A gênese da redemocratização no Brasil: a contribuição da
Comissão Trilateral e do cientista político Samuel Huntington
(1972-1974)
The genesis of redemocratization in Brazil: the contribution of the Trilateral
Commission and political scientist Samuel Huntington (1972-1974)
CARDOSO, Pedro Henrique da Silva Oriola*
https://orcid.org/0000-0001-5246-4892
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo
apontar a antecipação da transição da ditadura
empresarial-militar para a democracia a partir
dos preceitos da Comissão Trilateral e do cientista
político Samuel Huntington (1927-2008). A
reflexão insere-se no debate historiográfico sobre
o marco inicial da redemocratização e indica
como as Forças Armadas se anteciparam e
planejaram a sua saída do poder, após os
conflitos internos, em um momento favorável
para os militares no início dos anos 70. A
contribuição de Samuel Huntington e da
Comissão Trilateral é fundamental para
compreender a transição política no Brasil e a
democracia atual no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Transição; Comissão
Trilateral; Samuel Huntington.
ABSTRACT: This article aims to point out the
anticipation of the transition from business-
military dictatorship to democracy based on the
precepts of the Trilateral Commission and
political scientist Samuel Huntington (1927-
2008). The reflection is part of the
historiographical debate on the initial milestone
of redemocratization and indicates how the
Armed Forces anticipated and planned their
departure from power, after internal conflicts, at
a favorable time for the military in the early
1970s. The contribution by Samuel Huntington
and the Trilateral Commission is fundamental to
understanding the political transition in Brazil and
current democracy in Brazil.
KEYWORDS: Transition; Trilateral Commission;
Samuel Huntington.
Recebido em: 30/07/2024
Aprovado em: 13/03/2025
* Mestre em História pelo Programa de Pós-graduação de História da Universidade Federal Fluminense
(PPGH/UFF), Niterói-RJ, doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (PPGHIS/UFRJ), Rio de Janeiro- RJ. E-mail: pedrooriola@gmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
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Considerações iniciais
A posse do general Ernesto Geisel no cargo de presidente da República, em 15 de
março de 1974, iniciou a transição da ditadura empresarial-militar(Dreifuss, 1981, p. 417)
para a atual democracia no Brasil. A redemocratização “lenta, gradual e segura” (Couto, 2010,
p. 133) foi a estratégia usada pelas Forças Armadas para controlar a transição democrática,
evitando qualquer interferência por parte da esquerda e da classe trabalhadora, pois visava
manter a ordem capitalista e determinadas estruturas concebidas durante a ditadura
empresarial-militar (1964-1988) (Lemos, 2014). Aproximadamente dez anos após a deposição
do então presidente João Goulart do poder, as Forças Armadas estavam em um momento de
crise interna (Kucinski, 1982) devido à disputa de poder dentro da caserna, afetando a própria
natureza do sistema militar, tendo como ápice a sucessão do presidente Arthur Costa e Silva
(1899-1969), demonstrando a indisciplina e a quebra de hierarquia castrense, com a
candidatura do general de divisão Albuquerque Lima
1
(Martins Filho, 1995). A posteriori, em
um contexto favorável, tanto do ponto de vista político quanto econômico, devido
respectivamente à derrota da esquerda armada e do milagre econômico (Carvalho, 1989), os
militares, no início dos anos 70, articularam a sua saída do poder, sendo um consenso entre
os militares do governo Emílio Médici (1969-1974) e a corrente castelista, conforme iremos
apontar ao longo do artigo. A hipótese defendida nesse artigo é de que as ideias sobre a
democracia postuladas pela Comissão Trilateral e o cientista político Samuel Huntington
foram utilizadas pelos militares para pensar a redemocratização no Brasil.
A organização do artigo tem como base as questões e discussões a serem feitas, tendo
como referência as pontuações acima na seguinte ordem: 1) apresentar o debate sobre a
gênese da transição no Brasil; 2) apontar os conflitos entre as correntes militares pela disputa
de poder político entre 1964-1969 e as suas respectivas divergências; 3) assinalar a intenção
das Forças Armadas em iniciar a abertura política no final do governo Emílio Garrastazu Médici
(1969-1974) e as variadas formulações visando a saída dos militares do poder; 4) atestar a
atuação da Comissão Trilateral (CT), como um órgão representante do capitalismo, favorável
1
Se Albuquerque Lima fosse eleito presidente da República, um dos desdobramentos seria a quebra da
hierarquia militar, pois era um general de divisão (três estrelas) e teria como subordinados oficiais generais de
quatro estrelas do Exército, Marinha e Aeronáutica. A alta cúpula militar controlou a escolha do sucessor do
general Arthur Costa e Silva, restringindo o colégio eleitoral aos oficiais generais, onde os três nomes indicados
para o cargo de presidente seriam escolhidos a partir de uma consulta à oficialidade (Martins Filho, 1995).
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ao fim dos regimes militares na América Latina e das transições controladas pelas Forças
Armadas.
Teses analíticas sobre o início da transição
As transições dos regimes ditatoriais para as democracias ocorreram na Grécia, no Sul
da Europa
2
e na América Latina
3
em meados dos anos 70 e 80, e segundo Gabriel Vitullo (2001,
p. 53) têm sido estudadas intensamente pela Ciência Política, Sociologia e História. Devido a
grande quantidade de estudos e publicações, tornou-se uma subdisciplina da Ciência Política
Contemporânea, dando origem a dois subcampos concomitantes, a transitologia e a
consolidologia (Vitullo, 2001, p. 53). As características das transições das ditaduras para as
democracias e o processo a posteriori, ou seja, a estabilização dos regimes democráticos
recém-criados são elementos de estudos e pesquisas (Vitullo, 2001, p. 53). A transição pode
ser definida pelo seguinte:
Período, de duração extremamente variável, que transcorre entre a queda de um
regime e a tomada de completo controle das redes do poder por parte do regime
que vem a substitui-lo. No caso concreto da transição democrática, esta é
considerada terminada quando o novo regime logra instituições regulares e uma
constituição majoritariamente acatada e quando as novas autoridades conseguem
impor sua supremacia aos militares ou às nomenclaturas que anteriormente
detinham o controle do aparelho estatal (Vitullo, 2001, p. 53).
A definição de Gabriel Vitullo (2001), apontada acima, valoriza demasiadamente a
consolidação das instituições democráticas e se baseia na visão liberal acerca do controle civil
perante os militares. Em uma leitura crítica desta acepção, é preciso analisar como as frações
das classes dominantes exerceram (exercem) diretamente o poder após o fim da transição e
quais são as bases elementares do recém-criado regime democrático, isto é, como as classes
dominantes asseguram o seu domínio político. De fato, uma leitura por parte da ciência
política analisando a transição e as democracias decorrentes a partir de uma série de critérios
estabelecidos, entretanto discordando da “[...] imposição da supremacia civil aos militares”
2
Em meados dos anos 70, as ditaduras na Espanha e em Portugal iniciaram as transições para a democracia.
3
Na América Latina, destaco as ditaduras militares instauradas no Brasil, Uruguai, Chile e Argentina. Nos anos
70, a ditadura brasileira era o único ditatorial em transição para a democracia, enquanto os demais exemplos
citados, iniciaram a abertura política na década de 80.
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(Vitullo, 2001, p. 53) em alguns casos como no Brasil, os militares controlaram todo o processo
de transição e não houve qualquer tipo de primazia dos civis.
Sobre a periodização e a origem das transições uma tipologia explicativa sobre as
diferentes formas de redemocratização, tendo como referência o nível de controle das Forças
Armadas e das classes dominantes. Assim, primeiramente irei expor de forma breve as
análises mais gerais sobre a gênese da transição.
