BRITO, Rosildo Raimundo de
*
https://orcid.org/0000-0002-2266-5228
RESUMO: Este trabalho apresenta um
retrospecto histórico acerca do
desenvolvimento do humor gráfico na
imprensa diária paraibana, a partir do
pioneirismo do jornal O Norte, o maior jornal
em circulação na Paraíba nos anos 1970. No
estudo realizado, averiguou-se que esse foi o
primeiro periódico a utilizar-se do humor
gráfico como recurso satírico-humorístico na
imprensa diária paraibana, impulsionando o
uso da linguagem caricatural no cotidiano
jornalístico estadual. O estudo deteve-se na
análise das edições que circularam entre 1968
a 1980, com o foco num universo de 364
imagens de humor empregadas na época.
Fundamentado na contribuição advinda da
História Cultural e a História Social, este
trabalho evidencia a importância da
iconografia para o campo da História,
revelando, dentre outros, o caráter
documental histórico de que os desenhos de
humor se revestem na condição de valiosos
artefatos culturais em uso no cotidiano.
PALAVRAS-CHAVE: Imprensa; Paraíba;
Humor gráfico.
ABSTRACT: This work presents a
retrospective of the development of graphic
humor in the Paraíba daily press, based on the
pioneering work of the newspaper O Norte,
the largest newspaper in circulation in Paraíba
at the time. The study found that the
newspaper was the first periodical to use
graphic humor as a satirical-humoristic
resource in the daily press of Paraíba,
promoting the use of caricatural language in
daily state journalism. The study focused on
the analysis of the editions that circulated in
the period from 1968 to 1980, focusing on a
universe of 364 humor images used at the
time. Based on the contribution coming from
Cultural History and Social History, this work
highlights the importance of iconography for
the field of History, revealing, among others,
the historical documentary character that
humor drawings take on as valuable cultural
artifacts in use in everyday life.
KEYWORDS: Press; Paraíba; Graphic humor
Recebido em: 13/08/2020
Aprovado em: 08/11/2020
* Doutor em História Social pela USP, São Paulo-SP. Professor da Universidade Federal de Campina
Grande UFCG, Campina Grande-PB. E-mail: rosildo@usp.br. Este artigo é proveniente da tese de
doutorado intitulada: Rir para resistir: a luta contra a ditadura na imprensa paraibana (1970-1980).
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
O humor gráfico na perspectiva da História Cultural
O caráter de universalidade e de polivalência que acompanha a narrativa
humorística amplamente disseminada na sociedade contemporânea vem alargando os
estudos do humor dentro do campo da pesquisa histórica e, aos poucos, despertando o
interesse dos historiadores para um fenômeno comum a todos os povos. Embasada na
concepção culturalista, segundo a qual o humor deixa de ser visto como um fenômeno
meramente psíquico e fisiológico para se tornar um produto cultural de caráter mutável e
situado historicamente no seio das diversas sociedades humanas, essa tendência
investigativa vem avançando amparada, sobretudo, na contribuição advinda da vertente
da História Cultural. Nesse sentido, é forçoso reconhecer que, mesmo que de maneira
ainda incipiente, “os estudos em curso começam a desfazer alguns dos pressupostos
habituais e naturais’ em torno do riso e do humor” (SALIBA, 2017, p. 9). Tais estudos
chamam a atenção para os aspectos culturais e sociais que moldam as diversas
modalidades de narrativas humorísticas em uso na sociedade, situando-as no tempo
histórico em que são geradas. Dentro dessa linha investigativa, destacam-se as
importantes contribuições advindas de autores como Minois (2003) e Bergson (1983) as
quais apontam para um descortinamento em torno da dimensão social do riso, bem como
o caráter político que acompanha o ato de rir.
Dentro desse cenário em que o interesse pelos mais diversos gêneros do humor
começa a se descortinar para aos historiadores, como defendem vários autores, dentre
eles Fonseca (1999) e Silva (2018), ninguém pode negar a importância do desenho
humorístico enquanto valioso documento histórico. Seja como fonte de informação social
e política, como termômetro de opinião, fenômeno estético, expressão artística ou como
simples forma de diversão e passatempo, as diversas formas de ilustrações cômicas
revelam-se importantes objetos de estudo para o campo da história. Inseridos dentro
desse paradigma que, por sua vez, se encontra respaldado, sobretudo, na ampliação da
noção de documento histórico apresentada pela Nova História Cultural no final dos anos
60, as diversas modalidades do humor gráfico vêm revelando-se valiosos artefatos
culturais e objeto de estudos de diversas ciências sociais dentro de uma perspectiva
culturalista ao longo das últimas décadas.
Trata-se de uma abordagem que faz da visualidade uma dimensão valiosa da vida
social e das narrativas imagéticas que compõem o universo da caricatura
1
, em particular,
1
Não existe uma definição consensual para o termo caricatura que, de modo geral, é concebida a partir de
duas perspectivas conceituais distintas. De modo estrito, em que aparece enquanto sinônimo para os
desenhos cômicos que, em geral, ridicularizam a pessoa humana a partir do exagero dos traços
fisionômicos característicos apresentados, também conhecida como caricatura pessoal. E, de modo mais
significantes elementos que pontuam a vida cotidiana. É analisando as diversas
modalidades satírico-humorísticas que compõem este multifacetado campo gráfico-
humorístico presente nas páginas dos periódicos publicados no transcorrer do tempo,
que chega a um valioso compêndio memorial das práticas culturais que marcaram e
continuam marcando os diversos e distintos períodos históricos das sociedades. Tal
fenômeno ocorre, vale salientar, em grande parte, em decorrência do alcance social e
cultural das modalidades caricaturais em uso, a exemplo das charges e dos quadrinhos
enquanto imagens que circulam amplamente na sociedade através da imprensa,
reforçando aquilo que Vovelle (1997) revela ao destacar que é possível, a partir das
imagens, se conhecer a história social de um determinado tempo, ressaltando, desta
maneira, o aspecto testemunhal e (re)configurativo que as imagens exercem sobre a
realidade à medida que relata e que contribui, por si só, para construir o acontecimento
em toda sua espessura política, social e cultural (VOVELLE, 1997, p. 171). Esse mesmo
autor vai um pouco mais além e, fundamentado na nova concepção acerca da ampliação
documental para o campo da História, ao analisar o potencial da iconografia para os
historiadores, afirma que por meio da iconografia pode-se constituir toda uma série de
dossiês pelo ângulo de uma história temática, como se tem visto, aliás, a partir dos
diversos estudos desenvolvidos no transcorrer das últimas décadas no campo da
pesquisa histórica.
