OLIVEIRA, Jhallesson K.
*
https://orcid.org/0000-0003-1223-9046
RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar
como Belisário Penna (1868-1939) aborda a
educação higiênica e eugênica em seu projeto
sanitário nacional entre 1916 e 1932. Este
médico participou do Movimento Sanitarista
da década de 1910 e esteve amplamente
envolvido em debates sobre reformas da
sociedade brasileira através da saúde e
educação. Por meio de seus diagnósticos e
interpretações sobre o Brasil, identificou a
doença, o analfabetismo e o alcoolismo como
os grandes problemas do Brasil. Neste
contexto, empregou suas obras e sua atuação
política para negar o fatalismo biológico e
racial e apontar alternativas médicas,
educacionais e políticas para salvar a
população brasileira. Ao invés do uso da
eugenia “negativa”, que se pautava no racismo
científico, o sanitarista apostou que a
regeneração brasileira deveria estar
sintonizada com a eugenia “preventiva”, cujas
práticas se baseavam na educação higiênica e
nas reformas sociais e do meio.
PALAVRAS-CHAVE: educação; higiene;
eugenia no Brasil; consciência sanitária.
ABSTRACT: The purpose of this article is to
analyze how Belisário Penna (1868-1939)
approaches hygienic and eugenic education in
his national health project between 1916 and
1932. This physician took part in the Sanitary
Movement of the 1910s and was extensively
involved in debates about reforms of Brazilian
society through health and education. Through
his diagnoses and interpretations about Brazil,
he identified diseases, illiteracy and alcoholism
as the major problems in Brazil. In this
context, he used his works and his political
actions to deny biological and racial fatalism
and to point out medical, educational and
political alternatives to save the Brazilian
population. Instead of the use of “negative”
eugenics, which was based on scientific
racism, the sanitary doctor bet that Brazilian
regeneration should be in tune with
“preventive” eugenics, whose practices were
based on hygiene education and social and
environmental reforms.
KEYWORDS: education; hygiene; eugenics in
Brazil; health awareness.
Recebido em: 28/05/2020
Aprovado em: 07/07/2020
* Graduado em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), Guarapuava, PR.
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Unicentro, Irati, PR. E-mail:
jhallessonkovaliki@gmail.com. Este artigo é parte da investigação elaborada em minha dissertação para
obtenção do título de Mestre em História.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
Belisário Penna foi um dos principais líderes do movimento sanitarista da década
de 1910. Ele integrou a geração de médicos e cientistas do início do século XX que se
ocupou com o debate sobre a reforma da sociedade brasileira, a construção da
identidade nacional e do processo político ao qual a nação deveria tomar para seguir o
tão almejado caminho da civilização. Penna encontrou nas ciências médicas e nas
concepções higiênicas as ferramentas necessárias para a construção de um projeto
político que visava a implantação de uma ampla engenharia de reforma da saúde pública
e da regeneração nacional. Com a chegada da eugenia no Brasil nos primeiros decênios
do século XX, absorveu também o receituário eugênico, sobretudo aquele mais “suave”,
ao estilo da eugenia “preventiva”.
Neste sentido, temos como objetivo analisar como Belisário Penna aborda a
educação higiênica e eugênica em seu projeto sanitário nacional entre 1916 e 1932. O
recorte temporal corresponde ao período em que Penna militou no cenário público em
prol do saneamento do Brasil, além disso considero que sua entrada nas discussões
sobre a eugenia ocorreu em 1918, através da participação da Sociedade Eugênica de São
Paulo. Antes deste período, o médico sanitarista realizou uma viagem científica pelo
Instituto Oswaldo Cruz, em 1912, junto com Arthur Neiva, em que percorreram o norte da
Bahia, sudoeste de Pernambuco, sul de Piauí e de norte a sul de Goiás. A expedição foi
requisitada pela Inspetoria de Obras contra as Secas, Órgão do Ministério dos Negócios
da Indústria, Viação e Obras Públicas, com o objetivo de fazer um levantamento sanitário
e epidemiológico das regiões flageladas pela seca. O relatório da viagem foi publicado em
1916, no periódico Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. O que mais se destacou no
relatório foi a identificação da população do interior como sendo um povo doente,
analfabeto e abandonado pelos dirigentes do país, além do problema do alcoolismo, uma
das grandes preocupações do sanitarista. Após a viagem, Penna colocou seu projeto
sanitário nacional em ação com a publicação de treze artigos no jornal Correio da
Manhã, entre 17 de novembro de 1916 e 23 de janeiro de 1917. Esses artigos
transformaram-se na primeira parte do livro Saneamento do Brasil
1
, publicado em 1918,
mesmo ano em que foi fundada a Liga Pró-Saneamento do Brasil, sendo Penna o seu
principal articulador. Além das fontes já citadas, analisamos alguns documentos do
Fundo Pessoal de Belisário Penna, que contêm artigos e conferências realizadas pelo
sanitarista nos primeiros decênios do século XX. No segundo momento, discutiremos a
1
Os artigos que fazem parte do livro estão entre as páginas 07 e 88, constituem a primeira parte do livro,
os artigos foram publicados no livro de acordo com Penna por uma grande demanda de pedidos.
eugenia no Brasil e sua ligação com o sanitarismo, e, por fim, analisamos a educação
higiênica e eugênica no projeto sanitário de Penna.
Belisário Penna: vida e formação
Belisário Augusto de Oliveira Penna nasceu em 29 de novembro de 1868 em
Barbacena, no estado de Minas Gerais, sendo filho de Belisário Augusto de Oliveira
Penna e Lina Leopoldina Lage Duque. Em 1886, matriculou-se na Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro, mas transferiu-se para a Faculdade de Medicina da Bahia, onde obteve
o diploma em 1890. Ao terminar a faculdade de medicina, voltou para Barbacena com sua
primeira esposa, Ernestina Rodrigues Chaves, com a qual teve quatro filhos,
sobrevivendo apenas Maria e Celina. Em 1897, sua esposa Ernestina morreu por febre
amarela. No ano seguinte, ele se casou novamente, agora com Maria Augusta Rodrigues
Chaves, irmã de Ernestina, com quem teve mais nove filhos. Em 1902, tornou-se
vereador do município de Juiz de Fora. Seu maior feito como vereador foi em 1903,
quando representou o Comércio de Juiz de Fora no Congresso Industrial, Comercial e
Agrícola de Belo Horizonte, exercendo a função de relator da Comissão de Comércio
(SANTOS, 2018, p. 13).
Em 1904, Belisário Penna mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou no
concurso público da Diretoria Geral de Saúde Pública, integrando a equipe de Oswaldo
Cruz na Inspetoria Sanitária do Rio de Janeiro. O contexto em que Penna chegou no Rio
de Janeiro é marcado por grandes transformações da cidade. No processo de
modernização, ela sofreu modificações em sua estrutura urbanística, salubridade e de
saúde blica, e o concurso de inspetor era parte deste processo. No cenário político, a
cadeira da presidência era ocupada por Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1919),
enquanto na cadeira de prefeito da capital federal estava Francisco Pereira Passos (1836-
1913) (CARVALHO, 1987). Ambos iniciaram seus mandatos em 1902 e terminaram em
1906, e suas administrações foram marcadas pelo estímulo e financiamento de amplos
projetos de modernização urbana e reforma social. No mandato do prefeito Passos
ocorreram transformações na base estrutural da cidade, desalojando pessoa de suas
casas para demolição e reconstrução de alguns lugares da cidade a modelo parisiense.
