FACES DA HISTÓRIA
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Recebido em: 06 de abril de 2014
Aprovado em: 11 de setembro de 2014.
H.J. Koellreutter e a Revista Música Viva: apontamentos sobre a
modernidade musical brasileira
HJ Koellreutter and the Música Viva Magazine: notes about the
Brazilian musical modernity
SOUZA, Leandro Candido de
1
Resumo: O objetivo deste artigo é retomar os episódios iniciais da elaboração
de uma estética musical modernista no Brasil. Em um contexto no qual
nacionalismo e modernidade interagiam de modo fecundo, embora precário,
o sistema foi inicialmente atualizado por um novo nacionalismo expresso
teoricamente no Ensaio Sobre a Música Brasileira, de Mário de Andrade, dando
continuidade às ideias ocializadas pela Semana de 22. Posteriormente,
até a publicação da “Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil” (1950),
redigida pelo compositor Mozart Camargo Guarnieri, essa corrente sofreu
profunda inuência das novas experiências do cosmopolitismo trazidas
à discussão por H. J. Koellreutter (1915-2005), nas duas fases da revista
Música Viva (1940-1941 e 1947-1948). Será fundamentalmente sobre esse
papel polêmico da revista, e de seu principal animador (ambos geradores de
debates e rupturas) que falaremos nas próximas páginas.
Palavras-chave: H. J. Koellreutter, revista Música Viva, modernismo,
cosmopolitismo.
Abstract: The purpose of this paperis to resume the initial episodes in
developing of a modernist musical a esthetic in Brazil. The musical system
was rst updated by a new nationalism expressed the oreticallyin the Ensaio
Sobre a Música Brasileira by Mario de Andrade, continuing the ofcial ideas by
the Semana de 22, in a context in which nationalism and modernity interacted
with fruitful way.Subsequently, until the publication of the”Carta Aberta aos
Músicos e Críticos do Brasil” (1950), written by the composer Mozart Camargo
Guarnieri, this stream has suffered profound inuence of the new experiences
of cosmopolitanism brought to discussion by H.J.Koellreutter (1915-2005),
in two phases of the Música Viva magazine (1940-1941and1947-1948). It is
primarily about the controversial role of the magazine, and its lead animator
that we speak on the following pages.
Keywords: H. J. Koellreutter. Música Viva Magazine, modernism,
cosmopolitanism.
Convencionou-se, na historiograa brasileira, que as primeiras
ideias vanguardistas foram trazidas ao país pelas mãos de representantes
do movimento modernista das décadas de 1920 e 1930, o que denota uma
estetização conceptiva da ação dos grupos europeus do início do século XX.
O que tivemos desde a Semana de Arte de 1922 foram práticas e tentativas de
1 Graduado em Ciências Sociais Mestre em Comunicação (USP) Doutor em História
(PUC-SP) –Pós-doutorando do Programa de Pós-graduação em História daUniversidade
Estadual Paulista (UNESP/Assis).Bolsista daFundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo, FAPESP. E-mail: lecanza@yahoo.com.
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modernização da atividade estética, o que, de todo modo, também não era uma
completa novidade. Apesar de ter sido o rito de passagem de uma tendência
que se estabelecia desde as obras de Lasar Segall (1913), Villa-Lobos (1915),
Victor Brecheret (1919) e, especialmente, a partir da exposição de Anita Malfatti,
em 1917, a Semana jamais quis romper com a arte burguesa (como foi o caso
europeu). Antes, procurou desenvolvê-la com pioneirismo e genuinidade.
Essa experiência inovadora, resultante do embate ideológico com
a representação parnaso-academista das oligarquias tradicionais, teve
sua marca mais saliente no irracionalismo,velho conhecido europeu que,
aqui, deu vazão ao ímpeto iconoclasta (antipositivista) dessa nova geração
geneticamente ligada ao processo de modernização centro-sudestino. Não se
pode esperar que da união entre proprietários rurais (majoritariamente ligados
ao café e à pecuária), frações da incipiente burguesia industrial paulista (seus
prossionais liberais, artistas e intelectuais) e o braço armado de ambas (o
Exército), pudesse nascer algo semelhante ao gesto tão próprio a dadaísmo,
futurismo ou surrealismo que tentou suprimir, pelo choque, as distâncias entre
arte e práxis vital: a “autocrítica da arte” no mundo burguês (BÜRGER, 2008).
Esses diversos novos grupos artísticos que emergiram, principalmente
em São Paulo, na primeira década do século XX, e que se expressaram
por obras, manifestos, revistas e periódicos (numa clara inspiração de ares
vanguardistas), explicitavam por táticas distintas, a mesma estratégia estética
nacionalizante e inovadora. A irradiação dela advinda, logo se espalhou para
outros estados, deagrando uma reordenação geral do movimento que se
comprovou na fundação das revistas Estética (Rio de Janeiro, 1924), A Revista
(Belo Horizonte, 1925), Terra Roxa e Outras Terras (São Paulo, 1926), Festa
(Rio de Janeiro, 1927) e Verde (Cataguazes, 1927), além da formação de
grupos em Porto Alegre e no Nordeste. Tudo desdobramento do “desvairismo”,
fundado por Mário de Andrade em 1921, no seu “Prefácio Interessantíssimo” à
Pauliceia Desvairada.
Especicamente no âmbito musical, enquanto no modernismo
europeu elevou-se o debate sobre as possibilidades de consecução da
complexa evolução da linguagem musical (que, por diferentes caminhos, havia
chegado ao limite de sua discursividade tonal), na particular dramaticidade
brasileira, o contexto era bastante outro. É isso que nos atesta a conhecida
passagem de Mário de Andrade em seu “Ensaio Sobre a Música Brasileira”,
de 1928, em que ele dizia existirem três opções: ser “gênio”, “nacional” ou
“reverendíssima besta”. Sendo que a genialidade, ainda que uma opção, não
se realizasse por simples escolha (ANDRADE, 1975, p.19). O sistema musical
brasileiro, por sua debilidade de imatureza, própria ao estado pueril em que se
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brasileira
encontrava a espiritualidade da nação, exigia tarefas que não eram as mesmas
impostas ao compositor europeu.
Por isso, se a música, inegavelmente, contundente de Villa-Lobos,
que oscila entre os polos do futurismo e do primitivismo, com intuitos de conciliar
folclore e francesismo, mereceu cada elogio recebido, ela impressionou em
maior parte por suas virtudes “extrassonoras” (para usarmos uma expressão
de Mário de Andrade). Preponderaram os ritmos e timbres, mesmo inovações
na instrumentação (Chorosn.º 8 e 10). Ela pouco acrescentou, por exemplo,
ao debate sobre os limites do discurso musical ocidental, forticando-o em
muitos momentos. Isso não é diminuir Villa, mas reconhecer a natureza
própria e os limites inerentes à realidade musical em que ele se movia, bem
como a contribuição que sua obra tem de um ponto de vista mais geral das
transformações das formas musicais.
Essa nota da posição peculiar assumida por Villa-Lobos, único
compositor brasileiro convidado e interpretado durante a Semana, também
comprova sua dimensão ante o cenário da época
2
. Os compositores que, de
uma ou outra forma, acompanharam-no nesse esforço renovador, não puderam
fazê-lo na Semana: Luciano Gallet, até 1922, ainda não havia composto tanto
quanto Villa e era excessivamente debussysta. Francisco Mignone estava
na Europa (Itália, de onde só retornaria em 1929), Glauco Velásquez faleceu
em 1914, Camargo Guarnieri era demasiado novo e outros não possuíam
tanta notoriedade como compositores, mais como intérpretes ou professores
(TRAVASSOS, 2000, p.27-28).
Por mais que, a partir de então, o nacionalismo tenha se inspirado
no primitivismo violento e bruto de Semana, não se questionou o nacional,
muito menos a institucionalidade burguesa da arte. Só com o Grupo Música
Viva(GMV) capitaneado pelo maestro Hans-Joachim Koellreutter que teve
início a relativização do nacionalismo durante a década de 40 –, permitindo o
efetivo desenvolvimento, no Brasil, das ideias das “vanguardas cosmopolitas”,
entendidas, aqui, como investidas artísticas desprovidas de compromisso
local, regional, nacional etc. Convertido a essas ideias desde muito jovem,
Koellreutter chegou ao Brasil em 1937, com 22 anos, fugindo do nazismo e
vendo-se às voltas com a falta de dinheiro, o que o obrigou a buscar espaços
alternativos de interlocução e sobrevivência artística, dando seu primeiro passo
para isso na criação do Grupo Música Viva.