A transição por crise ou transição por colapso
A primeira tese a ser apresentada é a transição por crise ou colapso(O’donnell, 1988,
p. 50). Como o próprio termo diz, os regimes ditatoriais iniciaram a saída do poder político
devido a uma crise interna e, deste modo, no início do processo, os militares não detinham o
controle da transição. A adversidade pode ter sido causada por uma crise econômica
internacional ou nacional, gerando contradições e forçando os militares a saírem do poder
(Diniz, 1985; Castro, Soares, D’Araújo, 1995). Em outras situações, o fim dos regimes militares
pode ocorrer após uma derrota bélica, como no caso da ditadura grega
4
(1967-1974) no
conflito contra a Turquia pela posse do Chipre
5
(1974) e a crise da ditadura na Argentina (1976-
1983) após a derrota militar na Guerra das Malvinas
6
(1982) contra a Inglaterra. O fim da
ditadura portuguesa (1933-1974) foi marcada pela conjuntura de crise econômica, a
debilidade política após a morte do ditador Antonio Salazar (1889-1970) e a derrota nas
guerras coloniais na África Portuguesa, em referência às independências de Angola,
Moçambique e Guiné-Bissau, nos anos 70. Diante desse contexto, um levante popular e
militar, conhecido como Revolução dos Cravos (1974) ocorrido no dia 25 de abril, encerrou a
ditadura portuguesa.
4
O golpe foi protagonizado pelo general Stylianos Pattakos e pelos coronéis Geórgios Papadópoulos e Nikolaos
Makarezos e ficou conhecido como o Plano Prometheus, tendo como referência a preparação
contrarrevolucionária feita pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), feito de forma preventiva
em caso de desordem social e política na Grécia, no contexto após a 2ª Guerra Mundial (1939-1945).
5
A Grécia sob a ditadura tentou anexar o Chipre através de um golpe de Estado e a Turquia reagiu, invadindo o
norte do Chipre em 20 de julho de 1974. Com a derrota na guerra contra a Turquia, a ditadura entrou em crise
e o ex-primeiro-ministro Konstantinos Karamanlis, exilado em Paris, retornou ao país para restabelecer a
democracia, tornando-se presidente do país entre 1974 e 1980.
6
A Argentina sob a presidência do general Leopoldo Galtieri invadiu em abril de 1982 as Ilhas Malvinas, território
inglês. A Inglaterra, através da Operação Sutton, mobilizou as suas forças militares e recuperou a sua soberania
sob as Ilhas Malvinas aproximadamente 2 meses, após a invasão argentina. No ano seguinte, houve eleições
presidenciais na Argentina e o candidato da União Cívica Radical, Raúl Alfonsín foi eleito presidente.
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A transição por crise (Poulantzas, 1975), estabelece uma relação direta entre a
sustentação política dos regimes militares e o bom desempenho econômico, isto é, o período
da crise econômica e financeira, intensificada por derrotas bélicas, pôde ser favorável para o
aumento das tensões sociais e consequentemente podem ocorrer protestos, manifestações e
greves, contribuindo para o fim de regimes ditatoriais (Diniz, 1985). Esse tipo de leitura
destaca a resistência e o papel de setores da sociedade na luta contra a ditadura e os
responsabiliza por pressionar a retirada das Forças Armadas do poder, motivando a abertura
política (Castro, Soares, D’Araújo, 1995). Nestes exemplos, as Forças Armadas não conseguem
ter o controle da transição e ficam mais vulneráveis, reduzindo a sua força política durante a
redemocratização. Em seguida iremos demonstrar como a redemocratização iniciada por crise
foi usada para explicar o fim da ditadura empresarial-militar brasileira (1964-1988) (Dreifuss,
1981; Lemos, 2011).
Nas décadas de 70 e 80, alguns autores e atores políticos da época defenderam a ideia
de que o início da transição democrática estava relacionado com a crise do milagre econômico
e a derrota da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido governista, nas eleições
legislativas realizadas em novembro de 1974. Diante do quadro de crise econômica e política
internacional, o governo Ernesto Geisel (1974-1979), foi forçado a iniciar a redemocratização
e logo, não houve nenhum controle das Forças Armadas sobre o processo de transição. Diante
da extensa quantidade de produção bibliográfica sobre o tema, selecionei alguns trabalhos
para sistematizar essa perspectiva historiográfica.
A tese do jornalista Bernardo Kucinski é de que a transição no Brasil ocorreu por uma
dupla crise. A primeira no campo econômico devido ao esgotamento do milagre brasileiro,
tornando evidente a tese de que uma crise financeira desgastaria os militares no poder. O
segundo tipo de crise era no campo político, pois nas eleições legislativas realizadas em
novembro de 1974, o partido governista, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) perdeu
muitos votos para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o partido da oposição
moderada (Kucinski, 1982, p. 14). Diante deste cenário instável, as Forças Armadas decidiram
sair do poder e em todo o livro, a redemocratização foi entendida por Bernardo Kucinski
(1982) como um momento decadente para os militares e favorável para alguns setores da
sociedade contrários à ditadura. A escolha por indicar o trabalho de Bernardo Kucinski (1982),
foi devido a publicação feita ainda no início dos anos 80, sendo uma síntese interessante e
bastante informativa sobre a transição, refletindo a leitura de muitos trabalhos e de setores
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da sociedade daquele momento, onde buscava-se valorizar a sua atuação contra a ditadura,
como no caso do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
O partido, através do Comitê Central, entendia os primeiros anos do governo Ernesto
Geisel (1974-1979) como um momento de crise. O texto PCB e as eleições de novembro
(Carone, 1982, p. 149) publicado na Voz Operária
7
, em maio de 1974, endossa a importância
da atuação do povo, da classe operária e das correntes antifascistas na luta contra a ditadura.
Sobre as eleições legislativas em 1974, caracteriza o quadro interno como desfavorável para
a ditadura, devido ao esgotamento do milagre econômico, indicando a uma insatisfação dos
trabalhadores devido à alta inflação (Carone, 1982, p. 151). Em outro texto, publicado na Voz
Operária, em abril de 1975, sob o título A luta pela democracia e as nossas principais tarefas
(Carone, 1982, p. 155), foi além do texto anterior, ao defender que nos anos 70, o capitalismo
mundial estava em crise, citando como exemplo a crise das ditaduras grega e portuguesa, a
saída das tropas dos Estados Unidos do Vietnã e a resistência de Cuba contra o embargo
econômico (Carone, 1982, p. 158). No Brasil, a situação não era muito diferente devido ao
cenário de crise da ditadura causada pelo desgaste do milagre econômico, a mobilização da
classe operária e o resultado das eleições legislativas de novembro de 1974, atestando o
repúdio popular à ditadura (Carone, 1982, p. 158-159).
Uma variante dessa tese defende a ideia de que o início da transição no Brasil foi
determinado pela crise econômica e política, porém admite o controle dos militares na direção
da transição política. Os escritos do sociólogo Florestan Fernandes, publicados no final dos
anos 70, defendem justamente essa perspectiva. Florestan Fernandes (1978) aponta o início
da distensão política independente da pressão dos trabalhadores e das próprias contradições
externas e internas. Os militares conseguiram manter o controle e ao mesmo tempo impedir
a interferência da classe trabalhadora, na conjuntura marcada pela crise da ditadura. Nesta
caracterização as classes dominantes têm força política suficiente para definirem como será a
“passagem da situação contrarrevolucionária para a abertura política” (Fernandes, 1978,
p.23). Sendo assim, a transição é determinada e regulada pelos interesses das classes e frações
de classes dominantes, a partir de uma contrarrevolução preventiva a frio, caracterizada pela
dominação de classe pautada por elementos democráticos (Fernandes, 1978; Fernandes,
1981).
7
Era o órgão de comunicação oficial do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
89
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A partir dessa constatação, segundo Florestan Fernandes (1978), os militares e as
classes dominantes procuram justamente adaptar a situação com os seus interesses, nesse
sentido, por exemplo, a via parlamentar passa a ser valorizada, mas restrita para evitar a
atuação da classe trabalhadora, das massas populares e das suas exigências políticas
(Fernandes, 1978). A transição política em analogia com o golpe militar de 1964 era
contrarrevolucionária, pois o objetivo era delimitar o espaço político dos trabalhadores e, para
isso, foi preciso readequar a sua forma de dominação política (Fernandes, 1978).
