FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.6, nº1, p.410-424, jan.-jun., 2019
Dancinha
ou quando o fascismo inaugura uma dramaturgia
413
indignação política promovida pelo movimento reativo de manipulação para
desestabilizar e, ao mesmo tempo, reafirmar um sentimento de “Basta! Quero meu Brasil
de volta”. Como bem explicita um dos coreógrafos à referida dancinha, em entrevista à
Folha de São Paulo (AMÂNCIO
2
, 2016): “Encontramos na dança uma forma leve de
transmitir o clima, o ambiente das manifestações patrióticas”. E complementa, “Mas
sempre estivemos conscientes de que a dança não é a principal arma de manifestação, e
que ela, em si, não consegue construir uma consciência politicamente formada”. Por
último, o coreógrafo ressalta: “Dança feita no Brasil é a ‘dança’ da corrupção e a
‘coreografia’ latino-americana da construção do socialismo e do comunismo para
subjugar as nações e suas sociedades a um regime populista e terrorista. Essa sim é a
dança da vergonha nacional”.
Bem, tenho 25 anos e acompanho a situação política do país desde 1998, quando
comecei a “entender” um pouco mais do que se tratavam as eleições. Então, nesse
período de 20 anos, nunca tinha visto nada como o que vi pessoalmente na “dancinha”:
algo apresentado publicamente, na rua, para as pessoas passantes e com todo um
aparato técnico e cênico disposto. Tratava-se de uma ação pontual, eles chegavam e
dançavam com seus corpos, em estado de êxtase, a fim de eliminar todo o sentimento de
ruína em que o país, por eles, se encontrava. Neste sentido, convido a pensarmos com
André Lepecki (2013, p. 45) quando ele descreve que:
[...] a dança, ao dançar, ou seja, no momento em que se incorpora no mundo das
ações humanas, teoriza inevitavelmente nesse ato o seu contexto social. A
dança entendida como teoria social da ação, e como teoria social em ação,
construiria simultaneamente o seu traço distintivo entre as artes e a sua força
política mais relevante.
Como compreender isso? Ainda estou tentando e é por esse artigo que tento traçar
um sentido para tudo isso que estamos “dançando”. Não sou cientista político, sociólogo
ou antropólogo para poder detalhar fato a fato os acontecimentos. O nosso foco é essa
dancinha e o que dela acaba por extrapolar os limites do dizível e do visível em dança.
Configurar esse acontecimento como uma situação, no mínimo, curiosa, para ser
concebida como uma ação coreográfica cujo sentido está sendo capturado e
reestruturado aos modelos pré-formatados de uma condição política e social do corpo
no Brasil. Pensar que, segundo Lepecki (2013, p. 46):
[...] ao entrar no concreto mundo das relações humanas, a coreografia aciona
uma pluralidade de domínios virtuais adversos – sociais, políticos, econômicos,
linguísticos, somáticos, raciais, estéticos e de gênero – e os entrelaça a todos no
2
Entrevista na íntegra: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1749055-grupo-de-fortaleza-cria-
guia-que-ensina-a-dancinha-do-impeachment.shtml. Acesso em: 11 de abr. 2019.