2 Além de Villa, estavam lá Guiomar Novaes (interpretando Debussy) e Ernani Braga (tocan-
do Erik Satie). Na denição de Arnaldo DarayaContier: “Villa-Lobos (compositor), Guiomar
Novaes (pianista), entre outros intérpretes, representavam um grupo de artistas apoiados
pelos agentes sociais dominantes ligados à burguesia agrário-exportadora, que objetiva-
vam romper denitivamente com a arte tradicional (música romântica)” (CONTIER, 1985,
p.03).
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Estabelecendo uma cronologia elementar, em 1939, o grupo foi
fundado no Rio de Janeiro e, em menos de dois anos, foi publicado o primeiro
número da revistaMúsica Viva interrompida em março de 1941. Com o m
precoce da revista, Koellreutter intensicou sua projeção pública por meio
de cursos, apresentações, declarações e textos teóricos junto à imprensa
comunista, especialmente nos jornais Tribuna Popular (Rio de Janeiro), Folha
do Povo (Recife) e na revista Fundamentos
3
. Em todas essas manifestações,
as posições estéticas de Koellreutter reivindicavam uma pluralidade de
técnicas e processos composicionais (escorados na exploração e expressão
da subjetividade individual) que conitavam cada vez mais com o ambiente
musical da época, especialmente depois de 1948 com a aceitação, por parte
do Música Viva, do protocolo do Congresso de Compositores daquele ano, o
que culminou na famosa “Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil” (1950)
escrita por Camargo Guarnieri.
Koellreutter teve guração central nesse movimento heterogêneo que,
por quase quinze anos, realizou concertos, irradiações, edições de partituras,
cursos, concursos e publicações de textos, majoritariamente relacionados com
as ideias modernistas europeias. É importante, portanto, puxar pela lembrança
que a concepção musical predominante no período era o “nacionalismo”, de
sua mais simples coloração estadonovista dos continuadores dos trabalhos
de Villa-Lobos pós-30, ao mais avançado da nova geração, já próxima
ao pensamento de Mário de Andrade e aproximando-se cada vez mais do
Partido Comunista. Ao que tudo indica, durante o Estado Novo, “a luta contra
o nazismo e a campanha pela entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial”
incentivaram a aproximação entre modernistas, intelectuais antifascistas e o
PC, fundado no mesmo ano de 1922 (RUBIM, 2007, p.421).
Ainda na década de 30, esses projetos que até então eram
concordantes, entraram em conito. Desta contenda, um pequeno setor
menos conservador (Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, Egydio de Castro e Silva,
Brasílio Itiberê, Octávio Bevilacqua, Andrade Muricy entre outros) engajou-se
na recepção das novidades musicais trazidas por Koellreutter. E essa ânsia por
renovação não era perceptível apenas entre os que viriam compor os quadros
do Música Viva, estando presente, também, nas atividades e declarações de
3 Fundamentos, considerada como “revista de cultura moderna”, teve 40
números lançados entre 1948-1955. Direcionou-se fundamentalmente à luta
ideológica contra a “decadente cultura burguesa cosmopolita”; foi importante
polo de irradiação do realismo socialista nas artes brasileiras e no preparo da
chamada música progressista. Além de participar como colaborador dos órgãos
mencionados, Koellreutter manteve boa circulação em outras publicações como
a revista Leitura e o jornal Dom Casmurro que, naquele momento, também
“parecem sofrer inuência do partido” (RUBIM, 2007, p.387).
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brasileira
outros músicos e críticos da época que, igualmente, buscavam alternativas
ao nacionalismo “condutício, anexado aos poderes públicos”, como o deniu
algures Mário de Andrade. Entre os mais conhecidos desse setor estavam
Luciano Gallet, João Itiberê da Cunha, Lorenzo Fernandes, M. Camargo
Guarnieri, Eurico Nogueira França e o próprio Mário de Andrade. Também
é importante destacar que esse acolhimento se deu apesar das constantes
ressalvas e discordâncias, principalmente por parte de A. Muricy, E. N. França
e Guarnieri.
Apesar do esforço, a divulgação do Música Vivafoi pequena
devido ao fato de esses críticos e músicos formarem um setor minoritário e
contracorrente no período, o que nos permite reconhecer o grupo como um
enclave não hegemônico que acompanhou o nacionalismo musical então em
pleno vigor, chegando mesmo a ter entre seus integrantes adeptos convictos
do nacionalismo. Foram necessários 13 anos (entre a fundação do grupo e a
“Carta Aberta” de Guarnieri) para que as novidades fossem apresentadas e,
de certa forma, se atualizasse o conhecimentomusical no país. Mas, à medida
que a novidade foi sendo assimilada, a crítica não deixou de emergir, algo que
observamos já no primeiro período de publicação de sua revista (1940-1941),
e, mais radicalmente, na primeira reorganização interna do grupo em 1944.
Também percebemos como as posições tomadas pelos integrantes,
ainda que discordantes, nunca tiveram caráter tão contraditório quanto na
publicação da “Carta Aberta” de Guarnieri, em que o compositor tornou pública
uma preocupação coletiva com as consequências que o atonalismo poderia
ocasionar sobre a cultura brasileira. Notadamente, sua incomunicabilidade,
algo já denunciado por Cláudio Santoro e Octávio Bevilacqua. Como teremos
oportunidade de demonstrar, esta incomunicabilidade da música atonal,
consignada pela diculdade de sua assimilação por parte do público, nunca
passou despercebida por Koellreutter, que constantemente enfatizou a
necessidade de educação musical atualizada das plateias, sem negar um
relativo problema formal nessa nova linguagem em formação.
À medida que aumentavam as dissidências e rupturas entre antigos
simpatizantes das ideias atonais, Koellreutter tornava-se mais popular,
ampliando suas aparições públicas, o número de alunos e seguidores, todos
ávidos por novidade, o que desaguou no inevitável embate disparado pela
carta guarnieriana. Impõe-se, então, a pergunta: como seria possível aos
compositores nacionais expressarem-se abdicando de uma determinada
estética, por considerá-la “lesiva”, e acompanhar passivamente seu alastro
com um número cada vez maior de adeptos? Apenas com um descompromisso
ideológico total, o qual o imperativo histórico não permitia: a inquietação ante
uma transição que não se efetivava e a luta por um projeto de modernização
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denitivo para o país. Acrescente-se ainda que tudo ocorreu no contexto da
Guerra Fria, que longe de ter sido simplesmente um período de polarização
ideológica, foi o momento em que dois blocos econômicos disputaram a
hegemonia do globo, pondo, constantemente, em ameaça as soberanias
nacionais, provocando uma profunda reconguração das relações sociais de
produção (classes sociais).
Foi esse misto de terror e patriotismo que animou a “Carta Aberta”
de Camargo Guarnieri, demonstrando a concisão de uma frente única
antidodecafonista no período. Aquela já sentida, mas ainda não teorizada,
aversão ao atonalismo ampliou-se, a partir de 1946, (com as primeiras críticas
de Santoro e Bevilacqua) e adquiriu sua justicativa teórica nas diretrizes do
Manifesto de Praga, votadas no II Congresso Internacional de Compositores e
Críticos de Música em 1948, as quais foram trazidas ao Brasil pelos militantes
comunistas, dentre eles alguns membros do Música Viva. A resolução
consignada é que esta dita “frente única” que insurgiu contra o dodecafonismo,
não se deveu, exclusivamente, à aliança efetuada entre comunistas e
nacionalistas, mas entre todos os que reconheciam no atonalismo – ainda que
por motivações bastante diversas a abdicação de determinadas categorias
estéticas fundamentais que conjuminam a possibilidade de identidade no
campo musical. Essa abdicação foi imediatamente associada ao vanguardismo
e ao cosmopolitismo.