A transição, por esse viés, tinha como meta estratégica produzir a democracia que
necessitava e de acordo com interesses dos militares, sendo o controle do processo de
transição para conservar a dominação política e de classe como o requisito mais importante
(Fernandes, 1978). É interessante notar que em meados dos anos 70, o sociólogo paulista
traçava a direção do processo de transição, ocasionando em uma autocracia burguesa:
As classes burguesas não querem abrir mão das próprias vantagens e privilégios; dos
controles de que dispõem sobre si mesmas, como e enquanto classes; e dos
controles que dispõem sobre as classes operárias, as massas populares e as bases
nacionais das estruturas de poder. As vantagens e privilégios estão na raiz de tudo,
pois se as classes burguesas realmente abrissem mão da ordem econômica, social e
política perderiam, de uma vez, qualquer possibilidade de manter o capitalismo e
preservar a íntima associação existente entre dominação burguesa e monopolização
do poder estatal pelos estratos hegemônicos da burguesia (Fernandes, 1976, p. 364).
Por fim, Fernandes (1976) chama a atenção de que à medida que a contrarrevolução
vai murchando, isto é, mudando de sentido, a burguesia precisa articular outra maneira para
manter a sua dominação de classe, isto é, o regime democrático.
Os “custos crescentes do autoritarismo
8
”: A saída antecipada das Forças Armadas do poder
e a transição pelo alto.
Em síntese, a premissa da segunda leitura teórica é de que o fim dos regimes ditatoriais
não ocorreu por crise e sim por uma decisão das Forças Armadas, antecipando-se às pressões
da sociedade a favor da redemocratização (Diniz, 1985, p. 334). A partir do momento em que
as Forças Armadas estavam no centro decisório do poder, isto é, durante a vigência das
ditaduras militares, surgiram problemas internos devido à disputa política, causando a quebra
8
Nos anos 80 e 90, diversos autores chamaram a atenção para a saída antecipada dos militares do poder, entre
eles: Walder de Góes (1984), Eliezer Rizzo de Oliveira (1994), Suzeley Mathias (1995) e Alfred Stepan (1986).
90
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de hierarquia e disciplina castrense. Para dar fim às disfunções entre os próprios militares, as
Forças Armadas decidem sair do poder e iniciar o retorno para a democracia, em um momento
econômico e político favorável, para restaurar os princípios elementares dentro dos quartéis
e garantir a sua coesão e unidade interna (Diniz, 1985, p. 332). Uma das características desse
tipo de transição foi a negociação entre os detentores do poder e setores da oposição
moderada, tendo como referência o fim da ditadura franquista na Espanha (1936-1975), via
Pacto de Moncloa
9
.
Esse tipo de análise destaca uma maior capacidade das Forças Armadas no controle do
processo de transição, ao traçarem a sua direção, sendo chamadas de “transições transadas”
ou de “transições pelo alto”, justamente por facilitarem acordos e negociações com a
oposição moderada (Diniz, 1985, p. 332; Castro, Soares, D’Araújo, 1995, p. 30).
Nessas visões, a antecipação política das Forças Armadas, ao iniciarem o processo de
distensão política, é explicada no Brasil devido a disputa política e cizânia dentro das Forças
Armadas, entre 1964-1969, principalmente nas sucessões presidenciais, como na eleição do
general Emílio Médici (1905-1985), em outubro de 1969, considerado o período pré-eleitoral
como o ápice da quebra de disciplina e hierarquia dentro das Forças Armadas (Camargo; Goés,
1984, p. 129; Oliveira, 1994, p. 107-108). O segundo fator apontado foi a erosão da
legitimidade da ditadura, provocada pela existência de exilados políticos (Camargo; Góes,
1984, p. 128) e a insatisfação de lideranças militares com o Ato Institucional 5 (AI-nº5) e a
autonomia dos órgãos de segurança e informação, desgastando e afetando a cadeia de
comando da Marinha, Exército e Aeronáutica (Carvalho, 1989, p. 42). Por fim, a gestação da
distensão política no Brasil, ocorreu em um contexto favorável para os militares no poder, no
final do governo Emílio Médici (1969-1974), devido ao sucesso econômico proporcionado pelo
milagre brasileiro e a derrota da luta armada (Carvalho, 1989; Oliveira, 1994).
Uma variante das duas teses apresentadas ressalta a antecipação das Forças Armadas
do poder e ao mesmo tempo destaca a importância de resistência e interferência de setores
da sociedade no processo de transição. O pressuposto é de que é preciso compreender a
9
Em 20 de novembro de 1975, o ditador espanhol Francisco Franco faleceu e foi substituído no governo pelo
príncipe Juan Carlos e o processo de redemocratização na Espanha foi iniciado. O Pacto de Moncloa foi um
acordo político assinado em outubro de 1977, envolvendo setores empresariais, partidos políticos e sindicatos.
O objetivo era empreender modificações econômicas e políticas, no contexto de redemocratização e tinha um
teor contrarrevolucionário, pois almejava evitar qualquer tipo de mobilização popular e fortalecimento político
da classe trabalhadora.
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diferença entre projeto e processo, isto é, o projeto militar pautado pelo total controle da
transição não ocorreu, e foi marcado por recuos e contramarchas (Castro, Soares, D’Araújo,
1995), e segundo Eli Diniz (1985) os militares enfraqueceram politicamente durante o governo
João Figueiredo (1979-1985).
A transição pelo alto, os custos crescentes da intervenção política das Forças Armadas e as
disputas castrenses
Como vimos acima, as principais teses acerca das transições das ditaduras para as
democracias destacam o grau do controle e da força política dos militares no início da
redemocratização. uma simetria na caracterização da relação de forças nas etapas
preambulares da distensão e o desenvolvimento do processo, isto é, se a ditadura desmorona
por conflito bélico ou pela crise econômica, consequentemente o controle dos militares e das
classes dominantes é praticamente nulo, como no caso da Argentina. Nesse tipo de análise, é
realçada a atuação de setores da sociedade contra o regime ditatorial e com a crise das Forças
Armadas no poder não qualquer menção ao projeto castrense para a redemocratização.
Por outro lado, a antecipação dos setores dominantes e dos militares em protagonizar e
direcionar a redemocratização, projeta um maior controle dos detentores do poder perante
o processo, incidindo no termo transição pelo alto. Os projetos forjados no seio das Forças
Armadas, no Brasil, portanto, se tornam um ato político relevante e objeto de estudo
10
, para
compreender quais são as suas premissas e prerrogativas para a futura democracia e como as
demais classes sociais relacionam com esse processo, aderindo através de negociações ou
resistindo, indicando neste último cenário, a manutenção da repressão política.
A hipótese aqui defendida é de que os militares brasileiros iniciaram e planejaram a
redemocratização, no início dos anos 70, durante o governo Emílio Médici (1969-1974), devido
aos conflitos políticos dentro da Forças Armadas, ocorridos desde o golpe empresarial-militar
(1964), tendo como auge a sucessão do presidente Arthur Costa e Silva, em outubro de 1969.
De uma forma mais ampla, as “contradições do próprio aparelho estatal” (Stepan, 1986, p.
19), com a formação de blocos militares para a disputa do poder político foi importante para
os militares articularem a sua saída em um momento favorável, com a derrota da esquerda
armada e o crescimento econômico, via milagre brasileiro. Nesse mesmo contexto, foi central
10
Alfred Stepan (1986) ao criticar a ideia de que a sociedade civil seria um ator relevante na abertura política,
indica a importância do estudo do componente militar para pensar o regime ditatorial no Brasil.
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no início dos anos 70, as formulações sobre a democracia, feita pela Comissão Trilateral (CT),
destacando as recomendações do cientista político Samuel Huntington.
