ANTUNES, Tayla
*
https://orcid.org/0000-0003-3581-4437
RESUMO: O artigo visa recuperar brevemente
o debate político-científico que levou à criação
do Código Florestal Brasileiro, editado em
1934, primeiro Decreto Federal (n. 23.793) que
instituiu a proteção às florestas no Brasil.
Foca-se na participação de alguns dos
principais intelectuais, políticos e cientistas da
época que tanto propagaram ideias
preservacionistas e conservacionistas da
natureza, quanto promoveram o amplo debate
da questão florestal, sobremaneira ligada à
construção da nação brasileira. Examina-se
também, parcialmente, o próprio documento
que resultou desse movimento, o Código
Florestal Brasileiro, buscando perceber em
que medida o ideal nacionalista o constituiu,
bem como o tipo de proteção florestal a que se
propôs.
PALAVRAS-CHAVE: Código Florestal
Brasileiro (1934); ideias de proteção à
natureza; nacionalismo; atuação científica.
ABSTRACT: The article aims to briefly recover
the political-scientific debate that led to the
creation of the Brazilian Forest Code,
published in 1934, the first Federal Decree that
instituted the forests protection in Brazil. It
focuses on the participation of some of the
leading intellectuals, politicians and scientists
of the time who both propagated
preservationist and conservationist ideas of
nature, and promoted a broad debate on the
forestry issue, especially linked to the
construction of the Brazilian nation. It is also
partially examined the document itself that
resulted notably from this movement, the
Brazilian Forest Code, seeking to understand
to what extent the nationalist ideal constituted
it, as well as the type of forest protection it
has set.
KEYWORDS: Brazilian Forest Code (1934);
ideas of nature protection; nationalism;
scientific activity.
Recebido em: 15/02/2021
Aprovado em: 03/05/2021
* Mestra em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, Rio de Janeiro-RJ,
doutoranda em História na Universidade do Minho, Braga, Portugal. O texto do artigo é parcialmente
proveniente da dissertação de mestrado da autora: ANTUNES, Tayla.
Pensando a devastação
: a nese
histórica do primeiro Código Florestal Brasileiro (1900-1934). 2015. 189 f. Dissertação (Mestrado em
História Social) Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2015. E-mail: tayla@ufrj.br.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
A história das florestas está tão imbricada com as sociedades humanas ao longo
do tempo que chega a se confundir com a própria história das civilizações
(PERLIN,
1992). Das matas e da madeira sempre dependemos, mas nem sempre nos atentamos
para a importância de sua preservação. No Brasil, as preocupações de fato
conservacionistas começam no início do século XX (DEAN, 2007). Com o legado do
influente jurista e político Alberto Torres certamente um dos pensadores de maior
relevo da Primeira República , a geração posterior, a qual chamamos de
‘conservacionistas’ da natureza, das primeiras décadas do século XX, era ampla e
contava com vozes que ressoavam e denunciavam a destruição ambiental e a irracional
exploração dos recursos naturais, tanto no meio político quanto no meio científico.
Na passagem do século XIX para o século XX, podemos perceber que houve um
deslocamento na representação da natureza: de exuberante e paradisíaca para uma
natureza ‘utilizável’, que deveria integrar o progresso a partir da ação humana cuidadosa
e racional mediada pela
tecnociência
, que propiciaria pensar a natureza também como
recurso natural (ARRUDA, 2000, p. 43-66). Nesta virada, a abordagem da problemática
ambiental marcou profundamente o debate blico e a crítica à destruição e à
exploração imprevidente do meio ambiente no Brasil e no mundo, sendo muito
influenciada pelo movimento em prol da natureza empreendido na Europa e nos Estados
Unidos, especialmente a partir da formação do norte-americano
Progressive
Conservation Movement
(FOX, 1981). Apesar da inspiração, a geração brasileira
protetora da natureza buscou caminhos próprios e traços típicos, exaltando o que lhe
era específico.
No sentido de proteção às florestas, um dos grandes acontecimentos que marcou
o alvorecer do século XX no Brasil foi a primeira Festa da Árvore, ocorrida em Araras,
São Paulo, no dia 7 de junho de 1902, dando início à propagação da festa em todo o país e
até mesmo à edição de diversas leis estaduais e federais para comemorar tal data. Este
fato ocupou a primeira página dos principais jornais, recebendo espaço em grande artigo
em um dos periódicos de maior circulação na época, o
Jornal do Brasil
, que incluiu os
primeiros registros fotográficos deste evento conservacionista pioneiro, que contou com
o apoio e participação de vários intelectuais e cientistas. Uma das principais
expectativas da geração de “protetores da natureza” daquela primeira década era a de
que a Festa da Árvore atingisse um público bastante amplo e numeroso, tornando-se,
assim, um exímio exemplo de exaltação dos bens naturais da nação, o que era
considerado fundamental para a identidade nacional, sinalizando à administração pública
o quanto a questão florestal ainda carecia de atenção particular e engajamento popular.
Os cientistas reivindicavam a institucionalização de feriado nacional para celebrar a
festividade em um “lugar condigno e de fácil acesso”, tendo sido escolhido o Horto
Florestal da Gávea no Distrito Federal.
O literato e político Coelho Neto foi convidado para ser o orador oficial da
primeira Festa da Árvore, ato público de grande importância que dava início a um
período de intenso debate político-científico sobre as florestas. O convite era devido ao
destaque e reconhecimento que os escritos de Coelho Neto demonstravam desde fins
do século XIX, movidos por fortes preocupações ambientais e, sobretudo, com o rápido
desflorestamento do território brasileiro, o que o singularizava como “prosador defensor
da natureza” (LEANDRO, 2002). Em seu discurso, afirmou existir um movimento de
proteção à natureza que dava prosseguimento a um pensamento crítico e engajado
contra a destruição das matas, ganhando força nas primeiras décadas do século XIX
através da alta voz de José Bonifácio. Assim, fazia parte deste movimento, como herdeiro
desta tradição de pensadores defensores da natureza, que passou a ter como missão e
pauta o Código Florestal.
1
Na primeira década do século XX, o então presidente Afonso Pena anunciou o
intuito de criação de bases para um projeto em prol da conservação da natureza,
sobretudo as águas e florestas do Brasil. Em uma das mensagens presidenciais do ano de
1907, dirigida ao Congresso Nacional, Afonso Pena afirmou: “[...] acham-se em preparo
as bases de um projeto de lei de águas e florestas. Em tempo hei de submetê-las à vossa
esclarecida consideração.” (PENA, 1907 apud PEREIRA, 1950, p. 102). O assunto havia
sido discutido anteriormente no Congresso Científico Latino-Americano, realizado na
cidade do Rio de Janeiro de 6 a 16 de agosto de 1904, onde a palestra
A diminuição das
águas no Brasil
, apresentada por João Barbosa Rodrigues, já causava temor por
apresentar a grave situação das nascentes e rios do país, completamente desprotegidos.
Barbosa Rodrigues foi importante engenheiro, naturalista e botânico, sobressaiu-se no
estudo de orquídeas e foi diretor do JBRJ entre os anos de 1890 até sua morte, em 1909.
Certamente aqueceu o debate e obteve grande alcance com seu trabalho, já que o
presidente da República cogitou incorporar seu projeto, o que não se materializou na
prática. Barbosa Rodrigues condenava a já visível escassez das águas que estaria
produzindo “[...] seca em todos os estados, originada pelo desaparecimento de muitos
mananciais [...]. Rios que foram caudalosos, hoje são ribeirões; ribeirões tornaram-se
regatos e muitos outros desapareceram. (RODRIGUES, 1904, p. 37).
1
Para melhor compreensão sobre os “protetores da natureza” no Brasil do início do século XX e suas
principais referências, ver (FRANCO; DRUMMOND, 2009).
