Reflexões sobre a história escolar e o
ensino por competências na BNCC
Reflections on school history and
teaching by competences at BNCC
BARBOSA, Pedro Paulo Lima
*
LASTÓRIA, Andrea Coelho
*
CARNIEL, Francislaine Soledade
*
RESUMO: O artigo a seguir tem por objetivo
possibilitar reflexões sobre a História Escolar
e o ensino por competências presentes na
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), nos
anos finais do Ensino Fundamental. No nosso
entender, ainda que esteja travestida por
pri
ncípios democráticos e progressistas, a
História Escolar, exposta no documento, não
possibilita ao docente superar o modelo
tradicional de ensino. Ademais, a noção de
competência escolar, amplamente utilizada na
BNCC como a nova ‘pedra filosofal’ da
educão brasileira oculta velhos problemas
das políticas de ensino, dentre eles, o do
investimento público.
PALAVRAS-CHAVE:
Base Nacional Comum
Curricular (BNCC); Ensino de História;
Concepção de Ensino; Competências.
ABSTRACT: The following article aims to
provide reflections on School History and on
competency teaching present at the
National Curricular Common Base (BNCC),
in the final years of Elementary School. In
our opinion, even if it is transposed by
democratic and progre
ssive principles, the
School History, set forth in the document,
does not allow the teacher to overcome the
traditional model of teaching. In addition,
the notion of school competence, widely
used in the BNCC as the new ‘philosopher's
stone’ of Brazilian e
ducation hides old
problems of education policies, among them,
public investment.
KEYWORDS: National Curricular Common
Base (BNCC); Teaching of history;
Conceptions of education; Competences.
Recebido em: 29/07/2019
Aprovado em: 12/10/2019
*
Doutor em História Social pela UNESP, campus de Assis, Assis, estado de São Paulo, Brasil. Pós-
doutorando em Educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo
(FFCLRP-USP), Ribeirão Preto (SP), Brasil. Professor da Rede Pública do Estado de São Paulo. E-mail:
pplbarbosa@usp.br.
*
Livre Docente em Educação, pós-doutorado em Didática da História e da Geografia na Universidad de
Oviedo, Espanha. Doutora e Mestre em Educação na Universidade Federal de São Carlos UFSCar,
professora Associada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo FFCLRP-USP. E-mail: lastoria@ffclrp.usp.br.
*
Graduada em História pelo Centro Universitário Barão de Mauá CUBM, Ribeirão Preto, estado de São
Paulo (SP), Brasil. Mestranda em Educação pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto,
na Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) de Ribeirão Preto. Bolsista da Agência de fomento
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES. E-mail: francarniel@usp.br.
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Introdução
O presente artigo visa discutir a História, como componente curricular, constante
na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) dos anos finais do Ensino Fundamental, no
Brasil. Embora calcada em bases sociais democráticas e progressistas e em um ensino de
História voltado à formação de cidadãos críticos e conscientes, na prática, as propostas
e conteúdos elencados no corpo do referido documento não conseguem superar o
ensino tradicional. Quanto aos valores democráticos e progressistas, tais como
propostos, não asseguram amplamente a cidadania e, concomitante a isso, visam atender
apenas a interesses globais que são restringidos à liberdade de consumo.
Os inícios dos trabalhos para a elaboração da BNCC ocorreram no ano de 2015,
com a realização do I Seminário Interinstitucional e a publicação da Portaria 592/2015,
do Ministério da Educação MEC, a qual instituiu uma comissão para organizar a
elaboração do documento (FRANCO; SILVA JÚNIOR; GUIMARÃES, 2018; CÁSSIO, 2019,).
Na época, após a publicação da primeira versão do documento oficial, houve uma
‘enxurrada’ de contribuições vindas da sociedade civil, órgãos e instituições com os mais
variados fins e interesses. Isso nos leva a considerar que na BNCC não estão em voga
apenas interesses econômicos ligados ao capital e, consequentemente, a valores
neoliberais. Seria um erro tal afirmação e cabe-nos acrescentar que a mesma beira a um
reducionismo educacional, pois, como afirma Apple: “Nem todos os currículos nem toda
a cultura são ‘meros produtos’ de simples forças econômicas” (APPLE, 1999, p. 69).
Contudo, não queremos negar a influência que o neoliberalismo tem nos sistemas
educacionais brasileiros. Entendemos que se trata de um arranjo de forças não
homogêneas com vieses direitistas que, sob a batuta do neoliberalismo, conseguem
superar muitas de suas diferenças e dissensões para implementarem seus interesses.