Logo, discordamos da tese de que a abertura política foi causada por uma situação de
crise, explicada pelo esgotamento do milagre econômico e a derrota da Aliança Renovadora
Nacional (ARENA), nas eleições legislativas, em novembro de 1974. Eli Diniz (1985), relativiza
o impacto imediato da crise do petróleo
11
e o esgotamento do milagre econômico, como
fatores explicativos para a transição no Brasil. Sendo assim, a distensão no Brasil foi planejada
pelos militares e os efeitos da crise do petróleo não impactaram a curto prazo o governo
Ernesto Geisel (1974-1979), que este manteve alguns indícios de progresso econômico,
através do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) (Diniz, 1985; Carvalho, 1989). A derrota
do partido governista nas eleições legislativas ocorridas em novembro de 1974 também pode
ser relativizada, pois a vitória do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), ocorreu em uma
campanha eleitoral inédita desde a instauração da ditadura empresarial-militar (1964) porque
o debate político entre os candidatos foi permitido. O aumento da quantidade de votos do
partido oposicionista foi conquistada em uma condição até então sem precedentes e, mesmo
o governo perdendo a maioria de dois terços do Congresso Nacional para aprovar emendas,
posteriormente modificou as regras eleitorais, com a Lei Falcão (1976) e o Pacote de Abril
(1977), visando garantir o controle do processo político e portanto, a derrota da Aliança
Renovadora Nacional (ARENA), não modificou a direção da transição pelo alto, pleiteada pelas
Forças Armadas. Assim, concordamos com a perspectiva de que o resultado das eleições
legislativas de novembro de 1974, devem ser compreendidas em um contexto inicial da
abertura política (Mathias, 1995).
Em síntese, um dos fatores determinantes para a saída das Forças Armadas do poder
foi a disputa política entre as correntes castrenses
12
. Dialogamos com a tipologia sobre a
divisão das Forças Armadas pós 1964 elaborada por Alfred Stepan (1986), em distintas
11
Foi causada pelo aumento do preço do barril de petróleo, promovido pela Organização dos Países Exportadores
de Petróleo (OPEP), após a derrota dos países árabes contra Israel na Guerra do Yom Kippur (1973).
12
João Roberto Martins Filho (1995) propõe em sua análise a existência de quatro correntes militares: a) os
castelistas, que estiveram no poder sob a presidência do general Humberto Castelo Branco (1964-1967),
posteriormente enfraquecidos após a morte do general Castelo Branco em 1967 ; b) a linha-dura, representada
pelos coronéis Francisco Boaventura, Ruy Castro, Costa Cavalcanti e o general Sizeno Sarmento, c) a corrente
albuquerquista, tendo como referência o general Albuquerque Lima (1909-1981), apoiado pela alta hierarquia
militar da Marinha e d) o grupo palaciano ou costista, tendo como referência os militares mais próximos do
presidente Arthur Costa e Silva, entre eles o general Jayme Portella, o coronel Mário Andreazza, o coronel Jarbas
Passarinho e o general Emílio Médici.
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categorias: os militares enquanto governo(Stepan, 1986, p. 09) composto pelo presidente
e respectivos subordinados, a comunidade de informações(Stepan, p. 09) composta pela
estrutura repressiva do Estado e os militares enquanto instituição (Stepan, p. 09), integrada
pela parte burocrática da corporação militar. A primeira configuração, isto é, os militares
enquanto governo(Stepan, 1986) como o próprio nome define, é sobre os militares no poder,
sendo uma condição em disputa pelas correntes castrenses durante todo o período ditatorial
(1964-1988). Sobre a segunda composição, a comunidade de informações, Alfred Stepan
(1986) a utiliza para destacar a sua autonomia e apontar as divergências com os militares
enquanto governo” (Stepan, 1986).
Neste texto também dialogamos com João Roberto Martins Filho (1995) e a sua
caracterização sobre a crise política pós 1964, sob o argumento de que o deslocamento do
poder político para o aparato repressivo do Estado, isto é, as Forças Armadas, impossibilitou
a estabilidade política, resultando em conflitos entre os militares. Nesse sentido, a sua tese
sobre o Estado de crise ou Estado de Exceção sob a influência teórica de Nico Poulantzas , é
um elemento estrutural, devido a incapacidade da ditadura em articular a hegemonia (Martins
Filho, 1995). René Dreifuss e Otávio Dulci (1984), apesar de não utilizarem o referencial de
Nico Poulantzas, também defendem a ideia de que a partir do momento em que as Forças
Armadas se tornam protagonistas, isto é, estão no centro do poder político, são pressionadas
por uma série de interesses e reivindicações, gerando uma situação permanente denominada
tensão-pressão.
Destaco a crise dentro da caserna desde o governo Castelo Branco (1964-1967), a
partir de críticas de setores militares mais extremistas, conhecidos como linha-dura, os quais
reivindicavam medidas mais repressivas contra a oposição. A ascensão de Arthur Costa e Silva
(1899-1969) à presidência da República não acabou com os conflitos militares, pois a cizânia
castrense atingiu o auge com a sua sucessão, com a possibilidade de vitória do general
Albuquerque Lima pois era um general de divisão, com apenas 3 estrelas (Camargo; Góes,
1984), ocasionando problemas na cadeia de comando tanto dentro do governo quanto nas
Forças Armadas.
A alta hierarquia militar impediu a candidatura de Albuquerque Lima devido à sua não
promoção a general de exército, na lista de promoções em março de 1969, praticamente
inviabilizando sua pretensão em ser presidente (Martins Filho, 1995). A eleição do sucessor
de Arthur Costa e Silva (1899-1969), foi marcada por um colégio eleitoral composto por 104
94
Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 83-109, jan./jun., 2025
generais responsáveis por coletar nomes aptos para serem candidatos à presidente. Os nomes
foram apresentados a outro colégio eleitoral composto por 10 generais os quais reduziram a
uma lista a com 3 candidatos viáveis (Alves, 1984). O objetivo do Alto Comando do Exército,
era excluir a participação e impedir a vitória do general Albuquerque Lima, que o ex-
Ministro do Interior, era general de divisão e caso fosse eleito presidente, ocasionaria
problemas na hierarquia militar e além disso, não compactuavam com as suas ideias
(Skidmore, 1988). Na lista tríplice, o general Emílio Garrastazu Médici, então Ministro Chefe
do Serviço Nacional de Informações (SNI), foi o nome escolhido para suceder o general Arthur
Costa e Silva (1899-1969) na presidência da República (Camargo, Góes, 1984).
A Contrarrevolução nos anos 70, a Comissão Trilateral e as transições democráticas
Dialogando com Eric Hobsbawm (1995), o início da década de 70, pode ser
caracterizada como um período de crise do capitalismo, devido a falência do Estado de Bem-
estar Social, dos mecanismos keynesianos e dos acordos de Bretton Woods
13
após um
momento de ouro do capitalismo no imediato pós Guerra Mundial (1939-1945)
(Hobsbawm, 1995; Hoeveler, 2012). Para Hobsbawm (1995), o século XX é considerado como
o período das extremidades, devido ao seu período de decadência no período entreguerras
até o fim da Guerra Mundial (1918-1945), nos pós Guerra Mundial (1939-1945), é um
ótimo momento para o capitalismo e por fim no início dos anos 70, novamente um período
de crise.
Os anos 60 são importantes para compreender a contrarrevolução nos anos 70, a partir
de fatores políticos e econômicos. De um modo geral, na década de 70, houve uma
amenização da Guerra Fria (1974-1991) com a détente (distensão ou relaxamento) e a
assinatura de diversos acordos para diminuir a produção de armamentos bélicos e
nucleares
14
, a aproximação entre Estados Unidos e a China
15
, o refluxo do movimento
estudantil e operário
16
protagonista de diversas manifestações políticas no ano de 1968 e por
13
Foi uma série de acordos firmados, em 1944, entre os países capitalistas para elaborar as regras do sistema
monetário internacional.
14
Destaco o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), assinado em julho de 1968 e os Acordos Salt
I Salt II, assinados respectivamente em 1972 e 1979, visando diminuir a produção de mísseis balísticos
intercontinentais e limitar o lançamento de mísseis.
15
O presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon (1913-1994) visitou a China em 1972 (Hoeveler, 2012, p. 19).