Portanto, a “Carta Aberta” consiste num documento que não envolveu
apenas a disputa entre gostos distintos, mas uma complexa polêmica que
abrangeu motivos estéticos, culturais, morais e políticos e que foi além do
debate entre nacionalistas e dodecafonistas, apresentando, muitas vezes,
uma vasta variedade de posições (SILVA, 2001, p.95-186). Suprimir essa
espessa distância que separa os favoráveis e contrários à “Carta Aberta” de
Guarnieri é desvirtuar o conteúdo especíco de cada posição assumida. Além
do mais, compreender os instantes decisivos dessa disputa histórica é atacar
o centro do que houve de mais essencial nesse embate: a signicação de sua
existência, consequentemente, a forma como desempenhou e, de certo modo,
ainda desempenha, seu papel na dinâmica histórica.
Da chegada à revista Música Viva (1937-1941)
Nascido em Freiburg, Alemanha, Koellreutter tomou contato diletante
com a auta ainda menino e teve as primeiras aulas de música (harmonia e
piano) em 1926, com “um velho violinista belga da Orquestra Estadual de Baden,
o professor Liesenborghs” (KOELLREUTTER,1956). Em seguida, estudou
auta com Nico Schnarr. Depois, entre os anos de 1934 e 1936, consolidou
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brasileira
seus estudos no instrumento (juntamente com composição e direção de coro)
na StaatlicheAkademischeHochschulefürMusik de Berlim, sendo aluno de
Gustav Scheck (auta), Carl Adolf Martienssen (piano), Georg Schuenemann
e Max Steiffert (musicologia) e Kurt Thomas (composição e regência coral).
Nesse intenso triênio, ainda frequentou um dos cursos de Paul Hindemith sobre
Composição Moderna, na Volkshochshule de Berlim, participou da fundação
do ArbeitskreisfuerNeueMusik (Círculo de Música Nova) na mesma cidade
alemã e envolveu-se na fundação do Cercle de Musique Contemporaine em
Genebra, com Frank Martin.
Esse derradeiro ano de 1936 reservava para o jovem músico um
episódio especialmente penoso: sua expulsão da Staatliche como consequência
de sua não adesão a uma associação de estudantes nazistas. A precipitação
dos acontecimentos fez-lhe concluir apenas os estudos no Conservatoire
de Genebra, onde havia tomado aulas com Marcel Moyse (auta) e
acompanhado os cursos extracurriculares de Hermann Scherchen (direção de
orquestra) em Neuchatel, Genebra e Budapeste. Foi também a partir desse
ano que Koellreutter se rmou como autista internacional, tocando em vários
países europeus, incluindo apresentações com DariusMilhaud. Retornou a
Berlim a m de renovar seu visto e descobriu que “constava, como acusação
da família, a denúncia de ‘crime de desonra racial’” (TOURINHO,1999). Fugiu
inicialmente para a Suíça e depois migrou inopinadamente para o Brasil.
Logo que chegou ao Rio de Janeiro, no nal de 1937, Koellreutter inseriu-se
na ambiência artística carioca, especialmente por intermédio de Luiz Heitor
Corrêa de Azevedo, então chefe da Seção de Música da Biblioteca Nacional.
Conheceu Egydio de Castro e Silva e alguns dos frequentadores da loja de
música Pinguim na Rua do Ouvidor: Brasílio Itiberê (jovem compositor e
professor do Conservatório Nacional de Música), Octávio Bevilacqua (crítico
musical do jornal O Globo), Andrade Muricy (escritor e crítico musical do
Jornal do Comércio) e Werner Singer (maestro alemão igualmente refugiado
no país). Precisamente este grupo, aditado pelo nome de Alfredo Lage,
fundou, em 1939, o Grupo Musica Viva, desencadeando uma série de notas
periodísticas (predominantemente redigidas por João Itiberê da Cunha e
Andrade Muricy).
Somente em maio de 1940 saiu o primeiro número da revista Música
Viva, fundada por Koellreutter, dirigida por Octávio Bevilacqua, e contando
com Brasílio Itiberê, Egydio de Castro e Silva e Luiz Heitor como redatores. No
programa, a divulgação da produção contemporânea, a “proteção da jovem
música brasileira” e a tarefa de “retirar do esquecimento obras da literatura
musical das grandes épocas passadas, desconhecidas ou pouco divulgadas”
(GRUPO MÚSICA VIVA, 1940a, p.1). Um mês depois, saiu o segundo número,
em que aparece o primeiro texto de Koellreutter, dedicado a ArthuroToscanini.
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Apenas no último exemplar em formato grande (último a respeitar a periodicidade
mensal),Música Viva nº3 (jul.1940), surgiu a primeira referência ao atonalismo,
por meio da “técnica dos doze sons”. Está na nota da terceira página: “Em
resposta ao nosso convite para escrever um pequeno artigo sobre a ‘técnica
dos doze sons’ usada em muitas composições modernas, Max Brand nos
enviou a seguinte carta” (GMV, 1940b, p.3) que justica a peça para auta e
piano composta por Brand para o suplemento musical da revista.
Até então, Música Viva era uma agremiação voltada à movimentação
de ideias e atualização do ambiente musical, seja pela revelação de obras do
passado (de autores desconhecidos ou não), seja pela divulgação teórica das
novas tendências musicais, sendo que no terceiro número de sua revista
foi publicada uma peça atonal (depois de um ano e meio de intensa atividade
do grupo). Nessa ocasião, a iniciativa foi vista com bons olhos mesmo pelos
que nunca admiraram a Segunda Escola de Viena, como os já mencionados
Andrade Muricy e João Itiberê da Cunha. Dois meses depois, o quarto número
da revista, com capa e suplemento dedicados a Camargo Guarnieri, reforçou
a discussão em torno do atonalismo com o texto de Lopes Gonçalves “A
Dodecafonia – Horizontes Novos!”.
À medida que avançamos na leitura de Música Viva, ca-nos mais
evidente que as declarações de Koellreutter, entre o m da primeira série de
publicações, 1941, e sua retomada em 1947, são uma tentativa de síntese
a partir das ideias coligidas nessas publicações. Também é nesse período
que começam a se denir algumas linhas divergentes dentro do grupo, como
podemos ver em dois artigos redigidos por João Itiberê da Cunha para o
Correio da Manhã, em 1941: “Música Viva em Homenagem a Villa-Lobos” (09
fev. 1941) e “Arnold Schoenberg, um dos mais Revolucionários dos Músicos”
(16 fev. 1941).
Os juízos de Itiberê revelam a percepção do caminho que se abria
para o grupo: o acirramento progressivo de posições que, no nº 9 da revista,
enredou Silvia Guaspari e Cláudio Santoro. Estabilizava-se a percepção de
que, depois de atualizado o repertório,o jovem compositor precisava optar entre
as inovações apresentadas, o que em Santoro signicou aderir à “formação
de uma escola de composição nacional”. Como compositor, ele considerava
mais provável e interessante extrair um sistema construtivo do “conhecimento
profundo de nosso folclore”, que simplesmente se adaptar a regras importadas
que – sempre segundo ele não estavam em conformidade com as “normas
lógicas que devem existir na formação da melodia”. Pensando por etapas,
Santoro julgava ser preciso, primeiro, entender o folclore para, depois, “ampliá-
lo ao nível técnico moderno, o que será obra mais complexa, porém a mais
acertada” (SANTORO, 1941, p.3).
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brasileira
Em súmula precária, verica-se que nesses primeiros exemplares dos
boletins Música Viva, pulula uma grande diversidade de tendências estéticas e
teóricas, excetuando-se com evidência as de coloração esquerdista, como bem
atentou Vasco Mariz (MARIZ, 1994, p.24), assunto a que voltaremos adiante.
Dessa multiplicidade de tendências na qualKoellreutter pinçou alguns conceitos
e noções, não poderemos conjurar um sincretismo incoerente ou uma sucessão
de siologismos fortuitos, uma vez que Koellreutter elaborará, doravante, uma
concepção altamente coerente, que designaremos provisoriamente como
“síntese eclética” de tendências da época, em especial aquelas apresentadas
pela própria revista Música Viva.
A projeção pública: 1941-1944
Findadas as publicações e adoentado pela intoxicação de chumbo
em seu trabalho como tipógrafo, Koellreutter sai, a convite de Theodor
Heuberger, para um retiro regenerativo em Itatiaia (RJ), onde compôs Música
1941,para piano solo. Ulteriormente, já recuperado, lecionou Contraponto e
Composição no Instituto Musical de São Paulo. É imprescindível observarmos
que Música 1941, ainda que nitidamente atonal, e de alguma maneira
utilizando recursos seriais (especialmente no terceiro movimento), não faz
uso da técnica dodecafônica. Essa nossa breve observação é conrmada
pelos trabalhos de Carlos Kater (KATER, 2001, p.107) e Adriano Braz
Gado (GADO, 2006, p.165-174). A partir disso, podemos reconhecer, sem
hesitação, que a única das composições koellreutterianas estruturada na
técnica dodecafônica é Invenção, de 1940, para oboé, clarinete e fagote,
publicada no boletim Música Vivanº 6.
