SANTOS, Vitor Luis Marques dos
*
RESUMO: O presente texto, sem qualquer
pretensão exaustiva ou totalizante, objetiva
refletir, por meio de pesquisa bibliográfica e
documental, a formação do campo disciplinar
da história do direito no Brasil, nas últimas
décadas, analisando as contribuições teóricas
que enfatizam o reconhecimento deste saber
na busca pela relativização/desmistificação
do paradigma jurídico hegemônico. Apesar da
necessidade de construção de narrativas
históricas que rechacem os valores
positivistas, anacrônicos e etnocêntricos
terem avançado, as demandas pelo
enfrentamento ao epistemicídio jurídico e por
novas práticas curriculares têm exigido uma
maior diversificação de abordagens teórico-
metodológicas de investigação dos
fragmentos da chamada cultura jurídica
brasileira, sobretudo ao problematizar os
processos de silenciamento e invisibilização
das dinâmicas étnico-raciais e de gênero em
torno da produção teórica da história do
direito.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Jurídica;
Epistemologia Jurídica; História do Direito.
ABSTRACT: The present text, without any
exhaustive or totalizing claim, aims to
reflect, through bibliographic and
documentary research, the formation of the
disciplinary field of the history of law in
Brazil, in the last decades, analyzing the
theoretical contributions that emphasize the
recognition of this knowledge in the search
for the relativization / demystification of the
hegemonic legal paradigm. Despite the need
to build historical narratives that reject
positivist, anachronistic and ethnocentric
values have advanced, the demands for
confronting the legal epistemicide and for
new curricular practices have required a
greater diversification of theoretical and
methodological approaches to the
investigation of fragments of the so-called
legal culture Brazilian, especially when
problematizing the processes of silencing
and invisibility of ethnic-racial and gender
dynamics around the theoretical production
of the history of law.
KEYWORDS: Legal Education; Legal
epistemology; History of Law.
Recebido em: 09/03/2020
Aprovado em: 15/04/2020
Introdução
* Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, mestrando em Direito pelo
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, Brasília-DF. Pesquisador do Memorial
da Faculdade de Direito da UFBA e do Programa Direito e Relações Raciais (PDRR/UFBA). E-mail:
vitormarques1994@gmail.com. Este artigo constitui um extrato do Trabalho de Conclusão de Curso
defendido pelo pesquisador e aprovado pela Banca de Monografia, em 10 de dezembro de 2019, no âmbito
do Programa de Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia.
É cada vez mais crescente a reflexão acerca do processo histórico de construção
das balizas teóricas-metodológicas-simbólicas-epistemológicas que sedimentam a
educação jurídica nacional. Pensar a própria historicidade da educação jurídica
apresenta-se como um elemento central para o debate travado há algumas décadas
sobre o reposicionamento do próprio olhar em relação ao direito, cujos processos e
localizações políticas ambíguas ao longo da história acabaram por gerar a desconfiança
de determinados grupos sociais, que, malgrado a ausência ou pouca presença nos
espaços formais de produção jurídica, sempre tiveram as suas vidas afetadas
diametralmente pelo poder de normatização e violência intrínseco ao mesmo.
Nesse ínterim, o presente texto é parte de uma reflexão mais ampliada a respeito
de algumas contribuições teóricas que discutem a construção do campo da teoria
historiográfica do direito e os lugares ocupados por essa historiografia no Brasil nas
últimas décadas, perguntando qual o papel deste saber frente à cultura jurídica
contemporânea.
Para tanto, aqui, faz-se mister contextualizar o debate crítico sobre as práticas
curriculares hegemônicas em torno da educação jurídica e os processos de disputa pela
afirmação da autonomia/relevância da historiografia jurídica para a formação discente.
Vasta literatura, nacional e estrangeira, já se debruçou por meio de diversos
trabalhos na análise e discussão referentes à formação do campo disciplinar da história e
da própria história do direito, refletindo os seus aspectos teóricos e metodológicos, cujos
instrumentos são essenciais para a formação do historiador/ historiador do direito, para
compreensão do seu campo de investigação e a relação que ambos constroem
dialeticamente.
O exemplo do alargamento dessa percepção são os diagnósticos recentes que
evidenciam, a partir dos anos 2000, uma retomada cada vez mais crescente de
desconstrução dos papéis meramente instrumentais atribuídos à teoria da história que,
segundo Assunção e Gonçalves (2020), por forte influência da primeira geração dos
Annales, foi relegada a outros campos de conhecimento (como a filosofia, a antropologia
etc.), enquanto o método e a empiria eram severamente alavancados como etapa mais
relevante para a construção do conhecimento histórico.
Aproximando esse debate para o âmbito da teoria historiográfica do direito, é
cada vez mais presente a assinalação da necessidade de problematizar os usos da
história dos conceitos, das abordagens metodológicas das pesquisas e mesmo de
garantia da variedade epistêmica como formas de enfrentamento aos discursos que
apontam à teoria o lugar de “desnecessidade” na produção do conhecimento jurídico.
Sem tomar este ponto de partida, dificilmente o historiador, sobretudo o
historiador do direito, conseguirá apropriar-se do cabedal de chaves conceituais, teorias,
paradigmas, métodos e abordagens utilizadas pela comunidade científica que conforma a
disciplina, cuja síntese foi definida por José Barros D’Assunção por meio da expressão
“consciência historiográfica” (2013), ou seja, a tomada de conhecimento acerca do
acúmulo constituído dentro do campo disciplinar onde o pesquisador pretende atuar.
Mesmo com a interpenetração espontânea entre estas, o autor chama atenção de
que teoria, metodologia e historiografia são aspectos específicos, onde esta última pode
ser compreendida como a reunião do conjunto de análises e trabalhos realizados pelo
campo da história ao longo do tempo, organizada sistematicamente e caracterizando a
autonomia da disciplina enquanto saber científico.
1
Por óbvio, cabe registrar que está se reportando a uma forma muito específica de
narrativa histórica, na qual a própria tradição teórico-metodológica está
geograficamente e temporalmente localizada, visto que foi constituída no bojo da
tradição do conhecimento formal europeu, cuja tradição foi erigida com o aparato
político, intelectual, simbólico e social gerado na chamada modernidade colonial
eurocêntrica (GROSFOGUEL, 2016) que, apesar da sua pretensão universalista, deve ser
encarada, apenas, como uma das formas possíveis de discutir a experiência cultural
pretérita de uma dada sociedade, não sendo a única forma passível de ser legítima.
Desse modo, para a realização deste trabalho, foi estabelecido um corpus
literário
2
centrado em três frentes de análise: (i) diálogo com as contribuições teóricas
que discutam os sentidos atribuídos à teoria do direito e da história do direito no
enfrentamento aos marcos constitutivos do paradigma jurídico hegemônico; (ii) a
genealogia da formação do campo disciplinar jushistórico no Brasil, nas últimas décadas;
(iii) e os processos de disputa tanto pela inserção da história do direito nos currículos
dos cursos jurídicos, quanto sobre os caminhos e escolhas teórico-metodológicas que
1
Por esse caminho, consideramos que é importante a observação das narrativas acerca da formação das
escolas historiográficas ocidentais, como via de entendimento dos processos de avanços e limites
ocorridos na sedimentação dos elementos que caracterizam a cientificidade do campo do conhecimento
histórico constituído pela tradição europeia. Assim, chama-se atenção para o conjunto de produções sobre
as escolas historiográficas que integram a historicidade da própria disciplina histórica, dentre elas, a
discussão sobre a era do positivismo histórico, as diferentes gerações da Escola de Annales, o
materialismo histórico, a história cultural, dentre outros.