Não obstante, trata-se de uma linha de investigação histórica que carece de um
maior alargamento, sobretudo, no tocante ao universo das narrativas imagéticas satírico-
humorísticas em uso na imprensa diária e que permanecem à espera de um olhar mais
atento por parte dos historiadores, como, aliás, defendem vários autores (SILVEIRA,
2009; GAWRYSZEWSKY, 2008; MENESES, 2003; PAIVA, 2002; PESAVENTO, 1993). Por
esta razão, pode-se afirmar que, mesmo tendo avançado nas últimas décadas os estudos
em torno da arte cômica, de modo geral permanecem sendo um objeto enigmático, com
aspectos fugidios e ainda desafiador para o historiador e outros estudiosos do campo das
Ciências Sociais que passaram a se dedicar a uma análise mais aprofundada acerca do
potencial de narrativa testemunhal de caráter sociocultural de que se revestem as mais
variadas modalidades imagéticas que compõem o universo da cultura visual.
Dentro dessa linha de raciocínio, Silveira (2009) vai afirmar que,
abrangente, em que o termo equivale à designação geral para uma forma de arte que se expressa através
de uma variedade de desenhos satírico-humorísticos. Nessa acepção geral do termo caricatura podemos
entender como formas dela a charge, o cartum, o desenho de humor, a tira cômica, a história em
quadrinhos de humor, o desenho animado e a caricatura propriamente dita, isto é, a caricatura pessoal.
(FONSECA 1999, p. 17). É esta a definição adotada neste trabalho em referência à caricatura.
independentemente de não ter alcançado a legitimação plena, a caricatura adquiriu a
condição de fonte documental, contudo, sua análise impõe obstáculos metodológicos de
vulto (SILVEIRA, 2009, p. 21). O mesmo é reafirmado pelo historiador Gawryszewsky
(2008) que, ao analisar o problema em questão, afirma que, apesar de ter se tornado um
termo usual e alvo de estudos de diversos campos do saber, a caricatura em suas
diversas modalidades permanece sendo uma valiosa fonte documental à espera de
estudos mais profundos no campo da ciência histórica. Tal lacuna se torna ainda maior,
em termos da pesquisa histórica realizada no Brasil, quando se observa a pouca
quantidade de estudos e da historiografia ainda escassa voltada à problemática aqui
destacada no contexto da realidade regional, cuja historicidade ainda se apresenta
carente de registros voltados à história do humor gráfico dentro do universo da imprensa
nordestina de modo ainda mais particular
2
. É o que se vê, por exemplo, ao voltar-se o
olhar para a realidade apresentada no estado da Paraíba, de que trata este artigo, como
fruto de um dos resultados obtidos em pesquisa de doutorado realizado no campo da
História Social.
Jornal O Norte e o pioneirismo da caricatura na imprensa paraibana
A irreverência da linguagem humorística fez parte do cotidiano da imprensa que,
na qualidade de instância de mediação social, sempre procurou aproximar-se ao máximo
possível de seu público leitor, valendo-se, para tanto, dentre outros, das linguagens e
valores culturais disseminados em cada época. Não obstante, em se tratando da longa
tradição de humor brasileiro, os recursos humorísticos de cunho ligeiro e circunstancial
se tornam característicos da imprensa diária nas duas últimas décadas do século XIX,
expandindo-se a partir dos decênios iniciais do século XX com o advento das revistas
ilustradas, estimuladas por novas técnicas de impressão e reprodução gráfica (SALIBA,
2002)
3
. Em pouco tempo, os jornais diários passaram a absorver os desenhos
humorísticos como elementos visuais cada vez mais presentes na rotina produtiva das
2
É importante destacar que boa parte dos estudos desenvolvidos e publicados em torno da
problemática envolvendo imprensa e o humor gráfico se detém na realidade advinda da denominada
grande imprensa, constituída pelos maiores e mais conhecidos veículos jornalísticos situados, em sua
grande maioria, no eixo Sul-Sudeste do país e voltados para o trabalho desenvolvidos pelos cartunistas que
se destacaram nacionalmente, a exemplo de Henfil, Ziraldo, Jaguar e os demais vanguardistas do humor
gráfico brasileiro no século XX.
3
Para além dos aspectos relacionados aos avanços tecnológicos que impulsionaram o uso e a
popularização da arte gráfica no país, ao estudar a relação entre humor e a imprensa periódica na virada
dos séculos XIX/XX, este mesmo autor destaca o sentimento da ‘desilusão republicana’ como um marco
significativo no modo de produção humorística do Brasil, afirmando que “A ‘desilusão republicana’ foi o
móvel central da grande produção humorística da última década do século XIX. [...] Essa produção foi uma
fonte de inspiração para o grupo de humoristas mais jovens, os quais irão se utilizar desses processos de
criação cômica nas décadas seguintes” (SALIBA, 2002, p. 70).
redações, inclusive, na produção de anúncios publicitários. Como os anúncios ou
reclames eram todos produzidos das redações dos jornais, tornou-se natural que “grande
parte desses humoristas exercesse também essa atividade, tanto na elaboração dos
textos como na confecção de desenhos e caricaturas” (SALIBA, 2002, p. 81). Essa
realidade se deu primeiramente nos periódicos concentrados no sul e sudeste brasileiro,
sendo absorvida em seguida, paulatinamente, pelas empresas de comunicação
espalhadas pelas regiões menos desenvolvidas do país, como por exemplo, aquelas
situadas no Nordeste.
