, 2002). A campanha do
candidato Eduardo Gomes também
[...] tinha um forte apelo à constituição de 1934 ‘[...] na defesa intransigente do
conservadorismo moral, na apologia do papel suprapartidário dos militares, no
direito de greve e na liberdade sindical para trabalhadores, além da promessa de
um novo modelo econômico, capaz de conciliar os interesses da livre empresa e
do capital estrangeiro com papel do Estado [...] (Mendonça, 2002, p. 82).
Apesar da sua composição heterogênea, a UDN defendia com unanimidade a
liberdade de imprensa e a não intervenção estatal na economia pontos bastantes
ambíguos , valores sensíveis à pequena burguesia, uma vez que o partido tinha como
objetivo conquistar apoio eleitoral dessa camada da sociedade. No programa da UDN,
constava, basicamente, teses liberais, como o exercício da liberdade de expressão, por
exemplo. No que tange às questões de caráter econômico, o partido tinha um intenso apelo
ao capital estrangeiro, que presumia indispensável para a modernização do Brasil “[...] e,
sobretudo, para o aproveitamento das nossas reservas inexploradas, dando-lhe um
tratamento equitativo e liberdade para a saída de juros [...]” (Picaluga, 1980, p. 30).
Ademais, considerava uma reforma agrária contida e quanto à intervenção estatal na
economia, o partido até concordava com totalidade, desde que essa interferência
correspondesse com os interesses das classes que representava (Picaluga, 1980).
Em sua campanha, Eduardo Gomes tinha muita cautela quanto ao tema
industrialização do Brasil, e, por isso, pouco abordava o assunto. Aparecia nos jornais
como um candidato neutro, “nem de esquerda, nem de direita”, se colocava como um
democrata burguês, fazendo uma alusão de ser o oposto a Yedo Fiúza, que seria um
comunista ditador, assim como de Dutra, tido por ele como um fascista que continuaria a
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ditadura estadonovista. Para além desses discursos, a diferença primordial da UDN para
os outros partidos que surgiram em 1945 era pontualmente em relação a Getúlio Vargas.
Nos programas de governo desses diferentes partidos, constavam basicamente os mesmos
ideias e propostas: o PSD, a título de comparação, manteve-se como um partido que se
preocupava em eleger seus integrantes com intuito de preservar os interesses de quem
representava e estava alinhado sempre com princípios conservadores. Talvez outra
diferença pontual fosse o fato de o PSD defender a intervenção estatal, mas também
enfatizava sobre o alinhamento ao capital estrangeiro, o candidato da UDN não ficava
muito distante disso (Picaluga, 1980).
O plano político da UDN tinha pouco a ver com sua prática. No início, seu programa
tinha uma forte tendência progressista e pode ser considerado até melhor elaborado do
que os programas do PTB e do PSD, pois nele constavam não as diretrizes dos ideais
liberais clássicos, mas também liberdade sindical, autonomia para fazer greve,
participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, entre outras concepções que não
foram postas em prática pelos udenistas. Aliás, com o passar dos anos, essa inclinação
mais social da UDN foi rapidamente se perdendo e muitas dessas propostas nunca nem
chegaram a ser postas em pauta, nem por Eduardo Gomes, nem pelos outros candidatos
que o partido lançou ao longo dos anos (Benevides, 1981).
O projeto político-econômico da UDN não era muito bem definido, o que refletia na
falta de atuação partidária coordenada e nas cisões dentro do partido, deixando evidentes
as falhas dos udenistas. De forma resumida: “O exame da política econômica da UDN
revela, talvez com maior nitidez, a inconsistência programática e as contradições
partidárias [...]” (Benevides, 1981, p. 196). O programa da UDN, por muitas vezes,
demonstrava bem mais os interesses individuais de seus componentes do que um projeto
político em si, por exemplo, o juridicismo deixava evidente a atuação dos bacharéis nas
decisões do partido, sempre em tom teórico e pouco prático. Dessa maneira, seria
inconsistente afirmar uma coerência no projeto político udenista, sendo possível
identificar pressupostos do seu projeto no Manifesto dos Mineiros, em que os udenistas
demonstravam certos traços ideológicos que perdurariam durante muito tempo
(Benevides, 1981).
O plano de governo inicial da UDN data de 1946, foi articulado na Convenção
Nacional daquele ano e trouxe muitos traços da campanha do Brigadeiro Eduardo Gomes.
