
Faces da História
, Assis/SP, v.6, nº2, p.157-180, jul./dez., 2019
Nessa revisão bibliográfica, um importante trabalho localizado foi o de Ralph S.
Hattox (1996) intitulado Coffee and Coffeehouses: the origins of a Social Beverage in the
Medieval Near East que, além de confirmar passagens presentes nos trabalhos
historiográficos de Taunay e Uckers no que diz respeito a propagação do café, traz uma
densa pesquisa baseada em documentos. Sua investigação tenta entender como uma
bebida popular entre monges sufistas
2
nos séculos XIV e XV difundiu-se no mundo
árabe.
A ligação entre o café e várias ordens sufistas é uma unanimidade em nossas
fontes, e essa conexão foi importante não somente para o uso inicial do café no
Iêmen, mas também para sua expansão por toda península, assim como para o
Egito e Síria. [...] Membros das ordens sufistas não eram estritamente reclusos
[...]. Esse envolvimento dos membros das ordens em assuntos cotidianos foi, em
todas as probabilidades, um dos mais importantes fatores de dispersão do café.
Se o sufismo fosse um movimento de completo isolamento, um movimento de
altos muros e clausuras como são constantemente caracterizados os
monastérios cristãos, o uso do café talvez tivesse permanecido uma prática
oculta limitada aos poucos que dela faziam parte. No entanto, este não foi o
caso. Se o café era uma ajuda ao dihkr [rezas noturnas], também poderia ser um
assistente para tediosas atividades de trabalho; se poderia ser preparado em um
local de reunião da ordem, também poderia ser preparado por suas esposas em
casa. (HATTOX, 1996, p. 34-35, tradução nossa).
3
Hattox ainda afirma que, apesar de a Etiópia ser o local de proveniência natural
das árvores do cafeeiro, historicamente os árabes iemenitas dominaram o mercado
produtor desde as primeiras décadas de disseminação da bebida até, pelo menos, o
século XVIII (HATTOX, 1996, p. 24). Já no século XV o café era consumido em grande
escala pelo mundo árabe, e foi aos poucos inserido na Europa por meio de sua
introdução na Turquia, sendo popularizado por meio das cafeterias em grandes cidades
como Veneza, Paris, Viena e Londres.
2
O sufismo é uma corrente mística e contemplativa do Islam. Segundo Hattox, possuía uma ênfase em um
místico alcance de Deus de uma forma pessoal e inteligível, e não de forma abstrata. Portanto, o café era
considerado um poderoso estimulante, principalmente para as vigílias noturnas.
3
[No original] “The link between coffee and the various Sufi orders is one upon which our sources are
unanimous, and this connection was one that was to have importance not only for its initial use in the
Yemen, but also for its spread throughout the peninsula and to Egypt and Syria as well. [...] Members of
Sufi orders were not as a rule reclusive [...]. This involvement of the members of the orders in everyday
affairs of the world was, in all likelihood, one of the most important factors in the spread of coffee. If
Sufism had been a movement that stressed isolation, a movement of high walls and cloisters such as so
often characterized Christian monasticism, the use of coffee might have remained an arcane practice
limited to the few who belonged. This was not, however, the case. If coffee was an aid to the dhikr, it could
also be of assistance to the tedious activities of the workplace; if it could be prepared at the meeting place
of the order, so could it be prepared by one’s wife or servants at home. We have no direct evidence of how
coffee came into general use in the Yemen outside the Sufi meeting, but conjecture along these lines is
perhaps most fruitful.” (HATTOX, 1996, p. 34-35).