2
Para Carlos Ceia (2009), a definição da expressão corpus pode remeter à compreensão do conjunto de
obras de um determinado autor ou escola literária, assim como o procedimento empregado em
determinada abordagem investigativa, passando pela escolha de um conjunto de textos mais
representativo para compreensão de determinado cânone ou tese.
amplifiquem a diversidade de categorias analíticas e experiências de investigação
necessárias para pensar a cultura jurídica.
3
Assim, estabeleceu-se um conjunto de trabalhos reconhecidos no âmbito da teoria
historiográfica do direito, compreendidos enquanto fontes secundárias, ao passo que foi
realizado o diálogo com os documentos normativos (anais legislativos, leis e atos
administrativos) relativos à institucionalização dessa disciplina nas faculdades de direito.
Conforme apontado no resumo, espera-se que esse texto possa ser acolhido pelo
conjunto de pesquisadoras/es que têm se aproximado da análise da historicidade do
direito, ainda que não necessariamente sejam integrantes do chamado campo jurídico
stricto sensu.
É preciso amplificar as margens para uma intervenção transdisciplinar que opere
a descristalização do direito enquanto saber acessado/manuseado apenas por quem
detém a formação jurídica realizada nas faculdades de direito, principalmente no âmbito
da historiografia, onde, malgrado as práticas e instituições jurídicas sejam sempre
mobilizadas como espaços de produção histórica, ainda vigem muitas abordagens e
simbologias que reduzem o potencial da cultura jurídica a padrões legalistas e
estatalistas.
A busca pela relativização do direito frente ao paradigma jurídico hegemônico
A tradição dos estudos críticos da teoria geral do direito sempre aponta como
difícil a tarefa de definição de um conceito exato para o que este venha ser, sem que esta
suposta definição implique em uma simplificação, reducionismo ou essencialização do
mesmo a um dado conjunto de valores localizados em uma determinada espacialidade-
temporalidade.
Em obra clássica, Roberto Lyra Filho (2012) aponta que, talvez mais dificultoso do
que apresentar uma noção objetiva sobre o que o direito é, seja desconstruir o conjunto
de imagens, símbolos e posições ideológicas impostas como fora chamado pelo autor de
“retrato fiel” sedimentado no senso comum.
A noção de direito enquanto um conjunto de disposições normativas, impostas
pela força hierárquica de uma autoridade política, vinculando e regulando os
comportamentos sociais de uma dada comunidade, na qual o descumprimento dessa
medida pode gerar o sofrimento de uma punição, hegemonizou o pensamento de muitas
3
A primeira etapa desta pesquisa, qual seja, análise das obras selecionadas para discussão no corpo do
texto monográfico, ocorreu entre os meses de julho e novembro de 2019.
gerações de sujeitos e instituições, além da própria sociedade civil, que muitíssimas
vezes percebia o direito enquanto um inimigo das lutas e demandas sociais por direitos e
liberdades.
Com o avançar das décadas, a noção reducionista do direito enquanto “ordem
normativa” passou a sofrer processos articulados de crítica, afirmando a necessidade de
ampliação da escala de observação do fenômeno jurídico e mesmo de atuação dos
sujeitos históricos, ponderando que, para além de normas jurídicas, o direito é, em
verdade, resultado de um complexo processo cultural, que reúne aspectos políticos,
sociais, econômicos, antropológicos, simbólicos, performáticos, narrativos, institucionais
e que varia bastante a partir da localização de onde ele é emanado.
Nas palavras de J.J. Calmon de Passos (2003), ao pensar o direito, é imprescindível
situá-lo no universo da ação
4
, significando que este não nos é conferido pela Natureza,
nem muito menos pode reificar-se e/ou autonomizar-se da ambiência geradora dele
próprio, como um produto. Ainda neste ponto, o autor acrescenta:
Ao pensar o Direito, ingressamos numa dimensão diferente (nova) da realidade.
Antes, o mundo do ser da matéria e da concreção, onde operam o labor e o
trabalho; agora, o mundo do dever ser, dos valores, da ética, construção do
homem, um tecido de comunicações, realidade indissociável da compreensão e
do querer humanos, incapaz de ser faticamente e subsistir dissociado do(s)
sujeito(s) do seu querer. [...] Com o Direito, também produto do operar do
homem, tudo se passa diferentemente. Aqui, o produto jamais se reifica, adquire
autonomia e se dissocia de seu produtor; mais que isto, existe e dele se pode
falar, em termos de efetividade, enquanto associado ao seu produtor e enquanto
processo. (PASSOS, 2003, p. 23-24).
A percepção do direito enquanto um elemento parte da cultura, construído,
gestado pela ação humana e dotado de uma historicidade própria evocou a necessidade
de rompimento com determinadas abordagens que sustentavam uma suposta
essencialização universal deste no mundo ocidental, bastante centrado na experiência
socioinstitucional produzida a partir da modernidade europeia. A modernidade, a partir
das modificações provocadas nas relações materiais e simbólicas, imprimiu, também,
novas perspectivas de juridicidade, que segundo Ivana Freitas e Samuel Vida, podem ser
anuídas a partir das seguintes características:
4
Calmon de Passos dialoga com a tipologia da condição humana, discutida na obra da filósofa Hannah
Arendt (2007), segundo a qual o ser humano desenvolve a sua presença existencial no âmbito da
comunicação, da reflexão de si e do mundo, sendo esta uma característica radicalmente diferenciadora dos
demais seres vivos existentes, que, por sua vez, não possuiriam a mesma capacidade reflexiva, posição que
pode ser alvo de diversas críticas.
racionalização contrafática das expectativas sociais, de viés individualista e
liberal, nucleada pela cultura burguesa urbana e letrada, formulada inicialmente
como jusnaturalismo racional, em franca oposição aos conteúdos e formas do
pluralismo jurídico pré-moderno; progressiva concentração e uniformização
normativa na esfera estatal, mediante o fenômeno político do monismo jurídico;
progressivo processo de redução da juridicidade à forma legal; desenvolvimento
do constitucionalismo e afirmação da Constituição como norma fundamental
que possibilitou a relativa autonomização do sistema jurídico, dotando-o de uma
fonte normatizada de caráter político-jurídico de legitimação; desenvolvimento
processual do reconhecimento de Direitos individuais, coletivos e difusos,
apresentados como Direitos Humanos ou Direitos Fundamentais, merecedores
de especial tutela e garantias protetivas. (VIDA; FREITAS, 2017, p. 02)
Para Paolo Grossi (2010), os avanços promovidos no último século contra o
positivismo jurídico, que afirmava que o direito deveria ser compreendido tão somente
no plano da normatividade exarada pelo monismo jurídico
5
, proporcionaram a retomada
da complexidade do universo jurídico, recuperando a ligação invisibilizada entre direito e
civilização [ou direito e sociedade, como preferimos], na qual a ideia cristalizada de lei
como representação sinônima do direito é retirada do trono em que foi colocada.
