GALVÃO JÚNIOR, Heraldo Márcio
*
https://orcid.org/0000-0002-8344-7312
RESUMO: Com o presente artigo objetiva-se
compreender de que maneira o autor paraense
Clóvis de Gusmão, que publicava na Revista de
Antropofagia e transitava entre Belém, São
Paulo e Rio de Janeiro na década de 1920,
propôs, por meio do humor, a dissolução da
legislação brasileira e sua reconstrução a partir
do folclore e de crenças indígenas amazônicas
que, segundo os antropofágicos, eram mais
próximas da realidade nacional e não cópias de
documentos estrangeiros
PALAVRAS-CHAVE: antropofagia;
modernismo; humor; Amazônia; Clóvis de
Gusmão.
ABSTRACT: This article aims to understand
how the Pará author Clóvis de Gusmão, who
published in the Revista de Antropofagia and
transited between Belém, São Paulo and Rio de
Janeiro in the 1920s, proposed, through humor,
the dissolution of Brazilian legislation and its
reconstruction based on Amazonian folklore
and indigenous beliefs that, according to
anthropophagic belief, were closer to the
national reality and not copies of foreign
documents.
KEYWORDS: Anthropophagy; modernism;
humor; Amazonia; Clóvis de Gusmão.
Recebido em: 20/08/2020
Aprovado em: 24/11/2020
* Doutor em Hisria pela UFPA, Belém-PA. Mestre em História pela Unesp, Assis-SP. Professor Adjunto
do curso de História da Faculdade de Ciências Humanas do Instituto de Estudos do Trópico Úmido da
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Arte e
Literatura (GEPHAL). O presente artigo é resultado de pesquisas que tiveram como apoio a CAPES com
Bolsa Prodoutoral e Programa de doutorado-sanduíche no exterior (PDSE). E-mail:
heraldogalvaojr@gmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Qual o prestígio da sátira? Qual a sua
finalidade? Qual a sua função? Fazer rir.
Evidentemente isso está ligado ao social.
Ninguém faz sátira rindo sozinho. A eficácia
da sátira está em fazer os outros rirem de
alguém, de alguma instituição ou coisa. Sua
função é pois, crítica e moralista. E através da
ressonância, a deflagração de um estado de
espírito oposto. A sátira é sempre oposição (...)
Nela o oprimido se sente justiçador. É a
revanche, a descarga, a vindita.
(ANDRADE, 1945, p. 39).
Ao refletir sobre a sátira na literatura brasileira, Oswald de Andrade, citado na
epígrafe, dá atenção à característica social do riso, à sua função de crítica e de oposição
a alguma instituição “ou coisa”. Jean Bremmer e Herman Roodenburg (2000) na
introdução do livro Uma história cultural do humor, afirmam que o riso é diferente do
humor. Segundo eles, o humor é qualquer mensagem cuja intenção é a de provocar o riso
ou um sorriso. Elias Tomé Saliba (2017) faz um balanço provisório e perspectivas de
pesquisas da história cultural do humor abordando a produção internacional deste
campo de estudos. Explorando a questão social do humor, diferencia humor de risada a
partir de um debate mais recente que parte de uma miscelânea de teorias neurológicas,
evolucionistas e cognitivas. Neste sentido, o cérebro humano seria análogo ao
computador e o riso visto como um mecanismo mental de recompensa a certa tarefa ou
conflito. O riso, por analogia, seria um tipo de algoritmo que a mente humana utiliza com
largas funções adaptativas. Este rir não seria uma resposta lógica do humor, pois o “rir é
sociabilidade”. (SALIBA, 2017, p. 9).
A Revista de Antropofagia, pensada inicialmente por ele, Raul Bopp e Tarsila do
Amaral, foi um periódico possuidor dessas características, que muito criticou a
mentalidade colonizada e que buscou construir uma nova realidade brasileira e literária
por meio do humor em diversas facetas, desde paródias, colagens, caricaturas até
citações. Nas publicações da Revista de Antropofagia, que variam entre poesias,
desenhos, teorizações, comentários, estudos e aforismos, prevalece o amálgama do
cômico com o sério, expressando pontos de vista críticos. Subvertendo o código
lógico/linguístico e apoderando-se de assuntos tratados de maneira séria por outros
veículos, os editoriais negam o estilo, a técnica, a organização e a construção
tradicionais. Da mesma maneira, esclarece posições, sistematiza argumentações e define
as coordenadas gerais da revista.
A revista, em si, teve duas fases, denominadas “dentições” pelos autores a partir
da segunda. Entretanto, Raul Bopp, em Vida e morte da antropofagia (2008), sugere que
até o início da década de 1930 a antropofagia teve três fases. A primeira acompanhou a
formulação do movimento e a primeira dentição, estágio de adaptação e de aglutinação
de autores diversos. A segunda fase foi justamente a segunda dentição, momento mais
combativo e de cisões, e a terceira ocorreu com o final das publicações, etapa em que se
vislumbrava promover o Primeiro Congresso Brasileiro de Antropofagia a partir das
discussões incipientes que percorreram a Revista de Antropofagia em suas duas
dentições, com a intenção de promover estudos mais profundos que constituíssem uma
“Bibliotequinha” antropofágica.
A primeira dentição, publicada de maneira independente, com formato de 33 por
24 cm e 8 páginas por número, teve como diretores Antônio de Alcântara Machado e
Raul Bopp, apresentou números mensais de maio de 1928 a fevereiro de 1929, totalizando
10, e era vendida a 500 réis por número. Seu formato original possui uma apresentação
simples, como se fosse uma revista concebida apenas para circular entre conhecidos,
como ocorreu com outras revistas de vanguarda europeia, a exemplo de Projecteur, Z1 e
Proverbe. Nela consta o Manifesto Antropófago (1928), escrito por Oswald de Andrade,
que traça as diretrizes do movimento antropofágico, explicando-o. Em sua primeira
frase, “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Philosophicamente
(ANDRADE, 1928, p. 3), Oswald de Andrade, além de sugerir que os artistas publicados
em seus números seriam ligados pela antropofagia, mesmo com certas diferenças, a
entender que o Brasil todo, apesar de suas especificidades regionais, estaria unido em
um movimento inerente ao brasileiro, a antropofagia, pois ocorreria um resgate de sua
verdadeira identidade, afinal “nunca fomos cathechisados. Vivemos atravez de um direito
sonâmbulo. Fizemos Christo nascer na Bahia. Ou em Belem do Pará” (ANDRADE, 1928, p.
3). Ao que parece, esse é um dos primeiros movimentos artísticos brasileiros que
engloba, em seus quadros, autores de diversas regiões do país.
Nesse período, seu leitor era a elite intelectual brasileira, como todo público de
arte de exceção. Em sua segunda fase, entretanto, conjectura-se que há a ampliação de
seu público leitor, pois passou a fazer parte do Diário de S. Paulo, periódico com grande
circulação na capital paulista. Na primeira dentição, em que assinaram 62 autores,
encontram-se Antônio de Alcântara Machado, Raul Bopp, Yan de Almeida Prado, Mario
de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Oswald de Andrade, Plínio Salgado, Manuel
Bandeira, Luis da mara Cascudo e dois paraenses, Oswaldo Costa e Abguar Bastos.
Essa característica sugere um caráter de experimentação dessa primeira dentição, ao
mesmo tempo em que engloba autores de diversas correntes do modernismo brasileiro, o
que inclui questões sociais e políticas. O mico e o humor estavam presentes desde o
início, como se pode perceber a partir do editorial número 2, de junho de 1928, “Incitação
aos Canibais”, de Antônio de Alcântara Machado:
Ora, ora ora, ora. Que brincadeira é essa? Então o raio do menino com doze
anos de idade já é assim tão imbecilzinho que prefere Camões a Conan Doyle? E
é isso que se chama recultado estupendo? (...) Menino que chupa Camões como
se fosse pirulito de abacaxi não é menino: é monstro. Mas que monstro: toda
uma coleção teratológica. É também para guris desse quilate (e não para os
peraltas) que existe chielo de sola dura. (...) no grupo escolar a molecada
indígena ouve da boca erudita de seus professores que o Brasil foi descoberto
por acaso e Camôes é o maior gênio da raça. A molecada cresce certa dessas
duas verdades primaciais (MACHADO, 1928, p. 01).
Este trecho revela a crítica e o humor como meios de atingir a meta da
antropofagia, isto é, descolonizar a América e “descabralizar” o Brasil. É interessante
notar que, na década de 1930, Oswald de Andrade escreveu seu Dicionário de Bolso, em
tempo de compromisso partidário. Nele Oswald define Camões enquanto “poeta da
opressão imperialista para uso das escolas coloniais” (ANDRADE, 2007, p. 27).