Um dos argumentos para tal transformação está ligado à higiene e saúde pública,
promovendo a maior circulação do ar, com a demolição de prédios com condições
mínimas de higiene e arborização, a abertura de canais de esgoto e a ampliação do
saneamento. Além de prevenir epidemias e promover a higiene, as reformas também
previam a atração de novos imigrantes, sobretudo europeus, bem como beneficiar a
ocupação de uma parte da cidade por classes privilegiadas e pelo lucro do capital
financeiro internacional, entre outros interesses em jogo (BENCHIMOL, 2003).
Em 1904, durante a revolta da vacina, Penna compôs o grupo de inspetores
responsável pelo serviço de inoculação da vacina, que teve como objetivo a vacinação de
maior quantidade de pessoas. Segundo os pesquisadores Eduardo Vilela Thielen e
Ricardo Augusto dos Santos (2009, p. 390), o sanitarista iniciou suas atividades na
Circunscrição do Distrito Sanitário, que compreendia as ruas Marquês de Sapucaí,
Santana, General Pedra, Senador Eusébio, Visconde de Itaúna, São Leopoldo, Alcântara e
Marquês de Pombal, área de pequeno comércio e inúmeros cortiços. Naquele momento,
a epidemia de varíola assolou o Rio de Janeiro. Dentro da área de encargo, Penna
conseguiu controlar a epidemia, recorrendo a vacinação de todos os moradores. O
médico venceu inicialmente a relutância da população sobre a vacina, a partir de
estratégia e na maneira de lidar com o povo, ou simplesmente em recolher aos hospitais
aqueles que não se vacinassem (THIELEN; SANTOS, 2009, p. 390). Sua atuação foi
reconhecida por Oswaldo Cruz e em 1905 foi designado para a direção da Zona de
Polícia de Focos, região dos bairros cariocas da Saúde e Gambôa, na tentativa de
contenção da febre amarela (CARVALHO, 2019, p. 33).
Em 1907, integrou o grupo de expedições científica realizadas no interior do país,
pelo Instituto Oswaldo Cruz. Em sua primeira viagem atuou como auxiliar do médico
Carlos Chagas (1879-1934) no combate e profilaxia do impaludismo no prolongamento de
trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil, em Minas Gerais. A expedição durou cerca
de 3 anos (PENNA, 1918b, p. 11). Em 1909, participou da principal descoberta médica do
período, em um pequeno povoado em Lassance, em Minas Gerais. De acordo com
Simone Petraglia Kropf, Carlos Chagas identificou uma nova doença humana (doença de
Chagas) causada por um protozoário até então desconhecido, nomeado por ele
Trypanosoma cruzi (nome dado em homenagem a Oswaldo Cruz), protozoário
transmitido por um inseto hematófago, vulgarmente conhecido como “barbeiro”. Muito
comum na época, os insetos se proliferam no interior das casas de pau-a-pique da
população pobre nas áreas rurais do Brasil, alojaram-se nas choupanas das paredes não
rebocadas e cobertas de capim, durante o dia e a noite atacavam as pessoas (KROPF,
2009, p.26)
Integrado ao grupo de Manguinhos, Penna realizou duas importantes viagens
científicas entre os anos de 1910 e 1911, a primeira sobre contrato MadeiraMamoré
Railway, para a construção da Estrada de Ferro da Madeira-Mamoré, junto ao Instituto
Oswaldo Cruz. A segunda viagem ocorreu no Pará, solicitada pelo então governador do
Estado, João Coelho (1852-1926), para resolver o problema de febre amarela. Para
compor essa expedição, Oswaldo Cruz convocou uma equipe de Manguinhos, entre eles
estava Belisário Penna
(CARVALHO, 2019, p.43).
experiente com as atividades das viagens científica e profundamente
interessado pelo conhecimento do interior do Brasil, realizaria em 1912 a expedição
Neiva-Penna. Nesta viagem, além de ter um olhar médico sobre os problemas de saúde
da região, Penna e Neiva se tornaram sociólogos e interpretaram o interior do Brasil
como um lugar atrasado, com péssimas condições sociais e com a população
caracterizada pela doença, pelo alcoolismo e pelo analfabetismo (NEIVA; PENNA, 1916).
Após regressar da expedição Neiva-Penna, ainda em meados da década de 1910, o
médico pediu licença de um ano das atividades pelo Instituto e realizou uma viagem
percorrendo os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (CARVALHO,
2019, p. 50-51). O objetivo da viagem ao sul era coletar dados sanitários da região, por
consequência, adquiriu argumentos para indicar antagonismos entre as diferentes
regiões nacionais. Retornou ao Rio de Janeiro em 1914 para restituir seu cargo de inspetor
sanitário.
Conforme destacado, a trajetória de Belisário Penna a partir do ano de 1916
ficou marcada pela sua ação como militante pelo saneamento do Brasil. No mesmo ano,
publicou treze artigos no jornal Correio da Manhã, entre 17 de novembro de 1916 a 23 de
janeiro de 1917. Em 1918, publicou seu principal livro Saneamento do Brasil. Neste mesmo
ano, fundou a Liga Pro-Saneamento do Brasil e foi nomeado Presidente Honorário da
recém fundada Sociedade Eugênica de São Paulo, ao lado de Amâncio de Carvalho e
Agostinho de Souza Lima.
Em 1918, foi nomeado pelo presidente Wenceslau Braz como Diretor do Serviço de
Profilaxia Rural do Distrito Federal; em 1920, ocupou o cargo de Diretor da Diretoria de
Saneamento e Profilaxia Rural do recém-criado Departamento Nacional de Saúde e
Delegado de Saúde em 1921 (HOCHMAN, 2012; CARVALHO, 2019). Além disso, tornou-se
membro honorário da Academia Nacional de Medicina, e em 1922 da Sociedade
Fluminense de medicina e cirurgia (PENNA, 1922, p.01).
Desligando-se do Departamento, ele retornou ao seu cargo de Delegado de Saúde,
atribuído em 1921, no governo de Epitácio Pessoa. Retornou também a sua atividade
intelectual, reeditando seu livro Saneamento do Brasil. Além da reedição do livro de 1918,
a pedido do Governador do Estado de São Paulo, Washington Luís, escreveu dois
trabalhos sobre higiene: o primeiro foi publicado com o título Higiene Brasileira, segundo
Carvalho (2019, p. 104) “O livro foi planejado no formato de lições, somando mais de cem
páginas. Entre o seu conteúdo salta aos olhos as lições de biologia, corpo humano, vida
orgânica e vegetal, higiene, doenças, água e ar atmosférico”. O segundo livro, Amarelão e
Maleita, publicado em 1924, teve como foco a educação sanitária e o cuidado em relação
à malária e à ancilostomíase. Em 1924, Penna participou da revolta tenentista. Em
consequência da sua participação na revolta, foi preso e enviado à capital paulista e em
seguida transferido para o Rio de Janeiro por seis meses.
Afastado dos cargos públicos, sendo reintegrado apenas em 1927. Nesse intervalo,
como empregado da empresa farmacêutica do Laboratório Daudt, Oliveira & Cia.,
percorreu novamente o país realizando conferências. Escreveu sobre higiene e educação
para vários jornais, publicando uma série de artigos sobre o problema da lepra, entre eles
se destaca: Lepra latente e seus perigos, obra que também ganhou uma versão em
espanhol editada pela editora A. Pedemonte, no Peru. Ainda no cenário internacional,
publicou um trabalho intitulado El problema de la lepra, no periódico argentino La
Medicina Argentina (CARVALHO, 2019, p.109).