Na Paraíba, a partir da segunda metade do século XX foi que esse fenômeno
passou a ser visto
4
. Dentro deste panorama, o primeiro jornal a utilizar-se do recurso
gráfico imagético humorístico foi o jornal O Norte
5
, objeto de estudo central deste artigo.
A pesquisa em torno do periódico paraibano resultou num percurso, vale ressaltar, num
percurso dificultoso, tendo em vista a inexistência de arquivo próprio e a
indisponibilidade de material digitalizado. Por esse motivo, fez-se necessário percorrer
várias instituições de pesquisa para se chegar ao corpus de análise da pesquisa que
resultou em 364 imagens relativas à produção humorística publicada no jornal, no
período de 1968 a 1980. A ideia era focar a atenção no período de surgimento das
primeiras publicações imagéticas de caráter satírico-humorísticas e acompanhar o
desenvolvimento dessas durante toda a década de 1970, época de auge do humor gráfico
na imprensa paraibana. Constituído o corpus, foi-se em busca de identificar
categoricamente quais as modalidades de desenhos humorísticos estavam presentes no
jornal O Norte e quais desenhistas estavam por trás desse advento.
A análise fez ver que, a exemplo do que se via nos demais periódicos que
constituíam o conglomerado de jornais e revistas dos Diários Associados, O Norte
4
Embora não esteja contemplado dentro do recorte temporal de interesse deste trabalho, vale ressaltar
que não há, até a presente data, nenhum registro historiográfico sobre a origem e desenvolvimento da
produção humorística no jornalismo paraibano. Os vestígios feitos a partir de leituras avulsas apontam
para a segunda metade do século XX os primeiros registros do uso de ilustrações humorísticas, fenômeno
este decorrente, ao que se pode perceber, do processo de modernização pelo qual as principais empresas
jornalísticas começaram a apresentar a partir deste período e que se manifestavam, de um lado, por meio
do novo e revolucionário método de técnica de impressão em off-set, e de outro, pela incorporação das
transformações socioculturais ocorridas e que provocaram, dentre outros, uma mudança na linguagem e
na estética visual dos periódicos jornalísticos.
5
Fundado em 07 de maio de 1908 pelos irmãos Oscar e Orris Eugênio Soares, O Norte destacou-se como
um dos periódicos mais antigos em circulação diária no Brasil no século XX e XXI. Depois de passar por
alguns períodos de interdição, o periódico voltou a circular definitivamente a partir de 1954 ao ser
incorporado ao grupo Diários Associados, por decisão do próprio Assis Chateaubriand que passara a
investir pesadamente na ampliação dos meios de comunicação em sua terra natal, por onde se elegeria,
posteriormente, senador da República. O jornal permaneceu em circulação até fevereiro de 2012,
consagrando-se como um dos periódicos mais antigos em circulação no país, encerrando suas atividades
em consequência de uma grave crise econômica que atingiu vários veículos de comunicação pertencentes
ao grupo empresarial a que pertencia.
apresentava uma forte tradição iconográfica, tradição esta que, aliás, já se via estampada
em sua primeira edição, em 07 de maio de 1908, a qual trazia como única imagem o
desenho de um personagem que anonimamente saudava os leitores e apresentava o
jornal para a comunidade paraibana (Imagem 1). Contudo, foi depois de ser integrado
ao grupo de Diários Associados, em 1954, considerado na época um dos maiores
conglomerados de comunicação social do país, que o periódico matinal passou a publicar
esporadicamente imagens com apelo cômico. No final da década de 1960, O Norte
estreou a publicação daquele que seria o primeiro desenho satírico-humorístico da
imprensa estadual, o Zé da Silva, criação esta de autoria do jornalista Cecílio Batista, e
que passou a ser publicado a partir de 1968.
O desenho apresentava-se esporadicamente e funcionava como uma espécie de
piada ilustrada trazendo consigo crítica social e política e foi baseado num personagem
que circulava num jornal carioca já extinto na época
6
. O personagem se caracterizava
pelo uso de um chapéu, o qual era tirado da cabeça em sinal de aprovação de algo e
colocado na cabeça em sinal de reprovação, simbologia esta substituída por Cecílio
Batista pelo uso do polegar para cima ou para baixo (Imagens 2 e 3). A exemplo de alguns
outros personagens conhecidos através da grande imprensa, dentre os quais o
caricato Povo, o qual se tornou conhecido a partir das páginas da revista Fon-Fon! na
primeira década do século XX e que simbolizava a voz do povo em sua retórica, Zé da
Silva trazia uma caricatura do homem comum expressando a sua indignação diante da
injustiça social que afetava grande parte da população brasileira, especialmente os mais
vulneráveis socioeconomicamente. O personagem estreava, de certo modo, na imprensa
paraibana, a sátira ilustrada que, de um lado, denunciava os desmandos e descasos
advindos do mundo político e, de outro, debochava dos costumes e dilemas típicos do
cotidiano social e cultural paraibano. Isso incluía também críticas à ditadura, algo que era
feito sempre de maneira indireta por meio de recursos como a ironia e a metáfora, como
se vê, por exemplo, na imagem 3, em que ao se fazer menção à eleição de diretoria de um
dos tradicionais clubes esportivos de João Pessoa, na época, é feita uma crítica à
ausência da eleição direta para a escolha dos governantes no país, direito esse suspenso
pelos militares.