Inspirada, segundo seu autor, pelo contato com a Sinfonia para Duas
Orquestras de Cordas de Cláudio Santoro de 1940, Invenção dá início às
suas composições comumente conhecidas como “dodecafônicas”. Contudo,
tanto as obras antecedentes como subsequentes, não são estruturadas
serialmente
4
. E mesmo Invenção está desprovida de rigidez, apresentando
algumas repetições introduzidas ao longo da série. A este respeito, Carlos
Kater arma que, nas obras do período, “não propriamente um caminho
ou progressão transitando de um a outro modo compositivo, capaz, assim,
de reetir uma inquietação interna deliberada, uma voluntária busca de novo
estilo criativo” (KATER, 2001, p.110), algo que o próprio Koellreutter conrmou
ao m da vida (KOELLREUTTER, 1995, p.17).
4 Até Sonata 1939 (nº 6, em Lá menor, para piano e auta), composta poucos meses antes
de Invenção, todas são obras legitimamente tonais, ao passo que as posteriores a Inven-
ção apresentam uma expressividade atonal, porém livre.
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Foi assim que, ao longo do ano de 1942, ele assumiu o protagonismo
do Grupo, projetando-se no cenário nacional. Não despropositadamente, João
Itiberê da Cunha referiu-se a ele, em artigo do mesmo ano, como o músico “que,
em tempos, agitou a modorra musical em nosso meio criando a revista Música
Viva(CUNHA, 1942). No ano seguinte, 1943, Koellreutter aparceirou-se de
Francisco Curt Lange, tornando-se chefe de publicações musicais do Instituto
Interamericano de Musicologia, diretor da Editorial Cooperativa Interamericana
de Compositores (ECIC) e chefe de redação da Revista Musica Viva, órgão
ocial de divulgação da ECIC (que terá um único número lançado). No mesmo
ano de 1943, deu-se a conhecida conferência koellreutteriana “Problemas da
Música Contemporânea”.
A conferência foi anunciada em 12 de dezembro, na nota “Uma
Conferência de H. J. Koellreutter” (Correio da Manhã) de João Itiberê da
Cunha. Realizada em 18 de dezembro, no Salão da Biblioteca do Conservatório
Nacional de Música, a “palestra reveladora e catequizante”, como se referiu
Itiberê, enfatizou posições contrárias às do crítico do Correio da Manhã e foi
ilustrada pela audição de PierrotLunaire de Arnold Schoenberg, Sonatina para
Oboé e Piano de Cláudio Santoro e pelo Choro Bis de Villa-Lobos. No dia da
conferência, foi publicado, no Diário da Noite do Rio de Janeiro, o artigo-entrevista
de Koellreutter “O Futuro Terá uma Nova Expressão Musical”, que pontua com
clareza as rusgas existentes entre o maestro alemão e o crítico brasileiro.
Essa entrevista é de notável importância porque indicia a nova
projeção pública de Koellreutter, agora como polemista, séquito de seu intuito
permanente de renovação musical. É nessa declaração que ouvimos sua voz
a respeito de suas proposituras, esclarecendo muitos pontos incertos de suas
convicções. Para falar do atonalismo, Koellreutter recorre a suas próprias obras,
reconhecendo Música 1941 e Puebla como inauguradoras de uma poética
atonal que foi seguida por seu Quarteto de Cordas e pela Música 1942. Mais
especicamente, a respeito de Música 1941, Koellreutter armou: “é a primeira
obra publicada na qual substitui a clássica forma da sonata, desenvolvida na
cadência tonal, por uma forma nova, baseada nas variações de uma série de
12 sons” (KOELLREUTTER, 1943, s.p.).
O que vericamos até aqui foi que, para Koellreutter, o
dodecafonismo aparecia como umdoscaminhospossíveis para a superação
do problema formal posto pelo atonalismo. Portanto, atonalidade era, para
ele, “linguagem sonora”, enquanto a dodecafonia era uma “técnica de
composição” desenvolvida a m de solucionar os problemas formais dessa
nova linguagem. E o mesmo argumento que justicava a necessidade de uma
nova estruturação musical, explicava a não aceitação de suas obras: “Não
me admiro, pois, o atonalismo é uma linguagem sonora nova que parece
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H.J. Koellreutter e a Revista Música Viva: apontamentos sobre a modernidade musical
brasileira
não ter ligação nenhuma com tudo que chamamos música até hoje, apesar
de ser a lógica consequência do impressionismo e do pós-romantismo”
(KOELLREUTTER, 1943, s.p.). A vontade de novas ideias musicais e um
novo sentido estético tem como “lógica consequência” a ruptura com a
estruturação tonal, cujos problemas formais podem ser resolvidos pelo
recurso à “técnica dos 12 sons” desenvolvida por Schoenberg.
Música atonal e a técnica dos 12 sons schoenberguiana, não são
sinônimos idênticos. A música atonal é uma linguagem sonora e a
técnica dos 12 sons uma técnica de composição com a nalidade
de resolver o problema formal da música “atonal”; como cadência e
funções harmônicas resolvem o problema formal da música “tonal”.
Uma obra pode ser atonal sem ser escrita na técnica schoenberguiana
e vice-versa; uma composição pode ser tonal, porém, composta na
técnica dos 12 sons (KOELLREUTTER, 1943, s.p.).
No mesmo compasso da parolagem foram elaborados dois
importantes documentos coletivos (os “Estatutos” Música Viva e o “Manifesto
44”) que corroboram tais postulações
5
. Afora as muitas informações
institucionais, as quatro páginas que compõem esses “Estatutos” estabeleciam
as “nalidades” da agremiação e os meios dispostos para tal, conrmando
uma vez mais que até a publicação do “Manifesto 44”(revista Clima, 01
mai. 1944), não existia qualquer depreciação explícita do nacionalismo ou a
pregação incondicional de uma estética atonal-dodecafônica, tanto por parte
de Koellreutter quanto do Música Viva.
Pelo contrário, o que se verica é o empenho na consolidação de
um novo ambiente musical, a partir de caminhos múltiplos, que incluem,
invariavelmente, o chamado “neoclassicismo” e um novo nacionalismo
espicaçado por Villa-Lobos e Guarnieri. E o “Manifesto 44” ratica esses
princípios que vêm desde “O Nosso Programa” (Música Viva 1). Fica, assim,
evidente que esse manifesto não indica qualquer ruptura, mas a intensicação
de ideias e ações já existentes e que, agora, se direcionam à demonstração de
que “em nossa época também existe música como expressão do tempo, de um
novo estado de inteligência”, sem mencionar a música passada. Essa ausência,
contudo, não pode ser hipertroada, pois tanto o documento imediatamente
anterior (Estatutos) como as declarações posteriores de Koellreutter refutarão
a hipótese de abandono da música pretérita ou nacional.
Analisando esse primeiro período do grupo, estaqueado entre sua
fundação e o “Manifesto 44”, Carlos Kater reconhece nele, corretamente,
a “coexistência interna de tendências estéticas e ideológicas bastante
5 Ambos os documentos guram entre os muitos reproduzidos na obra de Carlos Kater
(KATER, 2001, p.54; p.217-223), algo que o leitor familiarizado com o assunto já sabe.O
mesmo vale para a “Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil” de Guarnieri que será
mencionada mais adiante (KATER, 2001, p.119-124).
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FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.1, nº2, p. 161-185, jul.-dez., 2014.
Leandro Candido de Souza
dessemelhantes”. Contudo, estabelece deduções as quais podemos pôr em
suspeita. Para Kater, esse primeiro momento de coexistência entre diferentes
perspectivas no grupo (1939-1944) deveu-se ao fato de que os membros de
então “eram personalidades atuantes e já conhecidas no ambiente musical
carioca”, ao passo que no momento posterior ao referido manifesto, seus
“participantes mais ativos serão jovens alunos ou ex-alunos de Koellreutter”,
o que aparentemente implicaria uma negação das ditas “dessemelhanças”.