Anteriormente à promulgação do decreto criador do Código Florestal Brasileiro,
em 1934, algumas iniciativas e medidas em prol da conservação florestal podiam ser
evidentemente encontradas, principalmente a partir da elaboração de legislações que
contavam com o apoio cientistas, como Alberto Loefgren, em 1901, e de alguns estados
da federação, como Paraná e Sergipe, que criaram seus próprios códigos florestais antes
mesmo do decreto nacional. Este renomado botânico sueco amante da flora brasileira e
crítico de sua destruição, além de ter incentivado, por sua vez, a preservação das
florestas de São Paulo, a fundação do Horto Botânico da Serra da Cantareira, a
celebração do Dia da árvore, entre outras ações vultosas em prol da conservação das
matas, apresentou ainda, à Câmara dos Deputados, uma proposta de regulamentação e
de proteção das matas no estado.
Em 1901, redigiu ao Presidente do Estado de São Paulo, Francisco de Paula
Rodrigues Alves, um documento a ser submetido à Câmara dos Deputados que propunha
a proteção e regulamentação da exploração das matas, incluindo a proposição de uma
legislação florestal posta em prática por meio de um vigoroso Serviço Florestal que
garantisse verdadeiramente a proteção das áreas florestadas, criasse novas e instruísse
a população de maneira que ela pudesse “[...] aproveitar sem destruir e lucrar sem lesar
as gerações vindouras, legando-lhes, ao contrário, riquezas ainda maiores do que as
encontradas pelos legatários.” (LOEFGREN, 1903b, p.138). Esta sua iniciativa de criação
do primeiro Código Florestal do Brasil, em 1901, durou apenas até sua indicação no
mesmo ano para chefiar a comissão responsável por sua elaboração. Sua promissora
proposta não foi adiante, não obteve qualquer resultado prático e Loefgren até o dia de
sua morte, em 1918, não viu ser concretizado um de seus maiores sonhos para o Brasil: a
criação do Código Florestal (PERSIANI, 2012, p.139). Contudo, inegavelmente, suas ideias
subsidiaram e estiveram presentes na elaboração do primeiro Código Florestal brasileiro
mais de trinta anos depois.
Identificou-se também em 1906 cinco anos após a tentativa de Loefgren de
proposição de um Código Florestal para o país a presença direta no campo político
nacional da discussão, que vinha sendo desenvolvida por alguns representantes da
geração conservacionista, a respeito do intuito de se criar um código florestal para o
Brasil em vias de deter a devastação “desmedida e irracional”. Neste ano, o Congresso
Nacional autorizou o Poder Executivo a elaborar as bases de um Código Florestal. O
esforço de Loefgren, através de seus trabalhos e suas propostas, incentivou a geração
posterior de conservacionistas que continuou na luta por um Código Florestal para o
país mais rico em matas do mundo.
Quanto às iniciativas de criação de códigos florestais locais, destacamos os
estados do Paraná e Sergipe, que tiveram seus primeiros códigos florestais criados em
1907 e 1913, respectivamente, antecipando-se, portanto, à criação do Código Florestal
Brasileiro. Vale lembrar que, neste período, o governo federal não tinha controle de boa
parte das terras do país, posto que a Constituição brasileira, promulgada em 1891,
baseou-se no modelo federalista norte-americano e transferiu para os governos
estaduais todas as terras blicas do país: Pertencem aos estados as minas e terras
devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção
do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações,
construções militares e estradas de ferro federais.” (BRASIL, 1891, Artigo 64),
transferindo integralmente para o domínio dos estados, portanto, as terras devolutas.
Ademais, não ficava expressamente claro qual seria o órgão federativo que teria a
competência para tratar dos assuntos ligados à natureza de forma mais ampla. Assim,
acabou sendo relegado a cada estado o direito de legislar livremente sobre as terras e,
conseguintemente, sobre as suas coberturas vegetais, o que contribuiu para o
fortalecimento da prática de expropriação das terras blicas, na medida em que a
fiscalização das propriedades por parte dos governos estaduais era insuficiente e
encontrava muitas dificuldades. O artigo 64º dessa Constituição, que preceituava
pertencerem aos estados as terras devolutas situadas em seus respectivos territórios,
impossibilitou a criação de qualquer tipo de política ambiental em âmbito nacional, uma
vez que a defesa do uso menos imprevidente da natureza deveria ser empreendida pelos
estados (DRUMMOND, 1999). Assim, a criação de uma legislação federal ampla de
proteção às matas era adiada, pois “[...] cada estado entrou a baixar leis, regulamentos,
portarias, formando a mais variada colcha de retalhos.” (PEREIRA, 1950, p.108).
Vale lembrar que, pouco antes da proposta de Código Florestal por Loefgren em
1901, o estado do Rio Grande do Sul foi o primeiro a promulgar, em 4 de julho de 1900, o
Regulamento sobre o Regime Florestal Estadual, estabelecendo áreas de florestas
protetoras e estipulando prêmios para os proprietários que cumprissem o regulamento.
Apesar de não ter elaborado propriamente um Código Florestal, o Rio Grande do Sul era,
na época, a unidade federativa com a mais completa legislação florestal (PEREIRA, 1950,
p.127). o estado do Paraná foi o pioneiro na criação de um Código Florestal
2
, a Lei
706, de de abril de 1907, a qual estabelecia como de “utilidade pública” as “florestas
protetoras”, categoria que apareceria também mais tarde no Código Florestal Brasileiro
de 1934. O código paranaense, além de estabelecer uma série de normas e restrições
2
Ver artigo de: (CARVALHO, 2007).
com relação à exploração madeireira buscando a sua racionalização, também visava à
conservação das florestas, integradas com água e solos, em sítios urbanos ou rurais.
Entre outras delimitações, demandava que todo o reflorestamento fosse feito com, pelo
menos, 25% de Eucaliptos (CARVALHO, 2007, p.2). Naquele momento, a porção sul do
território brasileiro, em grandes áreas dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul, sofria com a aguda perda da mata nativa de Araucárias, que vinham
sendo rapidamente devastadas.
No nordeste do Brasil, o estado de Sergipe, por sua vez, com a Lei nº 656, de 3 de
novembro de 1913, instituída pelo então Presidente do estado, José de Siqueira Menezes,
criou o Código Florestal Sergipano
3
(GUIMARÃES, 2008, p.71), portanto, o segundo
Código Florestal estadual criado no Brasil. Esta lei tratou da implementação do Serviço
Florestal de Sergipe, do Horto Florestal onde deveriam ser estudadas, em sua maioria,
as espécies indígenas e as mais aptas ao replantio e à formação de novas matas e para o
fornecimento de mudas e sementes aos lavradores que solicitassem e da Floresta
Modelo, que seria um lócus das experiências em silvicultura, com tentativa de fixação de
matas homogêneas. Ambas as leis se demonstraram insuficientes e as experiências dos
primeiros códigos florestais estaduais teriam sido importantes enquanto uma
preocupação, mas ineficazes enquanto ação.
O clamor pela criação de um Código Florestal federal é evidenciado em 1906 com
a aprovação do Congresso Nacional para a sua elaboração. Os anos seguintes serão de
muita discussão e um meio científico bastante engajado na questão. Entretanto, apesar
de todos os esforços de políticos e da geração de cientistas protetores da natureza, o
Código Florestal só irá se concretizar no período varguista, onde se cria um ambiente
mais bem aclimatado para a promulgação de leis que visassem proteger o patrimônio
florestal brasileiro e afirmar a identidade nacional. Desde a aprovação pelo Congresso
Nacional da elaboração de um projeto para o Código Florestal Brasileiro, em 1906, até
que fosse finalmente decretado, em 1934, se passaram quase vinte oito anos de um
intenso debate essencialmente científico. Apesar de períodos de estagnação no que
tange à feitura da legislação em si no Executivo, a discussão político-científica acerca da
questão florestal foi intensa e não cessou. Como afirmou o então ministro da
Agricultura, Pedro de Toledo, em 1911, em sua exposição de motivos ao Projeto de Lei
124/1915 (BRASIL, 1915):
3
Ver: A expedição do Código para o Serviço Florestal do Estado de Sergipe (SERGIPE, 1913).