Na sua esteira, esse processo teria gerado, também, o questionamento à figura de
uma personagem central para a experiência jurídica ocidental: o jurista, cujo papel
demarcado pela tradição burguesa, qualificada por Grossi como extremamente redutora,
foi a de um “exegeta de um texto normativo que resulta inteiramente estranho ao próprio
jurista, pois o mesmo de nenhum modo participou na sua produção” (GROSSI, 2010, p.
03).
Dessa maneira, a própria noção de cultura jurídica, cada vez mais difundida e
tantas vezes mencionada neste texto, carece em grande medida de uma primeira
pergunta: o que pensamos ser o direito? Qual a relação entre direito e cultura?
Ao pensar a cultura de determinada sociedade na qual o direito é gestado, o
diálogo com a categoria “cultura jurídica” problematiza justamente quais são os
elementos intervenientes da vida social na provisoriedade histórica intrínseca ao direito,
para além das normas jurídicas formais, instituições e tradições de pensamento, ao
mesmo passo em que também perquire o lugar da juridicidade na regulação/disputas das
dinâmicas sócio-históricas. É neste caminho, como aponta Narváez (2009), que a
utilidade do conceito de cultura jurídica se justifica, ao atrelar o direito justamente ao
5
Refere-se ao monismo jurídico enquanto a concentração da geração da normatividade regente de uma
determinada comunidade política em um único hipocentro de produção, irradiação, controle e legitimação
da juridicidade. No caso em análise, o Estado-Nação constituído na modernidade assumiu a tarefa de
concentrar em si a função de controle e regulação das experiências societais, em detrimento da acepção
ao pluralismo jurídico-político, onde diferentes ordens normativas coexistem no bojo de suas comunidades
incidentes, conceitos e noções autônomas.
seu centro gerador: a sociedade. Para tanto, a própria sociedade também precisa ser
percebida fora dos marcos do universalismo moderno.
Olhando para a cultura jurídica brasileira, mesmo os segmentos críticos
componentes da tradição teórica do direito esbarraram em limites epistêmicos (de
compreensão e representação da realidade) ao, em diversos momentos, negligenciarem o
lugar das relações étnico-raciais e de gênero e do racismo nas dinâmicas nacionais.
A negação da abordagem das relações raciais no âmbito do direito, como
apontado pela Profa. Dora Lúcia Bertúlio, sempre propiciou a utilização da juridicidade
na manutenção de diversos privilégios dos “detentores do poder político e econômico”,
assim como mantenedor dos privilégios raciais que a população branca acumulou ao
longo da história brasileira, inclusive no âmbito da produção e difusão das ideias,
imaginários e normatividade.
O Estado e o Direito brasileiros reproduzem o racismo da sociedade através,
especialmente, de sua superestrutura política e civil e forma a generalizar e
devolver os conceitos e estereótipos formados ao longo da vida do negro neste
país, desde sua vinda forçada da África até os dias atuais. Ainda que não se
possa detectar regras específicas contra a população negra ou favorecendo
exclusivamente a branca, fica evidenciada a teia de medidas institucionais e a
invisibilidade com que a condição de vida do negro é tratada pelas esferas
públicas. A realidade sócio-econômica brasileira, e alguns registros dela nos
Censos estatísticos feitos e orientados pelo Estado onde a marginalização e
discriminação da população negra é constatado, estão a nos provar a orientação
racista de todo o sistema estatal brasileiro. (BERTÚLIO, 1989, p. 11, grifo nosso)
Teorizar e refletir a dinâmica historiográfica se apresenta como um exercício de
deslocamento do pressuposto instalado também na cultura jurídica nacional, quando o
fazemos agregando as relações raciais ou as dinâmicas vividas em toda a diáspora
africana. As narrativas históricas que explicam o mundo ocidental e seus Estados-nações
foram produzidas no intento de legitimar e justificar o colonialismo, devendo ser um
esforço constante para todas as pessoas que disputam o campo jurídico. (QUEIROZ,
2017)
Agora, se no plano teórico é possível demonstrar cisões consolidadas na
reconfiguração do pensamento jurídico sobre um dos seus objetos primordiais, quais são
os desafios que envolvem a dificuldade, no âmbito das instituições jurídicas, em especial
as faculdades de direito, em remodelarmos a noção majoritária sobre a cultura jurídica,
que ainda permanece atrelada aos resquícios do positivismo jurídico e do paradigma
jurídico construído pela modernidade? Qual o papel da história do direito nesta disputa
instalada?
Como já dito em outra oportunidade, a retomada dos estudos de história do
direito no âmbito da educação jurídica contemporânea vem sendo acompanhada de um
processo crescente da maior profissionalização da pesquisa jurídica no Brasil, inclusive
com a expansão dos cursos de pós-graduação em direito em diversas universidades pelo
território nacional (FONSECA, 2012).
A reocupação da história do direito nos cursos jurídicos, segundo argumenta José
Reinaldo de Lima Lopes (2014), pode ser advinda do quadro de mudanças sociais pelas
quais passa a nossa sociedade nessas últimas décadas, onde a disciplina pode assumir
frente a estes processos de mudanças duas atitudes: seja a de apego ao passado
tradicional e assunção de uma postura reacionária; ou de estímulo à compreensão dos
sentidos que tais mudanças podem apresentar para a sociedade.
No âmbito do direito, foi inescusável a necessidade de estipular uma tradição
normativo-jurídica que se afastasse da lógica de autoridade, de continuidade, da
previsibilidade e do formalismo, como aponta Wolkmer:
A obtenção de nova leitura histórica do fenômeno jurídico enquanto expressão
cultural de idéias (sic), pensamento e instituições implica a reiteração das fontes
do passado sob o viés da interdisciplinaridade (social, econômico e político) e da
reordenação metodológica, em que o Direito seja descrito sob uma perspectiva
desmistificadora. (...) Assim, participa-se da preocupação constantemente
evidenciada por alguns juristas que questionam o conhecimento dogmático e
estimulam uma visualização mais sócio-política da historicidade jurídica. Aceitar
a politização das idéias (sic) e das instituições jurídicas significa superar todo e
qualquer viés metodológico representando pelo historicismo legal de cunho
formalista, erudito e elitista. (WOLKMER, 2012, p. 15-16)
Essa tarefa desenvolvida pelo historiador do direito, nomeadamente classificada
como relativizadora, visto que rechaça a imposição da autoridade dogmática e assinala o
vetor de historicidade do fenômeno jurídico, além de contribuir para o processo de
desmistificação da normatividade como valor em si, reforça a própria autonomia do
campo jurídico enquanto saber (GROSSI, 2010).
Malgrado a difusão desse pensamento que propõe uma guinada na atuação do
historiador do direito em prol de um compromisso ético-formador com o conjunto de
pressupostos que envolvem a (re)construção das bases epistemológicas da disciplina, o
processo de retomada de sua afirmação enquanto campo disciplinar não se de forma
tranquila.