E, ainda justicando seu exame, Kater reconhece,nessa heterogeneidade,
a existência de uma tensão entre um “grupo minoritário progressista” e um
“grupo majoritário conservador”, os quais se mantêm coordenados pelo
“exercício diplomático da facção progressista” (KATER, 2001, p.50-51), o que
se comprovaria pela adaptação do grupo “à linha tradicional das agremiações
e associações” (transformando-se em “sociedade”) e pelo convite feito a
Villa-Lobos para ser o presidente honorário da seção brasileira da Sociedade
Internacional de Música Contemporânea.
Isso certamente implica reconhecer as palavras de Koellreutter sobre
Villa-Lobos como mera tentativa de conciliação com o ambiente conservador
existente, algo que não só mancha as palavras koellreutterianas com uma
dissimulação taticista, mas obrigou Kater ao descarte de textos cuja importância
é indisfarçável. Mesmo reconhecendo o papel de destaque de Koellreutter
no grupo, Kater ignora seu conjunto de textos como crítico musical e suas
sucessivas declarações públicas como documentação referencial, armando:
“De 1941 a 1947 datas de edição dos boletins 10/11 e 12, respectivamente
–, vericamos um interregno na série de publicações, pontuado apenas por
dois documentos isolados” (KATER, 2001, p.52).
Ainda que esses textos não devam ser considerados documentos
ociais do Música Viva, eles são esclarecedores a respeito da atuação do
grupo, anal, é nos textos do período, especialmente nos publicados pela
revista Leitura os quais curiosamente não são mencionados por Kater
6
que evidenciamos, por exemplo, a admiração sincera de Koellreutter por
Villa-Lobos. Ademais, transformar uma agremiação em “sociedade” não
é simplesmente um ranço de conservadorismo, mas uma escolha julgada
como necessária para sua sobrevivência institucional. Do mesmo modo,
não parece muito correto timbrar como conservadores os críticos e músicos
adeptos do Grupo Música Viva (como Nogueira França, Luiz Heitor, Andrade
Muricy e tantos outros) apenas porque não adotaram o dodecafonismo. Para
carmos apenas em um exemplo, França defendia a “música livre” de Jean de
Bremakear em oposição ao encaminhamento dodecafonista das composições
da época, mas buscava igualmente formas musicais novas pela abdicação
6 Kater não é o único, pois em todo o manancial de trabalhos que se referem aKoellreutter
ou ao Grupo Música Viva, só encontramos referência a tais textos em SILVA (2001).
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H.J. Koellreutter e a Revista Música Viva: apontamentos sobre a modernidade musical
brasileira
das “ciências musicais” tradicionais. E o mesmo França elogiou, por diversas
vezes, as atividades do Música Viva. Sua recusa se dava exclusivamente ao
dodecafonismo, que ele não admitia pelo excessivo cerebralismo que, a seu
ver, inviabilizava a sentimentalidade.
Independentemente disso, é importante observar que nem
mesmo Koellreutter deu exclusividade ao dodecafonismo como expediente
de renovação da linguagem musical, o que se comprova uma vez mais
na entrevista “A Música e o Sentido Coletivista do Compositor Moderno”,
concedida a Francisco de Assis Barbosa em 11 de maio de 1944. Nesse
texto aparece, explicitamente, a armação koellreutteriana da existência de
“três correntes principais da música moderna”: neoclássicos (Stravinsky,
Hindemith, Copland), nacionalistas (Bartók e Villa-Lobos) e expressionistas
(Schoenberg, Berg, Weber, Domingo Santa-Cruz, Juan Carlos Paz e Cláudio
Santoro). Para Koellreutter, todas essas escolas são marcadamente modernas
e, consequentemente, antirromânticas. Em seu linguajar eclético, são todas
formas de se provocar “novas ideias musicais” consonantes a um “novo sentido
estético”, como já tantas vezes assinalado (“Estatutos”, “Manifesto 44” e “O
Futuro Terá uma Nova Expressão Musical”).
Ainda que o antirromantismo seja reconhecido como a característica
comum a essas três tendências, apenas o expressionismo é vislumbrado como capaz
de transformar “inteiramente a imagem do som (harmonia, contraponto, forma)”.
Essa sustentação faz sobrevir uma inadiável pergunta: se há uma clara distinção
qualitativa entre o expressionismo e as outras duas correntes da música moderna,
por que Koellreutter as considerava como equivalentes, ainda que reconhecesse
seus desníveis? A resposta é clara: no Brasil, como em qualquer país ainda sem uma
tradição musical consolidada aos moldes ocidentais, a problemática central de sua
música é a inocorrência da formação de um estilo nacional (eurocentrismo), passo
anterior insuprimível à substituição do “conceito de nacionalismo pelo conceito do
humano, do universal” (KOELLREUTTER, 1944a). E essa formação de um estilo
nacional, ainda segundo Koellreutter, é bloqueada pela educação musical vigente,
voltada à formação do “virtuose”.
[...] infelizmente, as cadeiras de composição nas escolas ociais
brasileiras são ocupadas por professores de teoria, nunca por
compositores. Os resultados são lastimáveis. Não se conhece
nenhum compositor que possa ser levado a sério, entre os músicos
brasileiros de 20 a 35 anos, formado pela Escola Nacional de Música.
[...] Ensina-se teoria em lugar de prática; regras em vez de criação;
análise quando deveriam ensinar síntese. O estudante ca cheio de
teorias antiquíssimas e acaba por desconhecer completamente os
processos modernos de composição. A Escola parou em Debussy e
assim mesmo por muito favor. Ora, isso é um absurdo. Imagine um
aluno de medicina que aprendesse, na Faculdade, técnica operatória
de cem anos atrás! [...] Falta ao Brasil professores competentes,
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Leandro Candido de Souza
entusiastas da prossão, gente que estude, que trabalhe, que não
seja “mestre” simplesmente existem muitos mestres presunçosos,
falsos mestres por aí – mas camaradas e colaboradores dos alunos.
Mestres “tout court(KOELLREUTTER, 1944a).
Esclarecem-se alguns nexos fundamentais do pensamento de
Koellreutter que já foram mencionados, em especial a necessidade de
modicação na estrutura de ensino musical no país, a m de engendrar
artistas capazes de resolverem os problemas formais dessa nova linguagem
sonora em preparação na Europa. Também podemos observar, como
adiantado, mais duas ocorrências: o uso explícito de autores apresentados
nos periódicos Música Viva e sua preocupação fundamental com a criação
de uma nova linguagem artística que só pode advir da atuação coletiva
por caminhos múltiplos. Essas constatações impugnam a consideração
de Koellreutter como detrator do nacionalismo e cultor do dodecafonismo,
deixando claro que seu contato com a dodecafonia foi fortuito e posterior à
consolidação do Grupo Música Viva.
Essa xação de Koellreutter, no estilo e na iniciativa individual
como as mais nobres qualidades de um artista, torna evidente que, para ele,
o desapego com relação às formasmusicais vigentes é mais importante que
as técnicas ou processos composicionais empregados por um compositor.
Portanto, a criação de uma nova forma musical (que pode se efetivar de muitas
maneiras) é mais importante na determinação da qualidade artística do que
uma ou outra técnica composicional. E se a virtude mais nobre de um artista é
a sinceridade,que coincide com a criação do “novo”, este novo está na forma
e não na técnica, o que explica, de certo modo, a ênfase de Koellreutter em
rmar, ao falar de suas próprias obras, a ruptura com a forma sonata mais do
que com a tonalidade. Ao que tudo indica, para Koellreutter, o problema não
residia propriamente na tonalidade, mas na forma sonata.
Para Koellreutter, uma obra musical que não objetive a criação
de algo substancialmente novo (o que para ele signicava estabelecer uma
ruptura com a linguagem musical tradicional), não é uma arte à altura do
seu tempo, sendo, pois, “anacrônica”, “formalista” e “conservadora”. Em sua
visão, ocorreram mutações históricas fundamentais nas sociedades modernas
(como, por exemplo, a nova condição social do artista proletarizado) que
exigem uma atitude, uma resposta artística veemente por parte dos “homens
de caráter e de personalidade que possam, integrados do ritmo da época,
vir a ser úteis à coletividade, como artistas conscientes de sua missão na
sociedade” (KOELLREUTTER, 1944a). Uma vez percebido que a história
é mutável, a dita sinceridade artística só pode se efetivar quando o artista
se põe na ponta desse movimento, sensibilizando e emocionando seu povo
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H.J. Koellreutter e a Revista Música Viva: apontamentos sobre a modernidade musical
brasileira
com uma obra que atualize sua espiritualidade. Por isso, para Koellreutter, a
história da música coincide com a história da criação do novo e parece que a
necessidade de ruptura em seu momento histórico se deve à transformação
radical na condição do indivíduo-artista, que agora se encontra dissolvido
na coletividade, portanto, em uma situação radicalmente distinta do período
romântico (KOELLREUTTER, 1944a).