Em 1927 e 1928, como chefe do Serviço de Propaganda e Educação Sanitária,
atravessou os estados de Minas Gerais, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do
Norte, divulgando suas ideias sanitárias, até ser requisitado pelo presidente do estado do
Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, para estudar as condições sanitárias do estado.
Deslocando-se para lá, iniciou um período de intenso trabalho, quando proferiu
conferências, apresentou relatórios e indicou providências a respeito dos problemas da
saúde. Durante sua permanência no estado, se aproximou da política de Vargas
(CARVALHO, 2019, p.112), além de se engajar na preparação da “Revolução de 1930”.
Logo depois da tomada de poder pela Aliança Liberal, em 1930, Belisário Penna foi
nomeado diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública. Em 1935, filiou-se ainda à
Ação Integralista Brasileira (AIB) fundada por Plínio Salgado, tornando-se membro da
Câmara dos 40, órgão supremo do integralismo (CARVALHO, 2019, p.112). Em 1938, após
a tentativa de golpe desfechada pelos integralistas, o movimento foi reprimido e
desmantelado (SANTOS, 2018, p.12). Penna retirou-se da política para viver em sua
fazenda, no interior do estado do Rio de Janeiro, onde faleceu em 4 de novembro de 1939,
25 dias antes de completar 71 anos.
A Eugenia no Brasil
É ao que se propõe a sciencia eugênica ou Eugenía, que tem por fim a pesquisa
e a aplicação dos conhecimentos uteis á reprodução, á conservação e ao
aperfeiçoamento da espécie, cuidando particularmente dos assumptos de
hereditariedade e de seleção no que fôr applicavel á espécie humana, das
questões relativas á influencia do meio, da situação econômica, da legislação e
dos costumes, sobre o valor das gerações successivas, e sobre suas aptidões
physicas, intellectuaes e moraes. (PENNA, 1920c, prefácio).
A introdução da eugenia no Brasil ocorreu através do meio intelectual e científico,
especialmente entre médicos, higienistas, juristas e educadores. Apesar do amplo público
atingido pela ciência de Galton, foi sobretudo no campo dico-sanitarista que o
movimento eugenista iria preferencialmente se associar durante as décadas de 1910 e
1920. A citação acima foi retirada do prefácio, escrito por Belisário Penna, do livro de
Renato Kehl, Eugenia e Medicina Social (1920), o livro foi o primeiro escrito por Kehl,
diretamente relacionado aos estudos eugênicos (SOUZA, 2006, p.98), o médico-
eugenista foi o principal propagandista da eugenia no Brasil. A participação de Penna em
seu livro, mostra a associação entre as ideias eugênicas relacionada a saúde pública,
através da higiene e do saneamento, uma aliança que ganharia força durante os anos que
se seguiram. O prefácio escrito pelo sanitarista, também significa uma estratégia para a
propaganda eugênica nos meios intelectuais, científicos e políticos. Penna era um dos
principais líderes do movimento sanitarista na década de 1910, dispunha-se naquele
momento de grande prestígio e capital simbólico no campo científico e intelectual, o que
dava a ele grande legitimidade para atuar no cenário público, conseguindo assim muitos
adeptos para a “nova ciência de Galton”, principalmente na capital federal. Por outro
lado, podemos considerar a intencionalidade de Penna em ampliar seu projeto de
saneamento, expandindo sua área de atuação onde lhe dessem espaços. Portanto, a
incorporação do discurso eugênico ocorreu na medida em que as ideias da eugenia no
Brasil se assemelhavam ao seu projeto sanitário.
Na citação acima, é possível perceber os pressupostos eugênicos adquiridos no
Brasil durante o final da década de 1910, de modo que, uma das principais características
da eugenia estava relacionada a influência do meio como fator preponderante das
características adquiridas e transpassadas hereditariamente para as gerações
sucessivas, visando o aperfeiçoamento da espécie humana. Desta forma,
compreendemos que a eugenia no Brasil chegou de forma mais “suave” ao modelo
“preventivo”, relacionada muito mais ao meio social, aos cuidados higiênicos e sanitários,
prevendo doenças e “vícios sociais”. Além da influência do meio, Penna considera a
situação econômica como fator de intervenção na geração de proles saudáveis, que
estava no poder econômico dos países a implementação de políticas públicas alusivo à
saúde e educação, como forma de potencializar a mão de obra do trabalhador, o que
geraria mais riquezas à nação. Já na área da legislação, a discussão estava relacionada em
criar leis que garantissem a reprodução de pessoas de “boa estirpe”, como exames pré-
nupciais e matrimoniais. No que se refere aos costumes, a educação higiênica e eugênica
era considerada, inclusive por Penna, como meio eficaz de criar hábitos saudáveis,
criando assim uma consciência sanitária. Apesar da intensificação dos debates em torno
da eugenia só ocorrerem ao final da década de 1920, ela foi recebida com um certo
entusiasmo pela intelectualidade brasileira. Ainda no prefácio, Belisário Penna saudou os
esforços do “jovem eugenista” Kehl, e destacou a importância do livro para “[...]
preencher uma lacuna sensível no nosso meio intelectual, ainda um pouco alheio a
notável doutrina de Galton [...]” (PENNA, 1920c, prefácio).
É importante lembrar que existiram três correntes eugênicas, a “preventiva” uma
articulação entre a eugenia e o saneamento, visando a conquista dos fatores ambientais
disgênicos. A “positiva” que se preocupava com uma procriação sadia. A eugenia de
forma mais radical denominada como “negativa”, visava impedir a procriação dos que
não tinham saúde ou que não se adequavam às idealizações de determinados eugenista
(STEPAN, 2004, p.352).
De acordo com Nancy Stepan, a eugenia no Brasil ocorreu de forma mais “suave”
ao modelo “preventivo”, em relação a eugenia “negativa” ao modelo dos países anglo-
saxônicos, como Alemanha e Estados Unidos. No Brasil, ela se articulou junto às políticas
sanitárias e higiênicas como forma de regeneração racial, mas alguns eugenistas
brasileiros discutiram algumas vezes aborto, controle de natalidade e até esterilização,
como medidas eugênicas para controle dos indivíduos inadequados. Em fins da década
de 1920, foi defendida a eugenia “negativa” no Brasil, através do médico-eugenista
Renato Kehl.
Entre os fatores que contribuíram com a entrada da eugenia no Brasil,
consideramos primeiramente a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial em 1917.
Com o país na guerra as questões de prontidão e disciplina em tempos de guerra, de
controle e ordem, das competências e capacidades raciais brasileiras estavam bem
presentes na mente da elite brasileira (STEPAN, 2004, p.335-336). Uma vez que, aos
olhos das nações europeias, o Brasil era visto como um país “atrasado” que se
encontrava na “barbárie”, opostos dos países “civilizados” e “avançados”. Enquanto nos
países europeus, a guerra intensificava o medo da degeneração racial, no Brasil, a guerra
gerou um novo otimismo sobre a possibilidade de regeneração nacional. Também
concebeu um novo nacionalismo, vários movimentos e organizações nacionalistas foram
criadas neste período, como a Liga de Defesa Nacional, Liga Nacionalista de São Paulo,
Liga Contra a Tuberculose, Liga Anti-alcoólica, a Liga Pró-Saneamento do Brasil e a
própria Sociedade Eugênica de São Paulo. Elas nasceram do desejo de projetar o Brasil
no cenário internacional, em definir as “realidades do país” em termos próprios e de
encontrar soluções através do campo científico e intelectual brasileiro para solucionar
os problemas do Brasil. Neste sentido, encontraram na medicina social e na eugenia, uma
maneira científica de salvar o país do atraso, sendo um ato patriótico, ao qual estava
designado aos médicos e intelectuais brasileiros.