A continuidade da reverberação da “neurose cultural brasileira”, cuja crença na
existência da democracia racial e negação do racismo e sexismo como sistemas de
violência constitutivos das relações sócio-culturais desse país, como apontado por Lélia
González (1984), ainda produzem no âmbito da cultura jurídica silenciamentos sobre as
lógicas de dominação empreendida ao longo da história nacional, além de promover a
invisibilização dos papéis da agência negra e dos povos originários não só na reação à
violência colonial, como também na construção de experiências alternativas a esse
modus de organização societal.
Concordando com as colocações de Nathália Cecílio (2018), apesar do papel
político desempenhado pelo direito no tratamento das relações raciais no Brasil, cabe
ainda provocá-lo a pensar formas de intervenção que garantam a equidade racial e
desmantelamento das estruturas racistas, para além das lógicas de punição dos agentes
que cometem o chamado racismo interpessoal, discriminações de cunho racial e
violências correlatas.
Desta feita, entende-se que o Direito como parte estruturante do Estado torna-
se fundamental para a difusão do discurso de unidade, das práticas de poder
efetivo, práticas de produção ideológica, padrões de comportamento e
afirmação da branquitude, bem como legitima a formação de hierarquias raciais
na sociedade, como forma de determinar quais espaços serão ocupados por
indivíduos brancos ou negros, contribuindo, ainda, para a construção dos
estereótipos raciais, que associam a figura do negro a um indivíduo subalterno,
intelectualmente limitado, imoral, desleixado e inferior.
[...] Sendo assim, ainda que o Direito se constitua como parte estruturante do
Estado fomentando a difusão de ideologias racistas e dos estereótipos raciais,
cabe a ele instituir mudanças concretas na integração desse segmento.
(CECÍLIO, 2018, p. 18-21)
Obviamente, este silêncio não foi suprimido com as contribuições destacadas acima, ao
contrário, disparou um feixe, principalmente através da pesquisas desenvolvidas no
campo do Direito e Relações Raciais, que, pari passu à introdução das relações raciais na
abordagem do direito, realiza o questionamento sistemático e relativizador das
categorias e balizas do conhecimento jurídico, sobretudo àqueles baseados na
experiência moderna eurocêntrica, propiciando um espaço para diálogo sobre
contribuições variadas das populações colonizadas à discussão sobre a cultura jurídica
brasileira.
A formação do campo disciplinar da história do direito no Brasil
A história do direito, tradicionalmente, é situada entre os limites fronteiriços da
teoria e metodologia do conhecimento histórico, mesmo o seu objeto central de estudo
sendo o direito. Definir a sua extensão exata também não nos parece tarefa fácil.
Ricardo Marcelo Fonseca (2012) argumenta que a história do direito possui, para
começar, dois caminhos possíveis de definição. Se a expressão “história do direito” for
encarada enquanto “ramo do saber”, seria possível dizer que ela é a disciplina científica
dedicada a perquirir o chamado passado jurídico, ou seja, o conjunto de elementos que
constituem a historicidade que é ínsita ao direito, visto o seu viés de participação na
cultura.
Porém, se encarado como “objeto deste saber”, a história do direito seria
justamente este complexo de elementos que serão alvo de investigações pelos
pesquisadores, dialogando com todo o arcabouço teórico-metodológico da história,
assim como com os fatos históricos relacionados à sociedade na qual o objeto jurídico
está enquadrado.
O fato da história do direito dialogar com o arcabouço constituído pela
historiografia, de pronto, não significa que ela seja uma ramificação direta do vasto
campo da ciência histórica. Assim como, por trazer como principal objeto de estudo a
juridicidade, também não concordamos com a afirmação de que apenas cultores
bacharéis em direito podem explorá-la, visto que ela integraria o conjunto de saberes da
zetética jurídica.
6
Essa discussão, a partir da distribuição do horizonte temático, muitas vezes acaba
por estabelecer lógicas de hierarquizações disciplinares que, inclusive, operam na
desqualificação do potencial de investigação jurídica de trabalhos que não optem por
estar fechados à perspectiva dogmática da tradição conceitual do direito e das
instituições jurídicas.
O desencastelamento dos saberes tradicionalmente aprisionados em caixas e a
realização do diálogo transdisciplinar têm muito a ajudar na formação de um campo de
produção científica mais democrático e plural, onde diferentes olhares sobre um mesmo
tema podem majorar a potencialidade de compreensão sobre o mesmo.
Para Wolkmer (2012), tal posição faz parte do movimento de renovação crítica na
historiografia jurídica a partir de 1970, na qual a forma de fazer a história, a partir de
paradigmas teóricos dogmatizantes, é substituída por pesquisas históricas que rechaçam
radicalmente o historicismo, como via metodológica de construção do pensamento.
O historicismo jurídico, hegemônico durante bastante tempo, sempre posicionou
os seus pressupostos de cientificidade na constituição de uma narrativa histórica
linearizada e descritiva, onde o sujeito-pesquisador, baseado no princípio da
neutralidade axiológica, constituía um discurso dotado supostamente de “objetividade” e
“exterioridade”, produzindo, a partir da sua observação, uma narrativa representativa do
real, qual seja, o passado jurídico.
6
Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2013), dialogando com a terminologia de Viehweg, define a zetética jurídica
como um enfoque de pesquisa com maior amplitude especulativa acerca das dimensões históricas,
econômicas, políticas etc. de composição do conhecimento jurídico.
Por força da tradição rankeana
7
, o historicismo jurídico ainda defendeu com muito
apreço a observação sobre as grandes personagens, os eventos e/ou grandes
acontecimentos históricos, estabelecendo um olhar histórico que não problematiza as
estruturas e extremamente valorizador das fontes jurídicas produzidas pela estatalidade
como elementos centrais da história do direito, invisibilizando o conjunto de processos
sociais providos da dinâmica societal e reduzindo a complexidade da história de um povo
a uma linha do tempo imaginária, lógica, perfeita e sucessiva. (FONSECA, 2012)
Malgrado as gerações do movimento de Annales tenham promovido discussões
centrais na remodelação da metodologia histórica, sobretudo ao afirmar a presença da
historicidade em todos os elementos socioculturais, a incorporação das críticas e novas
teses ao fazer cotidiano da história do direito no Brasil ainda vêm acontecendo.
Até a Reforma Benjamin Constant, realizada em 1891 e responsável pelo processo
de descentralização territorial do ensino jurídico pelo território nacional, por meio da
criação de diversas “faculdades livres” (criadas a partir da iniciativa privada, sendo a
Faculdade Livre de Direito da Bahia, instalada em outubro de 1891, a primeira instituição
de ensino jurídico republicano) pelo país, os cursos jurídicos não dispunham de um
componente curricular sobre história do direito.
Segundo Wolkmer (2012), só em 1891, reitera-se, foi criada a cadeira de História do
Direito Nacional, cuja primeira obra conhecida foi escrita por José Isidoro Martins Júnior,
em 1895, com título homônimo.