No próprio seio da Câmara dos Deputados, em quase todas as legislaturas, têm
sido patrioticamente formulados a respeito os mais justos reclamos, sempre
apoiados em fatos evidentes; poderia mesmo dizer que o Congresso Nacional
concretizou esse verdadeiro clamor público, quando, em 1906, autorizou o
Executivo a elaborar as bases de um Código Florestal. (BRASIL, 1915, p. 33).
Ainda no mesmo ano desta exposição, em 1911, foi elaborado um projeto de lei
visando à proteção florestal que ainda não era o Código Florestal. Enquanto isso, o
Código Florestal propriamente dito era deixado de lado em detrimento da criação do
Serviço Florestal, visto como um primeiro passo a ser dado antes de se chegar ao
Código. E o então ministro da Agricultura, Pedro de Toledo, prossegue em sua
exposição, afirmando que “o atual governo cogitou a princípio de realizar essa
incumbência, mas, reconheceu depois que uma lei mais simples satisfará as necessidades
do momento, desde que ela institua o Serviço Florestal [...]” (BRASIL, 1915, p. 33).
O então presidente da República em 1914, Hermes da Fonseca, reconhece o relevo
da questão florestal para o Brasil e encaminha o referido projeto de lei ao Congresso
Nacional, assim como sentenciou em sua mensagem presidencial: “julgado o assunto
merecedor de toda a vossa solicitude, espero que não poupareis esforços para que esse
Projeto, com as modificações indicadas pela Vossa sabedoria, seja convertido em Lei,
com a urgência que se faz mister.” (BRASIL, 1915, p.33).
Após três anos sem andamento, com a proposta estagnada no Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC), o ex-relator, Augusto de Lima, conseguiu
resgatar o projeto na sessão de 7 de junho de 1915. Segundo ele, apesar de o texto
(elaborado por uma comissão de engenheiros e juristas e presidido pelo ministro da
Agricultura) não apresentar disposições perfeitas sobre o assunto, proporcionava um
remédio provisório para o desmatamento que afligia o país. Augusto de Lima partia
constantemente em defesa das matas na Câmara dos Deputados, demonstrando estar
bastante engajado na criação do Código Florestal. Criticamente, denunciou os
responsáveis pelo injustificável atraso na tramitação do projeto e criticou a morosidade
do Ministério de Agricultura Indústria e Comércio que postergava o envio do projeto à
Comissão de Finanças. Ainda na supracitada sessão de 1915, o deputado Augusto de Lima
travou um debate com o deputado Bueno de Andrada, que condenava a urgência que
Augusto de Lima imputava à questão da derrubada das matas. Augusto de Lima, por
sua vez, afirmou que o problema florestal era um problema tão importante como o da
abolição da escravatura [...]” (LIMA, 1916, p. 613).
Com esta reivindicação ampla e consistente do deputado, sendo reforçada pela
própria eloquência dos fatos por ele relatados, o Legislativo foi, de certa forma,
sensibilizado pela justa crítica e acolheu o requerimento de Augusto de Lima para o
estudo da matéria. Assim, o assunto voltou à pauta na sessão de 28 de julho de 1915 com
a nomeação da comissão especial do Código Florestal. Apesar da incumbência original, o
centro da discussão durante as oito sessões que realizaram ao longo do ano de 1915
continuou sendo o da criação do Serviço Florestal do Brasil.
Analisando a exposição de motivos, podemos perceber que a formalização do
projeto do Serviço Florestal configurou o pontapé inicial do Legislativo para a defesa
formal das florestas, que se argumentava a inexistência de uma base sólida para a
criação do primeiro Código Florestal Brasileiro, que dependeria de outros dispositivos,
assim como de um Serviço Florestal bem estabelecido para que fosse definitivamente
colocado em prática. Assim, enquanto não “[...] [fosse] possível a adoção completa de um
Código Florestal, que [tornasse] obrigatoriamente extensivo o regime florestal à
propriedade das matas pertencentes aos estados, aos municípios e aos particulares [...]”
(BRASIL, 1915, p.4), o país não progrediria e apenas destruiria o seu próprio potencial.
Esta lei que podemos chamar de um “pré Código Florestal”, ainda não abarcava,
impositivamente, todas as florestas do país (apenas as florestas da União) e propunha a
negociação com os estados da federação, municípios e particulares na tentativa de
adoção voluntária de um regime florestal conveniente também aos interesses
econômicos do país, sem ônus para o Tesouro nacional.
Este projeto de lei foi votado em junho de 1916 e, por ter recebido duas emendas
pela comissão de finanças, mais tempo levou até que entrasse em pauta para fins de
votação do substitutivo. Somente em 1921, após uma espera de quinze anos desde que o
Congresso Nacional autorizou o Executivo a elaborar as bases de um Código Florestal
em 1906, foi aprovado o Decreto Legislativo 4.421, de 28 de dezembro de 1921, sendo
finalmente criado o Serviço Florestal do Brasil, sancionado pelo então presidente da
República, Epitácio Pessoa, que em vias do processo de aprovação do Serviço Florestal,
afirmou em 1920 na mensagem presidencial dirigida ao Congresso Nacional que a
premência de preservar e de “[...]restaurar o revestimento florestal da República deve
ser uma de nossas maiores preocupações. Quem viaja pelo interior do Brasil não pode
deixar de sentir-se revoltado com as devastações, que observa por toda parte [...]”
(PESSOA, 1920, p. 135).
Neste trecho da mensagem presidencial de Pessoa, percebemos o relevo
discursivo que dava à preservação florestal e sua preocupação com o reflorestamento.
Apesar de sua aparente revolta com a intensa devastação do território brasileiro,
inclusive nos sertões, não deixava de apresentar, ao mesmo tempo, sua visão
economicista da floresta:
A economia florestal aponta-nos uma riqueza imensa a explorar. A indústria do
papel, das resinas, da tinturaria, dos curtumes, dos móveis, das construções
civis, o fornecimento de postes, lenha, dormentes, etc., sem falar na exportação
de madeiras finas ou de lei, são fontes de comércio a desenvolver e coordenar.
É, pois, urgente a decretação de leis, que protejam todos estes tesouros,
regulando o a arborização de terras e a sua conservação, como a
exploração do comércio de madeiras, a extração de ervas e da própria
seringueira. (PESSOA, 1920, p. 135).
As ideias aparentemente antagônicas e contraditórias estavam muito imbricadas:
preservar a natureza para depois melhor explorar, proteger as matas para garantir
riquezas posteriormente, ao mesmo tempo em que também se reconhecia a necessidade
de conservação por conta de sua beleza, fruição estética e sua importância à
sobrevivência humana. Este é um dos motivos pelos quais apontamos as ideias que
circulavam entre os ‘protetores da natureza’ da época como essencialmente
conservacionistas, já que parecia unânime entre os parlamentares e cientistas a
compreensão de que os seres humanos estariam sempre ligados às florestas, podendo e
devendo explorá-las previdentemente. Além do mais, fazia ainda parte do processo
fundamental de construção da identidade nacional brasileira. Como exclamou Epitácio
Pessoa, “Dos países cultos, dotados de matas e ricas florestas, o Brasil é, talvez, o único
que não possui um Código Florestal!” (PESSOA, 1920, p. 136).