Aqui, chamamos à baila Michael Apple (2003) que, embora seus estudos
concernentes à Nova Direita versem sobre o contexto dos países de língua inglesa, o
referido autor nos ajuda a compreender a realidade brasileira atual. Assim, ele
argumenta:
[...] um ‘novo’ conjunto de acordos, uma nova aliança e um novo bloco de poder
se formaram e estão tendo uma influência cada vez maior na educação e em
todos os aspectos da vida social. Esse bloco de poder combina frações múltiplas
comprometidas com as soluções mercantilizadas que os neoliberais apresentam
para os problemas educacionais, com os intelectuais neoconservadores que
querem um ‘retorno’ a um padrão de qualidade melhor e a uma ‘cultura comum’,
com os fundamentalistas religiosos populistas e autoritários, profundamente
preocupados com a secularidade e preservação de suas próprias tradições, e
com frações particulares de profissionais qualificados da nova classe média,
comprometidos com a ideologia e as técnicas de avaliação, mensuração e
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‘administração’. Embora existam tensões e conflitos evidentes no seio dessa
aliança, em geral seus objetivos globais são oferecer as condições educacionais
que seus componentes acreditam necessárias tanto para aumentar a
competitividade internacional, o lucro e a disciplina quanto para nos fazer voltar
a um passado romantizado de lar, família e escola ‘ideais’. (APPLE, 2003, p. 79-
80).
Para se ter uma ideia dos interesses gerados pela BNCC, o canal de comunicação
G1 fez a seguinte afirmação:
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o maior documento a receber
sugestões e contribuições da sociedade durante a sua elaboração. No ar desde
15 de setembro de 2015, o portal da Base recebeu, até 30 de novembro, cerca de
4,2 milhões de contribuições de 119 mil professores, 3,1 mil estudantes, 1,6 mil
pais, 1,8 mil organizações da sociedade civil, pesquisadores e 21,3 mil escolas
públicas e privadas. (MORENO, 2015, s/p.)
1
Dessa expressiva participação e várias sugestões, o MEC distinguiu dois tipos de
contribuições. A primeira, do público em geral, e a segunda, composta por especialistas
correspondentes de cada área do conhecimento que, na ocasião, foram convidados pelo
Ministério da Educação a contribuir efetivamente na elaboração do texto final da BNCC.
Faz-se necessário lembrarmos, porém, que a palavra final coube ao Conselho Nacional
de Educação - CNE, que, por meio de votação, aprovou a BNCC.
Com muita propriedade, sobre a elaboração dos currículos, Apple (1999) fez a
seguinte afirmação:
[...] a educação não é um produto como pão ou papel, mas sim que deve ser
vista como seleção e organização de todo conhecimento social disponível numa
dada época. Dado que tal seleção e organização envolvem opções sociais e
ideológicas conscientes e inconscientes [...]. Significa que, por razões de ordem
metodológica, não se parte do princípio que o conhecimento curricular seja
neutro. Pelo contrário, procuram-se interesses sociais que se encontram
incorporados na própria forma de conhecimento. (APPLE, 1999, p. 43).
Além dos conflitos inerentes à elaboração de um currículo qualquer, ainda mais de
alcance nacional, tais como disputas teóricas, políticas e educacionais, dentre outras,
houve o golpe civil-político-judiciário que culminou no impedimento da ex-presidente
1
Segundo dados do próprio Ministério da Educação e Cultura (MEC), houve mais de 12 milhões de
participações on-line, entre outubro de 2015 e março de 2016, na elaboração da primeira versão da BNCC
e outras milhares de contribuições em etapas subsequentes a ela. Porém, embora bastante ventilado, esses
gigantescos números, em momento algum o MEC informou como se deu sua tubulação e utilização no
processo de confeão do documento. (CÁSSIO, 2019).
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Dilma Rousseff cumprir todo seu mandato e na chegada à presidência de seu vice, Michel
Temer
2
.
Em decorrência, ocorreu a troca da equipe que redigia a BNCC e que, na ocasião,
gerou, na componente curricular de História, um grande número de críticas. A versão
final da BNCC para o Ensino Fundamental foi sancionada, sob muitas manifestações
contrárias de entidades
3
, pelo MEC em 20 de dezembro de 2017, enquanto que a do
Ensino Médio somente foi aprovada pelo CNE, em 04 de dezembro de 2018.
A Resolução CNE/CP 2/2017 estabelece o caráter normativo da BNCC o que, para
nós, é uma forma de facilitar sua aprovação e até mesmo, a posteriori, sua
implementação, pois, desta maneira, não carece de passar por votação no Congresso
Nacional ou pela sanção do Presidente, bastando, apenas, a homologação do ministro da
Educação.
Destarte, tal documento deve ser respeitado por todas as escolas e sistemas
educacionais “[...] obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas modalidades no
âmbito da Educação Básica” (BRASIL, 2017, p. 41), bem como os eixos centrais da
formação do aluno, a saber: uma formação para o exercício da cidadania e para o
mercado de trabalho.
Assim, estabelece a Resolução:
Art. 2º As aprendizagens essenciais são definidas como conhecimentos,
habilidades, atitudes, valores e a capacidade de os mobilizar, articular e integrar,
expressando-se em competências.
Parágrafo único. As aprendizagens essenciais compõem o processo formativo
de todos os educandos ao longo das etapas e modalidades de ensino no nível da
Educação Básica, como direito de pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. (BRASIL,
2017, p. 4).