A partir de março, mudou sua configuração e passou a ser publicada em uma das
páginas do Diário de S. Paulo, parecendo um suplemento literário que visava manter sua
autonomia, pois continuava como Revista de Antropofagia. Intitulada como “segunda
dentição”, teve como diretores Raul Bopp e Jaime Adour Câmara e como “açougueiro”
(redator) Geraldo Ferraz. Dos 16 números publicados, foram identificados 39 autores.
Oswald de Andrade e Oswaldo Costa foram os que mais publicaram, sugerindo que a
redação estava a cargo de um paulista e de um paraense em meio à construção do
movimento antropofágico. Além desses, encontramos os paraenses Clóvis de Gusmão e
Eneida de Moraes, tal qual autores como Raul Bopp, Tarsila do Amaral, Garcia Resende,
Jorge Lima, Patrícia Galvão (Pagu), Jaime Adour mara, Heitor Marçal, Ascenso
Ferreira, Aníbal Machado e Demócrito Rocha.
Não só seu formato se alterou, mas houve cisões entre os autores e seu conteúdo
passou a ser mais combativo. O romantismo, o modernismo, a herança portuguesa, o
conceito de família, a religião católica, o patriarcalismo, a sexualidade e a história oficial
foram firmemente atacados a partir da “devoração” de Freud, Marx, Breton, Montaigne,
Rousseau, Nietzsche, Padre Antonio Vieira, Montoya, folclore, lendas, culturas nacionais,
entre outros. Benedito Nunes (1979), comentando sobre o Manifesto Antropófago,
considerado por ele como uma das bases teóricas da segunda dentição, afirma que
nele um diagnóstico ou uma terapêutica da sociedade brasileira traumatizada pela
repressão colonizadora que teria começado com a proibição do ritual antropofágico. A
defesa da volta ao “matriarcado de Pindorama”, presente no manifesto e em diversas
ocasiões, inclusive em publicações provenientes da Amazônia, seria um elemento
recalcado pela cultura messiânica, como o ócio, a alegria e a ausência de classes. Para
que houvesse um desrecalque brasileiro seria necessário promover uma operação
freudiana, isto é, transformar o Tabu em Totem para recuperar a identidade nacional que
estava em conflito psicanalítico com a paternidade
1
. A autonomia literária seria um
questionamento da autoridade do pai, a literatura portuguesa, e a afirmação da
maioridade.
Com a explícita intenção de não ser vista enquanto “escola literária”, de “devorar”
e “deglutir” todos os grupos, tendências, manifestos e críticas, tem em seus quadros, na
primeira dentição, diversas correntes do modernismo brasileiro. Entretanto, a partir da
segunda dentição, seus redatores, como Oswald de Andrade, Clóvis de Gusmão, Oswaldo
Costa, Geraldo Ferraz e Raul Bopp, passaram a selecionar os autores a publicar na
revista entre os que estavam inteiramente de acordo com as diretrizes do movimento,
excluindo de seus quadros escritores ligados aos conservadorismo na política e na arte,
como o grupo verde-amarelo, Mário de Andrade e o grupo da revista Verde, de
Cataguases. Foram feitas diversas críticas ao modernismo por considerarem que seus
autores haviam se apegado apenas à estética, mas não o fizeram como combate. O
modernismo era tido por eles, como apresentou Oswaldo Costa, como uma fase de
transição para a antropofagia.
Como se pode perceber, alguns paraenses fizeram parte tanto da redação quanto
do quadro de autores convidados a publicar na Revista de Antropofagia, como Oswaldo
Costa. Geraldo Ferraz, em entrevista a Maria Eugênia Boaventura, em 1977, diz que na
primeira fase da revista ninguém queria fazer um movimento político-sociológico de
natureza filosófica, mas, na segunda fase, em que ficaram poucos, como Raul Bopp,
Oswald de Andrade, Oswaldo Costa e Clóvis de Gusmão, o panorama mudou
radicalmente. O entrevistado atesta a relevância de Costa para a revista, pois o
considerava uma figura importante e preponderante, quem explorou a maior parte do
"negócio" e que mais por sua causa foi mantida a segunda dentição. (BOAVENTURA,
1985).
Eneida de Moraes, com poemas e crônicas em estilo epistolar, e Abguar Bastos,
com a publicação de um poema, fecham o quadro de autores de origem amazônica
1
As relações que Sigmund Freud travou com a história foram muito singular. A partir de análises que
provinham, em muitos casos, da mitologia, rompeu antagonismos clássicos entre o social e o individual,
entre o patológico e o normal e entre a realidade e o ficcional. Em sua obra Totem e tabu (2012), de 1913,
quebra os dualismos e a condição ficcional do homem na cultura. No referido livro, especialmente no
quarto capítulo, defende que o totemismo surge em um evento singular, quando irmãos expulsos do clã do
macho-alfa voltam para matar seu pai, ao qual respeitavam e temiam (CERTEAU, 2011; GAY, 2000). Esse
parricídio é utilizado por Oswald de Andrade, segundo Benedito Nunes, do Brasil em relação a Portugal.
presentes na revista. A presença essencial de modernistas e antropófagos amazônicos
na Revista de Antropofagia suscita aspectos essenciais para a discussão acerca de uma
maneira de interpretação da cultura brasileira que escapa ao tradicional eixo Rio-São
Paulo. A escolha, para este artigo, da análise dos escritos de Clóvis de Gusmão se
justifica por ser o único autor, dentre os advindos da região norte, que se aproxima mais
do cômico e do humor a partir do folclore em suas análises e escritos, tanto em suas
publicações na Revista de Antropofagia quanto, principalmente, na terceira fase do
movimento, isto é, quando findam as publicações da revista, promovem-se estudos
acerca da antropofagia, intenciona-se fazer o Primeiro Congresso Brasileiro de
Antropofagia e deseja-se montar uma “bibliotequinha antropofágica”.
É importante frisar, nesse momento, que tanto o modernismo quanto a
antropofagia são pensadas no artigo a partir da ideia de documento/monumento (LE
GOFF, 2000). Estes movimentos são fruto de montagens, conscientes e inconscientes,
da sociedade que os produziu, pois foram sendo manipulados, ainda que pelo silêncio,
pelos seus idealizadores, por literatos, críticos de arte e pela historiografia. Estas
“escolas” artísticas foram produzidas e reproduzidas por sucessivos contextos que as
cristalizaram enquanto obras unicamente paulistas, cuja possibilidade de integração de
outras localidades passaria pela tutela dos vanguardistas do sudeste, pensamento
criticado por este artigo. Alguns estudos, como de Aldrin Figueiredo (1998), Marinilce
Coelho (2005) e Galvão Júnior (2020) apontam para as especificidades amazônicas do
modernismo e da antropofagia a partir da análise de jornais, revistas, agremiações,
“academias”, publicações, entre outros, que pensavam a arte, a cultura, a política e a
sociedade a partir de um prisma nortista. Gusmão, em 1929, já era muito respeitado entre
os antropófagos de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas, até meados dos anos de 1920,
morou em Belém do Pará e fez parte do grupo dos “Novos”, reunidos em torno da revista
Belém Nova, órgão responsável por veicular ideias modernistas. É essencial frisar, neste
ponto, que mesmo tratando a obra de Gusmão enquanto antropofágica, ela adquire
especificidades amazônicas que se distinguem dos parâmetros de São Paulo.
Em meio às novas realidades política, econômica e cultural, dois grupos que
debatiam sobre literatura, artes, política e mundanices formaram-se no início da década
de 1920 em Belém. A um deles, conhecido como Academia ao Ar Livre, fizeram parte dois
dos autores que publicaram na Revista de Antropofagia, Clóvis de Gusmão e Abguar
Bastos. O outro grupo, mais boêmio, liderado por Bruno de Menezes, reunia-se em meio
aos bares do Ver-o-Peso e ficou conhecido como Academia do Peixe-Frito devido à
origem mais modesta dos seus membros e ao tira-gosto que acompanhava as discussões.
Da união desses dois grupos, embora um pouco diferentes, surgiu, em 1921, a Associação
dos Novos, denominada de Vândalos do Apocalipse por Bruno de Menezes, com a
intenção de “destruir para criar”. O grupo contava com a participação de Ernani Vieira,
Abguar Bastos, De Campos Ribeiro, Clóvis de Gusmão, Bruno de Menezes, seu diretor, e
outros. Retomando a década de 1820 como mito de origem de um novo projeto de nação
por uma perspectiva literária, esse círculo apresentou a proposta de uma nova
identidade nacional pela perspectiva do Norte. Entretanto, não rejeitaram ou atacaram
firmemente os “velhos” literatos do início do século, mas confluíram-se a eles, ou seja,
houve conciliação entre “novos” e “velhos”, entre “presente” e “passado”. O que os
diferenciava era justamente a questão política do foco interpretativo, cujo eixo deixa de
ser o passado e passa a se concentrar nos problemas presentes, do exclusivamente
nacional para o regional.