No que diz respeito à questão do Estado que o projeto representa, aparece apenas para
garantir os direitos dos trabalhadores, pois critica o liberalismo econômico como sendo o
vetor das injustiças sociais, mas, ao mesmo tempo, também critica o marxismo por se
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mostrar cético quanto ao desenvolvimento capitalista, também definindo seu histórico
anticomunista. É curioso que a UDN nunca tenha tido um projeto de nação bem definido
para o Brasil, no que se pode dizer que fica perceptível que a falta de uma visão de futuro
de país bem planejada e com propostas concisas do partido se configurava
sistematizada, ambiguidade presente desde o início da atuação partidária udenista
(Benevides, 1981).
A disputa que aconteceu no período da redemocratização foi, na verdade, entre
frações da burguesia, uma vez que os partidos hegemônicos precisavam garantir que os
interesses dos grupos que representavam fossem realizados. Em linhas gerais, defendiam
semelhantes políticas econômicas, afinal, no pós-Estado Novo “[...] O quadro mais
constante no cenário político será composto pela união de partidos adversários
defendendo interesses afins e pela divergência de grupos dentro do mesmo partido [...]”
(Benevides, 1981, p. 179).
Mesmo que parte da literatura especializada utilizada neste trabalho, a exemplo do
escrito de Picaluga (1980) levantem a possibilidade de que o partido poderia ter assumido
outra conduta que não a golpista, autocrática e antidemocrática, haja vista que a UDN
surgiu como uma frente de esperança e luta contra um regime de exceção que perseguiu
muita gente, e argumentar que a história teria diferido se o partido tivesse realmente
seguido seus ideais iniciais e traçado um projeto político efetivo para o país baseado nas
ideias que sustentaram sua fundação, tais condições mostravam-se inviáveis, porque os
ideais liberais defendidos pela UDN se expressavam de forma fragmentária e incompleta,
mesmo do ponto de vista das liberdades individuais, daí seu caráter golpista.
A UDN, ao longo da sua trajetória, não perdeu sua característica inicial e “[...]
deixou de tornar-se o partido que poderia ter sido para assumir seu destino histórico [...]”
(Picaluga, 1980, p. 39-40). Na verdade, o partido assumiu seu caráter liberal e golpista, pois
vale lembrar que Getúlio Vargas foi deposto em 1945 numa espécie de golpe de Estado,
com apoio de udenistas.
As relações da UDN com o militarismo
Não se pode perder de vista as relações que a UDN manteve com os militares
durante toda a sua trajetória, até culminar no apoio ao golpe de 1964, e, com isso, destacar
sobre como sua relação com o militarismo esteve sempre atrelada ao caráter golpista do
partido.
As forças armadas brasileiras foram vitoriosas em 1964, representando, assim, o
que pode ser tido como uma união das diferentes frações da burguesia brasileira, que
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não houve uma tentativa explícita de barrar o golpe por parte das elites. Os militares
instauraram um regime autocrático, traduzido principalmente pelo Ato Institucional
número 5, de 13 de dezembro de 1968, conhecido como AI-5, que vigorou até o ano de 1978
e produziu uma série de arbitrariedades. O AI-5 definiu o momento mais repressivo do
regime, quando qualquer civil que representasse uma ameaça ao governo era severamente
punido. A UDN, tendo uma forte inclinação militarista e flertando sistematicamente com o
golpismo, permite uma reflexão sobre o golpe militar de 1964 e sua aceitação pela
burguesia interna e pelos grupos liberais udenistas.
Antes de entrar, de fato, no que diz respeito à relação da UDN com o militarismo,
importa contextualizar como o golpe foi articulado e considerar sobre os principais
complexos que atuaram a favor do militarismo golpista.
O golpe militar de 1964 começou a ser articulado ainda na década de 1950, mesmo
que de maneira heterogênea e indireta, já que as Forças Armadas não tinham um consenso
sobre uma possível ruptura institucional, que passou a ser sistematizado com ênfase em
1961. Foram criados diferentes órgãos de atuação político-ideológica que agiam em
diversos setores sociais, como o caso do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e
o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), formando, assim, um dos complexos
ideológicos da burguesia mais influentes no período pré-ditadura.