Embora a BNCC tenha esses dois eixos como principais na formação dos alunos
ao longo de toda a Educação Básica, no nosso entender, de acordo com as mudanças
nela propostas, tais objetivos não serão alcançados porquanto a reestruturação
educacional não conseguir superar velhos problemas educacionais.
Na área do ensino de História a BNCC não inova. Ela não consegue superar
sequer a velha crítica feita há séculos, por François Simiand, dos “‘ídolos e das tribos’
2
O Ministério da Educação pode ser visto como um reflexo da grande instabilidade política, econômica e
social dos últimos anos do governo de Dilma Rousseff. Nos últimos quatro anos de seu governo houve seis
diferentes ministros da Educação.
3
Na ocasião da aprovação, entidades educacionais assinaram uma carta endereçada ao Conselho Nacional
de Educação (CNE) criticando a maneira como os debates sobre a BNCC ocorreram. Foram elas:
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), Associação Nacional de
Política e Administração da Educação (Anpae), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPed), o Centro de Estudos, Educação e Sociedade (Cedes) e o Fórum Nacional de Diretores
de Faculdades, Centros de Educação e Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras (Forundir).
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dos historiadores”. Os velhos problemas podem ser resumidos em uma visão
eurocêntrica do passado, positivismo quanto ao uso de fontes em sala de aula, o que
reflete diretamente na formação do alunado para a cidadania. Ao invés de formá-los
tendo um alargamento do conceito de cidadania e direitos sociais os quais pertencem à
sociedade de maneira em geral, a cidadania limita-se a uma cidadania do trabalho, ou
seja, uma formação do alunado voltada apenas para o mercado de trabalho.
Crítico ferrenho da história événementielle na França, François Simiand apontava
os três ídolos dos historiadores positivistas que, para ele eram:
1º O ‘Ídolo político’ o estudo predominante dos fatos políticos, ou, pelo menos,
a preocupação permanente com a história política, das guerras, etc., a ponto de
conferir a estes acontecimentos uma importância exagerada [...] O ‘Ídolo
individual’ o hábito inveterado de conceber a história como história de
indivíduos e não como estudo dos fatos que a conduz a ordenar as pesquisas
e os trabalhos em torno de um homem, no lugar de orde-los em torno de uma
instituição, de um fenômeno social, de uma relação a ser estabelecida. [...] 3º O
‘Ídolo cronológico’ o hábito de perder-se nos estudos das origens, nas
investigações das diversidades particulares, no lugar de estudar e de
compreender primeiro o tipo normal, pesquisando-o e determinando-o na
sociedade e na época em que se encontra [...]. (SIMIAND, 2003, p. 111-113).
Neste sentido, o presente artigo tem por finalidade analisar a concepção de
História Escolar constante na BNCC para o Ensino Fundamental, bem como os
pressupostos teóricos correntes no presente documento.
O ensino por competências na BNCC
A BNCC, ao orientar sobre o ensino das componentes curriculares tanto do
Ensino Fundamental quanto do Médio, traz uma novidade: o ensino por competências.
Desta forma, por meio dessa nova noção, o Governo Federal visa alinhar currículo e
políticas educacionais em âmbito nacional nas três esferas: federal, estadual e municipal.
Essa mudança no ensino que vem junto a BNCC, se dá por pressão social e
mercadológica. Há também uma pressão internacional para essa reformulação por
considerar o ensino por disciplinas como um conhecimento fragmentado, academicista,
individualista, pouco relevante e atrativo aos alunos.
O ensino por competências na BNCC é entendido como um modo de possibilitar
conhecimentos práticos. Contudo, como bem lembra Duarte (2001), essa noção está
intimamente ligada à pedagogia do “aprender a aprender”, isto é, enquanto síntese de
educação destinada a formar indivíduos criativos. Essa criatividade, porém:
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[...] não deve ser confundida com busca de transformações radicais na realidade
social, busca de superação radical da sociedade capitalista, mas sim criatividade
em termos de capacidade de encontrar novas formas de ação que permitam
melhor adaptação aos ditames da sociedade capitalista, pois para o referido
autor: O caráter adaptativo dessa pedagogia está bem evidente. Trata-se de
preparar aos indivíduos formando as competências necessárias à condição de
desempregado, deficiente, mãe solteira etc. Aos educadores caberia conhecer a
realidade social não para fazer a crítica a essa realidade e construir uma
educação comprometida com as lutas por uma transformação social radical,
mas sim para saber melhor quais competências a realidade social está exigindo
dos indivíduos. Quando educadores e psicólogos apresentam o ‘aprender a
aprender’ como síntese de uma educação destinada a formar indivíduos
criativos, é importante atentar para um detalhe fundamental. (DUARTE, 2001, p.
38).
As competências aparecem ao longo de todo o documento da BNCC. Esta elegeu
dez competências gerais da Educação Básica
4
, bem como competências de cada área do
conhecimento e, também, competências de cada componente curricular. Por
competência, a BNCC traz a seguinte definição “[...] a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e sócioemocionais),
atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno
exercício da cidadania e do mundo do trabalho.” (BRASIL, 2018, p. 8).
Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagicas devem
estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da
indicação clara do que os alunos devem ‘saber’ (considerando a constituição de
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem
“saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades,
atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do
pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das
competências oferece referências para o fortalecimento de ações que
assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC. (BRASIL, 2018, p.
13).
Ao considerar competências como tratamento pedagógico de conteúdos, como
dito anteriormente, o intuito do Governo Federal é alinhar as políticas educacionais
brasileiras às políticas globalistas que advogam para a Educação, valores internacionais.
Ao definir essas competências, a BNCC reconhece que a ‘educação deve
afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da
sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e, também, voltada para
a preservação da natureza’ [...], mostrando-se também alinhada à Agenda 2030
da Organização das Nações Unidas (ONU). (BRASIL, 2018, p. 8).
Para entendermos melhor as políticas globalistas, recorremos ao documento
denominado como “Agenda 2030”. Ela busca alinhar o que se considera as três
dimensões do desenvolvimento sustentável: Economia, Sociedade e Meio Ambiente.
4
As dez competências da Educação Básica propostas pela BNCC estão previstas em: (BRASIL, 2018, p. 9).
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Nesta agenda, são estabelecidos 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169
metas que objetivam ser alcançadas até o ano de 2030.
É importante destacar que embora no documento seja possível encontrar críticas
às mazelas sociais, políticas e econômicas pelas quais passam grande parte da população
mundial, em momento algum, no corpo do texto, faz-se referência às causas geradoras
de tais mazelas. A saber: a exploração da força de trabalho e do meio ambiente pelo
capital.
No campo educacional, a “Agenda 2030” procura, por meio de “ações de
governanças globais sustentáveis” em um mundo extremamente desigual e perigoso,
diminuir as diferenças sociais. Assim, o foco das atenções à “nova governança” é dado às
nações em desenvolvimento onde as crianças em idade escolar são as mais atingidas.
Comprometemo-nos a fornecer a educação inclusiva e equitativa de qualidade
em todos os níveis na primeira infância, no primário e nos ensinos secundário,
superior, técnico e profissional. Todas as pessoas, independentemente do sexo,
idade, raça, etnia, e pessoas com deficiência, migrantes, povos indígenas,
crianças e jovens, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade, devem
ter acesso a oportunidades de aprendizagem ao longo da vida que os ajudem a
adquirir os conhecimentos e habilidades necessários para explorar
oportunidades e participar plenamente da sociedade. Faremos o possível para
proporcionar às crianças e jovens um ambiente que propicie a plena realização
dos seus direitos e capacidades, ajudando nossos países a colher dividendos
demográficos, inclusive por meio de escolas seguras e de comunidades e
famílias coesas. (ONU, 2015, p. 7).
Sem embargo, o sentido que é dado às crianças e aos jovens quanto às
possibilidades de “explorar oportunidades e participar plenamente da sociedade” está
voltada à formação do cidadão, porém ocorre por via do mercado de trabalho. Ou seja, a
incorporação das pessoas a uma sociedade de direito, passa, principalmente, pela via de
sua força de trabalho:
Nós procuramos construir fundamentos econômicos robustos para todos os
nossos países. Crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável é
essencial para a prosperidade [...] Vamos trabalhar para construir economias
dinâmicas, sustentáveis, inovadoras e centradas nas pessoas, promovendo o
emprego dos jovens e o empoderamento econômico das mulheres, em
particular, e o trabalho decente para todos. [...] Todos os países podem se
beneficiar de ter uma força de trabalho saudável e bem-educada com o
conhecimento e as habilidades necessárias para o trabalho produtivo e
gratificante e a plena participação na sociedade. (ONU, 2015, p. 8).
A “Agenda 2030” é, no nosso entender, uma autorregulação do próprio capital e
de suas forças produtivas por meio, dentre outros, da Educação. Nesse sentido, os
Estados devem assegurar “[...] a igualdade de acesso para todos os homens e mulheres à
educação técnica, profissional e superior de qualidade, a preços acessíveis, incluindo
universidade.” (ONU, 2015, p. 20).
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Observe que embora se planeje ampliar as possibilidades de acesso no ensino
técnico, bem como no superior (universidades e faculdades), não se vislumbra nessa
possibilidade, um ensino público e gratuito. Está explícito que os preços devem ser
praticados, de modo acessível. Acessível a todos? Assim sendo, a participação do Estado
no fomento de novas possibilidades de estudos se dá por meio de bolsas de estudos e
não por meio da criação de vagas em universidades e faculdades públicas.
[....] substancialmente ampliar globalmente omero de bolsas de estudos para
os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos,
pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países africanos, para o
ensino superior, incluindo programas de formação profissional, de tecnologia da
informação e da comunicação, técnicos de engenharia e programas científicos
em países desenvolvidos e outros países em desenvolvimento. (ONU, 2015, p.
20).