16
Na Europa, destaca-se o movimento estudantil e operário na França através de greves e ocupação de fábricas
e a repressão stalinista contra um movimento conhecido como a Primavera de Praga (1968). No continente
americano, ressalta-se a repressão ao movimento estudantil no México, matando 28 pessoas e ferindo em torno
95
Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 83-109, jan./jun., 2025
fim, os primeiros índices de crise econômica com o abandono dos acordos de Bretton Woods,
em 1971, pelos Estados Unidos. A situação dos Estados Unidos não era muito favorável nos
anos 70, contextualizada por manifestações internas como o movimento pelo direito civis dos
negros e passeatas contra a participação estadunidense na Guerra do Vietnã (1955-1975). Na
década de 70, a situação interna foi agravada com a retiradas das tropas dos Estados Unidos
do Vietnã do Norte em 1973 e pelo escândalo Watergate
17
(Hoeveler, 2012).
Portanto, o período de ouro do capitalismo (Hobsbawm,1995) estava se encerrando e
nesse sentido, houve uma reorganização das classes dominantes para contornar esse
momento instável:
As elites orgânicas dos países capitalistas mais avançados começaram a pensar em
inovações táticas e estratégicas para superar a crise econômica e a
“ingovernabilidade” do mundo. Assim começava a nova década, e terminava o bloco
histórico marcado pela estabilidade econômica e política que marcou o pós-Segunda
Guerra Mundial, no qual se expandiu pelo mundo o capital transnacional (Hoeveler,
2012, p. 20).
A solução para a crise política e econômica, foi o retorno as ideias do economista
Friedrich Hayek sendo o percursor das ideias neoliberais, colocadas em prática nas décadas
de 80 e 90 e no campo político, as formulações de Joseph Schumpeter também foram
resgatadas para formular novas democracias, tendo como premissa a seleção de lideranças
(Hoeveler, 2012, p. 08).
A própria criação da Comissão Trilateral (CT) está inserida nas mudanças ocorridas ao
longo dos anos 60 e 70 e pode ser compreendida como uma das respostas das elites orgânicas
transnacionais para a crise do mundo capitalista no início da década de 70. A Revolução
Cubana (1959), a descolonização da África, a emergência do movimento negro nos Estados
Unidos e o movimento estudantil e greves, no final dos anos 60. As agitações políticas e
revolucionárias no Terceiro Mundo e nos países centrais do capitalismo, as modificações
econômicas com o fim do padrão ouro dólar e a crise de desconfiança do governo Richard
de 200 estudantes, conhecido como Massacre da Praça de Tlatelolco e no Brasil, a Passeata dos Cem Mil, contra
o regime ditatorial vigente desde março de 1964. Essa reflexão se baseia em: Hoeveler, 2012, p. 19.
17
Refere-se ao escândalo político do governo Richard Nixon (1969-1974), onde foram apuradas denúncias feitas
pelo jornal The Washington Post sobre a espionagem do escritório do Partido Democrata, localizado no edifício
Watergate, durante a campanha eleitoral em 1972. As investigações indicaram a anuência do presidente Richard
Nixon (1913-1994) e a participação de membros do seu governo. Em 1974, o presidente Richard Nixon (1913-
1994) renunciou à presidência e assumiu o vice-presidente Gerald Ford (1974-1977).
96
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Nixon (1969-1974), causada pelo escândalo e denúncias do caso Watergate e a retirada das
tropas do Vietnã e por fim, os desdobramentos econômicos com o aumento do preço do barril
de petróleo, feito pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) (Hoeveler,
2015), foram fatores decisivos para uma contrarreforma política, por parte de setores do
capitalismo.
Nesse sentido, é fundada a Comissão Trilateral, em 1973, pelo então diretor do Chase
Manhattan Bank, David Rockefeller
18
, e pelo cientista político Zbigniew Brzezinski; e era
composta por empresários, banqueiros e políticos dos Estados Unidos, Europa Ocidental e
Japão, com o objetivo de elaborar uma agenda política comum para os três blocos (Sist; Iriarte,
1979; Skarl, 1980; Gill; 1990; Hoeveler, 2012; Hoeveler, 2015) e assim, coordenar e resolver
os problemas globais a partir de uma gestão coordenada e garantir a concretização dos seus
interesses, sob a bandeira do Trilateralismo (Ayerbe, 2002; Hoeveler, 2012; Hoeveler, 2015).
A Comissão Trilateral (CT) era organizada por forças-tarefas (task forces) e divididas por temas
tais como: questões nucleares, comércio internacional e relação Oriente- Ocidente (Hoeveler,
2012).
Para Rejane Hoeveler (2015), a Comissão Trilateral (CT) era uma forma dos líderes
capitalistas atuarem diretamente para criar uma agenda em comum visando atender os seus
interesses mais imediatos. Os problemas detectados foram: a competição por matérias-
primas pelo Japão, Estados Unidos e Europa Ocidental e a atuação do Mundo, como por
exemplo, a atuação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em aumentar
o preço do barril do petróleo, que elaboraram na Assembleia Geral das Organizações Unidas
(ONU) uma proposta visando melhor preço para as matérias-primas, acesso aos mercados dos
países mais desenvolvidos, a transferência tecnológica e a regulação das corporações
transnacionais (Sist; Iriarte, 1979, Hoeveler, 2015), além das agitações políticas mencionadas
ocorridas nos anos 60 e que adentraram na década seguinte.
O Terceiro Mundo era, portanto, um ponto sensível e uma ameaça para os membros
da Comissão Trilateral (CT) em um momento marcado pelo relaxamento das tensões com a
18
Destaca-se a atuação de setores da burguesia na formulação da política externa dos Estados Unidos, liderado
pelo banqueiro David Rockefeller (1915-2017), apresentando o Projeto para os anos 80, em 1974 para diversas
lideranças capitalistas, e nesse contexto é fundada a Comissão Trilateral (CT). A Comissão Trilateral atuava desde
a sua fundação, entretanto é importante ressaltar para o fato de que durante o governo Jimmy Carter (1977-
1981), vários membros da sua equipe governamental eram da Comissão Trilateral (CT), inclusive afetando a sua
política externa’ (Cf. Sist; Iriarte, 1979; Ayerbe, 2002).
97
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União Soviética (URSS), tanto que o centro do conflito geopolítico passou a ser mais entre
norte-sul (Ayerbe, 2002) e os países mais ricos almejavam manter a posição dependente dos
países mais pobres e evitar novas revoluções (Sist; Iriarte, 1979; Hoeveler, 2012). O
diagnóstico político era de que os regimes militares nos países do Mundo não eram mais
viáveis e as democracias deveriam ser repensadas.
Em torno das preocupações políticas, uma questão central para a Comissão Trilateral
(CT) era a democracia. O relatório Crise da Democracia, publicado em 1975, escrito pelo
sociólogo francês Michel Crozier, pelo cientista político estadunidense Samuel Huntington e
por Joji Watanuki, indicavam a decadência das democracias existentes devido a um suposto
“excesso de participação popular” nas decisões do governo causando inflação, greves e
déficits nos orçamentos, tornando os países “ingovernáveis” (Hoeveler, 2012). O diagnóstico
pessimista da Comissão Trilateral (CT) sobre a democracia resultou em uma mudança na
política externa dos Estados Unidos em relação ao continente americano, a partir do governo
Jimmy Carter (1977-1981) ao adotar algumas premissas defendidas pela Comissão Trilateral
(CT).
Segundo Arturo Sist e Gregorio Iriarte (1979), a preocupação da Comissão Trilateral
era com a instabilidade política das ditaduras militares na América Latina e as democracias
seriam regimes políticos mais estáveis. Um dos temores era a saída das ditaduras por
movimentos populares e inclusive uma possível aliança com a União Soviética (URSS),
prejudicando os interesses capitalistas (Hoeveler, 2012), ou seja, havia uma preocupação
contrarrevolucionária na América Latina, por parte da Comissão Trilateral (CT). A partir desta
leitura, as ditaduras não seriam mais necessárias, sendo uma das tarefas da Comissão
Trilateral (CT), assessorar como seriam as transições democráticas, isto é, controladas por
lideranças conservadores, fortalecendo os canais representativos e as instituições políticas,
promovendo o retorno gradual à democracia, criando regimes democráticos estáveis e
restritos, isto é, sem a participação popular (Hoeveler, 2012; Hoeveler, 2015). É importante
ressaltar a ideia de que no momento em que a Comissão Trilateral (CT) incentivava e
assessorava as transições para a democracia
19
, ocorreu em um momento marcado pela
remodelação desse conceito, pela própria instituição (Hoeveler, 2015).