6
Não registros sobre a identidade do personagem, bem como do jornal carioca em que este era
publicado.
Imagem 1. Capa da primeira edição do jornal O Norte, publicada em 07 mai. 1908.
Fonte: Hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP)
Imagem 2. Desenho de Zé da Silva, edição
de O Norte, em 02 fev.1970.
Imagem 3. Desenho de Zé da Silva, edição
de O Norte, em 18 fev.1971.
Fonte: Hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP)
Contudo, foi a partir de 1973, com o advento do processo de modernização do
parque gráfico pertencente aos Diários Associados, que o jornal O Norte passou a
inovar, trazendo para dentro de suas edições diárias uma diversidade de ilustrações
humorísticas, algumas dessas pautadas totalmente na sátira política e social. Inaugurado
em 10 de agosto de 1973, com o novo maquinário composto por máquinas de
fotocompositoras, aparelhos de teletipo e impressora rotativa, as mudanças foram
apresentadas à sociedade como o mais avançado sistema gráfico da imprensa nordestina,
trazendo para a imprensa paraibana o então moderno sistema off-set
7
. O alto
investimento feito no jornal, vale dizer, fazia parte das ambições e anseios políticos de
Assis Chateaubriand que, além de O Norte, havia inaugurado na Paraíba o Diário da
Borborema
8
, jornal diário de ampla circulação no interior do estado e que, ao lado da
emissora de rádio Borborema (1949) e a TV Borborema (1963), ampliava o poder de
influência da cadeia dos Diários Associados, grupo pertencente ao empresário,
considerado, na época, o imperador da comunicação (MORAIS, 1994). O jornal O Norte
circulava no início dos anos 70 com um total de 8 páginas durante a semana e 12 aos
domingos, configuração esta que foi ampliada para até 16 páginas nos anos seguintes a
partir dos incrementos advindos das reformas gráficas pelas quais o periódico passou
durante essa década, especialmente a de 1973
9
. Em suas edições diárias trazia notícias
sobre política, esporte, polícia, notícias internacionais, coluna social e entretenimento. O
destaque ficava por conta da ampla cobertura acerca da política nacional, seguida da
política internacional e estadual que tradicionalmente balizava a linha editorial do jornal
durante o regime militar, sobretudo, em seus anos iniciais, conforme descrevem Santos e
Paiva (2016).
Para além dos textos e manchetes, essa proeminência do conteúdo político da
linha editorial do jornal O Norte também se via, embora de maneira diferenciada, na
produção das ilustrações satírico-humorísticas de que o periódico se fez pioneiro na
imprensa paraibana, ao lançar em suas edições diárias uma larga e diversificada
7
Informações extraídas de chamada de capa do jornal O Norte, 11. agosto de 1973. N. 5.790.
8
O jornal Diário da Borborema (DB) foi fundado em 2 de outubro de 1957 com sede em Campina Grande,
onde também funcionavam as sedes das emissoras de rádio e TV Borborema, face ao perfil de grande
relevância política e econômica que a cidade desenvolve até os dias atuais na Paraíba. As inovações do
novo sistema de impressão também foram empregadas no DB, que do mesmo modo que O Norte, investiu
massivamente no setor de ilustrações artísticas contratando desenhistas que passaram a ampliar o espaço
para as artes gráficas nas páginas do jornal. Repetindo uma tradição adotada em O Norte, e no DB adota a
publicação de ilustrações humorísticas como a reprodução de tiras nacionais e internacionais e em 1978
contrata o primeiro chargista responsável pela publicação de charges diárias, Afonso Moreira, que, além
das charges, também ilustrava por meio da arte caricatural outros espaços humorísticos (MACÊDO, 2012).
9
E em 11 de agosto de 1973, O Norte circulou com uma edição especial de 120 páginas com um amplo
material sobre a Paraíba, incluindo um caderno sobre Pernambuco onde ficava situada a sede do jornal
Diário de Pernambuco, principal veículo pertencente aos Diários Associados. O jornal apresentava o
seguinte expediente em 1973: Supervisor: Nereu Gusmão Bastos; Dir. Executivo: Maconi Goes de
Albuquerque; Superintendente: Aluisio Moura; Diretor: João Calmon; Editor: Teócrito Leal; Sec. Redação:
Evandro Nóbrega; Chefe de Reportagem: Barroso Filho.
publicação de desenhos, fenômeno este desencadeado a partir de 1973 em decorrência
do advento da modernização das técnicas de impressão. Para além do desenho
humorístico do personagem de Zé da Silva, O Norte passou a trazer em suas edições
diárias a publicação de charges que, a exemplo do que se até os dias atuais, revela-se
a modalidade caricaturística com maior carga crítica do ponto de vista social e político.
As primeiras charges foram de autoria do desenhista Deodato Borges que, ao assumir a
editoria de Cultura do jornal O Norte, abriu espaço para a publicação diária de tiras e
outros gêneros pertencentes ao mundo das HQ´s, do qual ele se tornou uma referência
dentro e fora do Estado da Paraíba
10
.