Nesse sentido, ao alinhar as políticas educacionais nacionais às diretrizes
internacionais, como dissemos anteriormente, a BNCC utiliza-se amplamente de um
certo entendimento de competência. Surgida na década de 1970, no ramo empresarial, tal
entendimento foi utilizado para designar características que um indivíduo deve possuir
no exercício de suas atividades laborais. Décadas mais tarde, este entendimento foi
trazido ao campo educacional para tentar superar as deficiências escolares e atender as
necessidades de mercado.
Embora audível e bastante palatável, principalmente nos meios extra muros das
universidades, tal ideia de competência esconde um nocivo e perverso viés educacional,
com tendências direitistas que individualizam o insucesso escolar dos alunos, eximindo
ao mesmo tempo, o Estado e as instituições educacionais.
Neste sentido, Sacristán afirma que, ao se recorrer à noção de competências, isto:
[...] permite individualizar os problemas, tornando invisíveis as estruturas
econômicas, políticas, militares, culturais e educacionais com as quais se
constrói a opressão. Em educação, essa psicologização [a utilização da noção de
competência] permite deixar à margem a análise mais crítica dos conteúdos a
serem ensinados e aprendidos nas escolas, centrando-se prioritariamente nas
capacidades. Esse discurso das capacidades aparece com tons progressistas,
que coincide com as críticas que a esquerda vinha fazendo à educação que
doutrinava impondo alguns conteúdos completamente enviesados e
desconectados da atividade; eram umas ‘pseudo verdades’ sobre como era ao
mundo e, implicitamente, como deveria ser. Conteúdos que os diferentes
movimentos progressistas de esquerda vinham demonstrando que contribuíam
para formar modelos de sociedade patriarcais, racistas, sexista, classistas,
imperialistas, militaristas, homofóbicos, religiosos, urbanos porque assim eram
as verdades que a escola e os livros didáticos impunham. (SACRISTÁN, 2011, p.
163).
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Na BNCC, as competências visam, em teoria, contemplar um desenvolvimento
pleno dos alunos, ou seja, que abarque todos os âmbitos da vida do estudante. O que se
propõe é a formação integral da pessoa. No campo pessoal, atitudes e valores; no campo
educacional, práticas cognitivas e, no campo social, atitudes e valores voltados à vida e,
principalmente, ao mundo do trabalho. Em suma, essas competências permitirão aos
alunos, no momento oportuno, dar as devidas respostas aos problemas que a vida lhes
apresentar.
As amplas categorias de competências constantes na BNCC vão ao encontro das
competências chaves advogadas por agências internacionais, tais como: a Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a União das Nações Unidas
para a Educação (UNESCO) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). (BITTENCOURT,
2017, p. 555).
O marco conceitual do Projeto DeSeCo para competências-chave classifica
essas competências em três grandes categorias. Primeiro, os indivíduos devem
ser capazes de usar uma ampla gama de ferramentas para interagir
efetivamente com o ambiente: tanto físico quanto em tecnologia da informação
e sociocultural, bem como no uso da linguagem. Eles precisam entender essas
ferramentas amplamente, como adaptá-las a seus próprios propósitos, usar as
ferramentas de forma interativa. Em segundo lugar, em um mundo cada vez
mais interdependente, os indivíduos precisam ser capazes de se comunicar com
os outros e, como encontrarão pessoas de diversas origens, é importante que
eles possam interagir em grupos heterogêneos. Terceiro, os indivíduos precisam
ser capazes de assumir a responsabilidade de administrar suas próprias vidas,
colocando suas vidas em um contexto social mais amplo e agindo de forma
autônoma. (OCDE, 2006, p. 4, tradução nossa)
5
.
Em consonância com o projeto DeSeCo (Definição e Seleção de Competências-
Chaves), a BNCC, ao estabelecer a formação do estudante por meio de competências,
visa a formação integral do aluno. Esta formação, no entanto, trata-se de uma maneira
um tanto tosca no trato e no desenvolvimento cognitivo. Trata-se de uma “reprodução
fundamentalmente memorialista” em que o aluno, apreende um capital cultural
institucionalizado, “estático, abstrato, retórico e estéril” (GÓMEZ, 2011, p. 92).
A Educação integral advogada pela BNCC aparece como se tivesse surgido a
partir de uma nova demanda imposta pelas transformações sociais, as quais impõem ao
5
[No original] “El marco conceptual del Proyecto DeSeCo para competencias clave clasifica dichas
competencias en tres amplias categorías. Primero, los individuos deben poder usar un amplio rango de
herramientas para interactuar efectivamente con el ambiente: tanto físicas como en la tecnología de la
información y socio culturales como en el uso del lenguaje. Necesitan comprender dichas herramientas
ampliamente, cómo para adaptarlas a sus propios fines, usar las herramientas de manera interactiva.
Segundo, en un mundo cada vez más interdependiente, los individuos necesitan poder comunicarse con
otros, y debido a que encontrarán personas de diversos orígenes, es importante que puedan interactuar en
grupos heterogéneos. Tercero, los individuos necesitan poder tomar la responsabilidad de manejar sus
propias vidas, situar sus vidas en un contexto social más amplio y actuar de manera autónoma.” (OCDE,
2006, p. 4).