Outro fator predominante para a introdução da eugenia no Brasil foi a “questão
racial” brasileira. Desde a metade do século XIX, os estrangeiros, ditos como
“civilizados”, entre cientistas, viajantes e intelectuais haviam condenado o futuro do
Brasil através das teorias científicas e preceitos raciais. Escritores como Arthur de
Gobineau, Louis Couty, Louis Agassis, Gustave Aimard, os artistas W. Adams e do inglês
Thomas Buckle consideravam o Brasil como um “território vazio” e “pernicioso à saúde”,
enquanto os brasileiros eram vistos como “seres assustadoramente feios” e
“degenerados”. Para estes escritores, uma conjunção de fatores climáticos e raciais,
sobretudo a “larga miscigenação”, era mobilizada para explicar a suposta inferioridade
do homem brasileiro e a impossibilidade de o Brasil acessar os valores do “mundo
civilizado” (SKIDMORE, 1976). O Brasil era visto por eles como “um grande laboratório
racial” (SCHWARCZ, 2003). Os intelectuais brasileiros, como juristas, médicos, literatos
e naturalistas, consumidores das teorias científica europeias, incorporaram as teorias
advindas do darwinismo social e do evolucionismo. Desta forma, representavam
negativamente a realidade nacional, o que muito contribuía para a visão negativa do país
no cenário internacional.
De acordo com Schwarcz, a utilização das teorias raciais no Brasil, a partir da
década de 1970, ocorreu em um contexto que marcava o fim da escravidão e um novo
plano político para o futuro da nação. As teorias raciais foram viáveis para a
conveniência que se montava, era uma forma de pensar a substituição da mão de obra
escrava que se encaminha para seu fim. Desta maneira, a vinda de imigrantes europeus
era vista como a melhor forma para substituição da mão de obra escrava. Entre o jogo de
interesses estava a permanência de uma hierarquia social bastante gida, estabelecida
pelo sistema monárquico-escravista, neste seguimento, com o processo de decadência
da escravidão, as teorias raciais foram utilizadas para estabelecer modelos diferenciados
de cidadania, sendo uma forma de manter o branco da elite como superior às demais
“raças”, como dos negros e dos indígenas. Devido aos fatores raciais e climáticos
brasileiros, os intelectuais adaptaram as teorias europeias ao contexto do país. É desta
maneira que, do darwinismo social foram adotadas as diferenças entre as raças e suas
hierarquias, sem problematizar a visão negativa da miscigenação. Do evolucionismo
social adotou-se a teoria em que as raças humanas não permaneciam estacionadas, estão
em constante evolução de aperfeiçoamento, com a visão da humanidade de origem una
(SCHWARCZ, 2003, p.18).
No início do século XX, as interpretações raciais e climáticas ainda estavam
presentes no campo intelectual e científico brasileiro. Neste período, o Brasil era visto
como uma nação ainda em formação. A sociedade era composta por uma grande
população negra e miscigenada, muitos deles recém saídos do sistema escravista. Dentro
deste cenário, começaram a surgir outras interpretações otimistas sobre o futuro da
nação. João Batista Lacerda, então diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro,
apresentou a tese Sur les métis au Brésil no I Congresso Internacional das Raças,
realizado em 1911. Neste Congresso, ele discursou seu projeto de branqueamento, “[...] o
Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e
solução” (SCHWARCZ, 2003, p.11). O projeto de Lacerda mostra uma saída e solução
para “o problema da miscigenação brasileira”, para este autor, o estímulo para a
miscigenação entre as raças significava o branqueamento da população brasileira, visto
que a “superioridade da raça branca” se sobrepunha à “inferioridade da raça negra”. Em
consequência, durante um século, a grande maioria da população brasileira se tornaria
branca, seus índices mostravam que, em 2012, a população branca subiria a 80% do total,
sendo que, os negros cairiam para zero, os mestiços para 3% e população indígena para
17% (SKIDMORE, 1976, p.83-84). O projeto de imigração europeia também era fator
preponderante neste processo. Estas ideias foram compartilhadas por uma grande
parcela da intelectualidade brasileira durante o final do século XIX e nas primeiras
décadas do século XX. A teoria do branqueamento, como uma forma de otimismo, parece
ter influenciado, durante os anos de 1920, a contraposição de um modelo de eugenia
racista e segregacionista ao modelo de relações raciais norte-americano.
Em contrapartida, a partir da década de 1910, surgiram no Brasil alguns
intelectuais que começaram a construir um pensamento independente das teorias
racistas europeias. Contrapondo-as, alguns pensadores foram aos poucos substituindo
as teorias raciais e climáticas por explicações de caráter históricos e sociológicos sobre
a realidade nacional e as condições sociais em que viviam a população brasileira. Alberto
Torres, grande influência nos projetos políticos de Belisário Penna, teve como objetivo a
construção de uma nova imagem sobre o Brasil e os brasileiros. Em sua obra, O
problema Nacional, de 1913, Torres considerava que a verdadeira raiz do “problema
nacional brasileiro”, estava ligada à falta de ordenamento adequado, no sentido da
condução dos seus reais problemas, o que demandava urgentemente a “organização
nacional do país”. Em outras palavras, para ele, existia no Brasil uma alienação política
da elite brasileira, em que predominava a falta de consciência nacional” sobre a
realidade que constituía a nação. Em suma, para a saída dos “problemas nacionais”, ou
para a “evolução social” brasileira proposta pelo autor, dependia de um meio ambiente
favorável, das condições econômicas, da vontade política das classes dirigentes, de
educação e habitação (TORRES, 2002).
Na mesma tradição de Alberto Torres, os intelectuais envolvidos com o
movimento sanitarista da década de 1910 trouxeram uma nova “realidade do Brasil e do
ser brasileiro”. Estes intelectuais identificaram a doença como principal obstáculo,
assim como o abandono da população pelo Estado, que se encontrava em péssimas
condições sociais, ocasionando assim a “degeneração da raça brasileira”, a
improdutividade, os vícios, os crimes e a falta de intelectualidade. Mas diferentemente
das teorias raciais e climáticas, tais problemas poderiam ser finalmente resolvidos e a
regeneração racial poderia acontecer, através dos princípios científicos da higiene, da
eugenia e do saneamento. Levados pelos médicos e intelectuais, que se consideravam
salvadores patrióticos, estava em suas mãos o grande dever de encontrar soluções
viáveis que efetivamente poderiam regenerar e civilizar o país como um todo, colocando-
o no trilho do progresso e da modernidade.
A eugenia também surgiu no Brasil como resposta às questões nacionais, em que
os brasileiros se referiam neste contexto como “questão social”
(STEPAN, 2004, p.336).