19
Sobre os preceitos da democracia procedimental e em torno da seleção de lideranças, ver: Schumpeter (2017)
e Machado (20008).
98
Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 83-109, jan./jun., 2025
Segundo Andrew Young, membro da Comissão Trilateral, em discurso na Guatemala
em 03 de maio de 1977, a melhor estratégia para as transições era através de forma
gradualista e realizada, pelos próprios governantes, tendo como referência a transição
negociada como foi na Espanha, através do Pacto de Moncloa e evitar o exemplo português,
devido ao fim do regime salazarista através da Revolução de Cravos (Hoeveler, 2015). Essa
afirmação é fundamental para pensar como o Brasil, guardadas as devidas proporções, pode
ser enquadrado no modelo espanhol ao invés do modelo português. Segundo Rejane Hoeveler
(2015):
Pode-se dizer que o trilateralismo tinha um programa político para os regimes no
Terceiro Mundo: em suma, tratava-se de fortalecer as forças capitalistas, integrar as
elites políticas e empresariais nas estruturas internacionais e promover democracias
restritas e mais estáveis do que os regimes ditatoriais. No entanto, esse programa
variava taticamente de acordo com o país e a força política dominante nele
(Hoeveler, 2015, p. 302).
Nesse sentido, uma das tarefas era recomendar políticas específicas, isto é, regras
políticas e estabelecer padrões, regras e procedimentos com o viés institucionalista, através
da atuação dos intelectuais orgânicos do grande capital (Hoeveler, 2015). Essa afirmação de
Rejane Hoeveler (2015) é central para compreender a participação do cientista político
Samuel Huntington (1927-2008) na sua formulação acerca da transição no Brasil.
O Governo Emílio Médici (1969-1974) e a gênese da transição
Devido aos problemas castrenses causados pelo domínio direto das Forças Armadas
no Estado e após as metas estratégicas terem sido atingidas com o crescimento econômico
via milagre econômico e a derrota da luta armada, há indícios de que o governo Emílio dici
(1969-1974), começou a elaborar como seria a saída dos militares do poder (Camargo; Góes,
1984; Carvalho, 1989; Oliveira, 1994). Portanto, do ponto de vista interno a transição não foi
causada pela generalização de valores puramente democráticos dentro das Forças Armadas e
sim, devido ao desgaste interno pelos custos de intervenção e iniciaram a abertura política
(Camargo; Goés, 1984), evidenciando a transição para a democracia como mais um elemento
para compreender o fenômeno da contrarrevolução preventiva no Brasil. A gestação do
projeto distensionista inicia em 1972 e a política de descompressão começa a partir da posse
do general Ernesto Geisel na presidência da República (Hoeveler, 2012), em março de 1974.
99
Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 83-109, jan./jun., 2025
Essa ideia, portanto, é antagônica à tese de que a ditadura em crise possibilitou o início da
redemocratização ao defender uma saída antecipada das Forças Armadas do poder.
Seguindo as considerações de Aspásia Camargo e Walder de Góes (1984), no final do
governo Emílio Médici (1969-1974), alguns fatos indicaram a gênese da transição no Brasil e a
intenção dos militares em iniciar a abertura política. A vinda do cientista político
estadunidense Samuel Huntington (1927-2008) ao Brasil a convite do chefe do Gabinete Civil
Leitão de Abreu (1913-1992), em 1972, e a elaboração do documento Abordagens de
Descompressão Política, escrito por Samuel Huntington (1927-2008) em 1973, o qual sugeria
como proceder a transição democrática no país (Góes, Camargo, 1984, Marini, 1990). O
segundo fato é de que a candidatura do general Ernesto Geisel (1907-1996), tinha o apoio de
setores militares favoráveis a iniciar a transição para a democracia (Góes, Camargo, 1984).
Para Ruy Mauro Marini (1990), o Brasil estava condicionado com as mudanças
ocorridas no início dos anos 1970, com a derrota da luta armada, o êxito no campo econômico
e o retorno para a democracia. Portanto, segundo Aspásia Camargo e Walder de Góes (1984),
é possível afirmar que no início dos anos 1970, havia a leitura das Forças Armadas para
iniciar a redemocratização:
Em suma, no início dos anos 70, se terá tornado evidente, pelo menos para os
líderes militares mais atentos, que as disfunções da intervenção militar no domínio
político somente poderiam ser superadas mediante a eliminação ou contenção da
própria intervenção (Camargo; Góes, 1984, p. 130).
Como afirmamos acima, a gênese da transição no Brasil, tem relação com os problemas
militares gerados pela presença das Forças Armadas na direção do Estado. Assim, a transição
representou uma antecipação dos militares às pressões políticas e iniciaram a abertura
política, de forma controlada. Aspásia Camargo e Walder de Góes (1984) chamam a atenção
para a estratégia militar, pelos castelistas, para compreender o período inicial da
redemocratização no Brasil.
Samuel Huntington, a Comissão Trilateral e a distensão política no Brasil
O projeto de distensão no Brasil elaborado pelos militares, isto é, a estratégia militar
(Camargo, Góes, 1984, p.125) tem relação com as premissas da Comissão Trilateral (CT) sobre
a democracia. Entendemos, como pontuado diversas vezes, a importância das razões
100
Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 83-109, jan./jun., 2025
militares para a sua saída do poder e ao mesmo tempo o peso da Comissão Trilateral (CT),
através do cientista político Samuel Huntington
20
(1927-2008) para pensar o tipo e a forma da
transição democrática no Brasil, sendo fundamental na elaboração da contrarrevolução
preventiva no Brasil (Hoeveler, 2012; Lemos, 2015), na transição da ditadura para a
democracia.
A formulação da distensão política no Brasil, por Samuel Huntington, tem relação com
à antecipação desse processo político pelos militares, no início dos anos 70 e, portanto, é
antagônica a leitura de que explica a origem da transição, a partir de uma situação de crise
(Hoeveler, 2012; Lemos, 2015).
Renato Lemos (2015) indica a primeira visita do cientista político Samuel Huntington
(1927-2008) ao Brasil, registrada pelo periódico Correio da Manhã, em 20 de junho de 1965,
a convite do cientista político Cândido Mendes. O cientista político estadunidense era
vinculado à Universidade de Harvard, dos Estados Unidos, e segundo Lemos (2015) era
marcada por “conexões financeiras e ideológicas com grandes corporações transnacionais e
Estado norte Americano” (Lemos, 2015, p. 560), sendo a instituição de ensino um aparelho
privado de hegemonia com teor contrarrevolucionário. Outro dado importante é de que a
Universidade de Harvard abrigava executivos e acadêmicos integrantes do Council of Foreign
Relations, como Henry Kissinger (1923-2023), elaborando subsídios e orientações para a
política externa dos Estados Unidos. Outro exemplo citado, por Renato Lemos (2015) foi a
participação de intelectuais como Daniel Lerner e Walt Rostow no Center for International
Studies (CENIS) do Massachusetts Institute for Technology (MIT), criado com apoio da Agência
Central de Inteligência (CIA), no âmbito do MIT e sob a direção do Departamento de Defesa e
do Joint Chiefs of Staff, grupo consultivo militar análogo a um Estado Maior das Forças
Armadas. Esse contexto, indicado por Renato Lemos (2015), é fundamental para compreender
como os acadêmicos podem estar inseridos e relacionados com estratégias
contrarrevolucionárias.
Em sua obra A ordem política nas sociedades em mudança
21
, publicada em 1968, a
preocupação é a estabilidade política, inserido em um contexto, onde os países do 3º Mundo
20
Concordamos com a caracterização do cientista político Samuel Huntington como intelectual orgânico, a partir
dos escritos de Antonio Gramsci (Lemos, 2015, p. 60).
21
Foi financiada pelo Centro de Assuntos Internacionais da Universidade de Harvard, pela Fundação Ford,
financiadora de estudos na mesma universidade e pelos fundos da Corporação Carnegie. Um dos incentivadores
101
Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 83-109, jan./jun., 2025
estão em processo de desenvolvimento econômico, isto é, em amplo processo de
modernização e esse processo trazia problemas para a estabilidade e ordem política
(Huntington, 1975). Para o cientista político, a ordem política depende da seguinte equação:
o desenvolvimento das instituições políticas e a mobilização das forças sociais.