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aluno, como sujeito histórico, o desenvolvimento de competências ligadas não apenas ao
“acúmulo de informações”. Neste sentido, o aluno deve estar preparado para:
“comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo,
resiliente, produtivo e responsável, requer muito mais do que o acúmulo de
informações.” (BRASIL, 2018, p. 14).
A formação educacional do aluno, como indivíduo, deixa de ser Educação datada,
isto é, limitada apenas ao período escolar e passa a ser inerente ao viver. Requer, assim,
o aprendizado constante por meio do desenvolvimento de competências “para aprender
a aprender” (BRASIL, 2018, p. 14). Destarte, a BNCC coloca-se como uma resposta às
demandas sociais surgidas da sociedade contemporânea.
Nesse contexto, a BNCC afirma, de maneira explícita, o seu compromisso com a
educação integral. Reconhece, assim, que a Educação Básica deve visar à
formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a
complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões
reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a
dimensão afetiva. Significa, ainda, assumir uma visão plural, singular e integral
da criança, do adolescente, do jovem e do adulto considerando-os como
sujeitos de aprendizagem e promover uma educação voltada ao seu
acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades
e diversidades. (BRASIL, 2018, p. 14, grifo do original).
Fica evidente, aqui, a relação existente entre Educação e a chamada Sociedade do
Conhecimento e da Informação. Considerando essa realidade, novas demandas surgem
na formação do indivíduo. A escola, porém, que detém seus saberes e sua importância
histórica consolidada há séculos, passa a ser questionada quanto à sua eficácia e, até
mesmo, quanto a sua legitimidade como entidade detentora de um capital cultural
institucionalizado. Assim como a escola, o professor também passa a ter seu papel
questionado e relativizado diante das inúmeras fontes de informação que parecem
ensinar tudo a todos que acessarem a internet.
Estamos, no nosso entender, diante de uma nova reestruturação social; de novos
posicionamentos e valores. Não se trata, apenas, de um processo de reforma
educacional, mas sim de transformação que influi em quem somos, como agimos, como
pensamos e como lidamos e vivemos em sociedade.
Sobre os desafios educacionais, Gómez lembra que:
[...] as mudanças aceleradas no flexível e fluido mercado de trabalho, assim
como as inovações permanentes nas mediações tecnológicas, estão provocando
a mobilidade incessante nas especializações profissionais e a necessidade
constante de reciclagem e formação. O desafio para o sistema educativo e para
a instituição escolar é de tal natureza que questiona a sua estrutura e o seu
funcionamento tradicional. (GÓMEZ, 2001, p. 136).
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523
Se até então a utilização do termo competência era, na legislação educacional
brasileira, uma possibilidade, a partir da BNCC ela se torna uma realidade. As
competências hoje, ainda que de maneira disforme, tal como a um Frankenstein, o um
rosto, um corpo com cabeça, troncos e pés à Educação nacional. Destarte, na seção
seguinte deste artigo analisamos como é pensado o ensino de História nos anos finais do
Ensino Fundamental.
O ensino de História na BNCC dos anos finais do Fundamental
A disciplina de História, como componente curricular, está inserida na Base
Nacional Comum Curricular, na área de Ciências Humanas. Tal como as demais áreas de
conhecimento apresentadas (Linguagens, Ciências da Natureza, Matemática, Ensino
Religioso), as Ciências Humanas possuem um quadro de competências específicas.
Para o documento, a disciplina de História “[...] contribui para que os alunos
desenvolvam a cognição in situ, ou seja, sem prescindir da contextualização marcada
pelas noções de tempo e espaço, conceitos fundamentais da área.” (BRASIL, 2018, p.
353, grifo do original).
Para tanto, a BNCC associa o ensino de competências da área de História junto às
outras áreas, como a de Geografia, por exemplo, uma vez que a “[...] abordagem das
relações espaciais e o consequente desenvolvimento do raciocínio espaço-temporal no
ensino de Ciências Humanas devem favorecer a compreensão, pelos alunos, dos tempos
sociais e da natureza e de suas relações com os espaços.” (BRASIL, 2018, p. 353).
A História, junto às outras Ciências Humanas, teria a incumbência de oportunizar
aos educandos um pensamento crítico capaz de entender o mundo que o cerca, as
relações sociais vividas tornando-os mais “[...] aptos a uma intervenção mais responsável
no mundo em que vivem.” (BRASIL, 2018, p. 354).
As Ciências Humanas devem, assim, estimular uma formação ética, elemento
fundamental para a formação das novas gerações, auxiliando os alunos a
construir um sentido de responsabilidade para valorizar: os direitos humanos;
o respeito ao ambiente e à própria coletividade; o fortalecimento de valores
sociais, tais como a solidariedade, a participação e o protagonismo voltados
para o bem comum; e, sobretudo, a preocupação com as desigualdades sociais.
Cabe, ainda, às Ciências Humanas cultivar a formação de alunos
intelectualmente autônomos, com capacidade de articular categorias de
pensamento histórico e geográfico em face de seu pprio tempo, percebendo
as experiências humanas e refletindo sobre elas, com base na diversidade de
pontos de vista. (BRASIL, 2018, p. 354, grifo do original).