A redundância dos esclarecimentos cessaria, parcialmente, em 20
de dezembro de 1944, quando no O Globo, foi publicada a famosa entrevista
“Sabotado pela Crítica Reacionária o Movimento de Música Moderna”, em que
o maestro denunciou uma campanha de silêncio promovida contra os novos
compositores brasileiros.
O grupo Música Viva tem como nalidade promover, em nosso meio
artístico, maior compreensão da música contemporânea e despertar,
entre os prossionais, interesse pelos problemas de expressão e
interpretação da linguagem musical de nosso tempo. É ainda nosso
objetivo a divulgação de toda a criação musical contemporânea de
todas as tendências que podem ser consideradas expressão viva de
nossa época; além disso, participar ativamente da evolução do espírito
e combater o desinteresse completo pela criação contemporânea que
reina entre nós, por parte do público como também por parte dos
prossionais (KOELLREUTTER, 1944c).
Koellreutter inicia sua explanação contrapondo, com maior nitidez,
uma dicotomia que já esteve presente em outros artigos: a força motriz da
moderna música brasileira consiste na antinomia entre o gozo virtuosístico
herdado do século XIX e a música em si, edicada pelo trabalho de, entre
outros, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e Guerra-Peixe. Dicotomia que exige
uma “nova mentalidade” capaz de tirar-nos da estagnação. Entretanto,
esse desenvolvimento de uma nova mentalidade impõe a necessidade de
“destruição de preconceitos e valores doutrinários, acadêmicos e superciais”,
para a criação de um novo ambiente cultural para o qual “não interessa o
indivíduo, mas a capacidade coletiva de uma geração” (KOELLREUTTER,
1944c), o que reconduz à importância da educação musical de músicos e
público. Eis, pois, o “sentido coletivista” do compositor contemporâneo que é
um ponto fundamental no pensamento de Koellreutter: só é possível emergir a
autenticidade artística (artista-criador, sinceridade etc.) de um ambiente cultural
coletivamente fecundo, nunca de indivíduos isolados. Por toda sua ênfase nos
múltiplos caminhos disponíveis à nova expressividade musical, a constatação
de que Koellreutter não foi, ao menos até 1945, um cultor da dodecafonia.
Rupturas e segunda fase da revista Música Viva (1945-1948)
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Leandro Candido de Souza
Nesse mesmo ano ainda, foi redigido o “Manifesto 45”, documento
intermediário e inédito, resgatado por Carlos Kater nos Cadernos de Estudos:
educação musical e reapresentado em seu, já tantas vezes referido, livro
Música Viva e H. J. Koellreutter. Analisando o conteúdo do texto, vemos que
ele destoa quase que por completo, tanto das declarações anteriores como
imediatamente posteriores de Koellreutter. Talvez isso explique porque a peça
jamais foi publicada e o porquê de Koellreutter não ter se lembrado do documento
quando questionado por Kater (KATER, 2001, p.61). Estranhamente, apesar
de reconhecer essas ocorrências, Kater não só ressalta a importância de seu
ineditismo, como acaba atribuindo sua autoria a Koellreutter.
Ora, não bastasse a disparidade de conceitos e entendimentos
existentes entre o manifesto e todo restante de declarações, textos e
manifestações de Koellreutter, não é índice suciente para a suspeita da
autoria o fato de Koellreutter não ter se lembrado do documento e, mais
precisamente, o fato de tal documento ter se mantido inédito por tanto tempo?
Mais, o “Manifesto 46” não só abranda expressões contidas nesse “Manifesto
45”, como refere o musicólogo (KATER, 2001, p.245), mas porta concepções
profundamente distintas. De qualquer forma, não discordamos que tal
documento tenha servido como “elemento de reexão”, contudo o que nele está
explicitado foi posto de lado na confecção do “Manifesto 46”, revelando muito
mais uma falta de consenso entre os signatários (portanto de discordâncias
latentes que tendiam a se aprofundar) do que propriamente continuidades.
Há, evidentemente, ressonâncias de ideias koellreutterianas no
texto, contudo, os distanciamentos são por demais evidentes. Enfatizemos os
distanciamentos, pois os pontos comuns, além de já terem sido levantados
por Kater, nada mais revelam que um documento elaborado por um grupo de
pessoas com ideias ans. O que pode identicar sua autoria é exatamente o
que há de singular na sua escritura, as rasuras e lias, e é aí que reside a maior
parte das incongruências. A noção inicial do manifesto de que o momento
histórico vivido fará surgir o mundo do “primado do social que substituirá o
do primado do individual e de Estados que representarão a vontade do povo,
[do qual] emergirá uma arte que será, mais do que nunca, a concretização
das ideias e do pensamento da comunidade” (GMV, 2001, p. 246) não
encontra eco evidente no pensamento de Koellreutter, assim como a ideia de
uma transformação do “homem econômico” em “homem social”, ou o uso do
termo “homem moderno” (quando Koellreutter mais de uma vez manifestou
predileção pelo termo “hodierno”, KOELLREUTTER, 1944d).
Como poderia Koellreutter apresentar, de uma hora para outra,
conceitos completamente novos e logo em seguida descartá-los? Em outra
passagem, um segundo contrassenso, agora em torno de seu tão caro
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H.J. Koellreutter e a Revista Música Viva: apontamentos sobre a modernidade musical
brasileira
entendimento da arte como produto da liberdade individual, que contradiz a
reivindicação do “princípio da utilidade”, ideia que quando gurou no pensamento
de Koellreutter tem conotação distinta. A arte ainda é vista como “sublimação
dos sentimentos da coletividade” e as diversas forças de expressão artística,
como “a concretização das aspirações, desejos e ideias de uma determinada
sociedade”. O artista, produto do meio, tem de exprimir o que a coletividade
sente para, assim, construir “as bases sobre as quais se processa a evolução
da humanidade” (GMV, 2001, p.247).
Acreditamos na música como a única linguagem universalmente
inteligível, capaz de criar um ambiente real de compreensão e
solidariedade (entre os homens), e que o nacionalismo (em música)
constitui um dos grandes perigos, dos quais surgem as guerras e as
lutas entre os homens; pois consideramos o nacionalismo em música,
tendência puramente egocêntrica e individualista, que separa os
homens, originando forças diruptivas (GMV, 2001, p.248-9).
Essa dura ortodoxia da predileção por uma forma especíca de se produzir
arte é completamente incompatível com o pluralismo apresentado por Koellreutter
até então. Tanto a exclusividade reservada à música, como a depreciação do
nacionalismo contraditam aquilo que, tantas vezes, foi armado por Koellreutter, mas
Katerrelacionou-as, arbitrariamente, à “Carta Aberta” de Camargo Guarnieri de 1950.
Ao atribuir esse texto a Koellreutter, Kater imputa-lhe um antinacionalismo que ele
nunca possuiu, pois mesmo em sua resposta à “Carta Aberta” de Guarnieri, o tom de
suas armações foi totalmente outro e se referia muito mais à xenofobia contida na
frase “elementos oriundos de países onde se empobrece o folclore musical” do que
propriamente à música de caráter nacional. Outro dos muitos indícios que refutam a
autoria koellreutteriana do presente texto é a utilização da designação “organização
social decadente”, a qual guarda muito mais relação com o acervo doutrinário do
bolchevismo e do komintern(aqui irradiados pelo PCB), do que propriamente com
Koellreutter. Isso foi bem explicado por Vasco Mariz, como já antecipado:
Em uma coisa, porém, os nacionalistas se equivocaram: a atitude
estética e a conduta pessoal de alguns de seus seguidores [do
dodecafonismo] fundamentavam, de certo modo, a acusação corrente
de que todo o Grupo Música Viva era constituído por elementos de
tendência esquerdista. O universalismo que pregam em oposição ao
emprego do folclore nacional pareciam coincidir com os objetivos do
Komintern até... o Congresso de Praga de 1948 (MARIZ, 1994, p.24).