A revista Belém Nova também foi um espaço exemplar de um movimento literário
que uniu esses setores intelectuais. Lançada em 15 de setembro de 1923, publicada até 15
de abril de 1929 e impressa na gráfica oficial do Estado, sua redação se localizava na rua
28 de Setembro n° 6, em Belém. Em suas páginas continham poesias, crônicas, novelas,
ensaios literários, contos, reportagens, anúncios comerciais, fotografias, coluna social e
ilustrações. Nela foram publicados, em seus primeiros números, manifestos de Bruno de
Menezes e Francisco Galvão, que apresentavam ao norte as bases da nova estética como
reflexo de São Paulo e do Rio de Janeiro, e Abguar Bastos, em que, por um viés bairrista
e/ou regionalista, conclamava a união dos estados das regiões norte e nordeste e a
independência intelectual e artística perante os estados do sul e sudeste do país. Da
união desses grupos em torno de um movimento e de uma revista foram publicados
artigos de cunho modernista, manifestos e obras individuais. Em 1927, uma publicação
contribuiu para alterar os modos de percepção da arte, da literatura e da política local,
um manifesto de Abguar Bastos intitulado Flami--assú. Nele conclamava-se aos
intelectuais do norte e do nordeste para se unirem contra o proposital esquecimento da
região feito pelos do sul (GALVÃO JÚNIOR; FIGUEIREDO, 2019).
Neste contexto, Clóvis de Gusmão era, segundo Figueiredo (1998, p. 307-308),
uma “promessa literária da Amazônia. Seu interesse pelo folclore adveio de seu convívio
com importantes intelectuais da região, entre eles José Eustachio de Azevedo, um
importante historiador da literatura regional e José Coutinho de Oliveira, o principal
folclorista paraense”. Nesse meio absorveu o que havia de melhor nos passadistas para
incorporar às ideias modernistas, sendo o principal caminho de incorporação e
reelaboração do folclore como expressão literária da história do Brasil. Outro intelectual
paraense com quem Gusmão manteve contato é Henrique Santa Rosa
2
, “meu mestre e
meu amigo”, engenheiro e historiador. Entretanto, a visão acerca da cosmologia indígena
se diferenciava dos passadistas para os “Novos”. Aos passadistas interessava resgatar o
folclore para que não se perdesse, mas com isso enclausurava-se a cultura brasileira em
livros e a estagnava no passado. Entre os modernistas, embora sua maioria negasse a
perspectiva folclórica, encontramos autores como Clóvis de Gusmão que reconhecia,
por um viés próximo à antropofagia, a necessidade de reconstrução brasileira pela
perspectiva da cultura nacional “primitiva”, o que passa necessariamente pelo folclore.
Lendas e mitos foram reconstruídos literária e historicamente para a compreensão da
verdadeira brasilidade e tidos como base para reedificar as concepções de sociedade, de
cultura e de política, o que inclui mudanças em sua legislação, pois ela havia sido copiada
de países europeus.
Enquanto Mario de Andrade, que viajou para a Amazônia na década de 1920
3
, era
considerado antropofágico durante a primeira dentição devido à Macunaíma (1928), os
paraenses o consideravam, principalmente a partir da segunda dentição, como sendo
excessivamente folclórico. Oswaldo Costa, provocativo, chega a afirmar em Moquém II
Hors d’ouvre (1929, p. 06), que uma das poucas coisas que o modernismo produziu foi
Macunaíma, “que o sr. Mario de Andrade teve a ideia genial de transpor das lendas
amazônicas coligidas por Amorim e outros, copiando-lhes mesmo a adorável linguagem
poética, o que torna o seu trabalho verdadeiramente homérico no bom sentido”. Defende
que a antropofagia reivindica o livro para si, mas que a obra, como “nossa Odysseia”,
apenas cede a uma aproximação com a “descida antropofágica”. O ponto principal,
segundo ele, seria que Macunaíma deu a primeira “tacapada” séria no cristianismo,
mesmo após termos Cunhambebe
4
e outros heróis que possuíam muito caráter.
Reconhece o aspecto antropofágico de buscar nas lendas amazônicas o brasil
verdadeiro, distante do cristianismo puro, mas que o poderia ter feito a partir de um
verdadeiro herói com o caráter brasileiro antropofágico, como Cunhambebe. Abguar
Bastos e Eneida de Moraes nem chegam a tratar de folclore em suas publicações na
revista. Seus escritos iam mais em direção a uma cultura amazônica mais humana e
menos lendária (GALVÃO JÚNIOR, 2020). Clóvis de Gusmão acreditava que o folclore
seria a base para as demais especificidades brasileiras.
2
Paraense, geógrafo, engenheiro civil, ensaísta, historiador da natureza local e de orientação republicana.
3
Mário de Andrade, inspirado pelas obras de Theodor Koch Grünberg, etnólogo e explorador alemão
que estudou os indígenas antropofágicos, escreveu Macunaíma após sua viagem à Amazônia na década de
1920, em que ficou um bom tempo em Belém. Nesta viagem, mesmo em contato com artistas e autoridades
locais, preferia conversar com a população para ouvir causos, lendas, histórias e mitos. Seus relatos da
viagem estão em O turista aprendiz (ANDRADE, 1976).
4
Referência ao famoso chefe “cannibal” Tupinambá do século XVI exposto por Hans Staden.
Gusmão, ao mudar-se para o Rio de Janeiro, firmou uma parceria forte com
Oswald de Andrade e Raul Bopp
5
pois, além de trocarem correspondências, estavam
juntos no comando da Revista de Antropofagia, organizando a redação, escolhendo
textos e autores, revisando, entre outras atividades próprias da organização de um
periódico. Assim, traz à revista alguns autores ainda restritos aos círculos paraenses,
como Abguar Bastos e Eneida de Moraes. Em carta enviada ao pernambucano Joaquim
Inojosa, em 1925, Gusmão conta que, embora se considere paraense, nasceu no
Amazonas em 08 de maio de 1905, mas que muito criança embarcou para o Pará.
Estudando em colégios católicos, recebera uma rígida educação, da qual revela muitas
críticas, mas que de tivera gosto pelos conhecimentos. Além disso, esses intelectuais
modernistas provenientes da Amazônia, quando se apropriam dos relatos folclóricos,
revelavam uma referência necessária à descoberta do país, qual seja, sua cultura. Eles
distanciam-se da ideia de uma Amazônia exótica, idílica e essencialmente folclórica,
trazendo para São Paulo e para o movimento antropofágico a contribuição de uma
Amazônia múltipla, “real”, social, política, cultural e humana no jogo das relações de
poder.
Mesmo que Gusmão não pareça tão debochado quanto Oswald de Andrade, tem
seus próprios meios de se utilizar do humor e do riso para se expressar no contexto
antropofágico. Maria Eugênia Boaventura (1985), ao analisar o cômico e a paródia na
Revista de Antropofagia, aponta para as várias utilidades que o humor tem para
periódico. Como principal, identifica o questionamento da própria realidade em direção à
autonomia da forma, do estilo e da história acrescenta-se, neste artigo, em direção à
jurisprudência por intermédio de táticas como jogos de palavras, trocadilhos, troças,
metáforas, sarcasmo, paródias, ironia, agressão verbal e escrita lúdica, adotando o viés
do riso com o intuito de questionar a realidade e discutir problemas sérios. É nesse
sentido que será analisada a participação antropofágica de Gusmão.
Humor, antropofagia e resistência
A sátira é sempre a defesa individual ou social
contra a opressão, o enfatuamento e as
usurpações de qualquer espécie.
(ANDRADE, 1945, p. 50).
5
É importante inferir que Raul Bopp e Clóvis de Gusmão se conheceram em Belém e passaram a travar
relações de amizade e profissionais. Acredita-se que Raul Bopp, que fez o terceiro ano do curso de direito
em Belém, foi uma ponte entre os antropofágicos e os modernistas amazônicos. Ele, além de compor
Cobra Norato, publicou na segunda dentição poemas e lendas amazônicas. Gusmão e Bopp parecem
dialogar muito mais de perto do que Gusmão e Oswald, embora esses também guardassem relações.
Com estas palavras, Oswald de Andrade define o conceito de sátira em uma
conferência proferida na Biblioteca Municipal Mario de Andrade, em São Paulo, no dia 21
de agosto de 1945 a convite de Sérgio Milliet, diretor do órgão. No mesmo ano em que
Oswald de Andrade defende que a sátira humorística é uma arma contra a opressão e
usurpações, George Orwell afirma, em artigo, que “toda piada é uma pequena revolução”
(ORWELL; ANGUS, 1969, p. 126). Obviamente os dois autores tratam de contextos
literários diferentes, afinal “O humor não tem essência. Foi sempre uma construção, uma
invenção cultural e histórica” (SALIBA, 2001b, p. 90). Enquanto Orwell teoriza sobre a
ausência de contundência e de humor na língua e na literatura inglesas (SALIBA, 2017, p.