Como podemos perceber, o Serviço Florestal recém criado em 1921 e sancionado
pelo presidente Epitácio Pessoa não começou a funcionar logo de imediato; ainda
dependia de sua regulamentação pelo Poder Executivo e isso viria a ocorrer cerca de
quatro anos mais tarde, através do Decreto 17.042, de 16 de setembro de 1925, na
gestão do presidente Artur Bernardes, que, desde o início de seu governo, declarou a
insuficiência orçamentária para tal feito, apesar de reconhecer a importância e a
urgência de se legislar contra a devastação das terras brasileiras. Em 1925, Artur
Bernardes afirmou estarem concluídos os estudos preliminares para a organização e do
Serviço Florestal, mas, devido à premência da questão financeira, este viria a ser
implantado aos poucos e por partes. Após, finalmente, a regulamentação em 1925, o
presidente declarou que o Serviço Florestal estaria destinado a executar valiosos
trabalhos e que “[...] embora ainda sem os recursos indispensáveis à sua perfeita
instalação, começou ele a funcionar, aproveitando elementos que lhe foram
incorporados, entre os quais se destaca o Horto Florestal, que até então se achava anexo
ao Jardim Botânico.” (BERNARDES, 1925 apud PEREIRA, 1950, p. 106).
Em mensagem do então presidente da República, Washington Luiz, em 1929, ao
Congresso Nacional, acerca do funcionamento e da atuação do Serviço Florestal do
Brasil, afirmou:
Os trabalhos do Serviço Florestal do Brasil se subdividiram do seguinte modo:
produção de mudas para o reflorestamento; reflorestamento, tendo como base
o estabelecimento de viveiros de mudas in loco; estudo da biologia das nossas
essências e, finalmente, estudo da nossa flora, quer quanto à sistemática, quer
quanto à dendrologia (LUIZ, 1929 apud PEREIRA, 1950, p. 106).
Desse modo, com a criação efetiva do Serviço Florestal, passaram a ser
consideradas “florestas protetoras” aquelas que se destinassem a garantir a pureza e a
abundância dos mananciais, a equilibrar os regimes de águas correntes, evitar os efeitos
danosos dos agentes atmosféricos, bem como auxiliar a defesa das fronteiras (BRASIL,
1921, Artigo 1º). Esta categoria de “florestas protetoras” trazida para o âmbito nacional
com o Serviço Florestal e que, vale lembrar, havia sido previamente pensada por
Loefgren e esteve presente nas legislações do Rio Grande do Sul e do Paraná foi
absolutamente vanguardista, tornou-se uma das quatro categorias-chave do Código
Florestal Brasileiro de 1934, dando base para a criação das Áreas de Preservação
Permanente (APP’s) instituídas décadas mais tarde no Código Florestal Brasileiro de
1965.
Com a criação dos Hortos florestais, as espécies da flora passaram a ser
sistematicamente estudadas com o objetivo de selecionar aquelas mais aptas ao
replantio e reflorestamento e à formação de matas consorciadas (BRASIL, 1921, Artigo
10º). Junto aos Hortos foram criadas escolas teórico-práticas de silvicultura para
promover tais estudos e prestar aos interessados todas as informações necessárias ao
reflorestamento (BRASIL, 1921, Artigos 15º). Os
trabalhos práticos das escolas deveriam
ocorrer em áreas delimitadas pelo governo (terrenos devastados, campos ou matas) com
a finalidade de transformá-las em florestas “homogêneas e econômicas”, denominadas
“florestas-modelo” (BRASIL, 1921, Artigos 18º e 19º). Nota-se que, apesar dos fins
científicos, de pesquisas, produção de sementes e mudas através dos Hortos,
reflorestamento, fins pedagógicos com as escolas de silvicultura e conservação, o
interesse econômico de explorar as florestas sempre esteve presente, “considerando-as
principalmente sobre o ponto de vista econômico” (BRASIL, 1921, Artigo 3º). Este
interesse sempre ficou evidente na legislação florestal brasileira e nunca se contrapôs
aos anseios conservacionistas, pelo contrário, sempre estiveram conjugados. Naquele
momento, “[...] os objetos principais do estudo [florestal] serão a economia da floresta, a
capacidade de produção ou incremento de cada essência, e os melhores métodos de
explorar essa produção com máxima vantagem” (BRASIL, 1921, Artigo 4º). No
Jornal do
Brasil
de 19 de setembro de 1930, em artigo intitulado “a festa das árvores e o Serviço
Florestal do Brasil”, a crítica ao Serviço Florestal se fazia presente: “promulgar leis
sem dar e garantir os meios idôneos para a sua execução só pode resultar em pura perda
de tempo e dinheiro.” (A FESTA..., 1930, p. 9).
O Serviço Florestal do Brasil prosseguiria ampliando lentamente sua ação desde
sua regulamentação em 1925 até o início do Governo Provisório, em novembro de 1930.
Contudo, os últimos anos da década de 1920 não foram os mais férteis para as políticas
propriamente de proteção à natureza, tendo em vista outras dificuldades pelas quais
passava o país. Em 24 de outubro de 1930, Washington Luís foi deposto pelos chefes
militares descontentes que também queriam impedir que o eleito Júlio Prestes chegasse
ao poder
4
. O governo do país foi assumido por uma Junta Militar, sob a chefia do
tenente-coronel Góis Monteiro e sob a liderança civil de Getúlio Vargas, que viria a
assumir o cargo de presidente provisório a 3 de novembro do mesmo ano (FERREIRA;
DELGADO, 2003, p. 403-405).
Através do Decreto 19.398, de 11 de novembro de 1930, o Governo Provisório
restringiu a Constituição de 1891 em vigor e dissolveu o poder Legislativo (Congresso
Nacional, Assembleias Legislativas Estaduais e Câmaras Municipais), além de destituir os
governadores. Para governar os estados, foram nomeados interventores federais,
cabendo a estes a nomeação de um prefeito para cada município. Com a dissolução do
Congresso Nacional, o Governo Provisório passou a exercer, também, as funções do
Legislativo e o mesmo ocorrendo nos níveis estaduais e municipais. Em 3 de maio de
1933, foi eleita uma Assembleia Constituinte, que foi instalada em 15 de novembro de
1933 para elaborar a Nova Carta Magna, trabalho este que foi concluído a 16 de julho
de 1934 com a promulgação da nova Constituição. O início das atividades de fomento
florestal ocorreu também em 1933, através do Ministério da Agricultura com a criação da
Seção de Reflorestamento junto ao Serviço de Fomento e Produção Vegetal.
Atestando a intensificação da atividade legislatória no Governo Provisório de
Vargas, logo em 1931, a Comissão Legislativa foi encarregada de conferir a então criada
20ª Subcomissão Legislativa a missão de elaborar o anteprojeto do Código Florestal
Brasileiro, o qual foi, diga-se de passagem, o primeiro a ser concluído. Augusto de Lima
presidia a Subcomissão enquanto José Mariano Filho a integrava e Luciano Pereira da
Silva era o relator. A este anteprojeto foram enviadas diversas sugestões, sendo a maior
parte delas vindas da capital da República. Algumas delas, pelo teor e pertinência,
levaram a subcomissão a reabrir o exame, realizando nova série de reuniões, com a
participação do Dr. Levi Carneiro, Consultor Geral da República, do Desembargador
4
É importante refletir sobre esta dinâmica comumente chamada de “café com leite”, já que existiam muitas
rupturas nestas relações entre os estados de São Paulo e Minas Gerais, que não faziam o que bem
entendiam, até porque, na prática, “eles mais se temiam do que se uniam.” (VISCARDI, 2012, p. 253).
Virgílio Pereira, de Daniel de Carvalho, representante do Instituto de Advogados,
Castro Nunes, juiz José Duarte Gonçalves da Rocha, Alberto José de Sampaio, do Museu
Nacional, Durval Ribeiro de Pinho, da Sociedade de Amigos das Árvores etc. (PEREIRA,
1950, p. 181). O
Jornal do Brasil
acompanhou e divulgou com certa constância todo o
processo da elaboração do Código Florestal, sempre informando sobre as reuniões,
pautas e mudanças no projeto.
