COSTA, Marcus Vinicius da
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 11-21, jan.-jun., 2015.
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Maria do Carmo Brazil, estudando a importância dos rios na história, citando
Shama, coloca que, “[...] em cada árvore, cada rio, cada pedra estão depositados séculos
de memória” (SHAMA apud BRAZIL, 2014, p. 8). Ainda segundo ele, o ocidente romano
já havia compreendido os rios como “[...] estradas que podiam se tornar retas; que
transportavam mercadorias e, se necessário, homens armados; que definiam entradas
e saídas” (SHAMA apud BRAZIL, 2014, p. 9).
Estudando a história do Rio Paraguai, Maria do Carmo Brazil salientou que:
São as águas poderosas e históricas de seu leito que cristalizaram no tempo
a produção material, os conflitos diplomáticos e étnicos, as guerras, os fluxos
migratórios e os sonhos que, incansavelmente, continuam a correr em direção
meridional da América do Sul, conduzindo para a posteridade as riquezas, a
magia, os mitos e a sombra dos heróis nacionais e anônimos permanentemente
vivos na memória coletiva da Argentina, do Uruguai, do Paraguai e, sobretudo,
do Brasil (BRAZIL, 2014, p. 12).
Assim como o Rio Paraguai, o rio Uruguai também foi um importante meio de
contato comercial, político e cultural entre os agentes sociais que viviam e habitavam
às suas margens, tornando-se um espaço de integração econômica e sociopolítica. O
Uruguai é, antes de tudo, um complexo de engrenagens que são políticas, econômicas e
culturais. Em nossa leitura antes de ser um rio-trincheira é, acima de tudo, um traço de
união, um rio latino-americano que criou vínculos entre povos e culturas, mas devido
a sua condição política de fronteira entre Brasil e Argentina, escrever uma história que
fale desse rio dependerá de qual lugar se escreverá: da sua margem direita, esquerda ou
do meio de suas águas, e, além disso, se estará próximo ou distante do mesmo.
Outros pesquisadores têm colocado a história de um Uruguai exclusivamente
trincheira-fronteira
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, isso é um mito que está precisando, há muitos anos, de uma
revisão apropriada. Primeiro, porque esse rio nem sempre foi uma fronteira político-
administrativa, ele foi considerado assim a partir do século XVIII, mais precisamente, a
partir de 1750 (provisoriamente) e de 1801 (definitivamente)
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. Segundo, porque mesmo
tendo sido transformado em uma fronteira, isto não significa sua automática, imediata
e eterna aceitação pelas populações ribeirinhas, nem significa que tenha desaparecido
o rio enquanto via de comunicação e traço de união dessas populações. Nessa luta
pela definição do rio, os historiadores têm desempenhado o papel de fornecedores de
ideias para todas as posições. É importante ressaltarmos que existem relações entre
gem esquerda do Uruguai eram o rio Ijuí, Ibicuí, Cuarein, Arapey Grande e Chico, o Dayman, Queguay, e o
Negro. Na margem direita afluem o Chapeco, Pepirí-Guazu, Aguapey, Miriñay, Mocoretá, Gualeguaychu.
3. Para uma historiografia mais tradicional do Rio Grande do Sul, a fronteira Brasil-Argentina foi perce-
bida e tratada exclusivamente como limite entre os dois Estados Nacionais, interessava para esta histo-
riografia ressaltar as delimitações da fronteira, os tratados, as guerras, ou seja, marcar a diferença entre
os brasileiros e os argentinos, nesta visão a fronteira e o rio Uruguai eram tratados exclusivamente como
limites.
4. O Tratado de Madri de 1750 estabeleceu o Rio Uruguai como limite entre o Império Português e o
Império Espanhol, na região onde se localizavam as Reduções Jesuítico-Guaranis de São Borja e Santo
Tomé, assim São Borja ficaria sobre domínio Português e Santo Tomé sobre domínio Espanhol. Mais tarde
este tratado foi revisto e São Borja voltou a estar sobre domínio Espanhol. Em 1801, um grupo que reunia
aventureiros, contrabandistas, milicianos e criadores de gado tomou a região dos Sete Povos das Missões
e o Rio Uruguai passou a ser a fronteira de fato entre o Império Português e o Império Espanhol nesta
região da América Latina.