A população brasileira se encontrava em péssimas condições sociais, tanto na área rural,
como nos centros urbanos. A grande maioria da população era formada por negros e
mulatos recém saídos do sistema escravista. Junto com os grupos de indígenas e
sertanejos, eles se encontravam em um estado de extrema pobreza, em péssimas
condições higiênicas e sanitárias. Estas condições sociais geravam uma grande
contingência de epidemias, deixando a população doente, fraca e improdutiva. Neste
contexto, a população do sertão não tinha o direito a qualquer forma de cidadania, e
estava abandonada pelo Estado brasileiro. Por outro lado, o processo de urbanização a
expansão da imigração e a introdução da indústria e da mão de obra operária,
principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, colaboravam para aumentar os
problemas sanitários e o temor de novas epidemias, como a febre amarela, a peste
bubônica, a tuberculose e a varíola (SOUZA, 2006, p.23). Desta forma, o Brasil, aos olhos
dos países “civilizados”, continuava sendo visto como um país “incivilizado”, que se
encontrava em um estado de degeneração racial.
O estágio em que a ciência brasileira se encontrava, segundo Stepan (2004,
p.337), “[...] a história da eugenia no Brasil deve ser vista como parte de um entusiasmo
generalizado pela ciência como ‘sinal’ de modernidade cultural”. A eugenia foi assimilada,
pela ciência brasileira, como um conhecimento científico que expressava muito do que
havia de mais “atualizado” na ciência moderna. Ela representava para a intelectualidade
brasileira “a religião do futuro” (PENNA, 1920c), falar sobre a eugenia significava pensar
em evolução, progresso e civilização, pressupostos que estavam no imaginário da elite
brasileira (SOUZA, 2006, p.20). O sucesso das campanhas científicas do Instituto
Oswaldo Cruz e do movimento sanitarista demonstrou a força das “ciências sanitárias”
em conseguir atuar dentro da esfera pública e política em fins dos anos de 1910. A grande
campanha elaborada em prol da saúde pública no Brasil abriu um campo fértil para a
entrada da eugenia, que se desenvolveu associadas com as discussões higiênicas e
sanitaristas durante os anos de 1910 e 1920.
Educação higiênica e eugenia e a consciência sanitária nacional
O Saneamento, a Hyhiene, a Medicina Social e a Educação hygienica, para
implementação da consciência sanitária, constituem o alicerce da Eugenia, sem
o qual ela o poderá ser praticada, se não de modo deficiente em âmbito muito
limitado. (PENNA, 1929, p.17).
A partir das concepções de Penna sobre eugenia, considero que ele abordou a
higiene e a eugenia em suas discussões sobre reforma social e as políticas de saúde
pública no Brasil como sendo duas ciências indissociáveis. O sanitarista absorveu a
eugenia ao modelo neolamarckista, sendo que esta perspectiva defendia que as
características adquiridas através do meio influenciavam decisivamente nas gerações
sucessivas. Por este ângulo, a eugenia foi muito viável ao seu projeto sanitário nacional,
uma vez que ambas preparavam e cuidavam do meio social, garantindo assim o
melhoramento das características sociais e biológicas das pessoas e, consequentemente,
das gerações sucessivas. Desta maneira, a eugenia serviria como um dispositivo
civilizador, capaz de reeducar hábitos sociais e comportamentos morais por meio da
educação, do saneamento e da higiene. Neste sentido, a educação higiênica e eugênica
tinha um papel fundamental dentro do seu projeto sanitário nacional, de tal forma que,
segundo Penna:
Amar e defender a pátria, é além disso, trabalhar fecundamente pelo
povoamento útil do seu solo, para o aumento constante progressivo da sua
produção legitima e natural, para o bem estar das suas classes de trabalho, para
a sua instrução e educação profissional e technica, para a moralização da
politica, para a formação de uma infância sadia e de uma mocidade robusta,
instruída e operosa.
Nada disso se alcança sem o alicerce solido da saúde, através da pratica da
hygiene, da prophylaxia, e da eugenia, como resultado da educação hygienica e
da criação da consciência sanitária nacional. (PENNA, 1920a, p.66).
O discurso de Belisário Penna foi proferido em uma conferência realizada no Club
Militar em 1922, e seu público ouvinte era sobretudo militares. Em síntese, Penna
ministrou-a informando sobre as condições sociais e políticas que se encontravam o
Brasil, e por fim expôs sua solução para o enfrentamento dos problemas nacionais. As
questões a serem combatidas, eram a doença, o alcoolismo, o analfabetismo, o abandono
da população pelo Estado e a falta da moralização política. A base estrutural da solução
dos problemas, em seu ponto de vista, estava na educação higiênica e na consciência
sanitária nacional. Penna acreditava que a consciência sanitária deveria estar presentes
em todas as camadas da sociedade, bem como a educação higiênica deveria ser exercida
em todas as áreas e etapas da vida da população brasileira. Caberia aos militares,
médicos, professores, mulheres e aos políticos a responsabilidade de lutar pela
regeneração da raça, pela instrução primária e profissional, pela educação higiênica e
pela eugenização do povo (PENNA, 1920a, p.66-67).
Segundo Penna, a educação higiênica da população deveria ocorrer nas escolas
primárias, nos colégios e nas casernas, e aos que escaparem do ensino, deveriam receber
a educação higiênica nos quartéis (PENNA, 1920a, p.61). É importante lembrar que, a
conferência foi realizada no período de pós-guerra, em 1922. Além da necessidade de
fortalecer os soldados fisicamente, existiam as preocupações com a falta de higiene, que
durante a Primeira Guerra Mundial havia gerado milhares de mortes dos soldados,
especialmente por contraírem doenças e infecções em ambientes insalubres. De acordo
com Penna, caberia aos médicos-militares, além de curadores e cirurgiões, a
responsabilidade de se tornarem higienistas, que milhares de soldados no campo de
batalha morriam pelas epidemias. Ainda neste ponto, a sua função de higienistas iria além
dos períodos de guerra, a eles sobrariam a função de contribuir na sociedade em tempos
de paz (PENNA, 1920a, p.62-64), por isso a necessidade da educação higiênicas dentro
dos quartéis brasileiros.
Mas para Belisário Penna qual a relação dos soldados brasileiros com a
sociedade? Para o sanitarista, os quartéis eram reflexos da sociedade, sendo os soldados
pessoas advindas da população brasileira, principalmente da classe trabalhadora, em sua
maioria pessoas doentes.
2
Neste sentido, os soldados eram fracos e lhe faltavam
condicionamento físico. Desta forma, compreende-se a importância da utilização da
antropometria nos estudos eugênicos pelos médicos-eugenistas do período, e a suas
preocupações pela falta de robustez na população brasileira e consequentemente de
seus soldados. A antropometria brasileira bebia dos estudos do Dr. Pignet, médico militar
2
Durante a conferência Exercito e Saneamento, Belisário Penna trouxe dados dos Postos de Profilaxia
Rural da Vila Proletária e da Vila Militar, onde foram examinadas 2.196 praças dos e Regimentos de
Infanteria, Batalão de Engenharia, Companhia de Aviação. de Metralhadoras, a Ferro-Viaria e
Regimento de Cavalaria Divisionaria. Os resultados variam entre 70% a 93% infectados por vermes, sendo
classificados entre vermes gerais e de opilação (PENNA, 1920a, p.54).
francês, e eram utilizados pelo exército da França para excluir os homens considerados
como fracos.
3
A estatura da população brasileira era considerada baixa e magra em
relação às medidas dos soldados franceses. Penna tinha a convicção de que as condições
físicas do soldado brasileiro dependiam do combate das verminoses, uma das grandes
causadoras da malformação do aspecto físico da população, principalmente a
ancilostomose.