Antes mesmo da criação da 20ª Subcomissão Legislativa para a feitura do
anteprojeto do Código Florestal, o
Jornal do Brasil
de 21 de abril de 1931, na seção
Echos
e notícias
, apresentava um artigo bastante crítico da devastação florestal no Brasil
gerada pela construção de estradas de ferro. Em
Lenha abaixo!
era veementemente
criticado um decreto que o Governo Provisório havia promulgado no dia anterior,
permitindo a derrubada das matas pela companhia Central do Brasil para a abertura de
novas estradas e “[...] isso quer dizer que o prevaleceram as opiniões contrárias à
medida, considerada por técnicos de reconhecido valor como danosa à economia
nacional, em consequência da inevitável devastação de matas [...]”, que nem ao menos
incluiriam cuidado e reflorestamento imediato “[...] é preciso assinalar que [o replantio]
não entrou nas cogitações do ato governamental.” (LENHA..., 1931, p. 5).
Encontram, assim, os derrubadores de matas, um incentivo para que prossigam,
cada vez mais, na sua obra maléfica. É o próprio governo a encorajá-los,
tornando-se o melhor cliente. Quanto ao dia de amanhã, quando tudo estiver
devastado, quando as consequências más se fizerem sentir, sim, apelaremos
para o Código Florestal, para a polícia e para o patriotismo do povo. Por
enquanto, lenha abaixo! (LENHA..., 1931, p. 5).
No mesmo ano em que a Companhia Central do Brasil avançava na devastação
das matas para a expansão das estradas de ferro, a Comissão para a criação do Código
Florestal aprontava o documento:
Essa comissão foi nomeada um mês, sendo, portanto, a benjamim das
comissões legislativas, muito embora conte no seu interior o venerado Sr.
Augusto de Lima, ao lado dos jovens Srs. Luciano Pereira e José Mariano Filho.
Pois bem: está pronto o Código Florestal e o projeto deve ser assinado para
entrega no governo da República na próxima semana, a fim de ser devidamente
publicado. A última comissão, como estamos vendo, foi a primeira a terminar
sua tarefa. (O CÓDIGO..., 1931, p. 5).
Com reuniões regulares, por volta de três semanais, e muito debate, o projeto foi
finalizado em apenas um mês. Contudo, com a abertura para críticas, propostas de
alteração e com o recebimento de muitas observações por parte de representantes da
ciência muito qualificados e envolvidos com a questão florestal, sua elaboração foi
reaberta e levou pouco mais de dois anos até que o Código Florestal fosse finalmente
decretado. O período de revisão e alteração do projeto do código durou de outubro de
1931 a fevereiro de 1932. A 19 de fevereiro deste ano, foi publicado no
Jornal do Brasil
que
no dia anterior, a comissão encarregada de elaborar o Código Florestal deu por
concluída sua tarefa, entregando ao governo o fruto de longos meses de trabalho no
retocar um projeto que vem se arrastando desde longos anos pelos Congressos, pelas
mesas das comissões e arquivos.” (O CETICISMO..., 1932, p. 5). Acrescentavam ainda que
este dia poderia ter sido considerado um marco, um dia especial, “o dia das árvores se
elas ainda acreditassem na força das leis e regulamentos elaborados com a intenção de
impedir que continuem a sofrer os agravos e atentados dos homens.” (O CETICISMO...,
1932, p. 5). Durante os meses de alterações no anteprojeto, a subcomissão do Código
Florestal se reuniu com cientistas, juristas e políticos interessados na revisão do
documento assiduamente.
Em 1933, Augusto de Lima produziu um ensaio intitulado
Influência da flora sobre
a evolução humana
, publicado pelo serviço de propaganda da Sociedade dos Amigos das
Árvores, ambiente de sociabilidade de muitos dos intelectuais, políticos e cientistas aqui
citados. Este texto foi também um parecer do próprio (no momento em que foi relator do
projeto de lei que determinou a criação do Serviço Florestal do Brasil) à Câmara dos
deputados federais. Em suas palavras:
Mas, o que absolutamente não se lhe pode recusar é a urgência com que deve
ser convertido em lei. Cada ano que passa arrasta perdas irreparáveis no
tesouro florestal do Brasil. não somos nós, os brasileiros, os únicos a clamar
contra o desnudamento do nosso solo. Não é esta Câmara, cujo voto em
1906 traduziu a aspiração de dotar a Nação de um Código Florestal. Também do
estrangeiro recebe o Brasil amigáveis admoestações a respeito do temeroso
problema da desflorestação do nosso solo. (LIMA, 1933, p. 35).
E acrescenta que o referido projeto de lei deveria se converter em realidade
administrativa o quanto antes, revelando o mesmo “clima de urgência” presente em
Alberto Torres e outros intelectuais da época, pois,
Além de oferecer barreiras à destruição das matas, ele estabelece normas e
providências para a restauração das extintas. Instituindo os hortos florestais e
as florestas modelo lança as bases para um regime sistemático e científico de
arborização do país. Com as reservas florestais e os parques nacionais
completa os institutos necessários para o patriótico fim da conservação,
regeneração, defesa e exploração regular das florestas. (LIMA, 1933, p. 36).
Compartilhando do mesmo temor que Alberto José de Sampaio, do Museu
Nacional, de que a lei não fosse efetivamente exercida, Daniel de Carvalho expõe a
necessidade de instruir as populações rurais acerca das disposições do Código Florestal
que iam de encontro a muitos dos hábitos e costumes arraigados nos sertões, assim
como aos interesses dos sertanejos, o que poderia até mesmo dificultar-lhes os meios de
subsistência em algumas regiões e, assim, fazer o código “[...] permanecer como letra
morta, a encher, como tantas outras páginas de literatura, as nossas inesgotáveis
coleções de leis e decretos.” (CARVALHO, 1932 apud LIMA, 1932, p. 31)
5
. Apesar da
explícita aceitação por parte da comissão, de que o código ficaria sem aplicação em
grandes extensões do território nacional devido à dificuldade de se chegar a estas
populações, Daniel de Carvalho criticava o ceticismo deste posicionamento de que, por
não ser do alcance do povo e passível de cumprimento, não deveria constar na lei. Para
ele, as disposições que tratassem especificamente das populações rurais e do
desflorestamento dos sertões gerados por habitantes locais (acostumados às queimadas
indiscriminadas como técnicas de “limpeza” e “preparo” para plantio) deveriam constar
e, consequentemente, haver um esforço de instruí-las quanto às determinações da lei e
ao seu devido cumprimento, sendo estas realistas e dotadas, sobretudo, de valor
educativo, de conscientização sobre a importância das florestas e da vulgarização da
ciência.
Daniel de Carvalho acrescentava ainda que “o que constitui a razão de ser da
legislação é a sua exação prática, a sua exequibilidade compulsória pela justiça. A lei não
tem utilidade senão na medida em que esta sanção se mostra séria e eficaz.”
(CARVALHO, 1932 apud LIMA, 1932, p. 32). Para que a lei fosse, de fato, eficaz, deveria
ser traduzida igualmente a todos os brasileiros, chegar a todos os cantos do país, de
forma a fazer parte do dia a dia da nação na prática.
Se o dispositivo legal não entra em vigor e vale apenas como um voto platônico,
então, em vez de concorrer para a educação do povo, contribui, no meu sentir,
para deseducá-lo, para afrouxar os elos de disciplina social, para inculcar nos
espíritos o desprezo das leis, o que constitui, indubitavelmente, um mal, num
país como o nosso em que se amiúdam cada vez mais os desfalecimentos da lei
e da autoridade (CARVALHO, 1932 apud LIMA, 1932, p. 32).