Nas suas reflexões, um contexto conforme marcado por intervenções militares,
golpes castrenses e formação de juntas militares na América Latina, no Oriente Médio, na
África e sudeste da Ásia. De fato, a preocupação com o Terceiro Mundo é um dos elementos
da obra A ordem política nas sociedades em mudança. O objeto de Samuel Huntington
envolvia as nações periféricas do sistema capitalista a partir do processo de modernização:
As propostas políticas de Huntington surgiam de um corpo teórico então ascendente
no campo da ciência política internacional: a concepção do desenvolvimento como
um processo de modernização de estruturas socioeconômicas e políticas. A teoria
focava, em especial, nas novas nações surgidas do chamado processo de
descolonização da Ásia e da África, subsequente ao fim da Segunda Guerra Mundial.
Mas, contemplava, também, nações mais antigas situadas na periferia do sistema
capitalista mundial, como o Brasil (Lemos, 2015, p. 565)
Samuel Huntington, ao refletir sobre as intervenções militares, pretende responder
duas questões: quais as causas das intervenções militares e quais os desdobramentos dessas
intervenções para a modernização e a estabilidade política. O cientista político defende a tese
de que as frequentes intervenções militares são causadas pela “politização geral das forças
sociais e das instituições existentes” (Huntington, 1975, p. 206). Portanto, nas sociedades
pretorianas, em referência a uma sociedade politizada, todas as forças sociais, incluindo o
clero, universidades, estudantes, burocracias, corporações e sindicatos, atuam diretamente
na política. A existência de sociedades pretorianas é explicada pela “ausência de instituições
políticas capazes de mediar, refinar e moderar a ação política dos grupos” (Huntington, 1975,
p. 208), ou seja, nas sociedades pretorianas não instituições políticas e nem lideranças para
moderar os conflitos sociais, sendo diferente das sociedades institucionalizadas, onde os
procedimentos adotados são aceitos como a solução das disputas e problemas políticos.
Assim, as intervenções militares são um contraponto às sociedades pretorianas. Um adendo
importante é de que no pensamento de Samuel Huntington é fundamental a existência de
da sua obra foi outro acadêmico e cientista político dos Estados Unidos, Robert Dahl, considerado um dos
grandes teóricos sobre a democracia (Huntington, 1975, p. 07).
102
Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 83-109, jan./jun., 2025
instituições políticas fortes para canalizar e anular possíveis tensões e mobilizações sociais,
pois o sufrágio universal poderia existir na Inglaterra por ser uma sociedade institucionalizada
e não em uma sociedade pretoriana, onde setores da sociedade o foram assimilados. A
solução para Samuel Huntington (1975) era a atuação militar como construtor de instituições,
para dar fim ao pretorianismo e desenvolver instituições políticas para estabilizar a ordem.
Citando o caso mexicano, uma das instituições criadas pelos militares visando a estabilidade,
foram os partidos políticos, com destaque para o Partido Revolucionário Radical, visando
assimilar e institucionalizar as diversas forças sociais (Huntington, 1975).
O cientista político estadunidense Samuel Huntington (1927-2008) veio ao Brasil em
outubro de 1972, a convite de Leitão de Abreu (1913-1992), Secretário do Gabinete Civil do
governo Emílio Médici (1969-1974). Rejane Hoeveler (2012) cita a entrevista de Samuel
Huntington à Veja em outubro de 1972, onde o mesmo indica dois pontos interessantes: o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB) deveria ser o partido do futuro, pois o seu
eleitorado está concentrado nas grandes cidades e cita o Japão
22
como o exemplo a ser
seguido, onde os liberais- democratas eram hegemônicos e havia uma estabilidade política,
em um contexto marcado pela industrialização e modernização da sociedade. Em declaração
ao Jornal do Brasil, em outubro de 1972, Samuel Huntington, expôs as três fases das
sociedades em desenvolvimento: a descentralização do poder, a criação de novos grupos e
instituições e por fim, o avanço da institucionalização do sistema político. Entretanto para o
último estágio existiam alguns requisitos tais como: a continuidade administrativa, a
estabilidade política e o consenso entre as mais influentes forças sociais (Lemos, 2015). Para
Renato Lemos (2015), o Brasil estava indo para o terceiro estágio, sendo o “alvo estratégico
do processo de transição” (Lemos, 2015, p. 572). A partir desses três estágios, podemos indicar
e relacionar a estabilidade política a partir dos êxitos econômicos e políticos, respectivamente
pelo milagre econômico e a derrota da luta armada e o consenso, seria o apoio da oposição
moderada na concretização do processo de transição sem qualquer tipo de mobilização
popular.
Uma síntese da formulação da transição no Brasil foi escrita e desenvolvida por Samuel
Huntington no texto intitulado Abordagens da descompressão política, em 1972, e foi
22
O Japão é a referência para Samuel Huntington (1927-2008), como citado na reportagem da Veja, sobre o
fortalecimento das instituições e pela estabilidade política, que esse país foi assessorado por ele (Hoeveler,
2012, p. 27).
103
Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 83-109, jan./jun., 2025
resultado de um pedido feito por Leitão de Abreu (1913-1992). O objetivo do documento era
avaliar e indicar um caminho para a transição política no Brasil, de forma controlada e inserida,
portanto, na agenda das democracias restritas (Hoeveler, 2012; Hoeveler, 2015).
No texto Abordagens da descompressão política, dois pontos iniciais são importantes:
estabelecer procedimentos da institucionalização da sucessão de cargos públicos, como o
Executivo Federal
23
, legislativo e cargos estaduais e o alargamento na participação da escolha
de autoridades políticas (Huntington, 1973). O objetivo de uma forma geral era realizar a
abertura política fortalecendo elementos democráticos e institucionais, ao estabelecer
procedimentos eleitorais, isto para selecionar os governantes, de acordo com os preceitos da
democracia schumpeteriana (Lemos, 2015). Em seguida, Samuel Huntington (1973),
recomenda como deve ser feita a transição sob a premissa de que o processo da
descompressão deve ser liderado e controlado pelos detentores do poder em um momento
favorável, no caso do Brasil, às Forças Armadas, que esta instituição não deveria ser
totalmente marginalizada e deveria ser realizado de forma gradual. Segundo Samuel
Huntington (1973), a recomendação seria cooptar setores da oposição, não cedendo as suas
exigências políticas e assim, assegurando o seu apoio e institucionalizar os procedimentos
democráticos e institucionais, criar mecanismos institucionais tendo como recomendação o
controle do governo (Hoeveler, 2012). A premissa básica é de que “a descompressão eficaz e
duradoura deve, portanto, ser um processo gradual sobre o governo mantenha firme
controle” (Huntington, 1973, p.05). Uma das razões para o controle da transição e de forma
gradual, é o risco da recompreensão, isto é, a reversão do processo de abertura política devido
a oposição de setores militares, partidários da continuidade do regime ditatorial.
Outro ponto importante ressaltado pelo cientista político estadunidense, é a
importância da estrutura partidária no processo de fortalecimento institucional. O parecer de
Samuel Huntington (1973) sobre a estrutura partidária brasileira era de que: nunca possuiu
um partido político solidamente fundamentado num interesse socioeconômico importante”
(Huntington, 1973, p. 07) e “[...] através do período 1946-1964, todavia os partidos políticos
brasileiros foram coalizões fracas e mutáveis de personalidades individuais e interesses
localizados” (Huntington, 1973, p. 07). O motivo para a análise crítica de Samuel Huntington
23
A sucessão presidencial durante o regime ditatorial (1964-1988) é um elemento de crise, devido às disputas
políticas entre as correntes militares, tendo como destaque a sucessão do general Arthur Costa e Silva (1899-
1969) (Martins Filho, 1995, p. 159).