25), Oswald de Andrade reflete sobre o humor e a sátira ao longo de sua participação na
literatura brasileira, comentando sobre o periódico O Pirralho, que organizou juntamente
com Guilherme de Almeida em 1911 (AZEVEDO, 2000), sobre o modernismo e sobre a
antropofagia. Contudo, é importante frisar que discussões sobre as características
revolucionárias do humor estavam em pauta em uma perspectiva global.
Antes, porém, na década de 1920, enquanto André Breton resumia Freud ao
afirmar que o humor é a “revolta superior do espírito” (MINOIS, 2003, p. 394), Oswald de
Andrade afirmava que a “alegria é a prova dos nove” no seu famoso Manifesto
Antropófago, contribuindo para definir as diretrizes e intenções da Revista de
Antropofagia e do movimento antropofágico. Dessa maneira, o movimento
antropofágico não se afasta da idiossincrasia geral da vanguarda artística francesa do
início do século, ao mesmo tempo em que não a copia, pois aplica uma de suas principais
características, qual seja, a de devorar tudo à sua volta para constituir uma cultura
essencialmente brasileira. Para Baudelaire, o sentimento cômico toma impulso à medida
que a sociedade se corrompe e se degrada, pois, o artista insere em seu contexto sua
revolta frente às hipocrisias das normas sociais (BOAVENTURA, 1985, p. 25). Seguindo
esta perspectiva que une irreverência e rebeldia, a vanguarda artística apodera-se do
cômico e o transforma em instrumento essencial na luta contra os valores estabelecidos,
contra a burguesia. Um exemplo cadente é o Dadaísmo, que se utiliza do cômico e do riso
com a finalidade de lutar contra todo discurso estabelecido, toda tradição e filosofia que
sustenta a cultura burguesa. O riso é utilizado como estratégia cultural em luta pela
liberdade do vínculo institucional e contra sua absorção em modelo autoritário. O
exemplo dadaísta é importante para este artigo visto que um de seus maiores nomes,
Francis Picabia, publicou, em Paris, uma revista recheada de humor e quase homônima à
brasileira, a Cannibale. Oswald de Andrade teve contato com o autor e com a revista
citada quando esteve em viagem a Paris, onde teve proximidade com a temática
canibalesca em voga no exterior (GALVÃO JÚNIOR, 2020.). o Surrealismo usou o
cômico para negar a realidade e a falsa aparência para caminhar em direção a uma vida
mais autêntica (RICHTER, 1993). Segundo Breton, “O humor, enquanto triunfo paradoxal
do princípio de prazer sobre as condições reais no momento em que estas são julgadas
as mais desfavoráveis possível, é, naturalmente, chamado a tomar um valor defensivo na
época sobrecarregada de ameaças em que vivemos” (DUROZOI; LECHERBONNIER,
1976, p. 267).
Já no Brasil, o humorista típico da década de 1920 condensava as figuras do
caricaturista e do cronista da imprensa ligeira, publicitário, revistógrafo e, em alguns
casos, músico e ator: “o humorista é uma figura múltipla, portanto, com alta capacidade
de trânsito entre diferentes práticas culturais” (SALIBA, 2001c, p. 165). O humor
antropofágico foi estudado por diversos autores de renome da historiografia e da crítica
literária brasileiras. Tais estudos pautam-se ou nas características gerais da revista ou
nos escritos atribuídos a Oswald de Andrade, como o Manifesto Antropófago, por
exemplo. Longe de diminuir a importância de tais estudos e estudiosos, fundamentais
para as reflexões nesse momento, o presente artigo traz uma nova abordagem, qual seja,
o humor enquanto crítica a passagens presentes na Constituição brasileira de 1891.
Assim, Clóvis de Gusmão, que publicava na Revista de Antropofagia e transitava entre
Belém, São Paulo e Rio de Janeiro na cada de 1920, propôs, por meio do humor, a
dissolução da legislação brasileira e sua reconstrução a partir do folclore e de crenças
indígenas amazônicas, que, segundo os antropofágicos, eram mais próximas da realidade
nacional e não cópias de documentos estrangeiros.
Esta abordagem é nova se pensarmos que, antes dos anos 2000, a maioria da
atenção acadêmica dada ao humor concentrava-se, em geral, em obras de literatura ou
nos contos populares, fato que começou a se alterar com a ampliação das fontes e
métodos de pesquisa (BREMMER; ROODENBURG, 2000), o que nos permite hoje levar
em consideração os periódicos. A história do humor no Brasil é tema relativamente
recente e vem de braços dados com o desenvolvimento da história cultural. Antes,
todavia, foi tema de antropólogos, sociólogos, etnólogos e psicólogos interessados na
compreensão das relações do ser humano com o humor e o riso, que por vezes eram
tidos como sinônimos. O tom do humorismo brasileiro, vastíssimo e impossível de
quantificar, possui pelo menos duas tendências: uma ligada à produção literária que
acompanha o figurino estético e outra ligada entre o livro, o folhetim, a fotografia, a
literatura, o teatro de revista e o folclore (SALIBA, 2001c, p. 164). A primeira predominou
no circuito culto de produção do livro que tomou impulso após a Grande Guerra e a
segunda procurou outros espaços de produção, plurais, múltiplos e variados, como é o
caso das revistas. O ambiente cultural da Primeira República, no qual se insere este
artigo, foi caracterizado por Ana Luiza Martins (2001) como período da “síndrome de
revistas” dada a quantidade de periódicos literários, políticos e culturais lançados. O
movimento antropofágico e a Revista de Antropofagia, inseridos na segunda categoria,
foram espaços onde essa multiplicidade de humores pode ser encontrada fora do círculo
culto do livro, inclusive pelas próprias características modernistas de crítica ao
academicismo e às escolas literárias romântica e parnasiana.
Assim como não podemos falar em modernismo, mas em modernismos brasileiros
devido às peculiaridades regionais dentro de um mesmo movimento, devemos construir
a noção de antropofagias brasileiras devido às mesmas condições. Dessa forma, embora
a base física da Revista de Antropofagia fosse São Paulo, são apresentadas em suas
páginas a existência de algumas “sucursais”, como as do Rio de Janeiro e do Pará,
localidades nas quais viviam os intelectuais e artistas que mais contribuíram com a
construção do movimento fora de São Paulo. É relevante salientar que estas “sucursais”
não representavam “filiais” da antropofagia, pois ela pressupõe certa hierarquia entre os
antropófagos paulistas e os simpatizantes da antropofagia de outras regiões do Brasil.
Mesmo que esta ideia pudesse fazer sentido ou mesmo fosse o intento dos idealizadores
da revista, o que se verificou foram especificidades antropofágicas regionais que
estavam, ademais, sendo discutidas nos meios intelectuais, jornais e revistas. No caso de
Belém, havia discussões sobre o movimento antropofágico nas páginas d’O Estado do
Pará por meio das penas de Gusmão, de Eneida de Moraes, de Raul Bopp e de diversos
outros autores locais, o que contribuiu para a definição de um movimento com
características próprias, embora dialogando com São Paulo (GALVÃO JÚNIOR, 2020).
Clóvis de Gusmão transitava entre os três estados, tornando-se importante verificar
estas questões nas três localidades. Sob o ângulo da História sociocultural, havia grupos
com características diferentes que produziam humor em São Paulo, Rio de Janeiro e Pará.
no Rio de Janeiro, o grupo de humoristas se confundia com a boêmia intelectual
irreverente ligada à produção jornalística. Criou-se um círculo informal de sociabilidade,
à margem da Academia Brasileira de Letras, e mantinha-se contato com os chamados
meios populares (SALIBA, 2001c). Liderados por Jo do Patrocínio, fazia parte deste
grupo Emílio de Menezes, com quem Oswald de Andrade mantinha contato próximo nas
décadas de 1910 e 1920. Em Um homem sem profissão, o autor coloca:
Emílio podia me interessar porque era um feroz maldizente. Confraternizei
com esse baluarte da sátira (...) Com seus belos olhos azuis e seus bigodes
brancos em ponta, punha o mundo abaixo diante de qualquer suposto inimigo.
Sofria visivelmente de um poderoso complexo de inferioridade social. (...)
Machado de Assis, outro complexado, opusera-se resolutamente à sua entrada
na Academia Brasileira de Letras (...) Fazia questão de impor rígidos costumes à
instituição branca que dominava (...) Quando Machado morreu, foi fácil a Emílio
verejar de fardão o Siligeu. (ANDRADE, 2002, p. 126-127).
Quanto a São Paulo, Saliba (2001a; 2001c) identifica cronistas e humoristas do
início do século que faziam um “humor macarrônico”, no limite entre o mau gosto e a
obscenidade, que foram colocados à margem pelo grupo modernista, embora
possuíssem características modernistas. Este humor difundido pela Revista de
Antropofagia, no geral, e por Clóvis de Gusmão, em específico, diferia deste humor
macarrônico por discutir problemas brasileiros vinculados às dominações coloniais e
defender a cultura nacional perante os grilhões europeus. É um humor divertido e ao
mesmo tempo sério, interessando ao historiador por fornecer pistas para a compreensão
da sociedade, pois, como aponta Henk Driessen, “o humor quase sempre reflete as
percepções culturais mais profundas e nos oferece um instrumento poderoso para a
compreensão dos modos de pensar e sentir moldados pela cultura” (DRIESSEN, 2000, p.