Por meio da publicação do Decreto 1232-H, de 02 de janeiro de 1891, o Ministério
de Instrução Pública, Correios e Telégrafos aprovou um novo regulamento das
Instituições de Ensino Jurídico, estabelecendo as regras para o reconhecimento de novos
cursos jurídicos (ROCHA, 2015), dentre elas, o reconhecimento por parte do Conselho
Superior de Instrução Pública de que a escola ofertaria os cursos seguindo todas as
disposições normativas aplicáveis às chamadas instituições oficiais (públicas), além de
garantia, por meio de inspeções periódicas, do reconhecimento da moralidade, da higiene
pública e do alcance do quantitativo mínimo de 60 estudantes matriculados por período
letivo (SANTOS, 2016).
É possível dizer que o enquadramento da historiografia jurídica no período
republicano apresentava-se em um quadro de transição entre o debate jusnaturalista e
juspositivista característico de então. A história do direito era apresentada como o
conjunto de fatos normativos-legislativos constituídos desde o período colonial, sob
7
Acepção ao historiador alemão Leopold Von Ranke, qualificado como representante do processo de
construção dos pressupostos do fazer histórico científico-profissional” no período oitocentista, em
contraposição à tradição jusnaturalista vigente.
forte influência do direito português, dispostos linearmente, onde o uso provido à
disciplina era de complementação utilitarista ao que dispunha a dogmática jurídica, que,
no período turbulento de alteração de regime de governo, muito discutia o processo
constituinte e a formação de um novo ordenamento jurídico republicano.
Ao longo do século XX, é percebido que a história do direito foi, paulatinamente,
sendo afastada dos currículos das faculdades de direito. Fonseca (2012) aponta que neste
período ocorreu uma forte influência do romanismo europeu, gerando um processo de
suposta substituição do debate jushistórico, ainda que este, mesmo no começo da
República, não possuísse um recorte teórico-metodológico próprio.
Ainda, sob o direito romano recaia a responsabilidade de apresentar-se como um
elemento de continuidade de uma cultura jurídica antepassada à atualidade em debate,
fazendo com que o direito romano desempenhasse um papel de matéria introdutória nos
cursos da dogmática civilística, como uma “reconstrução linear do passado jurídico
desde os romanos até o ‘direito vigente’” (FONSECA, 2012, p. 37).
É interessante notar que desde os Estatutos do Visconde da Cachoeira
8
, era
estabelecida a necessidade de proficiência do estudante que se matriculava nos cursos
jurídicos oitocentistas em gramática latina, na época do Império, justamente em razão
dos estudos que fariam do direito romano, sobretudo da chamada “codificação de
Justiniano”, recomendando-se o estudo integral. (BRASIL, 1825)
Durante as décadas de 1960 e 1970, a educação jurídica nacional sofreu uma série
de processos de reforma por parte dos governos autoritários que regiam a República.
Eliane Junqueira (1994) chega a afirmar que este é o momento crucial de questionamento
do caráter humanista do Direito, a partir da experiência do Centro de Estudos e
Pesquisas no Ensino do Direito (CEPED), realizados pela Universidade do Estado da
Guanabara e pela Fundação Getúlio Vargas.
Com a reestruturação curricular dos cursos de direito, em 1972, uma verdadeira
reforma curricular foi promovida, havendo a formatação de um curso jurídico voltado
para a formação técnica-jurídica, integrando a formação acadêmica com o eixo
profissional, porém, sufocando as possibilidades de realização de um diálogo crítico e
interdisciplinar, gerando uma realidade onde a formação em direito deixou de ser
generalizante, como se pretendia inicialmente com o bacharelismo jurídico
9
, e nem
8
Luís José de Carvalho e Melo (1764-1826), o Visconde da Cachoeira, foi um magistrado e político baiano,
responsável pela escrita dos estatutos que estabeleceram a organização dos cursos jurídicos do Brasil,
concretizada com a Lei de 11 de agosto de 1827, promulgada pelo Imperador Dom Pedro I.
9
O bacharelismo jurídico é conhecido na literatura do direito enquanto a tradição instalada no Brasil a
partir do século XIX, com a criação dos cursos jurídicos nacionais, após o processo de independência
profissionalizante, visto o quadro de sucateamento pedagógico realizado no âmbito da
maioria das faculdades públicas ou privadas. E onde fica a história do direito no meio
desse impasse?
No turbilhão de acontecimentos da história recente brasileira, somado ao
processo de redemocratização política do país, com o fim do regime autoritário e
promulgação de uma nova carta constitucional, a história do direito também vivenciou
um processo de duras críticas e reformas substanciais de suas bases.
Segundo António Manuel Hespanha (2002), a história do direito é um importante
campo formativo dos juristas, desempenhando a missão de problematizar a abordagem
acrítica e superficial da chamada dogmática jurídica; relativizando a lógica de que o
estudo do passado jurídico “serve” para legitimar a narrativa hegemônica, racional,
correta, certa, perfeita do direito atual, e demonstrando muito mais as suas
contingências do que suas permanências.
Todavia, este papel crítico, para Hespanha, seguramente poderia ser feito por
outros campos das ciências sociais, tais quais a sociologia ou a antropologia, salvo não
fosse o conservadorismo presente no âmbito das faculdades de direito, que temem a
perda do caráter justificador que o direito possui sobre as dinâmicas sociais.
E é justamente por isto que a história do direito não pode ser feita de qualquer
forma, pois sem uma abordagem teórica-metodológica séria e comprometida, a história
do direito continuará sendo instrumento de afirmação de narrativas descritivas,
enviesadas e legitimadoras de ordens distintas de compreensão jurídica, onde não o
lugar de enunciador do discurso teórico continuará sendo dominado em sua grande
maioria por perspectivas historicistas, como também as repercussões disto na
construção da historicidade e prática forense do direito poderão continuar.
A inserção da história do direito no currículo dos cursos jurídicos
Em 1994, o Ministério da Educação e do Desporto (MEC) expediu a Portaria
1886/1994, que fixou as diretrizes curriculares e os conteúdos programáticos mínimos
para o curso de direito. Além de estipular um mínimo de 3.300 horas de atividade
curricular para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, a portaria assinalou a
necessidade dos cursos jurídicos realizarem atividades de ensino, pesquisa e extensão,
política da metrópole portuguesa. Através de uma formação intelectual erutida, voltada à uma perspectiva
filosófico-humanista e com pouco contato com a cnica jurídica, o bacharelismo jurídico foi o caminho
encontrado para a formação dos novos quadros gerenciadores da administração blica do Estado
Imperial.
visando alcançar uma formação jurídica que mesclasse o eixo fundamental, sócio-
político, técnico-jurídico e da prática.
O conteúdo mínimo dos cursos jurídicos foram divididos em dois grupos: o grupo
dos estudos fundamentais, composto por disciplinas, como: Introdução ao Direito,
Filosofia (geral e jurídica, ética geral e profissional), Sociologia (geral e jurídica),
Economia e Ciência Política (com teoria do Estado) e o grupo dos estudos
profissionalizantes: Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Administrativo, Direito
Tributário, Direito Penal, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito do
Trabalho, Direito Comercial e Direito Internacional.
Apesar da não inclusão da disciplina história do direito e do desequilíbrio frente às
disciplinas integrantes da dogmática jurídica, a Portaria 1886/1994 promoveu o
endosso aos estudos teóricos na formação dos estudantes de direito, sendo alvo de
revisão em 2004, por meio da Resolução do Conselho Nacional de Educação Nº 09.