Repetindo uma tradição vigente na imprensa nacional, os desenhos chárgicos
aparecem acrescidos à página de jornalismo opinativo
11
. Dentro desta configuração, a
charge passou a ser publicada diariamente a partir de 11 de agosto de 1973, aparecendo
no canto inferior e central da página de n. 4, dividindo o espaço com os demais materiais
opinativos (um editorial, dois artigos, uma crônica e uma coluna fixa assinalada por
Virgínius da Gama e Melo). Publicada verticalmente no centro da parte inferior da página,
a primeira charge (Imagem 4) publicada trazia a caricatura do então presidente dos EUA,
Richard Nixon, falando com o seu vice, Spiro Agnew, numa sátira ao polêmico caso de
Watergate, escândalo político desencadeado no início dos anos 1970 e que culminou com
10
Deodato Borges trabalhou em vários dos principais veículos de comunicação da Paraíba e de
Pernambuco na década de 1960, assumindo diversos cargos administrativos e de comunicador. Mas foi
enquanto desenhista que mais se destacou, tornando-se um dos maiores artistas gráficos paraibanos. Além
de um dos primeiros autores de charges diárias publicadas na imprensa paraibana, ele é apontado como o
pioneiro das Histórias em Quadrinhos (HQs) na Paraíba. É de autoria dele também a primeira charge
publicada de maneira esporádica no Diário da Borborema, em 1958 (MACÊDO, 2012). A referência mais
antiga que se tem dos quadrinhos paraibanos remonta ao ano de 1963, quando Deodato Borges lançou a
revista As Aventuras do Flama, uma versão local de Jerônimo famoso personagem de uma novela de rádio
veiculada em âmbito nacional e que era apresentada por Deodato na Rádio Borborema. Uma década mais
tarde, em 1973, o desenhista voltaria à cena como editor de cultura do jornal O Norte, migrando anos
depois para o jornal Correio da Paraíba. Além de abrir espaço para os novos quadrinistas paraibanos, em
O Norte ele assinou uma coluna de crítica especializada, comentando diariamente as novidades dos
quadrinhos e analisando as obras clássicas do gênero. (MAGALHÂES, 2012; PONTES, 1993).
11
De acordo com Rey Saviani (2002), o jornalismo opinativo é muito mais que uma questão de
espacialidade, de páginas destinadas a peças com características diferentes da notícia e da reportagem.
Para o estudioso, no jornalismo uma dimensão opinativa, a qual por seus pressupostos, intenções e
objetivos, distancia-se, sobremaneira, da dimensão informativa, impondo-se “como gênero nobre por sua
essência formadora de opinião, ou de assentadora de opiniões formadas, dentro de uma visão
contemporânea ou pós-moderna ao gosto de raros autores, de fixação da agenda, que não contempla
apenas a informação, mas que se espraia também sobre a opinião” (REY SAVIANI, 2002, p. 60).
Considerado um dos maiores estudiosos dos gêneros jornalísticos no Brasil, José Marques de Melo
acrescenta ainda que o jornalismo opinativo corresponde a um gênero argumentativo” que emergiu no
século XVIII, junto com os processos revolucionários de natureza anticolonial (USA 1776) e antiabsolutista
(França 1789), convertendo a imprensa em arena de combate” (MELO, 2010). Ao apresentar uma
classificação dos principais gêneros opinativos presentes nos jornais diários, ele cita, dentre outros, o
editorial, o artigo, a coluna e a charge, definindo esta última enquanto uma “crítica humorística de um fato
ou acontecimento específico. Reprodução gráfica de uma notícia conhecida do público, segundo a ótica
do desenhista e que, tanto pode se apresentar somente através de imagens quanto combinando imagem e
texto”. (MELO, 2003, p.168).
a queda de Nixon, em 1974. O caso era amplamente divulgado pela imprensa
internacional e reproduzido por agências de notícias que, por sua vez, ocupavam um
considerável espaço nos noticiários diários dos jornais estaduais.
Imagem 4. primeira charge diária publicada no jornal O Norte em 11 ago.1973.
Fonte: Hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP)
A análise descritiva fez ver também que, ao longo da década de 70, tanto o espaço
como o tamanho ocupado pela charge no jornal sofreram rias alterações em
conformidade com as mudanças editoriais e gráficas pelas quais O Norte passou. Outro
aspecto também averiguado foi o de que esse tipo de ilustração satírico-humorístico
explorado pelo jornal ganhou ainda mais força a partir da contribuição de outros
humoristas gráficos que foram contratados pela empresa para trabalharem no setor de
ilustrações feitas artesanalmente, os quais atuaram em várias frentes da rotina produtiva
da imprensa, ora como meros ilustradores, ora como humoristas gráficos. Neste
contexto, um dos ganhos mais significativos foi a chegada do cartunista Luzardo Alves.
Do mesmo modo que seu conterrâneo, Deodato Borges, Luzardo atuava na década de
1960 em jornais e em emissora de rádio em funções diversas, destacando-se inicialmente
na produção de cartuns, modalidade caricatural definida, conforme Romualdo (2000), de
modo simples, como desenho que traz uma crítica de costumes genérico e atemporal
12
.
Em seguida, valendo-se dos traços caricaturais, passou a produzir charges para diversas
publicações, inclusive para a revista semanal ilustrada de grande circulação nacional na
época, O Cruzeiro, onde se dividia entre as funções de cartunista e chargista
13
. De modo
geral, as charges de Luzardo não eram essencialmente políticas, mas apresentavam uma
visão satírica a respeito de costumes e acontecimentos corriqueiros do cotidiano, como
era comum da arte caricatural até meados do século XX
14
. Valendo-se do grande talento
do cartunista e da aceitação perante o público leitor para aquele tipo de produção
artesanal que, como se via ocorrer na imprensa do restante do país, conquistava um
grande número de adeptos, o jornal terminou abrindo outros espaços para ilustrações de
sua autoria.