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(1973) era a ausência de vínculo entre os partidos políticos e os respectivos grupos
socioeconômicos e a partir dessa premissa, a sua sugestão é de que um partido político, sob
a iniciativa do governo, possa preencher essa integração (Huntington, 1973). Como observou
Rejane Hoeveler (2012), para Samuel Huntington (1973) a estrutura partidária, onde a Aliança
Renovadora Nacional (ARENA) estava inserida, não era viável porque era um mero apêndice
de poder e não representava um elemento orgânico e autônomo de representação de
interesses.
O modelo partidário do México e do Japão são citados no artigo de Samuel Huntington
(1973) para serem usados no Brasil, e com a criação do partido político ficaria mais viável a
institucionalização de procedimentos, como a sucessão presidencial e a organização de
campanhas políticas. No caso do México, segundo Huntington (1973) o Partido Revolucionário
Institucional (PRI) teve um papel importante ao incorporar os grupos sociais ao sistema
político, e canalizar as insatisfações e conflitos políticos pela via institucional, visando manter
a ordem. O Japão, no contexto pós Guerra Mundial (1939-1945) e ocupação militar dos
Estados Unidos, conseguiu estabelecer um sistema estável de competição partidária, sob a
hegemonia do Partido Liberal Democrático (Huntington, 1973). É importante ressaltar que o
cientista político estadunidense, não deixou evidente qual seria a melhor solução para a
estrutura política brasileira, mas de fato a sua recomendação era reformar a estrutura
partidária.
O receituário de Samuel Huntington (1973) condiz com a antecipação da transição feita
pelas Forças Armadas, isto é, como uma força de antecipação das pressões políticas e
instabilidade política, após o desenvolvimento econômico, em referência ao milagre
brasileiro. Na leitura de Samuel Huntington (1973), uma relação de causa-consequência no
desenvolvimento econômico e aumento das tensões sociais (Hoeveler, 2012) e a
institucionalização de uma democracia através da seleção de lideranças, como ressaltado,
era uma forma de assegurar a dominação e estabilidade política, evitando qualquer tipo de
participação e mobilização popular.
Outra formulação importante foi do cientista político Wanderley Guilherme dos
Santos
24
(1935-2019), tendo como objetivo indicar um caminho viável para a saída da
24
Era diretor do Departamento de Ciência Política da Faculdade Candido Mendes e professor visitante da
Universidade da Califórnia.
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ditadura. O texto foi publicado em 1978, e foi um desdobramento de uma conferência
25
para
os deputados federais no Congresso Nacional em 20 de setembro de 1973 e é mais um
indicativo de que havia uma intenção em iniciar a redemocratização, ainda no governo Emílio
Médici (1969-1974).
O pressuposto do cientista político é de que a estabilidade do regime ditatorial era
obtida através da repressão política e a sua leitura é de que naquele momento havia uma crise
institucional no Brasil, tendo como única solução o fortalecimento das instituições, sendo
assim a “[...] eficiência das instituições desenhadas para instrumentalizar e acomodar aqueles
conflitos que são típicos da organização política das comunidades humanas”(Santos, 1978, p.
145). Os problemas políticos e sociais do Brasil poderiam ser resolvidos pelo fortalecimento
das instituições políticas, isto através da estabilidade institucionalizada, sendo uma estratégia
para substituir os militares no poder (Santos, 1978). Essa estratégia seria realizada através de
uma política incrementalista e gradual, através de medidas moderadas e sob o controle dos
militares. O argumento para medidas graduais era o risco da recompressão, isto é, o fim da
redemocratização diante da simultaneidade de pressões, e por isso as medidas liberais, tais
como o abrandamento da censura, o retorno dos partidos políticos e o restabelecimento do
habeas corpus devem ser paulatinas (Santos, 1978). Para evitar a simultaneidade de pressões
e coibir excessos, a recomendação era manter o aparato repressivo (Monteiro, 2012;
Hoeveler, 2012; Cardoso, 2018). A última recomendação era alargar o processo decisório para
outros atores políticos, remetendo a negociação com setores moderados da oposição (Santos,
1978).
Em síntese, o processo de transição deve ser controlado pelo governo, visando
fortalecer as instituições, através da negociação com diversos setores da sociedade e
gradativamente promover o retorno à democracia e para isso era necessário manter e usar a
repressão política.
A formulação de Wanderley Guilherme dos Santos (1978) tem algumas
simultaneidades com a formulação de Samuel Huntington (1973). Em ambas as formulações,
a democracia seria caracterizada a partir da seleção de lideranças e assim, são essenciais para
compreender as estratégias da transição política no Brasil. Como lembrou Rejane Hoeveler
25
A Conferência foi organizada pelo Instituto de Pesquisas, Estudos e Assessoria do Congresso Nacional (IPEAC),
presidido pelo senador José Sarney (1930-) (ARENA/MA). Segundo o próprio Jo Sarney (1930)m 60% das
atividades legislativas em 1973 foram feitas pela assessoria do Instituto de Pesquisas, Estudos e Assessoria
(IPEAC) (Hoelever, 2012, p. 35).
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(2012), com menção à reflexão de Luiz Werneck Vianna (1993), é importante levar em conta
a diferença entre projeto x processo, justamente para compreender o quanto as formulações
citadas foram implementadas e desenvolvidas pelo grupo no poder. Alguns fatos podem ser
considerados como obstáculos tais como: a vitória do Movimento Democrático Brasileiro nas
eleições legislativas em novembro de 1974, a atuação de militares insatisfeitos com a
transição, o ressurgimento do movimento estudantil e do movimento sindical. A simples
menção dos fatos não esgota a reflexão, pois é fundamental considerar o quanto esses
movimentos influenciaram na direção da transição. A conclusão é de que é preciso levar em
conta a antecipação da redemocratização pelas Forças Armadas (FFAA), e analisar a influência
dos movimentos contrários à transição tanto por parte da oposição e de setores militares
(Hoeveler, 2012).
Considerações finais
A eleição do general Ernesto Geisel (1907-1996) representou a intenção de setores das
Forças Armadas em iniciar a transição política, isto é, foi eleito para iniciar o processo de
redemocratização (Camargo, Góes, 1984; Mathias, 1995). Quando o general Ernesto Geisel
(1907-1996) foi eleito em junho de 1973, ainda não tinha ocorrida a crise do petróleo
(Carvalho, 1989) e o projeto de distensão estava em gestação, sendo mais um indício de que
a redemocratização no Brasil não tem a sua gênese associada ao fim do milagre econômico e
a derrota da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), nas eleições legislativas ocorridas em
novembro de 1974. Aqui também concordamos com a hipótese de que havia um projeto
distensionista em formulação antes do início do governo Ernesto Geisel (1974-1979),
condicionada pela conjuntura favorável para as Forças Armadas tanto no campo econômico
quanto político, conforme já mencionado (Mathias, 1995).
Conforme vimos no artigo, em um contexto favorável para as Forças Armadas, devido
ao êxito econômico e político, respectivamente pelo milagre econômico e a derrota da luta
armada, iniciaram a planejar a sua saída do poder. A cizânia castrense ocorreu devido as
disputas políticas dentro dos quartéis, principalmente nas sucessões presidenciais e para
evitar a quebra da hierarquia e da disciplina militar, a solução foi a gradual retirada da cena
política. Em seguida, indicamos como as Forças Armadas planejaram o início da
redemocratização ainda no final do governo Emílio Médici (1969-1974), a partir das
recomendações da Comissão Trilateral (CT) e do cientista político Samuel Huntington (1927-
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2008), em torno da formulação de uma democracia restrita, baseada no fortalecimento das
instituições políticas e na manutenção da repressão política, definida pela segurança nacional,
além de outras.
O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) lançou de forma inédita a candidatura de
Ulysses Guimarães e como vice-presidente Barbosa Lima Sobrinho, representando uma
campanha simbólica sob o lema: Navegar é preciso, viver não é preciso, e se autodeclarando
como anticandidatos, criticando a legitimidade das eleições e denunciando a violação de
direitos humanos e a vigência da censura (Skidmore,1988). Conforme esperado, o candidato
Ernesto Geisel (1907-1996) venceu as eleições com 400 votos a favor e contra 76 votos
(Skidmore, 1988), iniciando a transição para a democracia.
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