As palavras do relator da Subcomissão do anteprojeto do Código Florestal, Luciano
Pereira da Silva, às quais Daniel de Carvalho se contrapôs, foram as de que “[...] por alguns anos
preciso não haver ilusões a respeito), as disposições do Código hão de ficar letra morta nos
lugares mais recônditos do nosso vasto e quase despovoado interior” e, assim sendo, “[...] pouco
serão respeitadas mesmo nas regiões menos ínvias.” (SILVA, 1932 apud LIMA, 1932, p. 32).
para Carvalho, o fator primordial para a deseducação do povo seria este, portanto, o da
5
Lima reportou vários trechos da discussão da sala da Subcomissão ocorrida em 15 de fevereiro de 1932
(LIMA, 1932).
frouxidão das leis, gerada justamente pelo distanciamento das mesmas com relação à realidade
da vida nacional. A ignorância do povo seria responsável pelo sentimento de desdém pelas leis, e
isto, sim, a seu ver, deveria ser evitado a todo custo.
Alberto Sampaio, que foi um dos principais responsáveis por alterar o código com suas
sugestões, também indagou como poderia uma lei adiantar se era convencida de sua própria
ineficácia. Outrossim, lutava por um Serviço Florestal amplo e forte. Para ele era também
indispensável, como medida preliminar, fazer com que as populações do litoral e do interior
soubessem que o Código Florestal existia para ser, de fato, cumprido. Por maiores que fossem as
dificuldades que, a princípio, se apresentassem à execução do Código e quanto a isto havia o
consenso de que muitas viriam , não seria este motivo suficiente para se descrer da plena
aplicabilidade do decreto “ainda que em futuro remoto”, como comentou Luciano Pereira.
Vale lembrar que, apesar destes meses anteriores à promulgação do Código Florestal
terem sido efervescentes para a geração de protetores da natureza em questão, esta luta e este
êxito não se traduziram em absoluta unanimidade. Havia uma importante voz em meio aos
estudiosos da flora nacional que julgava inútil a lei. Estamos falando da visão dissonante e
descrente de Edmundo Navarro de Andrade. Sua postura, muito mais afinada com a ideia de
utilidade das florestas para o crescimento econômico, demonstrou certo desapreço pela criação
do Código Florestal. Para além disto, tocava em um ponto sensível para as elites do país: a
questão do direito à propriedade. Acreditava que as leis serviriam para aniquilar as liberdades
individuais e que o direito de propriedade antecederia a proteção florestal.
Devido a todo esse clamor, foi o governo autorizado a proceder a elaboração de
um Código Florestal. De todos os remédios de que poderiam lançar o, é este,
incontestavelmente, o menos eficaz. O nosso digo Florestal será, sem dúvida,
uma obra bem feita, muito bem acabada, compilação admirável do que de
melhor houver nos países da Europa e da América do Norte; mas nunca se
uma medida de alcance prático. Código lembra leis e estas só servem para
cercear, restringir a liberdade, sendo, no caso presente, talvez um atentado ao
direito de propriedade. [...] São Paulo não seria o primeiro estado da União, o
mais rico e adiantado, se não tivesse substituído as densas florestas das suas
terras roxas pelo café. O que é preciso, indispensável, é tratar de
reflorestamento de nosso solo, mas de um modo prático e racional. (ANDRADE,
1923, p.52).
A despeito da discordância de Navarro de Andrade, que viria a ser tornar
Ministro da Agricultura quando da promulgação do Código Florestal, o clima geral era de
festejo. Entretanto, moderado pelo constante temor de não se estabelecerem com a
devida estrutura e abrangência os mecanismos fiscalizadores necessários para o
cumprimento da lei. Navarro de Andrade era grande defensor das florestas plantadas e
foi o principal responsável por introduzir o Eucalipto (espécie de origem australiana) no
Brasil.
Com a decretação que se anuncia para breve do Código Florestal e do
Regulamento da Caça e Pesca, estarão os poderes públicos aparelhados para
darem o necessário combate a males que muito tempo exigem remédio: a
derrubada das nossas florestas, feita com um descuido e uma falta de
orientação que ninguém ignora e a perseguição aos animais úteis que as
habitam, assim como os rios, lagos e costas marítimas. [...] Que venham, pois, o
mais depressa possível, o Código e o Regulamento mencionados. Mas que
venham e que... se cumpram! (A FAUNA..., 1933, p. 5).
O clamor para que a lei fosse cumprida era constante, tendo em vista o histórico
de leis brasileiras “decorativas”. Em comunicado da Sociedade de Amigos de Alberto
Torres, por meio da mensagem apelativa do presidente Sabóia Lima, direcionada ao
chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, falava-se:
Dirijo-me à V. Ex. na certeza de que dará atenção ao pedido que em nome da
Sociedade de Amigos de Alberto Torres ora formulo. [...] Continuamente os
restos de matas que se espalham pela área do Distrito Federal oferecem o
espetáculo de fogueiras imensas que fazem lenhadores e carvoeiros. Ao longo
de todas as estradas que cortam o país não existem matas. Em suma, é o
lenocínio da natureza de que falava Alberto Torres. É claro que tão dura
herança de inimizade à floresta não se corrigirá de um momento para outro. É
um trabalho lento, de educação através de muitas gerações. Mas o fato é que
não podemos continuar nesse estado e o primeiro passo a dar é pôr em
execução o digo Florestal que, certamente não impedirá as derrubadas nessa
imensa extensão territorial em que nos perdemos, mas marcará a nova fase de
um pouco mais de respeito a cada floresta, principalmente com relação ao
replantio onde foram abatidas as florestas para fins meramente industriais. É
este, pois, o pedido que faço em nome da Sociedade dos Amigos de Alberto
Torres para que V. Ex. mande pôr em execução o digo Florestal sabiamente
preparado por estudiosos patrícios (A DEVASTAÇÃO..., 1933, p. 21).
Este código, como “um imperativo da consciência nacional” aprontou-se
resolvendo, por fim, um dos pontos mais polêmicos: o da intervenção do Estado nas
propriedades privadas. Loefgren, bem no início do século, indicava a necessidade do
papel intervencionista do governo nas áreas de particulares; Navarro de Andrade,
contemporâneo à decretação do Código, por sua vez, negava esta interferência estatal,
postulando-a como autoritária, abusiva e um atentado ao direito supremo, em seu ver,
da propriedade privada. Todavia, salientou Levi Carneiro que havia ficado
satisfatoriamente resolvida a questão da intervenção do Estado nas matas particulares:
“o problema fundamental para assentar a orientação de um Código Florestal, liga-se ao
conceito de direito de propriedade.” (CARNEIRO, 1934 apud
PEREIRA, 1950, p. 178) e
assim, decidiu-se, no Código Florestal, contrariamente ao que Navarro de Andrade
desejava, que se deveria, sim, intervir, que as florestas passavam a ser consideradas
como “[...] bem de interesse comum a todos os habitantes do país.”.
Daí resultou o Projeto publicado no Diário Oficial de 26 de abril de 1933, a
seguir transformado em lei, com o Decreto 23.793 de 23 de janeiro de 1934,
abrangendo as matas nacionais e particulares, com disposições minuciosas
sobre a guarda, preparo de lavouras, cortes e fixando penalidades por crimes e
contravenções que capitula, bem como o processo para punir os infratores.
(PEREIRA, 1950, p. 182).
Este constituiu, portanto, um dos pontos cruciais de toda a discussão que precedeu o
primeiro Código Florestal, bandeira esta levantada com mais veemência por um dos “protetores
da natureza” da primeira geração republicana, Alberto Loefgren.
O crucial é que o Código Florestal negava o direito absoluto de propriedade,
proibindo, mesmo em propriedades privadas, o corte de árvores ao longo dos
cursos d’água, árvores que abrigavam espécies raras ou que protegiam
mananciais. Aos proprietários vedava cortar mais de três quartos das árvores
restantes de sua propriedade [...]. Foi uma rejeição histórica do liberalismo e
uma reversão para o controle estatal, abafado desde os primeiros dias do
império, mas agora revivido sob a bandeira de um nacionalismo modernizante e
tecnocrata. (DEAN, 2007, p. 276).