O IBAD, por exemplo, era descrito “[...] pelo embaixador americano Lincoln Gordon
como um ‘grupo industrial de moderados e conservadores’ [...] foi instituído com o alegado
e ambíguo propósito de ‘defender a democracia[...]” (Dreifuss, 1981, p. 102). O jornalista,
e uma das principais figuras udenistas, Carlos Lacerda apoiava publicamente o IBAD já no
período em que foi governador do estado da Guanabara (hoje, atual município do Rio de
Janeiro); foi para Carlos Lacerda que os empresários e representantes do IBAD recorreram
quando João Goulart assumiu o cargo de presidente, para informar que [...] as forças
econômicas brasileiras se organizariam imediatamente para ‘defender a democracia, as
instituições efetivas e o regime’ [...]” (Dreifuss, 1981, p. 102).
No início, o IBAD não tinha tanta visibilidade, o instituto se preparava de forma
silenciosa para atingir seus objetivos, mas quando chegou a década de 1960, o IBAD já
estava consolidado e com alianças dentro do congresso nacional, e foi por meio dele que
[...] os intelectuais orgânicos das classes empresariais se mostraram dinâmicos
em estabelecer ligações com empresários, militares e detentores de altos cargos
públicos, bem como em mobilizar o público em geral. O IBAD influenciou e
penetrou no legislativo e nos governos estaduais, interveio em assuntos eleitorais
nacionais e regionais e apoiou alguns sindicatos em particular. Ele ajudou a
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promover ainda alguns líderes camponeses e sindicais, movimentos estudantis e
organizações de pressão dentro das classes médias (Dreifuss, 1981, p. 102-103).
o IPES foi fundado em 1961 e foi muito bem recebido por órgãos de imprensa e
por representantes de determinadas frações da Igreja Católica. Operava com uma ambígua
atuação política, e, “[...] aos olhos de simpatizantes e defensores, sua face pública mostrava
uma organização de ‘respeitáveis homens de negócio’ e intelectuais [...] que advogavam
‘participação nos acontecimentos políticos e econômicos existentes’ [...]” (Dreifuss, 1981,
p. 163).
De acordo com seus membros, o IPES foi fundado para estudar as propostas de
João Goulart e da esquerda a partir de uma ótica que seus componentes consideravam
liberal. Entretanto, se diziam apartidários e eram “[...] orientados por ‘dirigentes de
empresas e profissionais liberais que participam com convicção democrática, como
patriotas e não como representantes de alguma classe ou interesse privado [...]” (Dreifuss,
1981, p. 163-164).
No fundo, essas instituições agiam a fim de promover uma verdadeira propaganda
político-ideológica liberal, anticomunista e militarista, endossando cada vez mais e de
forma mais incisiva um regime militar. O complexo IPES/IBAD travava uma guerra
ideológica por meio da imprensa televisiva, dos jornais e do rádio, manipulando a
sociedade civil brasileira e recrutando membros para seus quadros. Efetivamente, o
conglomerado IPES/IBAD agia, fazendo oposição ao trabalhismo e à esquerda reformista,
como um verdadeiro partido da burguesia brasileira daquele período (Dreifuss, 1981).
Após exposto um breve panorama do período que precedeu o golpe militar de 1964
e de como sua articulação aconteceu antes de ser propriamente executado, convém uma
reflexão de como a UDN esteve vinculada, em maior ou menor grau, às diversas crises
político-institucionais que ocorreram naquele período que antecedeu a ditadura militar.
Em todas as crises políticas do século passado, a de 1945, as da década de 1950 e, logo
depois, o golpe de 1964, a UDN manteve uma relação estável com chefes militares, os
udenistas chamavam esse apelo ao militarismo de “golpismo legitimado”, ação que remete
a mais uma de suas contradições, afinal, se os udenistas se declaravam liberais, como
poderiam também ser golpistas? (Benevides, 1981).
A UDN teve um papel importante no golpe militar, o que acabou sendo coeso com
a história do partido, sempre que acontecia algo no campo político institucional que a UDN
não aceitava era para o militarismo que o partido recorria, afinal, nas palavras dos próprios
udenistas: [...] Nós, da UDN, nunca tiramos os pés do quartel. Atravessamos toda a luta
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com os pés no quartel, almoçando e jantando com generais, almirantes e brigadeiros [...]
(Benevides, 1981, p. 137, nota 16).
Os udenistas defendiam constantemente uma união entre as forças armadas,
sugerindo que somente o militarismo salvaria a democracia, a ordem e a moral. Durante a
crise de 1955, a UDN perdeu as eleições e viu falhar essa união que tanto almejava, já que
naquele momento houve um rompimento entre as forças militares. De um lado, havia uma
fração que procurava assegurar as eleições e, de outro, os que questionavam os
resultados. Em suma, os legalistas se sobressaíram em relação aos golpistas. Assim como
em outros momentos de instabilidade política, em 1955, a UDN havia depositado
esperanças na união das forças armadas, pois, na visão dos udenistas, vencer as eleições
com pequenos aliados era uma possibilidade muito remota. Além disso, um dos principais
receios dos udenistas era de uma conciliação entre o PTB e o PSD, e estava definido
internamente que caso essa aliança acontecesse, a UDN recorreria, como sempre tentava,
às forças armadas (Benevides, 1981).