O problema que Mariz expõe, estabelece o necessário
reconhecimento de distintas posições dentro do Música Viva, especialmente
entre Koellreutter e os demais atonalista, algo que o manifesto levantado
por Kater curiosamente evidenciou, ainda que de forma não intencional. Da
mesma maneira, nenhum caráter classista, como contido em abundância no
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documento, é aplicável a Koellreutter e apenas essa atribuição do “Manifesto
45” ao alemão justica a armação de Kater a respeito da existência de uma
“anidade latente” entre marxismo e atonalismo no maestro. Outro aspecto
importante é a ortodoxia e o sectarismo presentes no texto e que Koellreutter
sempre abominou (“combateremos”, “exigimos”, “lutaremos pela destruição”).
Mais do que indicativo da nova posição assumida pelo grupo, esse documento
atesta o fortalecimento de opiniões divergentes das pregadas por Koellreutter
e que, posteriormente, levarão à dissolução do Música Viva. E a interdição do
documento é a prova cabal destas discordâncias de pontos de vista.
Posto isso, podemos aferir uma provocação: Kater vê no “Manifesto
45” a preparação do “Manifesto 46”, obscurecendo, assim, o que esse
documento tem de mais revelador, o fato de ele não ser o marco de uma
nova posição do grupo, mas a cunha desagregadora desse. Pode-se, ainda,
observar uma identicação muito maior entre o “Manifesto 45” e o texto de
Juan Carlos Paz (1945, p.16-17), bem como com as ideias, principalmente
de Cláudio Santoro e César Guerra-Peixe no período. Se um sectarismo
exagerado no texto preterido, podemos dizer que sua consequência é a
elaboração do “Manifesto46”, onde, explicitando o espírito conciliador de
Koellreutter, emerge uma de suas mais curiosas invenções: o “cromatismo
diatônico”. Esse manifesto também foi publicado no boletim Música Vivanº 12,
no qual nos deteremos mais adiante
7
.
Pouco tempo depois, em 27 de janeiro de 1946, a Tribuna Popular
publicou “A Geração dos Mestres”, no qual Koellreutterestabeleceu, de saída,
uma antítese radical às ideias contidas no “Manifesto 1945”: “A música nasce da
alma popular. Canção e dança são os seus pilares. São o germe das grandes
formas musicais, e delas surge a arte sonora, sublimação dos sentimentos
de uma coletividade social radicada no íntimo do povo” (KOELLREUTTER,
1946). Como provam muitos documentos do período, o próprio Koellreutter
tentou desvencilhar-se da pecha de “dodecafonista”, especialmente a partir
de 1946, algo que vale um derradeiro lance de olhos
8
. Em outro documento,
7 É Guerra-Peixe quem esclarece: “Quando o esquisito grupo Música Viva, do Rio de Janei-
ro, voltou a publicar sua revista em 1946, então sob orientação (?) da tendência dode-
cafônica – o seu exemplar de reaparecimento divulgou o “Manifesto 1946” (Declaração de
Princípios) e o artigo “Música Brasileira”, ambos de autoria de Hans-Joachim Koellreutter,
embora fosse o primeiro incondicionalmente assinado por todos os participantes daque-
la entidade musical, após algumas reuniões mais ou menos formais”. (GUERRA-PEIXE,
1953, p. 33).
8 A leitura que z deste artigo gerou uma polêmica recente entre o musicólogo Carlos Palom-
bini e o ex-aluno de Koellreutter, Manuel Veiga em um grupo de debate sobre etnomusico-
logia, especialmente no que se refere aos trechos que Koellreutter plagia do livro Música
e Músicos Modernos: aspectos, obras, personalidade (tópico “Música Espanhola”, p.130
da segunda edição), do português Fernando Lopes-Graça, publicado pela primeira vez em
1943. Esta não foi a única vez em que Koellreutter utilizou o plágio como gura retórica, e
quem leu os boletins Música Viva, sabe que ele não se acanhava em citar sem aspas tre-
chos inteiros de autores publicados naquela mesma revista. César Guerra-Peixe também
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H.J. Koellreutter e a Revista Música Viva: apontamentos sobre a modernidade musical
brasileira
uma de suas cartas endereçadas a Andrade Muricy (05 fev. 1946), o maestro
também discordava da interpretação dada pelo crítico à sua atuação, dizendo
nunca ter armado,“verbal ou gracamente”, que o nacionalismo fosse um
erro: “Sempre admiti o nacionalismo substancial que não constitui um m, mas
sim um estágio. Admiro e batalhei sempre pela arte nacionalista representada
por um BélaBartók, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri ou pelas últimas obras de
Manuel de Falla” (KOELLREUTTER, 1946b, p.1).
É o que vemos também na “Ata de Pronunciamento” por ocasião das
audições anuais dos seus cursos de harmonia, contraponto, fuga e composição,
em 18 e 20 de dezembro de 1946, em que reapareceram, como justicativas de
sua atuação, o ensino deciente (atrelado a “regras acadêmico-doutrinárias”),
a problemática condição social do músico contemporâneo e a questão formal
como central na consolidação de uma nova linguagem musical perante as
novas necessidades históricas. Desse mesmo período, ainda encontramos
as missivas de Koellreutter a Eurico Nogueira França (05 jan. 1946, resposta
ao artigo “As Composições Contemporâneas”) e a Paulo Bittencourt (28 abr.
1946, como protesto ao artigo do mesmo Eurico Nogueira França “Opiniões
Contraditórias”), todas com o mesmo teor.
Fica evidente que, para Koellreutter, doutrinarismo e academicismo
eram os principais obstáculos ao pleno desenvolvimento da criação artística.
Pensamento que foi constantemente reiterado pela atuação do Grupo Música
Vivano rádio, divulgando “compositores de todas as correntes estéticas
modernas”, o que condiz igualmente com o já apresentado “Manifesto 44”
(KOELLREUTTER, 1946b, p. 2). Com o acirramento progressivo ante as
perspectivas abertas à época, tornava-se cada vez mais constante a negativa
koellreutteriana de sua posição como pregador do dodecafonismo.
Expendidos os documentos e recomposta sua trama conceitual,
abre-se uma réstia sobre o labirinto ideológico que preparou o caminho para
as rupturas internas no Grupo Música Viva. O que até aqui vericamos e que
consiste no mais importante a este artigo, é que há, em Koellreutter, o esforço
pela armação de múltiplos (ao menos três) caminhos para a resolução da
moderna linguagem musical suscitada pelo movimento histórico-social e a
decorrente dissolução do artista na coletividade: a apreensão sintomática da
mudança de posição social do artista e da arte nas sociedades capitalistas
transnacionais. Transformações que exigem a preparação tanto do músico,
para encarar sua nova condição e os problemas que ela representa, como do
público que precisa igualmente acompanhar essas mutações.
publicou o supracitado “Que ismo é esse Koellreutter?” (GUERRA-PEIXE, 1953), no qual
Régis Duprat inventariou a produção plagiária do maestro alemão.
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Mesmo tendo conquistado signicativos espaços de interlocução
e meios alternativos para difusão de suas ideias (quase sempre, direta ou
indiretamente na imprensa comunista) Koellreutter não abandonou sua vontade
de uma publicação própria, o que se viabilizou em janeiro de 1947, quando
foi publicado o boletim Música Viva 12. Dessa nova fase de publicações,
após a interrupção de quase seis anos, importa mencionar, num último sopro,
dois documentos: o “Manifesto 46” e o texto “Música Brasileira”, assinado por
Koellreutter. Nesse seu artigo, que também foi publicado na revista Leitura,de
fevereiro de 1948, Koellreutter efetua o aprofundamento das ideias expostas
em “A Geração dos Mestres”(1946), acrescentando breves análises de obras
dos compositores que lhe servem de referência (Francisco Mignone, Camargo
Guarnieri, Cláudio Santoro e Guerra-Peixe).
Partindo do duplo reconhecimento, apresentado em seu texto à
Tribuna Popular, de que a “música nasce da alma popular”, e de que, no Brasil, a
“expressão artística se encontra em formação”, Koellreutter reitera o folclorismo
como um dos caminhos viáveis para a música contemporânea nacional.