A Resolução/CNE 09 de 2004, normativa atualmente em vigor, estabelece a
obrigatoriedade de todos os cursos possuírem um projeto político-pedagógico, onde
além da concepção de curso, as competências e habilidades, o perfil do educando, o
sistema de avaliação e duração de curso deverão constar:
§1° O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de Direito,
com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização,
abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais: I -
concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas
inserções institucional, política, geográfica e social; II - condições objetivas de
oferta e a vocação do curso; III - cargas horárias das atividades didáticas e da
integralização do curso; IV - formas de realização da interdisciplinaridade; V -
modos de integração entre teoria e prática; VI - formas de avaliação do ensino
e da aprendizagem; VII - modos da integração entre graduação e pós-
graduação, quando houver; VIII - incentivo à pesquisa e à extensão, como
necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a
iniciação científica; IX - concepção e composição das atividades de estágio
curricular supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização,
bem como a forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica; X
- concepção e composição das atividades complementares; e, XI - inclusão
obrigatória do Trabalho de Curso. (BRASIL, 2004, grifo nosso).
Ainda, a resolução determinou a reinserção do estudo da história nos cursos
jurídicos, assim como de uma série de outras disciplinas, reconhecendo e vinculando os
currículos de todas as faculdades de direito do Brasil a, obrigatoriamente, estudarem a
história do direito, o que estava no plano da facultatividade.
Para Fonseca (2012), este movimento que, em alguns lugares teria ocorrido em
substituição às cadeiras de direito romano, justamente pelo longo período de falta de
estudo e pesquisa científica no campo da história do direito reapareceria em meio ao que
ele chamou de “crise teórica”, nos colocando em uma difícil fase de transição.
Na maior parte das faculdades, esta crise teórica mencionada reproduz uma
abordagem marcada pela linearidade, factualidade e matriz de justificação e
acessoriedade com relação às disciplinas da dogmática jurídica, reforçada muitas vezes
com o uso de uma bibliografia baseada em abordagens que, em termos historiográficos, é
marcadamente positivista (ou “historicista”). (FONSECA, 2012)
Observando, exemplificadamente, em 2009, o currículo do curso de graduação em
direito da Universidade Federal da Bahia sofreu um processo de modificação, cujo
processo de remodelação foi acompanhado do aumento do corpo docente. Tal
acontecimento se deu ao largo do Programa de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais REUNI, somado à maior criação de vagas de ensino superior
pelas políticas de inclusão da classe trabalhadora no ensino superior público, por meio
dos cursos noturnos. na Faculdade de Direito da UFBA (FDUFBA), ao ano, o
quantitativo de estudantes quadruplicou.
Atualmente, o componente curricular história do direito encontra-se alocado no
Departamento de Estudos Jurídicos Fundamentais da FDUFBA, enquanto disciplina
cujos créditos são obrigatórios para todos os estudantes do curso de graduação.
Enquanto estive realizando as atividades de monitoria acadêmica
10
junto ao
componente curricular DIRA074 História do Direito, respectivamente nos períodos
letivos 2018.1 e 2018.2, analisei a ementa da disciplina extraída do currículo do curso e
acessível por meio do site da Faculdade de Direito da UFBA, com o interesse em
perceber as balizas curriculares que envolvem o ensino de história do direito.
11
10
A monitoria acadêmica é uma atividade discente que tem como foco estimular o processo de interação
entre o corpo discente e docente, no que tange ao desenvolvimento das atividades universitárias de
ensino, pesquisa e extensão, onde o estudante, em geral, auxilia o professor durante o semestre letivo nas
atividades que envolvem a gestão das turmas, conteúdos programáticos e demais experiências acadêmicas
de um determinado componente curricular da graduação. Atuei junto ao componente curricular “História
do Direito DIRA074”, ofertado pelo curso de graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia,
nos períodos letivos 2018.1 e 2018.2, respectivamente coordenados pelos professores Samuel Santana Vida
e Maurício Azevedo Araújo.
11
O resultado dessa atividade acadêmica foi apresentado enquanto comunicação nas X Jórnadas de
Jóvenes Investigadores en História Del Derecho, entre os dias 17 e 19 de outubro de 2018, organizadas pela
Fundación Argentina de Estudios em Derecho, Historia y Política (FADHiP) e pelo Centro de
Investigaciones Jurídicas y Sociales de la Facultad de Derecho de la Universidad Nacional de rdoba, na
Argentina. Nela, foi possível fazer uma clivagem a partir da minha aproximação com a História do Direito
enquanto estudante, pesquisador e monitor acadêmico, podendo refletir a partir de olhares distintos.
Figura 1. Ementa do componente curricular DIRA74 - História do Direito
Fonte: Autoria própria, do arquivo Ementas do Novo Currículo. Disponível em:
https://direito.ufba.br/sites/direito.ufba.br/files/Ementas%20novo%20Curr_culo.pdf Acesso em: 27 ago.
2018.
Como é possível perceber na imagem colacionada acima, a ementa do
componente curricular indica que a disciplina seja iniciada com a apresentação de
elementos que compõem a história do direito, assim como com a exposição dos
principais temas que serão trabalhados ao longo do semestre letivo.
Em seguida, é possível perceber que a orientação institucional determina que o
docente realize a discussão, em escala linearizada, do Direito Antigo (abordando, em sua
grande maioria, as expressões de juridicidade das sociedades ágrafas até as sociedades
antigas da África e Oriente Médio), o Direito Greco-Latino, partindo em seguida para o
Direito Medieval e Moderno. Em geral, essas abordagens sempre recorrem às
explicações generalistas, que fazem correlações descontextualizadas do passado jurídico
de diversas sociedades territorialmente espalhadas, reduzindo, inclusive, todo o
potencial de compreensão dessas próprias experiências civilizatórias.
Em relação ao estudo da História do Direito Brasileiro, geralmente, realizado já no
final do período letivo e com certa rapidez, passa-se do estudo do chamado direito
colonial brasileiro a partir, e tão somente, das Ordenações Portuguesas, demarcando
suas distinções descritivo-temporais; em seguida, discute-se a organização jurídica do
Brasil Colônia; -se um salto para analisar as legislações republicanas e a nova ordem
constitucional, instaurada a partir de 1891. Com isto, além do direito colonial ser
encarado de forma superficial e normativista, invisibiliza-se todo o processo jurídico
extremamente fecundo ocorrido no período monárquico, inclusive dos processos contra-
hegemônicos empregados por escravizados e libertos, além de ir direto para o período
da chamada República Velha.
Os usos da história do direito como elemento de legitimação da dogmática
jurídica, já discutido em outra passagem do texto, é um sentimento presente como
necessário para a suposta justificação da necessidade dos estudantes “terem” de cursar
este componente, o que segundo Airton Seerlaender é um grande equívoco, haja vista a
história do direito não poder escusar-se de cumprir a tabela metodológica do próprio
conhecimento histórico, afirmando que a dogmática jurídica não pode obrigá-la a
“declarar institutos eternos ou a coroar o direito vigente como suposto apogeu’ de um
progresso inevitável”. (SEERLAENDER, 2017, p. 27)
Desta forma, a história do direito, que é percebida por parcela do corpo
estudantil, acostumado com um imaginário jurídico conformado pelo paradigma
discutido no início do texto, como uma disciplina desnecessária (ou até mesmo um
entrave para chegar nas “disciplinas jurídicas”), assume um papel extremamente violador
dos princípios democráticos que envolvem a vivência do espaço de conhecimento,
dentre eles o reconhecimento da pluralidade de perspectivas.