Assim que foi decretado o Código Florestal, o
Jornal do Brasil
publicou um artigo
grande, com foto de miolo, mostrando uma floresta derrubada, com a legenda
explicitando que se tratava de um “trecho de uma floresta brasileira impiedosamente
devastada”. Neste artigo, exaltava-se a concretização desta “velha aspiração nacional”
de se proteger o patrimônio florestal do Brasil.
Está, finalmente, assinado o Código Florestal. É uma velha aspiração que se
concretiza em lei e cuja existência constituirá seguro elemento de defesa das
nossas florestas, impiedosamente devastadas pela avidez de lucro ou pela
ignorância dos homens. O decreto constitui um dos imperativos da consciência
nacional. (PELA DEFESA..., 1934, p. 16).
No primeiro capítulo do decreto, das “Disposições gerais”, seus únicos dois
artigos conceituavam de forma original o conjunto de todas as florestas existentes no
território nacional, como “bem de interesse comum a todos os habitantes do país” e
exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que as leis em geral, e
especialmente este código, estabelecem” (artigo 1º). Além das florestas, o documento
também reconhecia e incluía outras formas de vegetação que não as matas, nativas ou
exóticas (artigo 2º), desde que “reconhecidas de utilidade às terras que revestem”
(BRASIL, 1934a). O jurista Osny Duarte Pereira (1950, p. 179) relembra que o conceito
legal de floresta produziu também um debate na comissão responsável pela elaboração
do primeiro Código Florestal, já que na exposição de motivos do anteprojeto fez-se
necessário, primeiramente, a partir do que fora levantado por Luciano Pereira, definir o
que se deveria entender por floresta.
No significado vulgar, floresta é toda a vegetação alta e densa, cobrindo uma
área de grande extensão. Evidentemente, porém, não é essa forma de
vegetação que necessita ser protegida, apesar do nome dado ao Código. O
anteprojeto resolveu a dificuldade estatuindo no parágrafo único do art. 2 que,
para os efeitos do digo, são equiparadas às florestas todas as formas de
vegetação que sejam de utilidade às terras que revestem, o que abrange até
mesmo as plantas forrageiras nativas que cobrem os nossos vastos campos
naturais [...] (PEREIRA, 1950, p. 179).
Cerca de um mês após a decretação do Código, em fevereiro de 1934, outro artigo
no
Jornal do Brasil
, salientava a importância desta legislação para a nação brasileira, pois
agora com o decreto nº 23.793 de 23 de janeiro de 1934, que aprovara o Código Florestal,
os seus dispositivos deveriam “[...] prevalecer em todo o território nacional,
classificando as florestas, estabelecendo o modo de sua exploração econômica, criando
a polícia fiscalizadora, o processo das infrações e o Conselho Florestal [...]” (COSTA,
1934, p. 5), entre outras atribuições. Apesar da comemoração, também era constante a
súplica às autoridades municipais, estaduais e federais para que fizessem valer a lei.
A decretação do Código corresponde, com efeito, a uma necessidade e satisfaz,
ao mesmo tempo, os justos anseios do país fazendo-se mister, para que as suas
prescrições não restem como
letra morta
, como tem acontecido com a maior
parte da legislação anterior, que os estados e municípios, correndo ao encontro
do novo estatuto, elaborem suas leis pelo modelo que se vos oferece, e
marchem na mais franca harmonia quanto à obediência de seus dispositivos.
Por outro lado, é preciso interessar o habitante do interior no sentido de fazê-lo
colaborador ativo da grande obra que se empreende, de proteção à árvore, ao
bosque, às florestas. (COSTA, 1934, p. 5).
A discussão acerca da “letra-morta” fez-se muito presente mesmo depois da
decretação do Código Florestal, sobre a qual muitos autores lamentavam esta espécie de
tradição cultural brasileira de fazer a lei ser solene, pomposa e completa na letra, porém
de “não pegar” na prática. Por isso, no período posterior a janeiro de 1934, foi muito
recorrente o debate entre os cientistas da geração de “protetores da natureza” da
Primeira República sobre os mecanismos que confeririam eficácia à aplicabilidade da lei
em território nacional, sobretudo, aspectos da fiscalização e da punição já que o
Código Florestal de 1934 havia introduzido dispositivos de natureza penal , devendo ser
enfrentadas as dificuldades impostas pelo orçamento e pela vastidão das terras do país.
A essa discussão acrescentava-se a missão pedagogista de instrução do trabalhador
brasileiro dos sertões, do ensino técnico agrícola e subversão da mentalidade
devastadora através da instituição, nas cidades e no campo, do sentimento nacional de
amor à árvore e à terra, muito trabalhados, especialmente, por Edgard Roquette-Pinto e
Alberto Sampaio.
O Código Florestal de 1934, elaborado por uma Comissão bastante qualificada,
científica e engajada, significou um fortalecimento no conservacionismo ambiental à
brasileira (que utilizava, na época, os conceitos de conservação, preservação e proteção
como sendo sinônimos e intercambiáveis) e no incentivo à promulgação de outras leis e
decretos de proteção à natureza no país, sendo uma peça legislativa exemplar e
avançada para a época, posto que propôs severas restrições à propriedade privada em
um momento em que o direito de propriedade ainda gozava dos direitos garantidos pela
Constituição (MAGALHÃES, 2002). De forma original (apesar de as mesmas categorias
terem aparecido anteriormente na legislação do Serviço Florestal Brasileiro), este
documento determinou, em seu segundo capítulo, “Da classificação das florestas”, que a
partir de então as florestas passariam a ser enquadradas em quatro categorias:
protetoras
6
, remanescentes
7
, modelos e de rendimento. Sendo assim, o primeiro Código
Florestal Brasileiro é caracteristicamente reconhecido por esta classificação florestal em
quatro categorias-chave.
A primeira delas seria a das
florestas protetoras
, responsáveis por conservar o
regime das águas, evitar a erosão por ação de agentes naturais, fixar as dunas, auxiliar
na defesa das fronteiras, assegurar condições de salubridade pública, proteger sítios
que, por sua beleza, merecessem ser conservados e abrigar espécimes raros da flora
nativa. Estas florestas protetoras correspondem ao que nos dias de hoje chamamos no
Código Florestal vigente de Áreas de Preservação Permanente (APP’s). Esta categoria
seja talvez a de maior originalidade e já trazia em si a lógica dos
Serviços Ecossistêmicos
muito antes da formulação científica deste conceito em que são considerados bens e
serviços o que usufruímos diretamente ou não dos ecossistemas naturais.
A segunda categoria corresponderia às
florestas remanescentes
, sendo aquelas
que formassem os parques nacionais
8
, estaduais ou municipais, que abundassem ou
onde se cultivassem espécimes preciosos, cuja conservação se consideraria necessária
por motivo de interesse biológico ou estético, e as que o poder público reservasse para
pequenos parques ou bosques, de gozo público. A terceira categoria seria a das
florestas
6
As florestas protetoras instituídas pelo Código Florestal de 1934 configuraram um esboço do instituto das
florestas de preservação permanente e Áreas de Preservação Permanente (APP’s) que viriam a figurar no
Código Florestal Brasileiro revisto e reelaborado em 1965, assim como ainda presente no vigente,
polemicamente alterado no primeiro Governo de Dilma Roussef, em 2012.
7
As florestas remanescentes, por sua vez, eram formadas por áreas que são hoje em dia denominadas
como Unidades de Conservação (UC’s).