143)
Entretanto, pode-se compreender mais profundamente o humor presente em tais
obras a partir do conhecimento prévio da natureza conflituosa das relações sociais em
que a piada” é ambientada, isto é, a contextualização aponta a relação entre piada e
experiência. O humor é utilizado como um mecanismo de enfrentamento psicológico e
um processo de resolução de conflitos internos e externos que, por vezes é a única
forma de lidar com o turbilhão da vida. Pode ser compreendido enquanto um índice da
maneira pela qual este grupo se apresenta e se representa. O humor, assim, torna-se um
produto cultural mutável no tempo, fluido e historicamente gerado que pode se tornar
um eixo para definições das mudanças de perspectivas políticas e de compreensão moral
das sociedades. Partir dessa compreensão em busca de textos cômicos por meio de uma
revista bastante estudada e de um autor que traz para São Paulo a perspectiva de um
modernismo e de uma antropofagia amazônicas, é escovar a história “à contrapelo”, na
perspectiva de Walter Benjamin (1985).
Logicamente, humor, cômico e parodiar o sério acompanham esse processo ligado
ao contexto brasileiro sem que seu mérito seja diminuído pelo contato com ideias
externas. Na Revista de Antropofagia, a paródia processa-se pelo mecanismo de
incorporação de textos diversificados. Ela é detectada na macroestrutura e na
microestrutura, isto é, no periódico em si e nas contribuições individuais. Segundo
Boaventura (1985), o humor possui três principais intenções na revista: criticar antigos
companheiros modernistas, como Mario de Andrade; servir de recurso para uma
possível escassez de assunto em algum momento; e contribuir para o embasamento e
apoio à teoria geral da Antropofagia. De acordo com os objetivos do artigo, as análises
seguirão essencialmente o terceiro ponto sem que se deixe de comentar, mesmo que de
maneira rasa, os dois outros.
Compreendendo o cômico enquanto eficaz para a ruptura com a arte e a sociedade
brasileira colonizada, os autores ligados ao movimento antropofágico parecem
compartilhar profundamente de um dos principais aforismos do manifesto: “A alegria é a
prova dos nove”. Ele representa uma ruptura com a rigidez da literatura oficial, desdém
por tudo, libertação. É um instrumento utilizado como artifício para alterar a realidade e
como opção para debates mais minuciosos sobre certos problemas brasileiros.
Diversas são as publicações com tom cômico e de humor que parodiam outros
textos, em sua maioria provenientes da literatura romântica, parnasiana e até mesmo
modernista na segunda dentição. O cômico é utilizado também na publicidade, gerando
“antianúncios”. Ataca-se Mario de Andrade, “85% ignorantão” (COSTA, 1929, p. 10),
Candido Mota Filho, “o Motinha” “que confunde tudo” (COSTA, 1929, p. 10), Cassiano
Ricardo, “cuja ossada foi descoberta por nós” (TIRO..., 1929, p. 10), Menotti del Picchia, “o
italianinho sem as primeiras letras”, (O ITALIANINHO..., 1929, p. 10), entre diversos
outros exemplos que perpassariam por páginas e páginas deste artigo. Além de ataques
aos autores e suas obras, o processo humorístico também ocorreu em relação aos textos
legais a fim de profanar mitos e valores da cultura oficial. A Academia Brasileira de
Letras e a Academia Paulista de Letras foram alvos certeiros, consideradas como
mbolos máximos do conservadorismo na arte. Em relação à primeira, a profanação
humorística ocorreu no sentido de exigir sua extinção e se autoproclamando
“Antropofagia Brasileira de Letras” (EXPEDIENTE..., 1929, p. 06) e, à segunda, além da
sugestão de dissolução, refere-se a ela como “Academia de Letras Provisórias(COSTA,
1929, p. 12).
No dia 19 de julho de 1929, em seu penúltimo número, a Revista de Antropofagia
traz a intenção de fazer o Primeiro Congresso Brasileiro de Antropofagia em que seriam
discutidas algumas teses já encaminhadas e definidos seus participantes:
Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, mais alguns modernistas, entre eles
Pagú, Annita Mafatti, Waldemar Belisario, que seguiram ante-hontem pelo trem
azul, para o Rio, vão fazer agora, ali, com Alvaro Moreyra, Hannibal Machado,
Clovis de Gusmão, Jorge de Lima, Julio Paternostro, Sinhô, Jurandyr Manfredii, o
pintor Cicero Dias e o juriscunsulto Pontes de Miranda a maquete do primeiro
Congresso Brasileiro de antropofagia, a se reunir em fins de setembro, naquela
capital. Dentre as teses (...) se contam as seguintes, que ele mais tarde enviará
em mensagem ao Senado e à Câmara, solicitando algumas reformas da nossa
legislação civil e penal e na nossa organização político-social. (PRIMEIRO...,
1929, p. 12).
Raul Bopp (2012, p. 102) conta que o secretário da Educação do Espírito Santo
assistiu essas formulações casualmente e entusiasmou-se, sugerindo que elas se
realizassem em Vitória e que seus participantes fossem hóspedes do Estado. Marcou-se
a data para 11 de outubro, pois seria o último dia da “América Livre”, um dia antes de
Colombo. Deram-se início as reuniões para preparar as teses a serem discutidas no
Congresso.
Primeiramente foi proposta a construção de um novo calendário, cujo início
ocorreria na data de deglutição do Bispo Dom Antônio Sardinha, e revisitados os
clássicos da Antropofagia: Trévet, Jean de Léry, Hans Staden, Henry Koster, Karl Von
den Stein, Claude Abbeville, Yves d’Evreux, Taunay, Saint-Hilaire, Koch Grunberg,
glossários de línguas indígenas de Martius, Montaigne e Rousseau. Em um segundo
momento, os assuntos para as teses foram elencados e sugeridas as pessoas que as
desenvolvessem. Seguiram-se, então, as seguintes sugestões: elaborar uma revisão da
história do Brasil; para isso seria necessário definir um conceito antropofágico do Brasil
a partir da ideia do “grilo”, ou seja, a posse contra a propriedade; deveria ser
desenvolvida uma subgramática em que coubessem as expressões criadas pelo
subconsciente do povo; “mussungulá”, posição de espírito que condensa problemas de
personalidade numa acomodação surrealista, ou seja, “quase que uma preguiça
filosófica”; outra tese seria a mudança do sistema de medidas de superfície terrestre por
outro que seria conhecido como “berro”, ou seja, os limites de uma determinada área
seriam fixados em pontos onde pudessem ser ouvidas as últimas ressonâncias do berro,
dado por um berrador oficial; a índole pacífica do gentio complementava as teses. O povo
brasileiro poderia ser analisado também pela ótica dos viajantes estrangeiros, em sua
maioria franceses, alemães e ingleses, em um tipo de luta moderna contra a tradição
lusitana.
Acerca especificamente da Amazônia, as teses a serem discutidas incluiriam o
parodiar de Heródoto, em que o Brasil era uma dádiva do rio Amazonas. Foram feitas
também considerações acerca da libido brasileira a partir de um estudo fundamentado
em Freud e no Boto, em que pessoas teriam garantias caso fossem filhas do Boto ou de
alguma árvore a partir de “orgia do mato”. Legislação sobre ervas para quebranto,
pussangas de seduções femininas, amuletos, pajelança, bruxaria, entre outras questões.
Tais teses, e outras mais, seriam tratadas em suas múltiplas vinculações regionais a fim
de se compreender melhor o Brasil.
O plano de fazer uma “bibliotequinha antropofágica” com os resultados das
pesquisas, a composição de “uma sub-religião brasileira” e de uma “Suma Antropofágica”
de natureza política encerraram as propostas do Congresso. Entretanto, devido a uma
série de imprevistos de ordem pessoal, sexual, artística, amorosa e emocional, o
Congresso não ocorreu e a “bibliotequinha” não foi levada a cabo. Mas diversos desses
temas, teses e ensaios foram encontrados na Revista de Antropofagia, muitos dos quais
tratados nos poemas e artigos provenientes das mãos de paraenses.