Assim, além da crença na atualidade dos institutos jurídicos desenvolvidos por
cada um desses povos, a ideia de continuidade, a análise etnocêntrica e evolucionista é
muito presente na tradição historiográfica do direito, seja na produção de pesquisa, seja
nos parâmetros didático-pedagógicos implementados nas salas de aula, ou mesmo nos
discursos justificadores de decisões judiciais e demais atos forenses permeados pelo
racismo estrutural.
As sociedades, colonizadas e colonizadoras (guardadas as devidas proporções),
têm as suas experiências julgadas pelos olhos dos intérpretes de hoje, que, ao realizarem
esses estudos, esperam tão somente legitimar a ordem jurídica do presente como o ápice
do desenvolvimento racional humano marcado pelo sujeito universal da branquitude. Ou,
então, o estabelecimento de categorias e institutos jurídicos arbitrariamente escolhidos,
que representariam a assertiva do historicismo enquanto análise científica.
Em sentido complementar, replicamos as considerações de Evandro Piza Duarte:
De fato, entre todas as disputas na história, há uma que a estrutura de forma
singular: a disputa por narrar as estratégias (sociais e jurídicas) de constituição
das relações de hierarquia social racializadas e dos padrões da cultura jurídica
que é responsável por forjar uma gramática para a inteligibilidade do direito e
dos sujeitos (e não sujeitos de direito). Logo, a memória sobre as disputas
sociais e as disputas por direitos deve esquecer de todas as denúncias
realizadas pelos negros, de todas as lutas dos negros, de todas as promessas
feitas aos negros em nossa história social. (DUARTE, 2019, p. 22)
É preciso registrar que as expressões que passam pelo crivo do chamado “direito
moderno” (expressão que se metamorfoseia com o passar do tempo) são aquelas
advindas, em suma, do eurocentrismo.
Este processo de reiteração de uma prática docente da história do direito cuja
repercussão empreende o resgate/reforço do historicismo na contemporaneidade, da
redução da historicidade jurídica à narrativa da vitória colonial em perspectiva linear
(invisibilizando todos os demais processos culturais existentes na história da
humanidade) e foco excessivo na institucionalidade estatal dogmatizante, enfatiza um
longo processo de epistemicídio no âmbito das faculdades de direito, onde o diálogo com
Sueli Carneiro (2005) possibilita compreender o epistemicídio enquanto o dispositivo de
racialidade que, operando seja pela lógica da não validação ou de retirada do potencial de
racionalidade cognitiva das pessoas negras gera a morte progressiva e seletiva dos
saberes e da cultura não localizadas no chamado “centro do mundo”.
Apesar dos limites dessa comunicação, é estritamente relevante afirmar a
existência de uma forma própria de funcionamento do que se pode chamar de
epistemicídio jurídico, na qual a participação da população negra na produção da cultura
jurídica sobre diversos processos de violência epistêmica. Assim, concordamos com o
apontamento de Queiroz (2017), quando ele diz que necessitamos de abordagens que
consigam ir além dos atores ligados à uma interpretação sistêmica dos
fenômenos históricos (como banqueiros, comerciantes marítimos, grandes
lideranças políticas, etc.), resgatando as ações e as relações locais, como
aquelas estabelecidas e mediadas por escravos, senhores, livres de cor,
quilombolas, etc. Como a historiografia vem fazendo nas últimas cadas,
retomar essas pequenas agências de atores locais, muitas vezes em situação de
pouca liberdade e de difícil recuperação das fontes, tornou-se um problema
central e muitas vezes insolúvel para a história, mas que nem por isso não deva
ser enfrentado.
[...] Retirar a agência desses atores das marginalidades ou das colateralidades da
história permite uma visão mais complexa do passado para além da ideia de ‘mal
absoluto’. Essas histórias são histórias que a história deveria recontar caso ela
tenha como objetivo alterar as pesadas estruturas e permanências do
colonialismo, da discriminação e do empobrecimento. São histórias que devem
ser contadas, pois elas permitem deslocar as narrativas abstratas e totalizantes
vinculadas aos estados-nação, fornecendo um retrato mais complexo e amplo
do sistema escravista. (QUEIROZ, 2017, p. 28)
O uso das categorias analíticas centrais para os estudos sociais, como raça, etnia,
classe, gênero e território, são importantes para vencer a vinculação perversa do
historicismo com as diversas manifestações da violência colonial, dentre elas a
descredibilização das narrativas de historicidade não enquadradas no cânone
estabelecido pela cientificidade branco-europeia, principalmente pelo avanço das táticas
de retirada do reconhecimento da nossa racionalidade pontuadas anteriormente.
E isto é central, seja para entender o processo de impacto do racismo e do
escravismo na conformação dos bancos escolares dos primeiros cursos jurídicos, seja
para entender o papel do positivismo e do racismo científico na caracterização dos
centros de saber jurídicos brasileiros (BERTÚLIO, 1989; SCHWARCZ, 1993; SANTOS;
RAMOS, 2017) e seus impactos na conformação da subcidadania negra no Brasil,
sobretudo assinalando a força do projeto colonial sobre a docilização e disciplinamento
da vida e destino de diversos povos e civilizações originárias (FOUCAULT, 2013).
Gabriela Barretto de Sá, ao também realizar a crítica aos principais marcos
norteadores da história do direito, reitera a importância de pensar o campo da história
social do direito, cujo mote de abordagem de pesquisa centra-se no resgate da
“indeterminação inerente à dinâmica das relações sociais, considerando a diversidade de
possibilidades de atuação dos sujeitos em um determinado momento histórico” (SÁ, 2019,
p. 31).
Caracterizada pela análise limitada diante dos fenômenos históricos
vivenciados pela sociedade, a historiografia jurídica tradicional é legatária da
epistemologia monocultural que privilegia ideais de universalismo,
linearidade e evolucionismo da realidade social. A partir deste viés, o Direito,
ao se debruçar sobre a sua história, o faz a partir de abordagens legalistas,
abstratas e eruditas (WOLKMER, 2012, p. 33) incapazes de dar conta da
complexidade das relações jurídico-sociais da sociedade brasileira.
[...] A contribuição da história social enquanto âmbito de estudo para a pesquisa
em História do Direito se verifica, sobretudo, pela possibilidade de análise das
noções de justiça e princípios de direitos manejados pelas partes envolvidas nos
conflitos. A partir deste enfoque, é possível desenvolver investigações que se
situem além das inquietações clássicas acerca das ‘origens de concepções e
doutrinas jurídicas’ e busquem compreender o ‘modo como diferentes
direitos e noções de justiça se haviam produzido e como haviam entrado em
conflito ao longo da história brasileira’. (SÁ, 2019, p. 31-32, grifo nosso).