A História ocupa um espaço importante no processo formativo de crianças e
jovens. No Ensino Fundamental tem como um de seus objetivos:
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[...] estimular a autonomia de pensamento e a capacidade de reconhecer que os
indivíduos agem de acordo com a época e o lugar nos quais vivem, de forma a
preservar ou transformar seus hábitos e condutas. A percepção de que existe
uma grande diversidade de sujeitos e histórias estimula o pensamento crítico, a
autonomia e a formação para a cidadania. (BRASIL, 2018, p. 400, grifo do
original).
A disposição dos conteúdos no Ensino Fundamental dificulta bastante a vida tanto
do professor quanto dos alunos. Da maneira como está estruturado o ensino de História,
como dito anteriormente neste artigo, faz-se “tábula rasa do passado”.
Concordamos com as críticas realizadas pelo historiador Jean Chesneaux, sobre o
uso do passado, quando ele afirma que:
O passado é ao mesmo tempo um jogo de lutas e um elemento constitutivo da
relação de forças políticas. Todavia, no seio do ‘movimento’, no sentido
americano do termo, quer dizer, de todos aqueles que lutam à sua maneira
contra o sistema, sejam militantes ‘organizados’ ou franco-atiradores, não é
sempre que se tem cuidado em relação às armadilhas do discurso histórico
dominante. Canta-se ‘Devemos fazer tábula rasa do passado!’, mas aceitam-se
muito facilmente as falsas evidências do saber histórico, o recorte cronológico
por fatias, o gosto pela narrativa do passado, a autoridade do texto impresso, a
dissociação entre os documentos e os problemas ou a utilização acrítica dos
trabalhos dos especialistas. (CHESNEAUX, 1995, p. 12).
Os procedimentos de ensino e aprendizagem de História, para a BNCC, pautam-se
em três aspectos básicos:
1. Pela identificação dos eventos considerados importantes na história do
Ocidente (África, Europa e América, especialmente o Brasil), ordenando-os de
forma cronológica e localizando-os no espaço geográfico. 2. Pelo
desenvolvimento das condições necessárias para que os alunos selecionem,
compreendam e reflitam sobre os significados da produção, circulação e
utilização de documentos (materiais ou imateriais), elaborando críticas sobre
formas já consolidadas de registro e de memória, por meio de uma ou várias
linguagens. 3. Pelo reconhecimento e pela interpretação de diferentes versões
de um mesmo femeno, reconhecendo as hipóteses e avaliando os argumentos
apresentados com vistas ao desenvolvimento de habilidades necessárias para a
elaboração de proposições próprias. (BRASIL, 2018, p. 416, grifo nosso).
Ao lermos os procedimentos, evidenciamos um caráter extremamente tímido da
reforma proposta pela BNCC. Ainda se defende uma história positiva. Positiva, aqui, no
pior sentido que esse termo pode ter para um historiador ou professor! Não rompe com
a cronologia. Para a BNCC, o ensino de História deve ser cronológico; é elitista e
qualitativo; não se preocupando, ainda, “com os de baixo”.
Isso contribui para que alunos, e até mesmo professores, tenham uma visão
parcial da História, visando, apenas, pontos bastante específicos dela. Se observarmos, a
maneira como está posto, este procedimento de trabalho pode induzir alunos e
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professores a erros analíticos, adquirindo até mesmo uma ingênua visão sobre os fatos
históricos.
Ainda com a reforma advinda por meio da publicação da BNCC, a visão
cronológica da história permanece. Ao detalhar as situações de aprendizagem em sala de
aula leem-se as temáticas a História está presa à periodização histórica.
As temáticas enunciadas na BNCC, do 6º ao ano, são, resumidamente, as
seguintes: [...] No 6º ano, contempla-se uma reflexão sobre a História e suas
formas de registro. São recuperados aspectos da aprendizagem do Ensino
Fundamental Anos Iniciais e discutidos procedimentos próprios da História, o
registro das primeiras sociedades e a construção da Antiguidade Clássica, com a
necessária contraposição com outras sociedades e concepções de mundo. No
mesmo ano, avança-se ao período medieval na Europa e às formas de
organização social e cultural em partes da África. (BRASIL, 2018, p. 417).
Infelizmente, essa visão cronológica da História se estende pelos quatro anos em
que o aluno permanece no Ensino Fundamental. O “ídolo cronológico”, tal como criticava
Simiand, no século XIX, ainda vigorará com a BNCC passando ao aluno a falsa ideia de
que a História nada mais é do que “[...] uma sequência ininterrupta em que todas as
partes aparecem semelhantemente estabelecidas” (SIMIAND, 2003, p. 114).
Ora, como lembra Bloch, “[...] a História não é a relojoaria ou a marcenaria. É um
esforço para conhecer melhor: por conseguinte, uma coisa em movimento” (BLOCH,
2001, p. 46). Ela não é estanque nesse segmento, porém, engessam-se as temáticas a ser
ensinadas no Ensino Fundamental. Há o predomínio, do que na década de 1980 se
convencionou chamar de “pedagogia dos conteúdos”, reinante nas escolas das elites da
época.