8
Em tese, os parques nacionais, estaduais e municipais passaram a ser considerados no Código como
monumentos blicos naturais que perpetuariam a composição florística primitiva do país, Vemos que a
questão da beleza e do valor estético que estiveram presentes no debate político-científico engajado na
questão florestal também compôs o documento que trazia consigo a promessa de criação dos parques
nacionais. Nestes locais, qualquer espécie de atividade contra a flora e a fauna dos parques seria
terminantemente proibida.
modelos
(ou artificiais), que seriam as florestas plantadas, formadas por apenas uma
espécie ou número limitado de espécies, nativas e exóticas (porém na maior parte dos
casos, exóticas), cuja disseminação conviesse fazer-se na região. A quarta categoria, por
fim, seria a das
florestas de rendimento
, que compreenderia todas as demais não
especificadas nas três categorias primeiras, podendo estas serem naturais ou cultivadas,
e destinando-se à exploração e ao uso intensivo dos recursos florestais para fins
comerciais e industriais.
Além destas classificações pormenorizadas, havia a necessidade de estabelecer
normas bem claras de competência, com definição de órgãos responsáveis pela sua
aplicação. Tal competência foi atribuída ao então Ministério da Agricultura, tributário da
estrutura do MAIC, a quem cabia classificar as florestas em protetoras e remanescentes,
além de organizar as florestas modelos e organizar as bases para a criação dos parques
nacionais, o que implicava no reconhecimento de toda a área florestal do país. As
protetoras e as remanescentes, juntas, portanto, eram florestas de preservação
permanente, as quais deveriam ser mais bem estudadas para a criação de futuros
parques estaduais e municipais.
O Código Florestal Brasileiro de 1934 demonstra um grande esforço do Estado,
sob alto grau de aconselhamento científico, na modernização do país e na consolidação
da nação, o que passaria, obrigatoriamente, pela de conservação dos recursos florestais.
A partir de então, com o decreto promulgado, esta tarefa passava a ser oficialmente
assumida pelo Estado, que definiria as formas possíveis de exploração e de preservação
das florestas, não mais deliberadamente relegadas à iniciativa privada, à exploração
desimpedida e isenta de penalidades dos particulares. O Código era bastante amplo e
cabia ao Governo Federal a identificação das florestas protetoras, mesmo que fossem
em áreas de propriedades privadas, podendo determinar o replantio e limitar a extensão
e a necessidade de exploração.
Assim, “[...] teve, pois, a Subcomissão do anteprojeto do Código Florestal, de fazer
obra original, baseando-se na lição dos técnicos e valendo-se do conhecimento pessoal
que tem os seus componentes das diversas regiões do Brasil.” (PEREIRA, 1950, p. 145).
Apresentou características sem semelhança, em conjunto, com a legislação florestal de
qualquer outro país. Provou-se que foi levado em consideração o fato de que o Brasil era
uma nação florestal peculiar em comparação com todas as demais, apresentando
altíssima biodiversidade em seus biomas e vários tipos de cobertura vegetal não
encontradas, reunidas, em nenhum outro país.
Contudo, apesar de todo o empenho de cientistas e políticos na questão florestal
e de todo o engajamento que foi observado nos trabalhos da Subcomissão de
anteprojeto, o decreto também apresentou suas falhas, fundamentalmente concentradas
nos mecanismos de fiscalização. Seria este, justamente, o fator principal para a indevida
execução das prerrogativas do Código, somado à insuficiência orçamentária do Estado
para com as florestas, as quais jamais se tornaram uma prioridade, o que era agravado
pela vastidão territorial do país, com governos locais não comprometidos com o
cumprimento da lei, a qual ia, muitas vezes, contra os próprios interesses econômicos
dos estados e municípios da federação. Além disto, as leis costumam ser pouco capazes
de demonstrar uma transformação social efetiva das práticas. Nem nos caberia aqui
avaliar a eficácia das leis no que tange às florestas, na medida em que estas não são
dotadas de poder em si mesmas para automaticamente mudar, repentinamente, hábitos
cristalizados ao longo do tempo, velhas práticas sociais enraizadas e constituintes da
cultura. A importância reside justamente no momento histórico específico, único que a
precedeu, em que diversos atores sociais encontraram e também criaram condições
favoráveis para que estas discussões sobre as florestas tivessem lugar.
As modificações impostas durante a Era Vargas pelo Governo Provisório (1930-
1934) e, posteriormente, pelo Governo Constitucional (1934-1937) bem como pelo Estado
Novo (1937-1945), marcaram profundamente a sociedade brasileira até os dias de hoje.
Todos os esforços conservacionistas se inserem no bojo mais amplo do intenso
processo de modernização que foi empreendido ao longo dos anos 1930. Estes impulsos
modernizantes, nacionalizantes, aglutinadores e de construção da identidade nacional
foram, na verdade, propiciadores da construção do Código Florestal de 1934. Assim,
concluímos afirmando que 1934 foi, indubitavelmente, um ano resolutivo. Para além do
Código Florestal, outros vários decretos foram promulgados, inclusive os Códigos: de
Águas (Decreto 24.643) ; de Minas (Decreto 24.642); de Caça e Pesca (Decreto
23.672), bem como a Lei de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas (Decreto
24.337). Todos estes códigos faziam sentido dentro do projeto varguista de governo
que, por mais que buscasse a industrialização e a modernização econômica, entendia
que isto não poderia ser alcançado sem solidez das leis, das instituições, de um forte
projeto nacional que levasse em conta a natureza do Brasil e da racionalização da
exploração dos recursos naturais apoiada na ciência. Fez-se também a nova
Constituição e foi realizada a Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza,
que ocorreu em abril de 1934, no decorrer de uma semana, na cidade do Rio de Janeiro.
Assim, o Governo Vargas, absorvendo a longa discussão que vinha se desenvolvendo
sobre a conservação dos recursos naturais e dando espaço para a atuação política
empreendida por cientistas, promoveu políticas públicas que alimentaram, de certa
forma, as demandas conservacionistas, sem, todavia, alterar os interesses políticos do
seu governo, muito ligados à construção da identidade nacional e afinados, portanto,
com a questão da “proteção da natureza” ao mesmo tempo em que se buscava
desenvolvimento econômico. Naquele tempo, convencionou-se pensar que a identidade
do Brasil e seu reconhecimento estavam mesmo pautados em sua natureza, como seu
caráter e traço primeiro.
Deste modo, compreendemos que a criação do primeiro Código Florestal
Brasileiro respondeu aos anseios dessa geração de cientistas “conservacionistas” e das
instituições de que faziam parte. O fim da década de 1930, como continuidade e com o
fluir do movimento engajado de proteção à natureza, marcou ainda a criação do primeiro
Parque Nacional do Brasil, o de Itatiaia, pelo Decreto 1.713 de 14 de junho de 1937. E,
dois anos mais tarde, foram criados outros dois parques, o de Iguaçu e o da Serra dos
Órgãos, em 1939. Tudo isto em decorrência de uma ciência engajada muito atuante no
Brasil das primeiras décadas do século XX e que atingiu, no ano de 1934, grande parte de
seus objetivos (pelo menos no plano legislativo), materializados, sobretudo, a partir do
Código Florestal e do que, naquele mesmo ano, se constituiu como a primeira geração de
leis brasileiras voltadas à proteção da natureza.
Decretados o Código Florestal, o de Caça e Pesca e a Lei de Expedições
Científicas que são as bases legislativas da Proteção à Natureza no Brasil,
códigos que inscreveram nos fastos nacionais os nomes ilustres dos que os
elaboraram, entre os quais fulguram Levi Carneiro, Augusto de Lima, José
Duarte, Daniel de Carvalho, Luciano Pereira e José Mariano Filho, entre outros,
bem como homens de governo que os subscreveram, com o Exmo. Snr. Dr.
Getúlio Vargas Presidente da República, estas leis individualizaram, para a
Educação Nacional, a nova disciplina que se convencionou chamar
Proteção à
Natureza!
(SAMPAIO, 1935, p. 2-3).
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