4
Ele defendia que a melhoria da estatura do soldado brasileiro em
padrões de Pignet ocorreria através da profilaxia e de hábitos higiênicos como prevenção
da opilação e da contenção de outros vermes.
O soldado dentro do projeto de Penna também tinha um papel de educador, ele
idealizava que os soldados e marinheiros que dessem baixas em seus exercícios militares,
passariam a ser voluntários para levar a todo o canto do Brasil os cuidados higiênicos e
sanitários, visando a melhoramento e a potencialidade da população. Nesta lógica, os
militares levariam seus aprendizados para suas casas, para ensinar a sua família os
valores militares, a educação sanitária, o civismo e o patriotismo, consequentemente
formariam filhos robustos e fortes contribuindo para a regeneração da raça brasileira
(PENNA, 1920a, p.63). Assim sendo, caso a educação falhasse nos ambientes escolares
primários e profissionalizantes, a educação em ambiente militar condicionaria a
formação de uma consciência sanitária.
O melhoramento da antropometria em relação ao corpo e a regeneração da raça
brasileira também estava presente nas discussões sobre Educação Física, que teve
grande papel na formação de um ideal de estética relacionado à saúde e um ideal de
beleza. Um dos principais representantes foi o sociólogo e educador Fernando de
Azevedo, membro e primeiro secretário da Sociedade Eugênica de São Paulo. Segundo
Azevedo:
O exercício esta maravilhosa ação mecânica, é que corrige e modela a
estrutura humana. Quando pois, persistindo a causa durante varias gerações, a
herança fixa definitivamente os caracteres adquiridos, as modificações
anatômicas assim produzidas tornam-se permanentes e chegam à constituição
de espécies novas, de maneira que uma adaptação a uma função útil pode
definitivamente fixar-se sob forma de um caráter étnico, assim como a atrofia
de certos órgãos pode chegar ao desaparecimento étnico (AZEVEDO, 1920, p.
22-23, apud. VECHIA; LORENZ, 2009, p.63).
3
Os estudos sobre antropometria no exército brasileiro em bases do Dr. Pignet, ao qual Penna utilizou,
foram realizados pelo capitão e médico Murilo de Campos, pelo capitão e médico Romeiro da Rosa, Dr.
Gustavo Lessa, pelo tenente Goés Monteiro e através do trabalho divulgado pelo Dr. Renato Kehl na
Revista Brasil Médico, com o título “Povo São Povo Doente” (PENNA, 1920a, p.57-59).
4
Em questões de estética, a sífilis também era considerada um dos fatores da “feiura” brasileira.
Azevedo também fazia parte da campanha em defesa da eugenia, especialmente
do modelo neolarmackiano, que partia da tese segundo a qual as características
adquiridas do meio são passadas entre as gerações, como saúde, educação e as
características anatômicas do corpo humano. O papel da eugenia por meio da Educação
Física, era formar uma população mais robusta e forte, inspirada nos princípios da
ciência grega. Azevedo acreditava ainda que a mulher brasileira tinha uma função
essencial na reprodução, na conservação e no melhoramento da gerações futuras, para
ele, as “mulheres fortes fazem uma raça forte”, através da saúde, do fortalecimento do
corpo e da beleza, elas estariam prontas para uma maternidade “adequada”, para gerar
uma prole mais vigorosa
(VECHIA; LORENZ, 2009, p.62).
Os debates higiênicos e eugênicos sobre as mulheres eram bastante frequentes
entre os eugenista e médicos. Temas como educação sexual, corpo, casamentos, aborto,
raça e maternidade foram amplamente debatidos em torno da figura da mulher, como
uma forma de controle sobre o corpo e os comportamentos sexuais, de modo que os
estudos eugênicos tiveram um grande papel no processo de definição de padrões
culturais e sociais para as mulheres. É importante ressaltar que, nos projetos de
médicos-eugenistas, existia um tipo eugênico “ideal” de mulher, representada pela
plasticidade do corpo e por sua capacidade de gerar uma prole supostamente mais
saudável. De acordo com Francescon, esses ideias eram construído a partir de uma
distinção de classe, de modo que as exigências recaíam sobre as mulheres mais ricas, das
quais “[...] esperava-se o bom preparo e a educação para o casamento, uma boa postura
estética tanto com a moda quanto com a casa” (FRANCESCON, 2017, p.37). Através da
análise do discurso, sobre a mulher, realizada em Renato Kehl, a historiadora ressalta
que “[...] seus conselhos sobre casamento, educação e maternidade, apresentam o tom e
o perfil da mulher rica” (FRANCESCON, 2017, p.37). Desta forma, a padronização de
comportamentos e hábitos aprisionou as mulheres burguesas em um conjunto de regras
que a definiram como sendo “boas mulheres”, enquanto excluía todas as outras que não
se comportassem conforme os novos padrões sociais (FRANCESCON, 2017, p.37).
O Boletim de Eugenia foi um espaço de sociabilidade dos intelectuais para a
divulgação da eugenia, e os trabalhos publicados nele eram, em sua maioria, escritos por
homens. Assim, percebemos que a representação da mulher no debate eugênico é
realizada pela figura masculina. Nas páginas do Boletim, destacamos a publicação de uma
mulher, da autora Sylvia Serafim
5
, intitulado Maternidade Consciente. Serafim foi uma
5
Sylvia nasceu no Rio de Janeiro, em 1902. Foi acusada pelo jornal carioca A Crítica de ter traído o marido,
mantendo um caso com o também médico Manuel Dias de Abreu. Irritada, ela foi à redação do jornal
jornalista e escritora, era filha de Augusto Serafim, auxiliar de Oswaldo Cruz, casada com
o médico João Thibau Júnior, e mãe de dois filhos, pode-se considerar, a jornalista, como
pertencente a classe média, e seu público era destinado para a mesma classe. Em seu
artigo, a autora, ao escrever sobre a maternidade, colocou a ideia de que, “ser mãe é uma
fatalidade da natureza” (SERAFIM, 1930, p.1). Nesta acepção, ela acabou contribuindo
para a visão da naturalização do papel da mulher enquanto mãe, criadora e educadora
dos seus filhos, porque “Só ela cria verdadeiramente porque cria conscientemente”
(SERAFIM, 1930, p.1) e pela maternidade consciente ocorre a salvação da raça futura. Em
sua escrita, ela centra a responsabilidade sobre os filhos exclusivamente na mulher, ou
seja, “as mulheres nasceram para isso”, seus comportamentos, hábitos,
responsabilidades e profissões passaram por um processo de naturalização do seu papel
na sociedade.
Assim, a função da mulher, representada pelos médicos e eugenistas, ia além da
educação familiar. Dentro do projeto de educação higiênica, Belisário Penna considerava
a escola primária como algo primordial para a conscientização sanitária.
Para o bem da sociedade e da pátria haverá, depois do lar e da família, função de
maiores responsabilidades e mais dignificantes do que a de educador? E a quem
cabe essa função, senão à mãe de família no lar e à educadora na escola?
(PENNA, apud SANTOS, 2012, p.63)
6
.