Entre as teses que, mais especificamente, tratariam de estudos sociológicos e
políticos, encontram-se o divórcio, a maternidade consciente, a impunidade do homicídio
piedoso, a sentença indeterminada (adaptação da pena ao delinquente), a abolição do
título morto, a organização tribal do Estado de Representação por classes, a divisão do
país em populações técnicas, a substituição do Senado e da Câmara por Conselho
Técnico de Consulta do Poder Executivo, o arbitramento individual em todas as questões
de direito privado, a nacionalização da imprensa e a supressão das academias e sua
substituição por laboratórios de pesquisas. Mesmo o congresso não acontecendo, a
sugestão de Oswald de Andrade de que estes estudos estavam sendo levados a cabo por
alguns de seus integrantes, como “Sambaqui”, “o documental da campanha”, Serafim
Ponte Grande e A hipótese antropofágica, de Oswald de Andrade,”Iurupary”,
proveniente da “força estupenda” do paraense Oswaldo Costa, em que constaria uma
condensação antropofágica da política e da sociologia, Cobra Norato, de Raul Bopp,
“talvez o mais belo poema do Brasil”, e Tenupá-Oikó, do paraense Clóvis de Gusmão,
“um ensaio sobre a filosofia do ‘Deixa está’” e sua representação legislativa.
A legislação “vida-e-sexo”
O humor político floresce quando há
repressão política e dificuldades econômicas.
(DRIESSEN, 2000, p. 144).
Clóvis de Gusmão publicou, em 07 de abril de 1929, um texto na Revista de
Antropofagia intitulado Antropofagia, no qual faz uma pequena reflexão sobre o
movimento em voga e ao qual ele decidiu integrar. Segundo ele, o ponto principal do
movimento antropofágico seria nacionalizar tudo o que a terra ainda não tinha
conseguido nacionalizar, referindo-se à pretensa e falha tentativa do modernismo em
fazê-lo. O modernismo, pelo seu caráter de aproximação com o estrangeiro, não teria
encontrado nenhum passado verdadeiramente nacional que pudesse ser revivido. Se não
eram euclideanos
6
, tratando os índios pelo viés romântico, tinham a mentalidade
6
Neste ponto, a referência ocorre em direção à Euclides da Cunha que, por um viés romântico ou “pré-
modernista”, escreve sobre Canudos sem a preocupação de compreender a perspectiva regional e
verdadeiramente brasileira, de acordo com os antropofágicos. Segundo eles, dever-se-ia aproximar da
compreensão da cultura brasileira presente no movimento e não a narração da vitória do exército.
euclideana. Era preciso acabar de vez com a prosa “besuntadinha e mole de Machado de
Assis” e com o “antoniovieirismo” de nosso fantasma gramatical. Os antropófagos, como
“escritores realmente brasileiros”, teriam decidido formar uma fala realmente nacional,
“formar uma arte toda nossa. Tudo nosso. Pau-Brasil!” por meio da liderança do “nosso
maior cérebro creador, Oswald de Andrade”, que teria concebido o movimento enquanto
“comunhão da carne para o aproveitamento das qualidades físicas, intelectuáes e
moraes” (GUSMÃO, 1929a, p. 10).
Entretanto, as análises de Clóvis de Gusmão não iam apenas em direção à
literatura e ao sentido metafórico. Em carta a Joaquim Inojosa, em 21 de junho de 1929,
ele trata de uma economia antropofágica brasileira como uma nova engenharia.
Compreende os problemas brasileiros a partir de uma ótica vinda da região norte tendo
como pano de fundo a Amazônia. Talvez, quem não estivesse familiarizado com a região
amazônica nem com a antropofagia interpretasse tais palavras enquanto humor. E ainda,
conjectura-se, a intenção realmente fosse essa. Segundo ele,
O homem se aproveitando do material fornecido pelo ambiente e elevando com
êle a sua civilização. E é êsse o êrro básico da economia brasileira que a
antropofagia econômica corrigirá. Se nós não temos ferro, devemos criar a
nossa engenharia de país que não tem ferro. Se nós não temos petróleo
devemos incentivar a existência de sucedâneos do petróleo. Devemos criar a
nossa química industrial. Com feição própria. É preciso que nos libertemos dos
banqueiros de Wall-Street mais ainda do que da literatura francesa. Temos o
‘imamoim’ que 100% de gasolina vegetal. Temos o babassu que resolve o
problema de nossa siderurgia. Tudo isso inexplorado. É a mentalidade rotineira
atuando no subconsciente dos nossos capitalistas que os impede de ver o ‘lucro
máximo e nôvo que valorizaria um nôvo produto de exportação. Taxas e
sobretaxas em todo capital inerte. Imposto sobre a o constituição da família.
A procriação e o trabalho como base da sociedade futura contra a escravidão
econômica. (GUSMÃO apud INOJOSA, 1968, p. 405).
Geraldo Ferraz, em entrevista a Maria Eugênia Boaventura (1985), afirma que
Clóvis de Gusmão foi muito ativo na Revista de Antropofagia, mas que não havia
publicado mais nada de surpreendente, pois “Ele era muito fraco, muito doente”.
Entretanto, em publicação d’O Jornal, do Rio de Janeiro, em 01 de setembro de 1929,
Oswald de Andrade afirma, na entrevista intitulada “De antropofagia”, no subtítulo “A
expansão antropofágica”, que obras antropofágicas estavam para ser publicadas,
incluindo uma de Clóvis de Gusmão. Mesmo não encontrando nenhuma obra referente
ao movimento antropofágico, há um relato de Alexandre André Nodari (2019) informando
que trechos da possível obra desse autor teriam sido publicados no Diário da Manhã, do
Espírito Santo. Tendo acesso ao jornal, percebe-se que representam uma contribuição
para um projeto que estava engavetado pelos antropófagos desde a primeira dentição,
isto é, selecionar alguns autores para pesquisar e discorrer sobre alguns temas
interessantes ao movimento antropofágico, promover um Congresso de Antropofagia e
publicar seus resultados para formar uma “bibliotequinha antropofágica”.
Nesses trechos, intitulados no jornal Diário da Manhã, do Espírito Santo, como 4
pedaços do Tenupá-Oikó, o autor utiliza o folclore e algumas lendas para justificar a
necessidade de se promoverem mudanças político-sociais. O folclore e a crença indígena
são interpretados, segundo as teorias da história cultural do humor, como anedotas
pelos leitores que as viam comparadas aos trechos constitucionais. Greenblatt e
Gallagher (2005) afirmam que as anedotas possibilitam aberturas oblíquas da história,
contribuindo para a inserção da literatura e da história literária. Consideram que elas são
um instrumento com o qual se pode “esfregar o texto literário contra a textura das
noções recebidas a respeito de seus determinantes, revelando as impressões digitais do
acidental, do suprimido, do derrotado, do incomum, do abjeto ou do exótico”. Esta forma
humorística constitui índices efêmeros, mas reveladores das feições imprevisivelmente
estranhas de algo familiar. Dessa maneira, ao analisar este estudo de Clóvis de Gusmão,
a atenção vai em direção aos dois grandes planos da anedota, isto é, o efêmero, que é a
compreensão ligeira da conjuntura, e o mais longo, que é intenção de ativar as emoções
do público, ligando-os à compreensão de suas metáforas, personificações e elipses
constitutivas das “estruturas de sentimento”, nos termos de Raymond Williams (1979).
A palavra tenupá tem origem tupi teîupara, cujo significado é “choupana para
abrigo durante as viagens” (NAVARRO, 2013, p. 602) que teriam existido como local para
a segurança indígena antes da chegada do colonizador, mas sua junção Tenupá-Oikó
carrega o sentido de “deixa estar”, “deixa fazer” ou “deixa embora” (DIETRICH;
MONSERRAT; MULLHER, 2019). Nesses trechos, o autor defende quatro ideias
principais e justifica a partir de passagens lendárias
7
. Os trechos são curtos, com uma
ideia principal e uma passagem folclórica. Transcrevo-os aqui, ao longo da análise, de
maneira completa. No primeiro, defende a “Moral biológica. Mastigadazinha no estômago
do mato, entre correntes de tradições eugênicas culminadas no dever da vingança” e cita
um pequeno trecho de Yurará Uiauráçu Irumo (A tartaruga e o gavião), encontrado em
Poranduba amazonense ou KOCHIYMA-UARA PORANDUB, de João Barbosa Rodrigues,
de 1890. Transcrevo o trecho completo:
Contam que no tempo-longe uma tartaruga matou um gavião que deixava um
filho pequeno. O gaviãozinho um dia foi caçar e encontrou penas no caminho.
Chegou em casa e contou. A mãe dele disse: meu filho, aquilo são penas do seu
pai que a tartaruga matou. O gaviãozinho calou-se. Cresceu. grande,
7
Ao que parece, as teses eram enumeradas em seu estudo por caracteres arábicos. No artigo, temos as
teses de número 18, 20, 23 e 31.
experimentou forças no grelo do meriti. Não arrancou. Disse: inda não tenho
forças. Tempos depois, voltou e arrancou o grelo do meriti: ‘Agora vou vingar
meu pai!’. (RODRIGUES, 1890, p. 170).