Segundo (2019), a história social, campo historiográfico que pratica a reflexão
histórica tomando o corpo social e suas movimentações como protagonistas da cena,
agrega importante contribuição para a investigação histórica do direito, ainda muito
vinculada à perspectiva da história das ideias jurídicas e da história política, embora
ainda existam diversos embargos na geopolítica do conhecimento jurídico em sobrelevar
este tipo de investigação como “jurídica”.
Para Hespanha (2002), a importância da história crítica do direito nesses casos é
para, justamente, difundir entre os cultores da história do direito uma série de
estratégias que auxiliem a saída dessas armadilhas.
A primeira estratégia seria estimular uma forte consciência metodológica nos
historiadores, desconstruindo a cristalização do senso comum teórico da narrativa
histórica como direta reprodução daquilo que aconteceu, do passado jurídico, apontando
o papel ativo do pesquisador na seleção de perspectivas, do enfoque do seu objeto e dos
processos mentais que auxiliem a sua reflexão.
A segunda estratégia apontada por Hespanha (2002) é a eleição como objeto da
história do direito o direito em sociedade, com: a) a percepção dos poderes periféricos à
regulação jurídica estatal/oficial e questionando a ideia de neutralidade política dos
agentes/instituições; b) caracterizando o direito como um produto social, não apenas no
exercício do seu papel, mas, sobretudo, na sua própria origem, a exemplo dos fatores que
contribuem para a formação do pensamento do jurista; c) o fortalecimento da ideia da
história do direito como história do “campo jurídico”, cravado de disputas entre os mais
diferentes agentes sociais para firmar o seu campo particular.
Já a terceira estratégia é a insistência fervorosa de que a historicidade jurídica não
se constitui a partir de uma linearidade exata, progressiva, cujo desenvolvimento
acontece de forma sequencial ao longo do tempo. Desta forma, entende-se que a história
é construída por descontinuidades e rupturas.
De forma complementar, acrescentamos como sugestão de quarta estratégia o
investimento no uso da posicionalidade transdisciplinar na composição da investigação
histórica, onde a abordagem intercruzada de categorias analíticas (raça, classe, gênero,
geração, território, orientação sexual, entre outros) possam potencializar a escrita das
histórias, os estudos sobre os efeitos da juridicidade, a variabilidade de fontes e os
processos de contingências das populações violentadas ao longo do desenvolvimento do
conjunto das tradições jurídicas, desbaratando os processos seculares de
silenciamentos, invisibilizações e morte dos conhecimentos não eurocêntricos pelo
efeito do epistemicídio jurídico evocado pelo paradigma constituído/constitutivo pela
modernidade colonial.
Considerações finais
Ao longo desse texto, estabelecemos um diálogo acerca dos diversos processos
de disputa instalados na cultura jurídica brasileira acerca dos lugares e práticas teóricas
e curriculares do campo disciplinar da história do direito.
Conforme apontado, a história do direito constitui importante elemento de
relativização e desmistificação sobre as noções cultivadas pelas instituições jurídicas e
pela sociedade de um modo geral, que reduzem o direito à ideia de normatividade
produzida pela entidade estatal, quando ele pode ser compreendido a partir da sua
provisoriedade histórica e relacionamento com o conjunto da cultura que lhe produz.
Ao analisar o corpus selecionado da produção teórica da história do direito, com
relação ao diálogo com as contribuições teóricas que discutem os sentidos atribuídos à
teoria do direito e da história do direito no enfrentamento aos marcos constitutivos do
paradigma jurídico hegemônico, podemos perceber que o avanço de (re)construção de
um novo modo de relacionamento com o objeto jurídico vêm sendo produzido pela
literatura nacional e estrangeira.
Todavia, ao passo que sublevamos os usos da categoria cultura jurídica para
realçar a relação intrínseca entre direito e sociedade, chamamos atenção para novas
tentativas de abordagens universalizantes desse conceito, mais uma vez, podendo assim
promover o esvaziamento quanto ao potencial de diversidade de análises acerca da
historicidade jurídica.
É muito comum a dinâmica estatal/institucional/política monopolizar o foco de
observação a partir das continuidades impostas pelo paradigma jurídico constituído
durante a modernidade colonial, a exemplo dos efeitos do positivismo, do historicismo e
pela estruturalidade do racismo e do sexismo na cultura jurídica brasileira. A negação, o
silenciamento e/ou invisibilização das relações raciais no bojo da produção teórica,
investigativa e curricular relativa ao campo disciplinar da história do direito constitui-se
como forte demonstração da vigência do epistemicídio jurídico, como faceta específica
do epistemicídio, promovendo por meio da juridicidade a operacionalização de
mecanismos de exclusão e morte dos saberes e representações históricas da agência da
população negra no âmbito da cultura jurídica brasileira.
A variabilidade de fontes, experiências e abordagens possibilitadas pela história
social podem majorar a compreensão historiográfica do direito acerca do conjunto de
processos de dissensos e resistências operacionalizadas nas distintas espacialidades-
temporalidades compositoras da cultura jurídica de um país, cujas instituições jurídicas
foram palco da institucionalização do racismo e do sexismo.
Essa reverberação dos modos de compreensão da cultura jurídica sob esses
marcadores criticados ainda encontram espaço no campo disciplinar jushistórico, onde a
importante conquista de determinação do Conselho Nacional de Educação, para que em
todos os currículos dos cursos jurídicos tivessem espaço para o estudo da historicidade
do direito, ainda mantém diversas narrativas de legitimação e justificação do
colonialismo, abordagens marcadas pela linearidade temporal, factualidade e com uma
matriz de conteúdos que visa a justificação e acessoriedade com relação às disciplinas da
dogmática jurídica.
Logo, parte do desafio de disputa da teoria historiográfica do direito está
umbilicalmente ligada aos processos de disputa vigentes também no campo da educação
jurídica, qual seja, de fomento a uma consciência historiográfica do direito
antidogmática, antipositivista, anticolonial, antirracista e antisexista. Além disso, de
relativização desse imaginário compreensivo sobre o direito em demais espaços/campos
do saber, angariando novos olhares e perspectivas de investigação da juridicidade.
Assim, será possível elaborar a construção de uma perspectiva de história do
direito que rechace a afirmação de narrativas descritivas, enviesadas e legitimadoras de
ordens violentas da compreensão jurídica, ampliando na experiência educacional o
conjunto de competências e habilidades previstas na Resolução do CNE 09/2004,
dentre elas, a interligação entre ensino, pesquisa e extensão jurídica por meio do saber
historiográfico.
O uso das categorias analíticas centrais para os estudos sociais, como raça,
classe, gênero e território, são importantes para vencer a vinculação perversa do
historicismo com as diversas manifestações da violência colonial, dentre elas a
descredibilização das narrativas de historicidade não enquadradas no cânone
estabelecido pela cientificidade branco-europeia, principalmente pelo avanço das táticas
de retirada do reconhecimento da nossa racionalidade pontuadas anteriormente.
Mais do que espraiar os avanços teórico-metodológicos construídos pelas mais
diversas correntes da historiografia ao longo do último século, é preciso que a história do
direito incorpore uma narrativa de enfrentamento ao epistemicídio jurídico no globo da
cultura jurídica contemporânea, reconhecendo e ampliando a vocalização de outras
narrativas simbólicas e epistemológicas, secularmente silenciadas.
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