Em casa, além de criar os filhos, a mãe também tinha a tarefa de educar as filhas
em atividades domésticas e prepararem-nas para se tornarem “boas mães”, pois seriam
elas as germinadoras das futuras gerações. Neste período a mulher da classe média foi
representada como mulher-mãe-educadora. Por volta da década de 1920,
intelectualmente as mulheres da classe média passaram a participar das profissões como
professoras e funcionárias públicas (FRANCESCON, 2017, p.37). Devido aos aspectos de
cuidadora e educadora, elas decorreram a ter uma maior participação nas escolas
primárias, responsabilizando-as, tanto na casa como na escola, pela formação das
crianças. Neste sentido, as crianças também passaram a ter um papel importante neste
processo, pois começaram a ser vistas como capazes de adquirir conhecimentos, o que
lhe davam a potencialidade de mudar o futuro do país. Desta maneira Penna detinha a
armada, para matar o editor, Mário Rodrigues, no dia 26 de dezembro de 1929. Sílvia acabou atirando no
filho dele, o também jornalista Roberto. O periódico O Jornal, do Rio de Janeiro, trouxe no dia 23 de agosto
de 1930 a notícia da absolvição da jornalista. Ela morreu em 1936 por suicídio.
6
De acordo com Santos o arquivo se encontra em: Penna, Belisário. Fundamento da sociedade. O lar
próprio. S. D. Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro. Fundo
Pessoal Belisário Penna. 3 folhas. BP/PI/TP/90002040-17. (SANTOS, 2012, nota de rodapé 28).
preocupação para a implementação de ensinos educacionais voltados para a área da
saúde, formando indivíduos saudáveis capazes de moralizarem os ambientes político-
social, que se encontravam desmoralizados devido as castas dirigentes do país (PENNA,
1925).
Mas a realidade das crianças exposta pelo sanitarista era totalmente negativa. Um
dos principais problemas era a mortalidade infantil. Em seu trabalho sobre Saúde,
Trabalho e Educação, relatou em que cada10 casais geravam 80 filhos, entre 80, nasciam
68, mas morriam 38 durante o primeiro ano de vida, entre 1 ano a 8 anos de idade
morreriam mais 10, até os 15 anos mais 4, sobrariam, ao total, 16. Porém, entre os 16, o
sanitarista ressalta que 6 estariam bem de saúde e os outros 10 inutilizados para o
trabalho, devido as endemias, a sífilis, ao alcoolismo e pela consanguinidade de pais
tarados”, o que resultaria uma reprodução às gerações futuras (PENNA, 1920d, p.4).
Este processo de degeneração racial, tinha como chave explicativa, entre outras, a falta
de educação higiênica, sobretudo nas escolas, compreendida pelo sanitarista como o
meio mais efetivo de criar hábitos salutares e de consciência sanitária. O sistema de
Governo brasileiro corrompido também era um dos principais obstáculos para a
implementação do projeto educacional via higiene de Belisário Penna.
Penna na mesma tradição de Alberto Torres criticou o sistema republicano
federalista como sendo um problema nacional brasileiro”, além do aspecto social,
colocou como um dos principais fatores da ineficácia do ensino escolar brasileiro. Uma
das principais críticas de Penna é sobre a Constituição de 1891, que dava autonomia aos
Estados sobre o ensino primário, liderados pelas oligarquias, que não fazia referências à
saúde, higiene, educação e a instrução profissional, que são, para ele, fundamentos
nacionais essenciais para o progresso do país
(PENNA, 1925, p.01-03). Além disso, a carta
impedia à intromissão do Governo Federal, em assuntos estaduais e municipais, sem a
iniciativa do Estado, caso contrário, era visto como uma intervenção sobre os poderes
das oligarquias estaduais.
As críticas realizadas por Belisário Penna e pelos intelectuais envolvidos com o
movimento sanitarista sobre o sistema republicano e as reivindicações realizadas
durante a década de 1910, para a execução de reformas nas áreas da saúde e educação
em nível federal, contribuíram de forma contundente para as criações de instituições
nesses setores. Por exemplo, a fundação do Departamento Nacional de Saúde Pública
(DNSP) ocorreu em 1920, e do Departamento Nacional de Educação (DNE) em 1925. A
criação destas instituições resultou maiores poderes para a União sobre os Estados e
Municípios. Este processo, de acordo com Ferreira, contribuiu para a perda do poderio
político das oligarquias tradicionais (FERREIRA, 2012, p.116). A centralização do poder
sobre o Estado era uma das principais ideias defendidas por Penna, a centralização da
educação em nível federal representava mais do que o combate ao analfabetismo, ela
representava também a criação e a padronização de hábitos e comportamentos
higiênicos que poderiam combater as doenças e os vícios com a finalidade de regenerar a
raça. Portanto, a conscientização da elite políticas sobre a importância da saúde e da
educação era um processo de suma importância para a concretização do projeto
sanitário nacional de Penna.
Além do problema relacionado com a política das oligarquias, o tema sobre o
analfabetismo era uma questão essencial para a compreensão da necessidade de uma
escola voltada para o ensino primário. Durante a viagem científica Neiva-Penna, os
médicos relataram um alto índice de analfabetismo da população brasileira, relatando
que em alguns lugares do interior do Brasil, a taxa chegava em torno de 80% a 95% da
população analfabeta (NEIVA; PENNA, 1916). Neste período, a responsabilidade da
educação estava estritamente ligada às oligarquias estaduais e municipais, conforme a
Constituição de 1891. Pela lógica do pensamento político de Belisário Penna, assim como
a saúde, a educação também tinha um papel essencial para a formação de uma unidade
nacional, por este ângulo o sistema federativo e descentralizador atrapalhava Penna em
seu projeto sanitário nacional.
A educação se tornou um meio essencial nos projetos nacionais dos intelectuais
brasileiros durante os anos de 1920 e 1930, principalmente para ressaltar sua
importância no processo regenerativo racial e social, e a necessidade da intervenção do
Estado neste processo. A importância da educação perante a sociedade não foi algo
exclusivo de Belisário Penna, mas sim de alguns intelectuais pertencentes a geração da
Primeira República, principalmente dos críticos da república federativa. Levi Carneiro, no
Congresso Brasileiro de Eugenia, defendeu a educação e o meio social como
influenciadores das características do ser humano traspassadas hereditariamente, seu
posicionamento surgiu devido a crítica realizada por Edgard Roquete-Pinto, que defendia
a eugenia relacionada aos princípios de Mendel. Para Carneiro a “intelligencia é attributo
caracteristico da especie humana” e é a obra que a “educação póde realizar”
(CARNEIRO, 1929, p.107-108), e o dever do Estado é difundi-la extensivamente com
extensa generalidade, por isso a importância da existência das escolas na sociedade
brasileira (CARNEIRO, 1929, p.109). A educação teria ainda a função de corrigir os cios
e os defeitos hereditários, por isso a importância da educação desde a etapa infantil até a
adulta. Assim Carneiro ressalta:
Dahi o dever do Estado de proporcionar, ou facilitar a educação integral. Dessa
inferência andamos particularmente despercebidos. Tendemos a reduzir o
periodo educativo. Limitamo-lo a pouquissimos annos. Encerramo-lo em plena
puberdade. Quando muito, com a obtenção do diploma academico. No entanto,
deveriamos amplia-lo, como realmente se amplia, nos dois sentidos, em todos os
paizes zelosos da preparação dos seos homens.
(CARNEIRO, 1929, p.109).
De acordo com o jurista, ao assumir a importância da eugenia para a
transmissibilidade de certas características adquiridas hereditariamente, cresce assim a
relevância social da educação e de sua continuidade, sendo garantida pelo Estado. No
final da sua conferência, assegurou a relação da educação com a eugenia, defendendo
que o ensinamento da eugenia era o mesmo da educação, colocando-as como aliadas.