Esse trecho é o resumo de uma lenda que conta a origem da coloração das penas
das aves, pois o citado gavião, matando a tartaruga, chamou todos os seus parentes para
ajudar a vingar seu pai. Cada pássaro atacou uma parte do corpo da tartaruga. Os
pássaros que atacaram várias partes do corpo ficaram coloridos, os pássaros bicolores
teriam atacado duas partes e os que fincaram seu bico em apenas um local ficaram com
apenas uma cor em suas penas, assim como explicava a coloração de seu bico.
Entretanto, a intenção de Gusmão não era publicar uma história folclórica ou lendária,
mas a reconfigurar a partir de uma intenção principal: reconstruir a história, a política e
a sociedade brasileira a partir de resumos selecionados e de trechos que julgou serem
seguros para a sua argumentação. A lenda não foi alterada, mas sua intenção foi utilizá-la
de maneira diversa em relação aos folcloristas. Em defesa de uma moral biológica, ao
contrário da cristã, Gusmão “deglute” a eugenia defendida pelos cientificistas do século
XIX e a inverte, comparando os indígenas ou mesmo os antropófagos ao gavião.
A tese, pensada e mastigada no “estômago do mato”, isto é, de origem natural e
essencialmente brasileira, utilizava os pensamentos eugênicos de purificação da raça
para justificar a vingança, legítima, dos indígenas contra os colonizadores e dos
antropófagos de 1920 contra a colonização cultural. O indígena, o antropófago
modernista e o Brasil deveriam ter o direito à vingança, segundo a “moral biológica”, de
se virar contra, matar e devorar a tartaruga estrangeira que tentara dominar por 400
anos sua terra. Quando o modernista percebeu que Portugal invadira e matara concreta
e simbolicamente seus antepassados, ainda era um jovem gavião, que “calou-se. Cresceu.
grande, experimentou”, viu que ainda “não tinha forças” e voltou, adulto, fortificado
enquanto antropófago, “arrancou o grelo do meriti” e vingou seus antepassados. A
literatura, dessa maneira, foi utilizada enquanto reconstrução e reescrita da história.
A moral continua sendo objeto de reflexão de Gusmão. Na segunda tese, ele se
posiciona contra a moral enquanto “convenção”, “dignidade humana” e descodificada
do índio”. A moral brasileira deveria levar em conta a realidade nacional mais profunda e
não preceitos vindos de fora. Lembrando o Manifesto Antropófago, de Oswald de
Andrade e a Descida antropófaga, de Oswaldo Costa, ele propõe um “Conceito novo da
virgindade”, baseado nos “ritmos da sabedoria indígena”, tratando a procriação como
“esteio-mãe” da sociedade a partir de uma ingenuidade natural na consciência das
energias fecundadoras. Vamos à lenda para melhor compreender sua argumentação: “no
nosso princípio apareceu no rio Ukaiary uma tribo de mulheres que não podiam ter filhos
porque os maridos eram decrépitos. O pajé perguntou: Vocês estão tristes? Sim. Porque
o mundo vai se acabar” (GUSMÃO, 1929b). Esse trecho refere-se à lenda de Jauí ou
Rarianá, é encontrado logo no início do texto e narra o surgimento de diversos animais e
plantas. Diferente da moral cristã, que trata a virgindade como purificação do espírito e
permite o contato sexual apenas após o casamento o que para os antropófagos seria
uma relação religiosa, espiritual e de negociação burguesa a ser combatida , o ato
sexual e a virgindade são tratados na lenda de maneira natural, sem maldade ou apelo
machista.
Além do combate à cultura imposta, a tese de Gusmão sugere a comparação da
lenda com o pecado original cristão. Ao invés de Eva feita da costela de Adão, tem-se no
início dos tempos homens velhos impotentes que não tinham condições de fecundar as
mulheres. Estas estavam infelizes não por estarem insatisfeitas sexualmente, mas pela
impossibilidade de terem filhos e verem o mundo acabar, isto é, sentirem-se humilhadas
em verem extinta a sua tribo. A continuação da lenda, que não foi exposta por Gusmão,
demonstra que o pajé ou o “feiticeiro” pede para elas irem até um rio banharem-se e,
quando retornam, ele as informa: “Agora vocês terão filhos a cobra grande emprenhou
todas vocês” (RODRIGUES, 1890, p. 106). O início da humanidade cristã teria advindo
devido à primeira mulher, virgem, ter sido seduzida por uma serpente e incentivado Adão
ao pecado original, o sexo, enquanto a lenda demonstra o início da humanidade
justamente devido à cobra grande, mas sem o apelo sexual ou culpa moral. A virgem
indígena foi integrada no papel que lhe foi revelado no símbolo da trindade teogônica.
Ainda sobre as questões morais do tema sexo, o autor trata, na tese número 23, sobre a
idade natural para um contato sexual entre as pessoas. Baseando-se na “superstição das
mboiararas, moradoras dos lagos” e seu ritual da cobra d’água, coloca:
Quando alguma moça era suspeitada de ter perdido a virgindade, antes da
puberdade completa, os pais a levavam pro lago da mboiarara. Ficavam na beira
cantando: ‘arara, aramboia, eucecui meiú’. Se a moça era virgem, a cobra
recebia os presentes que ela lhe levava e ia-se embora, cantando também. Se
não, a comia, dando roncos que abalavam a terra (MAGALHÃES, 2013, p. 162).
Essa lenda está presente em O Selvagem, de Couto de Magalhães (2013, p. 162),
escrita em 1876. Segundo ele, ao dissertar sobre a existência de um deus do amor entre
os indígenas, na mais típica descrição folclórica por um viés europeizado, o deus do amor
tinha a seu serviço uma serpente que reconhecia as moças que se conservaram virgens,
recebendo delas os presentes que lhe levavam e devorando as que haviam perdido a
virgindade. Vamos a ele:
Os Tupinambás do Pará acreditavam que havia destas serpentes no Lago Juá,
pouco acima de Santarém. Quando alguma donzela (cunhãtãi) era suspeita de
ter perdido a virgindade, seus pais levavam-na ao lago, e aí deixando-a a sós em
uma ilhota, com os presentes destinados à serpente, retiravam-se para a
margem fronteira e começavam a cantar: Arára, arara mbóia Cuçucui meiú.
Quer dizer: Arára, oh cobra arara! Eis aqui está o teu sustento. A serpente
começava a boiar e a cantar até avistar a moça, e, ou recebia os presentes se a
moça estava efetivamente virgem, e nesse caso percorria o lago, cantando
suavemente, o que fazia adormecer os peixes, e dava lugar a que os viajantes
fizessem provisão para a viagem; ou, no caso contrário, devorava a moça, dando
roncos medonhos. Aqui, como nas outras lendas, um fundo moral. O fim da
lenda era provavelmente proteger a inocência, influindo salutarmente no
espírito das donzelas índias, pelo terror que lhes devia inspirar a perspectiva de
poderem ser devoradas pela serpente, desde que perdessem a virgindade.
(MAGALHÃES, 2013, p. 163-164).
Ao contrário de Couto de Magalhães, que narra a história em busca de um fundo
moral com um viés eurocêntrico, em que se protegeria a inocência das donzelas índias e
colocariam nelas medo de deixarem de ser virgens e serem devoradas pela serpente,
Clóvis de Gusmão defende uma moral despida de preconceitos estéreis, como ele coloca,
“mas dentro de um fundamento exato de eugenia. A sabedoria dos feiticeiros escorando
apenas a grandeza da tribo. Sem violentar os domínios do instinto (GUSMÃO, 1929b).
Finaliza a tese dizendo que o código de superstição desses indígenas paraenses era mais
natural, mais humano e mais “gostoso do que o artigo 268”. Dessa frase pode-se
identificar sua insinuação de estar propondo, desde o início, a construção de um digo
de superstição em contraponto aos códigos de leis brasileiras, que não fazem jus à sua
população, códigos também importados de uma Europa que nada teria de parecido com o
Brasil verdadeiro.
Sugere-se ainda que ele propõe a troca do artigo 268 do código penal promulgado
pelo decreto n° 847, de 11 de outubro de 1890, por esse código de superstição. Esse
artigo, presente no título VIII, Dos crimes contra a segurança da honra e honestidade
das famílias e do ultraje público ao pudor, Capítulo I do citado código trata “Da violência
Carnal”, traz o seguinte texto:
Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta: Pena - de prisão cellular por um a
seis annos. § Si a estuprada for mulher publica ou prostituta: Pena - de prisão
cellular por seis mezes a dous annos. § 2º Si o crime for praticado com o
concurso de duas ou mais pessoas, a pena será augmentada da quarta parte
(BRASIL, 1890)
É possível que a menção a esse artigo traga no seu bojo uma crítica à sociedade
que violenta os domínios do instinto, devendo, por isto, cravar leis que regulem
penalmente seus atos delituosos devido ao recalque que poderia ser sanado com a volta
aos domínios do supersticioso, que são as bases das relações sociais indígenas. Há,
assim, a sugestão de que o estupro seria uma questão existente entre os colonizados,
incluindo a noção de mulher honesta, o que também inexistia entre os indígenas. Se nos
atermos melhor a este título, podemos compreender melhor suas citações. O artigo 266
traz o seguinte texto:
Attentar contra o pudor de pessoa de um ou de outro sexo, por meio de
violência ou ameaça, com o fim de saciar paixões lascivas ou por depravação
moral:
Pena - de prisão cellular por um ou tres anos. § 1.º Excitar, favorecer ou facilitar
a corrupção de pessoa de um ou de outro sexo, menor de 21 annos, induzindo-a
à pratica de actos deshonestos, viciando a sua innocencia ou pervertendo-lhe
de qualquer modo o seu senso moral: Pena - de prisão cellular por seis mezes a
dous annos. § 2.º Corromper pessoa menor de 21 annos, de um ou de outro
sexo, praticando com ella ou contra ella actos de libidinagem: Pena - de prisão
cellular por dous a quatro anos. (BRASIL, 1890).