A divisão das Forças Armadas durante e após a crise política de 1955 marcou
agudamente a atuação fragmentada dos militares. Durante todo o governo de Juscelino
Kubitschek essa cisão das Forças Armadas foi visível, os udenistas mais exaltados, no
entanto, não desistiram de ver os militares unidos, falava-se que era preciso uma tomada
de consciência para acontecer tal união, pois divididos não tinham poder. Foi no período
de Kubitschek que o macarthismo ganhou maior expressão dentro das Forças Armadas, o
antigetulismo foi se enfraquecendo e cedendo lugar para o ódio aos ideais socialistas e
tudo que pudesse remeter à esquerda e seus ideais. Foi esse sentimento de
anticomunismo, sobretudo, que levou, enfim, à união dos militares e à tomada de
consciência que os udenistas falavam. Justamente em 1964 veio o golpe com apoio da UDN
e de Carlos Lacerda (Benevides, 1981).
Salvo os fatos apresentados sobre as crises políticas e o apelo da UDN para com
os militares nesses momentos, vale ressaltar outros pontos relevantes dessa relação do
partido com as Forças Armadas:
- a UDN defendeu o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos [...];
- a associação dos militares com a cúpula da UDN era de tal ordem que em
reunião do Diretório Nacional [...] foi sugerida uma convocação dos líderes do
partido para examinar as informações enviadas pelo Ministro da Guerra sobre o
número e os nomes de oficiais comunistas nas Forças Armadas [...];
- em seu programa em 1957 a UDN advogou a transformação do Conselho
Nacional de Segurança em órgão permanente;
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- os contatos de parlamentares udenistas com a Escola Superior de Guerra foram
intensos, através de ‘conspirações’, conferencias, cursos, programas, etc. [...]
(Benevides, 1981, p. 142).
Toda essa discussão leva a perceber como o partido sempre esteve de mãos dadas
com o golpe, nunca poupou esforços para colocar em prática o que defendia, salvo em
alguns raros momentos de sua fundação, em que ainda presava, de certo modo, por
democracia. Ao longo de sua existência, a UDN foi colecionando tentativas de rupturas
com a legalidade até, enfim, alcançar seu objetivo em 1964, só não esperavam que o golpe
também a atingiria.
Considerações finais
Fica perceptível, mais uma vez, a ambiguidade da UDN, partido que nasceu da luta
contra a ditadura estadonovista e que propunha a “redemocratização do Brasil”, pois
tinha, de certa maneira, programa cujas ideias eram liberais. Uma sigla que participou do
cenário político dentro da ordem democrática liberal burguesa, disputando eleições e
elegendo seus membros para o Senado, Câmara e governo de estados, colocou-se, vinte
anos depois de sua fundação, como triunfante em uma conspiração por poder que
instaurou uma ditadura repressiva e autoritária (Benevides, 1981), extinguiu partidos e
perseguiu politicamente qualquer pessoa que fizesse oposição a ele, inclusive o próprio
Carlos Lacerda, figura central da UDN, devido à sua capacidade de atacar os adversários
com textos e discursos inflamados.
Lacerda, por exemplo, esteve envolvido diretamente no movimento que culminou
no golpe, por acreditar que seria a melhor opção contra o famigerado “fantasma do
comunismo” e também uma forma de assegurar a sua candidatura à presidência nas
eleições que aconteceriam em 1965. No entanto, com os eventos que se seguiram, ele
perdeu seus direitos civis a partir da implementação do AI-2 e faleceu antes mesmo de ver
o fim da ditadura militar, em 21 de março de 1977, aos 63 anos.
Este trabalho procurou demonstrar a particularidade golpista da UDN e como isso
esteve presente, de maneira extrainstitucional, no seu projeto político-econômico para o
Brasil, elucidando como o partido se relacionava com as forças armadas como nenhum
outro o fazia. Relação que, cumpre sublinhar, foi forjada desde seus anos iniciais, com a
sistemática participação na propaganda político-ideológica que levou o país a uma
ditadura militar que durou 21 anos.
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