Levi Carneiro via nos países considerados “cultos”, modelos a serem seguidos, na mesma
perspectiva, Belisário Penna também utilizava países do exterior como modelos. Citando
René Sand
7
, Penna viu na Inglaterra um país que tinha uma educação quase perfeita, que
se preocupava com a saúde e que tinha consciência sanitária, mas que mesmo assim
ainda tinha problemas educacionais ocasionados pelo alcoolismo. Sua referência à
Inglaterra tinha como intencionalidade uma comparação com o Brasil, onde os
governantes não possuíam uma consciência sanitária, onde não havia preocupação com
a saúde e nem com a educação, além disso, os problemas sociais não se definiam
exclusivamente ao alcoolismo, junto a isso, as doenças e o analfabetismo eram questões
essenciais para compreender o estado de atraso em que se encontrava a população
brasileira, além do mais, essas questões geravam um problema na mão de obra e
consequentemente na economia do país, pois a grande maioria dos trabalhadores era
fraco e improdutivo (PENNA, 1918a).
Penna idealizava um ensino escolar que pudesse gerar cidadãos capazes de
moralizar a sociedade e a política brasileira, e um governo republicano que inserisse
estudos sobre a saúde nas escolas.
8
Ele acreditava ser necessário criar entre os
brasileiros uma “consciência sanitária”, mas afinal, o que era a consciência sanitária para
ele? Penna, durante sua trajetória pelo Instituto Oswaldo Cruz, adquiriu aprendizados
sobre a medicina experimental, e viu em Oswaldo Cruz “o maior brasileiro” (PENNA,
1921, p.01), o primeiro a ter consciência sanitária. Após a convivência com ele, o
sanitarista tomou consciência da importância da saúde pública no Brasil, ao divulgar as
7
O médico René Sand nasceu em 3 de janeiro de 1877 em Bruxelas e morreu em 1953. Sand foi um
excelente especialista em tendências contemporâneas em serviço social na área anglo-saxônica, o que
influenciou sua compreensão do serviço social em nível nacional na Bélgica. Ele estudou a situação social e
econômica do pós-guerra na lgica, que havia sido devastada em grande parte. Com algumas
personalidades de destaque na Bélgica, Sand decidiu fundar o primeiro instituto nacional para a formação
de assistentes sociais em 1919 em Bruxelas, a Escola Central de Aplicação de Serviços Sociais”.
8
Penna não via uma necessidade de mudança de regime, mas uma moralização e um centralização de
poder no sistema republicano brasileiro (PENNA, 1925).
condições sociais e o abandono da população, após suas viagens científicas, ele passou a
chamar a atenção dos autoridades públicas para uma tomada de consciência sanitária, ou
seja, os problemas nacionais poderiam ser finalmente resolvidos pelo viés da saúde. Os
problemas físicos, morais, psíquicos, seriam assentados pela profilaxia, higiene e
saneamento, educação higiênica e eugênica, garantindo assim a regeneração da raça
brasileira o que levaria a civilização do país. A tomada de consciência sanitária entre os
brasileiros era a “convicção do valor econômico, étnico, moral e social da normalidade
biológica resultante da saúde” (PENNA, 1920b). Depois da tomada de consciência pelos
médicos, as autoridades governamentais também deveriam adquirir. Portanto a
implementação da ideologia sanitária passaria a fazer parte de um projeto
governamental, implantado no sistema educativo, como também nas instituições
militares, chegando até as famílias brasileiras, em que as mulheres passariam a ter um
papel essencial para a educação higiênica de seus filhos, deste modo, todos os brasileiros
de todas as camadas da sociedade teriam que adquirir a consciência sanitária nacional.
Considerações finais
Esta conclusão do projeto de educação higiênica para a tomada de consciência
sanitária nacional foi possível devido às conferências realizadas pelo médico-sanitarista.
Em muitas delas, Penna adaptou seu discurso conforme o seu público ouvinte. À vista
disso, quando suas palavras eram dirigidas para médicos, o discurso do sanitarista
buscava explicar o dever da classe médica para a conscientização da importância da
saúde na sociedade brasileira (PENNA, 1922, p.11). Sobre os soldados, suas preocupações
estariam voltadas para a conscientização da importância da higiene para sua própria
sobrevivência nos campos de batalha, assim como a busca de fortalecimento corporal,
com um ideal de corpos robustos e saudáveis, através de práticas profilaxia (PENNA,
1920a). A função dos governantes do país, que se encontravam, de acordo com o
sanitarista, em um sistema de “politicalha”, era de garantir a educação higiênicas nas
instituições de ensino, com uma centralização do poder sobre a União (PENNA, 1925).
O papel da mulher no projeto de Penna também é de suma importância. Com um
tom de naturalização de seus deveres, a mulher é representada como a responsável
pelos cuidados familiares, enquanto mulher-mãe-educadora. Cabe ressaltar, novamente,
que a mulher ao modelo eugênico, se referia principalmente para as mulheres de classe
média e alta da sociedade, uma vez que muitas mulheres não estavam nos padrões
estabelecidos pelos médicos-eugenistas e pela própria formação de uma classe burguesa,
que ditava padrões de diferenciação da classe trabalhadora (FRANCESCON, 2017, p.37).
A grande centralidade da educação higiênica, em seu projeto, estava relacionada à
infância, às crianças e aos jovens, pois neste período eles começaram a ganhar
visibilidade como agentes com potencialidade de engendrar mudanças sociais através do
conhecimento. Além disso, os jovens passariam também pela educação
profissionalizante, se tornando, assim, potencialmente produtivos enquanto mão de obra
para o trabalho. Portanto, a educação higiênica e eugênica teria a função de moldar
hábitos e comportamentos com finalidade de regenerar a raça brasileira. Desta forma,
todos os agentes históricos, dentro do projeto sanitário nacional de Belisário Penna,
teriam que passar pela educação higiênica e eugênica para a concretização de uma
sociedade saudável e produtiva, assim o Brasil entraria nos trilhos do progresso e no
mapa dos países considerados civilizados.
Considero que Belisário Penna foi um produto legítimo de seu tempo, pertenceu à
geração salvacionista que visava elevar o Brasil ao concerto das nações civilizadas
através da ciência e da saúde pública, principalmente por meios higiênicos e sanitários.
Além disso, dentro da sua engenharia social, absorveu o receituário eugênico, sobretudo
ao modelo “preventivo”, que casava com seu projeto sanitário nacional. A defesa da
educação e da saúde era uma forma de intervenção social que estava presente em vários
projetos dos sanitaristas e eugenistas de início do século XX, embora isso não
significasse que seus projetos fossem totalmente eficazes e efetivados. Por outro lado,
os projetos sanitaristas colaboraram para mudanças na vida das pessoas e de seus
costumes, contribuindo de forma contundente em uma vigilância do Estado sobre a sua
população. Neste sentido, fica evidente a importância dos intelectuais e da ciência na
sociedade, uma vez que suas pesquisas ajudam efetivamente em momentos turbulentos
de enfrentamento de doenças endêmicas ou epidêmicas, como no atual momento em que
enfrentamos a pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19). Em frente ao cenário de
pandemia, aumenta ainda mais a importância dos profissionais da saúde e de um sistema
de saúde pública bem estruturado e equipado, assim como também a educação higiênica
para criar hábitos e comportamentos que podem salvar vidas. É em contextos como
estes que percebemos a centralidade dos serviços de saúde pública e a importância de
criar aquilo que Belisário Penna chamou de “consciência sanitária nacional”.
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