Com esse artigo, em especial os parágrafos primeiro e segundo, têm-se a ideia da
diferenciação entre as culturas, pois, na sociedade dominada que Gusmão critica, há uma
idade definida para a prática sexual nos 21 anos de idade, o que não existe no trecho
citado por ele e encontrado em Couto de Magalhães. A lógica instintiva e mágica da
virgindade e da prática sexual é outra, gerando menos problemas sociais. Também o
artigo 267 traz algo neste sentido: “Deflorar mulher de menor idade, empregando
sedução, engano ou fraude: Pena - de prisão cellular por um a quatro anos(BRASIL,
1890).
Na última tese publicada, Gusmão trabalha um conceito norteador tanto das
questões culturais e sexuais tratadas até o momento, quanto das concepções políticas e
sociais, a “legislação vida-e-sexo” no lugar da cultura importada e imposta, isto é, a
“legislação cósmica (...) das potências teogônicas” (GUSMÃO, 1929b). Pode-se conceber,
a partir deste conceito, que o brasileiro, a partir da “inteligência que sobe do mato”,
teria naturalmente compreendido seus desejos e instintos mesmo sem Freud. O que
Freud encontrou no inconsciente humano e no recalque dos desejos não existiam no
brasileiro natural. Assim, os filhos do Boto, por exemplo, deveriam ser considerados
legítimos e não apenas uma hereditariedade com princípio selecionador de sangue. A
legislação vida-e-sexo também nos permitiria ter um comunismo primitivista sem
precisar da “organização soviética”, “antes de Viena e Moscou”. Uma passagem de O
Selvagem, de Couto de Magalhães, pode nos ajudar a compreender melhor a relação
entre as mulheres, a virgindade e organização social desse comunismo primitivista
defendido por Gusmão.
IV COMUNISMO ENTRE OS CAIAPÓS. Não se entenda por comunismo de
mulheres alguma coisa semelhante à prostituição. Aquele é um modo de família
de que a raça branca tem um exemplo notável entre os espartanos; esta é a
negação da família. É tão importante esta distinção para bem compreender-se a
família selvagem (...) Os caiapós, que me parecem ser a mais numerosa tribo dos
platôs centrais do Brasil, são um exemplo desta instituição. Estes índios,
subdivididos em tribos poderosas, debaixo dos nomes de Caiapós, Gradaús,
Gorotirés e Caraós, estendem seu domínio desde as florestas da Província do
Paraná, Mato Grosso, Goiás, Maranhão, até o Pará, onde, sob o nome de
Goratirés, possuem fortes aldeamentos à margem do Xingu. (...) Não trato, pois,
de uma pequena tribo, mas de uma grande e poderosa nação. O comunismo de
mulheres entre eles consiste no seguinte: a mulher, desde que atinge a idade em
que lhe é permitido entrar em relação com o homem, concebe daquele que lhe
apraz. No período da gestação e amamentação é sustentada pelo pai do menino,
o qual pode exercer igual encargo para com outras, as quais, durante períodos
idênticos, moram na mesma cabana. Desde que a mulher começa a trabalhar é
livre de conceber do mesmo homem, ou pode procurar outro, passando para
este o encargo da sustentação da prole anterior. Notarei que entre os selvagens
o menino começa a cuidar da própria subsistência desde os dez anos, sendo,
contudo, auxiliado pelos parentes até que baste a si mesmo. Os selvagens são
em geral mui caridosos para com todos os meninos, inclusive para os de tribos
inimigas que tomam na guerra, aos quais criam como se fossem próprios. Este
modo de entender as relações do homem com a mulher, isto é, fazê-las
exclusivamente depender da vontade dos dois, pode ter e efetivamente deve ter
grandes inconvenientes. Quaisquer, porém, que eles sejam, não é prostituição; é
um modo de ser da família, que eles julgaram melhor, segundo suas idéias (sic) e
meios de vida. (MAGALHÃES, 2013, p. 132-134).
Fazendo a distinção entre o “comunismo de mulheres indígenas”, semelhante aos
espartanos, e a prostituição, a “negação da família”, identifica os Caiapós ao longo de seu
território e especifica sua denominação no Pará, Goratirés. Esta “grande e poderosa
nação” teria organizado um certo tipo de comunismo feminino em que as mulheres
podem escolher os homens com os quais desejam manter relações. Não havendo a
instituição da família ao estilo cristão, os filhos das mulheres devem ser sustentados pelo
pai até o período da amamentação e esses podem sustentar ao mesmo tempo outras
mulheres. Após o período de amamentação, a mulher pode voltar ao trabalho e procurar,
ou não, outro homem que cuide de sua prole. Além disso, os filhos são cuidados por toda
a “tribo”, inexistindo a concepção europeia de pai e mãe como únicos responsáveis pela
criança. Assim, devido às suas teses, Gusmão parece perceber um comunismo indígena,
mas diferente do comunismo bolchevique, um comunismo do matriarcado, afinal
A teogonia dos índios assenta-se sobre esta ideia capital: todas as coisas criadas
têm mãe. É de notar-se que eles não empregam a palavra pai; esta palavra pai
não indica a origem de um homem (...) Esta crença ainda é vulgar entre o povo
do interior das Províncias de Mato Grosso, Goiás e sobretudo do Pará, e é
provável que também do Amazonas (...) O Sol é a mãe dos viventes, todo que
habitama terra; a Lua é a mãe de todos os vegetais. (MAGALHÃES, 2013, p.
144).
Assim, Gusmão parece refletir, a partir de um prisma amazônico, sobre um
comunismo da ordem do matriarcado e não do patriarcado, o “Matriarcado de
Pindorama”, pois “diante do imperialismo papal, o comunismo sadio dos morubixabas
sevagens. A lei de Jurupary” (GUSMÃO, 1929b).
Conclusão
Este artigo trouxe à tona uma temática bastante estudada, mas por outra ótica.
Enquanto diversos estudos analisam o humor presente no movimento antropofágico
brasileiro a partir de paródias e de anedotas que se pautavam principalmente na crítica
ao romantismo, ao parnasianismo e aos próprios modernistas que não se “filiaram à
antropofagia, foi apresentada uma proposta humorística baseada no folclore que
pretendia a desmoralização do código de leis brasileiro e a demonstração de que, por ser
praticamente uma cópia estrangeira, não era adequado à realidade política, social e
artística nacional. Para isso, foram tomados como fontes artigos de periódicos,
correspondências e a Revista de Antropofagia em um contexto global de discussões
sobre o humor, principalmente a partir de autores franceses com os quais os editores
tiveram contato, suas características humorísticas específicas brasileiras a partir da
análise de alguns de seus artigos e uma análise aprofundada da participação de Clóvis de
Gusmão, intelectual entre Belém, São Paulo e Rio de Janeiro, que trouxe contribuições
antropofágicas sob um prisma amazônico.
Foram identificadas as intenções teóricas e temáticas que estavam por trás das
publicações na revista a partir do desejo de se promover um Congresso Antropofágico.
Dentre as principais teses estudadas e trabalhadas pelo movimento antropofágico no
final da década de 1920 e início da década de 1930, Clóvis de Gusmão nos chamou
atenção por defender, em publicações feitas em periódicos de outros estados, uma
legislação brasileira intitulada por ele como “legislação vida-e-sexo”, baseada em
folclore, lendas e costumes indígenas como genuinamente nacionais e que deveriam ser
levadas em conta na construção legislativa a partir da moral autóctone. Não
coincidentemente, a aproximação dos membros da segunda dentição com o partido
comunista, como Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Patrícia Galvão, Clóvis de
Gusmão, Eneida de Moraes e Oswaldo Costa, por exemplo, levou-o a pensar esta
realidade a partir de um comunismo brasileiro que, segundo as análises presentes nesse
artigo, seria um comunismo primitivista baseado no matriarcalismo que deveria estar
presente nas leis. Uma pena foi não ter encontrado, em meio à pesquisa, todos os artigos
propostos por ele, pretensão esta mantida por esse autor para se que se expandam as
análises a esse respeito.
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