Porém, situa Cláudio Santoro e Guerra-Peixe como os mais emblemáticos
representantes da “geração dos novos”, ao romperem “energicamente com a
tradição concebendo uma arte mais universalista integrando-se nas correntes
mais avançadas da música contemporânea” (KOELLREUTTER, 1947, p.16).
Para Koellreutter os músicos nacionais se deparavam com dois problemas
estéticos fundamentais: a criação de uma música nacional autêntica,
“sublimação dos sentimentos de uma coletividade social”, e o problema
universal de uma nova linguagem musical capaz de pôr-se como “expressão
real de nossa época”. Em sua apreciação, esses obstáculos vinham sendo
exemplarmente superados pelos dois compositores: Cláudio Santoro encerrou
os “exageros nacionalistas” de um Villa-Lobos mal compreendido e Guerra-
Peixe originou “linguagem musical baseada num cromatismo diatônico atonal
livre” (KOELLREUTTER, 1947, p.16).
Devemos atentar que este mesmo “cromatismo diatônico” aparece no
“Manifesto 46” como pedra de toque das proposições do Música Viva. De difícil
precisão conceitual principalmente por não se tratar de um termo consagrado pela
musicologia, agurando-se mais como uma invenção koellreutteriana esse conceito,
que ocasionou diversos mal-entendidos à época, e que, de certa forma, continua a
suscitá-los, é esclarecido em cartaa Cláudio Santoro, em 16 de fevereiro de 1947.
O “cromatismo diatônico” representa o “novo” na produção hodierna,
independente de tendências ou correntes estéticas. O “cromatismo
diatônico” caracteriza as obras de um Hindemith, Prokoeff,
Shostacovich, Villa-Lobos ou Camargo Guarnieri. Esse princípio
harmônico é a lógica consequência da expressão da evolução
musical. E não obra musical contemporânea de valor estético e
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H.J. Koellreutter e a Revista Música Viva: apontamentos sobre a modernidade musical
brasileira
artístico cuja estrutura não fosse baseada no “cromatismo diatônico”
(KOELLREUTTER apud GOMES, 2007, p.20).
Como já dito, o “Manifesto 46”, apesar de seu nítido interesse conciliador,
não só abrandou expressões contidas no anterior (“Manifesto 45”, não publicado),
mas abdicou de boa parte de suas concepções, o que não se efetivou sem desagrado
por parte de alguns membros do grupo, especialmente Santoro. Com esse manifesto,
cou evidente o timbre koellreutteriano, especialmente quando observamos que,
precisamente, aqueles pontos levantados como impedimentos à atribuição da autoria
do “Manifesto 45” a Koellreuttersão preteridos na presente redação. Percebe-se
que não há, no documento, qualquer menção à função do Estado na nova etapa
histórica, muito menos a distinção entre “homem econômico” e “homem social”. A
música também deixa de ser “a única linguagem universalmente inteligível”, sendo
considerada “como todas as outras artes” e a combatividade direta cede espaço a
uma larga generalidade que apoia “tudo que favorece o nascimento e crescimento do
novo”. Ataques diretos somente à “arte pela arte” e ao “academicismo”. Da mesma
forma que o açoite ao nacionalismo desaparece, cando apenas a crítica ao falso
nacionalismo”; recolocando o conceito koellreutteriano do “nacionalismo substancial”.
“MÚSICA VIVA”, admitindo, por um lado, o nacionalismo substancial
como estágio na evolução artística de um povo, combate, por outro
lado, o falso nacionalismo em música, isto é: aquele que exalta
sentimentos de superioridade nacionalista na sua essência e estimula
as tendências egocêntricas e individualistas que separam os homens,
originando forças diruptivas (GMV, 1947, p.03).
Desarvorado o visionarismo e a tonalidade bolchevique-stalinista,
dissipa-se também a ligação explícita entre artista e comunidade e, assim,
a música deixa de ser a “concretização das ideias e do pensamento da
comunidade”, para tornar-se simplesmente “reexo essencial da realidade”.
Não como negar que permaneceram algumas ideias, como as de “utilidade”,
“arte-ação”, “engajamento”, o combate ao “formalismo”, à “arte pela arte” e ao
“academicismo”, além da necessidade da produção do novo, a utilização de
novos meios de divulgação, a modicação na educação musical e a busca
pela união entre os povos pela humanização e universalização, porém, todas,
abstratamente generalizadas.
É bom prestar esclarecimento de que não é apenas Carlos Kater
quem vacila ao falar do “Manifesto 46”. Vasco Mariz, apesar do pioneirismo de
sua atuação como propagador do Música Viva, comete deslize ainda maior ao
falar dos programas para a rádio MEC iniciados em 1944: “Foi propósito dessas
irradiações a defesa da atitude estética atonalista, intransigente ou não, e a
divulgação da música contemporânea, princípios,esses, claramente expostos
no Manifesto de 1946, um dos documentos mais expressivos da história da
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Leandro Candido de Souza
música brasileira” (MARIZ, 1994, p.231). Fazendo-se uma leitura, ainda que
não muito detida do referido manifesto, que o autor transcreve ao nal do 13º
capítulo do seu livro (“Entreato Dodecafônico: O Grupo Música Viva e H.J.
Koellreutter”), vemos que no mesmo não se agura, “claramente”, a defesa
desses princípios. A única referência que pode justicar, parcialmente,isso (e
de forma errônea segundo nossa investigação) é o tópico que diz: “MÚSICA
VIVA estimulará a criação de novas formas musicais que correspondam às
ideias novas, expressas numa linguagem musical contrapontístico-harmônica
e baseada num cromatismo diatônico”, o qual já foi devidamente explanado
em ocasião anterior.
E é, ainda, mais surpreendente vericar que Mariz sustenta tais
incorreções – cujo peso de suas consequências ainda está por ser medido
– mesmo depois de uma carta de Koellreutter (27 jul. 1953), cujo conteúdo
é insosmável:
Além disso, quei muito chocado com seu artigo para o Correio
da Manhã, pois não sei como podia escrever tais conceitos,
conhecendo-me bem e sabendo perfeitamente que todos os meus
discípulos estudam contraponto e harmonia clássicos e que nem 5%
deles seguiram a corrente atonalista ou dodecafonista. Você sabe
perfeitamente que nunca intervenho nos ‘credos’ ou nas tendências
estéticas dos meus alunos respeitando inteiramente a personalidade
e as ideias de cada um (KOELLREUTTER, 1953, p.1).
À luz desses documentos, é possível perceber que as diferentes
opções de músicos e críticos brasileiros tornavam-se inconciliáveis, o que
atingirá seu cume de combatividade na “Carta Aberta” de Camargo Guarnieri
(1950, cf. nota 05), tão conhecida e da qual falou, com a maior das propriedades,
o músico e musicólogo Flávio Silva, a quem ainda devo muitas das ideias e
quase todos os documentos originais que registraram esse debate. Os erros
de avaliação são, evidentemente, todos de minha inteira responsabilidade. E
é ainda menos difícil notar que o esforço de Koellreutter em seus textos
éditos, interditos ou declarações sempre remou em sentido contrário ao da
combatividade, inclusive implicando a invenção do já mencionado “cromatismo
diatônico”, uma conceituação aditora de posições insomáveis.
A polarização binomial Koellreutter-Guarnieri cristaliza desacordos
que já haviam sido manifestados por Claudio Santoro, ao ver-se insatisfeito
com as diculdades de aceitação da música contemporânea por parte do
público. Doravante, essa bifurcação, que pudemos vericar com grande
transparência na publicação da revista Música Viva, replica-se uma vez mais nas
correspondências pessoais. Mas, agora, as questões começam a se enveredar
por caminhos ínvios, muitas vezes associados ao panorama internacional de
blitz cultural por parte dos PCs no período de auge do stalinismo e de sua
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H.J. Koellreutter e a Revista Música Viva: apontamentos sobre a modernidade musical
brasileira
versão estética: o realismo socialista radicalizado de Andrei Jdanov. No PCB
(do qual se aproximaram algumas guras do Música Viva) o acolhimento das
novas orientações de Moscou para “abrir fogo contra os vacilantes”, ligavam-
se à projeção alcançada por Diógenes Arruda, o que certamente exige espaço
próprio para a discussão, a saber, a recepção do realismo socialista no Brasil.
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