Além do espaço intitulado de Charge da Semana, (ver Imagem 5) onde publicava
vários de seus personagens de maneira sazonal, Luzardo Alves passou a assinar uma
coluna com conteúdo de natureza esportivo intitulada de Zebrinha: ria, não perca a
esportiva, (ver Imagem 6) publicada no caderno de Esportes, editoria esta que ganhou
um certo destaque no periódico, tornando-se a primeira a apresentar-se em cores, a
partir de 1975. Neste espaço, o cartunista passou a demonstrar o seu talento enquanto
quadrinista, criando vários personagens. Entre os personagens criados por ele e que se
mantiveram por mais tempo estavam o Botinha e o Macaco Altino, desenhos esses feitos
em alusão aos dois principais clubes de futebol de João Pessoa, Botafogo e o Auto
Esporte, respectivamente. Além do talento para a arte gráfica, os desenhos revelavam a
12
Trata-se aqui de uma definição que é passível de crítica do ponto de vista histórico, tendo em vista a
natureza de “atemporalidade” atribuída a este tipo de desenho que, não se pode negar, encontra-se
circunscrito a um tempo específico. Não obstante, vale ressaltar que ao usar o termo “atemporal” o autor
se refere ao aspecto de construção semântica não imediatista que, por exemplo, acompanha a charge e
alguns outros gêneros satírico-humorísticos, cuja compreensão se dá a partir da relação imediata do
desenho com a realidade a que esta traça uma intertextualidade e que, de modo geral, dialoga com algum
fato já noticiado.
13
Luzardo Alves foi contratado por Assis Chateaubriand, em 1965, para fazer parte do departamento de
arte da revista O Cruzeiro, um dos maiores sucessos editoriais da imprensa brasileira do século XX. O
cartunista paraibano seguiu para o Rio de Janeiro onde se uniu ao grupo de grandes humoristas gráficos
que trabalhavam para a revista na época, dentre eles Ziraldo e Jaguar. Além dos cartuns e charges, Luzardo
Alves também contribuiu com o desenho de O Amigo da Onça, um dos maiores sucesso editoriais do
humor gráfico brasileiro que circulava na revista O Cruzeiro desde os anos 1940, de autoria do humorista
pernambucano Péricles de Andrade Maranhão. Com a sua morte em 1963, o personagem passou a ser
desenhado por outros humoristas gráficos, dentre eles o cartunista paraibano que começou o seu trabalho
na revista O Cruzeiro fazendo arte para as capas das revistas em quadrinhos, a exemplo de Bolinha e
Luluzinha, conforme relata ele mesmo (ALVES, 2016).
14
Essa variação de estilo satírico-humorístico dos desenhos de humor, é importante ressaltar, estava
associada em grande parte à suspensão do caráter libertário de ataque e críticas de cunho político de que
sempre se revestiu a caricatura que, ao longo do tempo, era comum sofrer ataques de censuras por parte
dos governos. Isso fazia com que, vez por outra, a caricatura política deixasse de existir para ceder lugar à
caricatura de costumes e os caricaturistas enveredassem por uma linha de produção satírico-humorística
de caráter mais universal e, portanto, mais humano (SILVA, 1989).
veia satírico-humorística do desenhista que, diferentemente de Deodato Borges, era mais
centrada na crítica a costumes e paixões populares como, por exemplo, o futebol, tema
este, vale salientar, sempre bastante explorado pela indústria jornalística. Detentor do
maior e mais arrojado parque gráfico da época no estado e região, o jornal O Norte
também inovou ao trazer para dentro de suas edições diárias, a publicação de páginas
inteiras dedicadas a esse outro gênero caricatural de grande destaque na imprensa
nacional e internacional na época que são as Histórias em Quadrinhos (HQs). Também
reconhecidas comumente pela designação de quadrinhos, este gênero do mundo
caricatural preencheu várias páginas não de O Norte, mas de todos os demais jornais
em circulação na imprensa paraibana nos anos 1970, consolidando o avanço do humor
gráfico nos periódicos jornalísticos, reproduzindo um fenômeno que se via acontecer na
grande imprensa brasileira e que na Paraíba foi impulsionado pelo talento e ousadia de
Deodato Borges.
Imagem 5: charge de Luzardo publicada no jornal O Norte, em ago.1975.
Fonte: Hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP)
Imagem 6. personagem Zebrinha, de Luzardo, publicada em 06 ago. 1975.
Fonte: Hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP)
Foi por intermédio do trabalho persistente deste que se tornou o pioneiro da nona
arte na imprensa estadual, Deodato Borges, que O Norte lançou em 11 de agosto de 1973,
uma página inteira dedicada à publicação de imagens e textos relacionados ao universo
das HQs (Imagem 7). Sempre publicada no final do caderno, em espaço voltado a
conteúdo de entretenimento, as edições traziam sete tiras com personagens diversos e
uma coluna com comentários e informes acerca das novidades do mundo das HQs
assinada pelo próprio editor.
As tiras traziam, em geral, alguns dos personagens de Maurício de Souza já
conhecidos pelo grande público, a exemplo de Chico Bento, Cebolinha e Bidu
15
. Além
destes, Deodato Borges concedia espaço para desenhistas paraibanos iniciantes na arte
dos quadrinhos, dentre os quais estavam o cartunista Richard Muniz com o seu primeiro
personagem Shangai e o próprio Deodato Borges que assinava vários desenhos, dentre
eles, Adub, o camelo, com quem dividia a criação com Marcos Tavares, e Planeta Maluco,
por meio da qual o autor apresentava uma sátira à desordem da vida urbana na Terra,
através da visita de um extraterrestre. Através desses dois personagens e, de modo ainda
mais forte por meio de Adub, o camelo, era possível de se ver várias alusões e críticas
aos conflitos políticos e econômicos que caracterizaram os anos 1970, dentre elas, a da
15
Maurício de Sousa se tornou o precursor da mais bem sucedida série de personagens de HQs no Brasil,
os quais impulsionaram a consolidação deste tipo de arte na indústria cultural no país. O primeiro deles foi
o cachorrinho Bidu, que foi lançado no formato de tirinha publicada na Folha de o Paulo em 1959. O
personagem inauguraria “[…] a galeria de tipos de Maurício que viria a ser o absoluto criador de maior
resposta popular no Brasil, com merchandising, revistas, tiras de jornais (em distribuição e estilo norte-
americana), televisão cinema, publicidade, brinquedos e sendo conhecido pela quase totalidade das
crianças brasileiras. Um fenômeno.” (MOYA, 1987, p. 204).
iminência de uma guerra nuclear encabeçada pelos E.U.A, como se pode ver na Imagem
8.