O segundo procedimento versa sobre o uso de fontes históricas, já o terceiro
consiste, ao fim e ao cabo, em um método comparativo da História no qual professor e
aluno analisam, em sala de aula, “[...] duas ou mais proposições que analisam um mesmo
tema ou problema por ângulos diferentes.” (BRASIL, 2018, p. 419). Em relação àquele
ponto, consideramos um avanço reconhecê-lo fonte historiográfica como diferentes
linguagens que devem ser bem usadas por professores em sala de aula.
Com propriedade, a professora Guimarães (2012) corrobora o estabelecimento de
diferentes fontes e linguagens no trabalho do professor em sala de aula. Assim, vale a
pena ressaltar suas afirmações quanto ao uso de fontes históricas em sala de aula:
O professor, no exercício cotidiano de seu ofício, incorpora noções, saberes,
representações, linguagens do mundo vivido fora da escola, na família, no
trabalho, nos espaços de lazer, na mídia etc. como reafirmamos em vários
textos, a formação do aluno/cidadão se desenvolve ao longo de sua vida nos
diversos espaços de vivência. Logo, todas as linguagens, todos os veículos e
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artefatos, frutos de múltiplas experiências culturais, contribuem para a
produção/difusão de saberes históricos, responsáveis pela formação do
pensamento, tais como os meios de comunicação de massa internet, rádio,
TV, imprensa em geral , imagens, literatura, cinema, tradição oral, objetos
monumentos, museus etc. [...] Ao incorporarmos diferentes linguagens no
processo de ensino de História, reconhecemos não só a estreita ligação entre os
saberes escolares, as culturas escolares e o universo cultural mais amplo, mas
também a necessidade de (re)construirmos nossas concepções pedagógicas.
(GUIMARÃES, 2012, p. 258- 259).
A maneira como estão organizados os conteúdos propostos à documentação não
é capaz, sozinha, de superar a visão eurocêntrica que os distorce. Ademais, o problema,
porém, é que tais abordagens exigem, como aponta Guimarães (2012), constante
formação e atualização do professorado que, no geral, no Brasil, não recebem adequada
formação inicial e continuada. Estados e municípios pouco investem na formação de seus
professores (FRANCO; SILVA JÚNIOR; GUIMARÃES, 2018, p. 1024).
Os três procedimentos já referidos podem, somados, gerar nos professores e seus
alunos, o que se considera “atitude historiadora”. Professores e alunos poderão se
tornar, segundo a BNCC, “[...] agentes do processo de ensino e aprendizagem.” (BRASIL,
2018, p. 398), ou seja, aprendizado e ensino, dependem, ao que fica subentendido, única
e exclusivamente do desempenho de professores e alunos. Eximindo, assim, os poderes
públicos de suas responsabilidades educacionais e, principalmente, do fracasso de
ambos.
Nesse contexto, um dos importantes objetivos de História no Ensino
Fundamental é estimular a autonomia de pensamento e a capacidade de
reconhecer que os indivíduos agem de acordo com a época e o lugar nos
quais vivem, de forma a preservar ou transformar seus hábitos e condutas. A
percepção de que existe uma grande diversidade de sujeitos e histórias estimula
o pensamento crítico, a autonomia e a formação para a cidadania. (BRASIL,
2018, p. 400. Ênfase no original).
Na condição de processo formativo do alunado, a BNCC elenca os seguintes
aspectos: identificação, comparação, contextualização, interpretação e análise de um
objeto estimulam o pensamento (BRASIL, 2018, p. 398). Todos eles, todavia, antes de
serem colocados em prática por parte do professor, que se leve em consideração o
capital cultural do aluno.
Considerações finais
Como procuramos demonstrar, ao longo do presente artigo, a BNCC, enquanto
um documento normativo a ser estabelecido nas várias esferas: federal, estaduais e
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municipais e que visa nortear a elaboração dos currículos traz, em seu bojo, várias
limitações a professores e alunos no cotidiano escolar.
Como componente curricular, a História Escolar tem seu espaço garantido na
BNCC. A proposta, porém, é fortemente marcada pela ausência de claros referenciais
teóricos e metodológicos que nortearam sua elaboração. Tal documento, no nosso
compreender, traz no corpo de seu texto, um empobrecimento teórico marcado pela
nomeação de conceitos sem um maior rigor epistemológico e reflexão crítica.
Embora pautada em princípios democráticos e com uma roupagem moderna, a
BNCC não consegue inovar no ensino de História. Problemas antigos deste componente
curricular ainda perduram. Como exemplo, podemos citar a visão eurocêntrica de
História. Esta é colocada como um caminho único de desenvolvimento e estudo histórico.
As situações de aprendizagem apresentadas como habilidades a serem desenvolvidas na
sala de aula, por professores e alunos, são também, extremamente conteudistas, o que
em nada inova o ensino fundamental no país.
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