Imagem 7. Página dedicada à publicação de quadrinhos em O Norte. 11 ago. 1973.
Fonte: Hemeroteca da Fundação Casa de José Américo (FCJA), em João Pessoa.
Imagem 8. Tira cômica de Adub, o camelo, publicada em O Norte em, 02 set.1973.
Fonte: Hemeroteca da Fundação Casa de José Américo (FCJA), em João Pessoa.
Muito mais que entreter e impulsionar a produção do humor gráfico na imprensa
diária, as criações dos desenhistas revelavam o poder de crítica social e também o viés
político-ideológico que os quadrinhos trazem consigo, assemelhando-se ao que se vê nas
charges e nos cartuns com os quais esses guardam algumas semelhanças, conforme
defendem alguns autores estudiosos do humor gráfico (MAGALHÃES, 2006; CIRNE,
1990). A página criada por Deodato Borges dentro do caderno de cultura voltada
especialmente para a publicação diária de tiras prosseguiu de maneira ininterrupta até
junho de 1974 quando foi suspensa, retornando dois anos depois com novos
personagens. Não sabe ao certo o motivo dessa interrupção, mas neste ínterim, o
cartunista levou o humor gráfico para alguns dos suplementos lançados durante os anos
1970. Foi o caso, por exemplo, dos suplementos Domingo (Imagem 9), e O Norte em
Quadrinhos (Imagem 10), ambos lançados em 1975. Os dois suplementos dominicais eram
publicações produzidas no formato tabloide e traziam textos e ilustrações diversas, com
destaque para quadrinhos e charges
16
. Inserido dentro de um projeto mais ambicioso, O
Norte em Quadrinhos partiu de um projeto desenvolvido por Deodato Borges que, na
condição de ainda responsável pelo caderno de Cultura na época, buscava cativar um
público fiel para o humor gráfico e estimular o surgimento de novos desenhistas voltados
ao gênero dos quadrinhos.
Imagem 9. capa do suplemento Domingo, nº 32, de 11 jul. 1976.
Fonte: hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP).
16
Adotado pelos grandes jornais em circulação na época, os suplementos semanais se destacavam como
um importante suporte e o mais adequado para se atingir o público segmentado e, além disto, ajudar na
consolidação de formação de novos leitores para publicações específicas, como era o caso das publicações
ilustrativas. Os suplementos surgiram na imprensa brasileira em meados do culo XX e em pouco tempo
se tornaram uma das principais modalidades de publicação que acompanhavam as edições dos principais
jornais do país, circulando geralmente, aos domingos.
Imagem 10. Capa do suplemento O Norte em Quadrinhos. Ano1, nº 1. 29 jun. 1975
Fonte: Hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP).
Paralelo ao trabalho de inserção deste até então novo gênero narrativo em uso na
imprensa diária paraibana, o jornal O Norte permanecia ampliando o quadro de
contratação de cartunistas e, desta maneira, abrindo espaço para os jovens que se
dedicavam à habilidade gráfica e faziam desta algo muito além de uma arte meramente
ilustrativa. Foi o caso, por exemplo, dos jovens estudantes Henrique Magalhães, Flávio
Tavares e Marcos Nicolau
17
, que passaram a integrar o time de artistas gráficos do jornal
nos anos 1970. O trabalho desenvolvido pelo jornal O Norte no campo do humor gráfico
foi tão bem sucedido que não tardou para que os demais periódicos em circulação na
17
Trata-se de três dos principais nomes do humor gráfico da década de 1970 na Paraíba. Henrique
Magalhães era estudante de Comunicação Social quando ingressou no universo dos desenhos caricaturais,
em 1975, com a produção daquela que se tornaria a sua principal e mais conhecida personagem, Maria,
cujas tiras satírico-humorísticas eram publicadas tanto na imprensa tradicional como na imprensa
alternativa. Além de quadrinista, Magalhães também se destacou no mercado independente, lançando uma
das editoras independentes mais antigas ainda em funcionamento no país voltada para o humor gráfico,
que é a Marca de Fantasia e, também, pesquisador da nona arte. Flávio Tavares iniciou sua carreira em
meados dos anos 1970 produzindo charges para o jornal O Norte e algumas outras publicações, função
esta que a partir da década seguinte seria suplantada pela de artista plástico à qual permanece se
dedicando até os dias atuais e que lhe tornou um profissional reconhecido dentro e fora do país. Marcos
Nicolau era um jovem estudante de Comunicação Social quando começou a se dedicar à produção de
charges e quadrinhos a partir de meados dos anos 1970, ao ser convidado para trabalhar no jornal O Norte
e, ao lado de Deodato Borges, desenvolveu vários trabalhos como desenhista e editora, tornando-se anos
mais tarde professor do curso de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e
pesquisador sobre as HQs.
época, e que constituíam a imprensa estadual, passassem a investir nesse segmento,
trazendo para dentro de suas páginas a diversidade de modalidades caricaturais em
uso há vários anos na grande imprensa do país. Paralelo às demais formas narrativas que
compunham a rotina produtiva jornalística paraibana na década de 1970, tais desenhos
satírico-humorísticos apresentavam um panorama testemunhal e registro memorial dos
principais acontecimentos sociais, políticos e econômicos e também dos costumes
socioculturais que caracterizaram o cotidiano naquele período de vida da Paraíba e no
Brasil. Boa parte da produção gráfico-humorística fazia referência à luta de resistência e
de combate no âmbito do meio jornalístico e cultural contra a ditadura civil-militar
implantada no país desde 1964, cujas ações arbitrárias e, sobretudo, de caráter censórias,
eram combatidas corajosa e criativamente pelos cartunistas que faziam dos seus traços,
um dos mais afiados e temidos instrumentos de luta político-ideológica.
Considerações finais
O breve retrospecto histórico aqui apresentado acerca da trajetória do humor
gráfico nas páginas do jornal O Norte, um dos mais antigos e expressivos periódicos da
imprensa paraibana e também brasileira do século XX, destacou o pioneirismo deste na
história do desenvolvimento do humor gráfico na Paraíba. Centrado na linha de
investigação da História Cultural do Humor com o foco na diversidade de narrativas
cômicas em uso na imprensa diária, este trabalho possibilitou uma breve análise acerca
de como esse fenômeno se deu durante os anos 1970 a partir da experiência do jornal O
Norte, evidenciando as diferentes formas e aberturas de espaços por meio dos quais as
narrativas imagéticas de cunho satírico-humorístico se projetaram na sociedade
paraibana. Dentro desse contexto, o estudo desenvolvido fez ver que tal fenômeno se
deu, de um lado, em decorrência das inovações tecnológicas atreladas às modernas
técnicas de impressão adquiridas pelo periódico em destaque e que, na época, pertencia
a um dos maiores grupos de comunicação do país, e, de outro, como consequência do
espírito de pioneirismo do polivalente Deodato Borges, cujas mãos traçaram o percurso
inicial do humor gráfico paraibano, desbravando espaços para as primeiras gerações de
cartunistas na imprensa estadual nos anos 1970.
A análise apresentada neste artigo, fruto de um trabalho de pesquisa maior sobre
o desenvolvimento da caricatura na Paraíba, fez ver que foi a partir da década de 1970
que a produção satírico-humorística paraibana foi impulsionada e que, embora possa não
ter sido a primeira publicação impressa a circular no Estado com desenhos, foi o jornal O
Norte que introduziu na imprensa diária paraibana o uso rotineiro das diversas
modalidades de narrativas caricaturais que compõem o multifacetado e rico mundo do
humor gráfico. Universo este do qual as charges e os quadrinhos de cunho político-
ideológico se consolidaram como as principais e mais consagradas expressões desse
segmento em que, muito mais que fazer rir, o humor se revela um ato eminentemente
político carregado de significados e de valores construídos culturalmente no transcorrer
do tempo que caracterizou as diversas épocas da história das sociedades.
Ao se estudar o trajeto desenvolvido pelo jornal O Norte no período do final dos
anos 1960 até o final da década seguinte, com o foco na produção satírico-humorística
impressa, pôde-se ainda averiguar que esse fenômeno se deu no território paraibano a
partir da iniciativa deste veículo jornalístico em investir no segmento do humor gráfico
impulsionado, de um lado, pelo empenho e esforço do profissional polivalente Deodato
Borges e, de outro lado, pelo avanço das novas técnicas de impressão e reprodução
gráfica que, como foi destacado por Saliba (2002), se expandiu no século XX, agregando
o humor ao cotidiano e rotina das cidades. Foi a partir dessa iniciativa que se viu surgir a
primeira leva de cartunistas paraibanos, os quais passaram a influenciar as gerações
futuras ao longo do século XX. Esses, por sua vez, imprimiram posteriormente em outros
periódicos da imprensa paraibana os seus traços marcantes e simbolicamente de luta
político-ideológica, tendo em vista o caráter combativo de que especialmente as charges
e os quadrinhos se faziam como instrumentos, como se vê até os dias atuais.
Dentro desse prisma, ao se analisar as narrativas apresentadas pelo corpus
imagético constituído por mais de 300 desenhos catalogados ao longo da pesquisa,
percebeu-se de maneira mais explícita o caráter testemunhal que, conforme defende
Vovelle (1997), acompanha as imagens, apontando para os indícios das práticas sociais e
culturais que caracterizaram a época em que essas circularam. Nesse sentido, as análises
evidenciaram as diversas nuances políticas, sociais e culturais que marcaram o final dos
anos 1960 e a década de 1970, apontando, por exemplo, as questões relacionadas às
sucessivas crises econômicas ocorridas no Brasil e no exterior, bem como o escândalo
político envolvendo o presidente dos E.U.A, Richard Nixon, no início dos anos 1970, e a
inflação desenfreada que caracterizou a política econômica do governo militar. Isto sem
falar nas críticas feitas ao regime ditatorial que era uma das principais frentes de luta de
resistência cultural da qual os desenhos satírico-humorísticos se constituíam
verdadeiros e contundentes representantes.
Por fim, a análise aqui apresentada reforça a ideia de que, enquanto valiosos
artefatos culturais, os periódicos revelam-se um tipo de documento que aos
historiadores a medida mais aproximada da consciência que os homens têm de sua época
e de seus problemas, conforme defende a historiadora Camargo (1971) num dos trabalhos
pioneiros acerca do uso metodológico dos periódicos no campo da História. Algo que
vem sendo cada vez mais evidenciado por diversos estudos realizados, especialmente
aqueles inseridos dentro da linha investigativa da História Cultural do Humor, do qual
este trabalho apresenta-se, embora de forma muito modesta, como uma das diversas
contribuições a reforçar esse direcionamento.
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