CARNEIRO, Raíssa Orestes
*
https://orcid.org/0000-0001-5369-8631
RESUMO: A Proclamação da República no
Brasil em 1889, e a consequente adoção do
sistema federativo, fez com que aspectos de
proteção dos recursos naturais, até então
discutidos nacionalmente, passassem a ocupar
as agendas locais de cada estado, levando a
uma série de projetos de lei de cunho
conservacionista, ainda que não propriamente
ambientalista. Com Getúlio Vargas (1930-
1945), os debates político-legislativos
retornaram ao âmbito nacional, culminando no
primeiro Código Florestal brasileiro em 1934.
Ante o exposto, o objetivo deste artigo é
analisar, do ponto de vista do discurso,
algumas dessas propostas tanto em âmbito
político, quanto as de pensadores que
influenciaram esse discurso, além de debater
como foi sendo desenvolvida uma proteção (ao
menos formal) dos recursos florestais
brasileiros com base em critérios racionalistas
de progresso e modernidade.
PALAVRAS-CHAVE: História do Brasil;
História Ambiental; Brasil Republicano.
ABSTRACT: The Proclamation of the Republic
in Brazil in 1889, and the consequent adoption
of the federative system, caused some aspects
of natural resources’ protection, previously
nationally discussed, to occupy the local
agendas of each state. That led to a series of
conservationist, although not
environmentalist, bills. Under Getúlio Vargas
(1930-1945), political-legislative debates
reverted to the national scope, culminating in
the first Brazilian Forest Code in 1934. In
conclusion, the aim of this article is to analyze,
from a discursive point of view, some of these
proposals, both in the political sphere and
those of thinkers who influenced this
discourse. It is also to discuss how a
protection (at least a formal one) of Brazilian
forest resources was developed based on
rationalist criteria of progress and modernity.
KEYWORDS: History of Brazil; Environmental
History; Republican Brazil.
Recebido em: 31/01/2021
Aprovado em: 03/05/2021
* Mestra em História pela UFPE, Recife/PE, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da
UFPE, Recife/PE. Bolsista Capes. E-mail: raissaoc10@gmail.com. Trabalho proveniente de: CARNEIRO,
Raíssa Orestes.
Os “donos das florestas”:
Código Florestal, debates políticos e direito de propriedade na
discussão sobre a conservação das matas em Pernambuco (1889-1911). 234 f. Dissertação (Mestrado em
História) Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015. Disponível em:
https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/13939.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução: breve histórico da política florestal no Brasil
A análise da História a partir de critérios ambientais é relativamente recente no
campo das Ciências Humanas, data somente dos anos 1970. De acordo com Worster,
A história ambiental é [...] parte de um esforço revisionista para tornar a
disciplina da história muito mais inclusiva nas suas narrativas do que ela tem
tradicionalmente sido. Acima de tudo, a história ambiental rejeita a premissa
convencional de que a experiência humana se desenvolveu sem restrições
naturais, de que os humanos são uma espécie distinta e “super-natural”, de que
as conseqüências ecológicas dos seus feitos passados podem ser ignoradas.
(WORSTER, 1991, p. 199)
Tendo essa definição como ponto de partida, o que se busca, com o presente
texto, é demonstrar, a partir da análise do discurso de políticos e pensadores do início da
República, a maneira como a relação empreendida entre o ser humano e as florestas
brasileiras, em particular no que diz respeito à Mata Atlântica, foi uma consequência
direta tanto da ideia de progresso adotada desde o momento da colonização, e
intensificada a partir de 1889, quanto de uma visão predatória e antropocêntrica, que não
enxergava outro modelo de produção que não fosse o da agricultura extrativa,
monocultora e latifundiária, totalmente incompatível com qualquer forma de preservação
de recursos naturais.
No Brasil, desde o momento do primeiro contato, a floresta teve certo interesse,
ainda que pequeno e bastante específico (pau-brasil, por exemplo). Para a Coroa
portuguesa, ao menos até meados do século XVI, os produtos florestais eram, de fato, as
únicas
commodities
coloniais de valor conhecido, que a densidade das florestas não
permitia, nesse primeiro momento, visualizar a existência ou a possibilidade de inserção
de quaisquer outros bens ali (MILLER, 2000).
Obviamente, as leis regulamentadoras, como o
Regimento do pau-brasil
, de 1605,
nada tinham a ver com a ideia de preservação difundida atualmente pelos ambientalistas.
O objetivo era garantir o monopólio da Coroa e que ela pudesse ter acesso às melhores
madeiras conhecidas no mundo na época, inclusive em detrimento da agricultura. Por
outro lado, isso não quer dizer que o contrabando tenha sido extinto ou que os grandes
proprietários tenham obedecido às regras da Coroa. Na verdade, segundo autores da
época, a sensação de inesgotabilidade dos recursos naturais poderia ser atribuída
justamente à facilidade que tinham esses proprietários de obter novas terras, o que
estimulava o aproveitamento irregular do solo e das florestas (PÁDUA, 2004).
Simon (2014), em seu trabalho sobre as matas do Nordeste, buscou demonstrar
que nem todas as terras da região eram utilizadas para o plantio da cana-de-açúcar em
larga escala, embora esta tenha sido a responsável pela devastação de boa parte das
matas locais. Ainda assim, ele não deixou de destacar como os autores do período
colonial viam a natureza enquanto fonte de usos infindáveis, justamente desde que fosse
praticada uma agricultura menos calamitosa, o que, mais uma vez, estava totalmente
atrelado à forma abusiva como os proprietários lidavam com suas terras.
Com a descoberta do ouro, no final do séc. XVII, preponderantemente no interior
da região do atual estado de Minas Gerais, ao longo da fronteira interna da Mata
Atlântica, o Brasil se tornou muito mais estratégico para Portugal, passando, inclusive, a
partir de 1720, a ostentar o status de Vice-Reino. Além disso, sua população cresceu
vertiginosamente, tanto por conta dos portugueses que vieram em busca do ouro quanto
devido ao incremento do tráfico de escravizados para trabalharem nas atividades da
Colônia.
Estes novos fatores, como era de se esperar, acabaram afetando a integridade das
florestas; afinal, era preciso alimentar as populações das minas, o que era feito através
da lavoura, ainda realizada por meio do regime de derrubada e queimada (
coivara
). Sem
contar o fato de que as madeiras também eram utilizadas para os “cercos dos rios” nas
minas (SIMON, 2014, p. 163).
Sobre a coivara, merece destaque a questão sempre levantada de que os
ocupantes locais das “terras brasílicas” “destruíam” as matas antes da chegada dos
portugueses; contudo, como já foi demonstrado por vários historiadores, arqueólogos e
antropólogos
1
, é uma afirmação que não faz sentido. Não resta dúvida de que as matas
eram utilizadas, algumas árvores eram derrubadas e de que se praticava a coivara (com o
fogo sempre mantido sob controle). Também es comprovado que nem a Mata
Atlântica nem a Floresta Amazônica eram intocadas. No entanto, como afirma Simon:
[...] durante milênios as populações pré-colombianas fizeram um uso
sistemático de diversas espécies, promovendo intuitivamente melhoramentos
genéticos e diversificação, cujo caso emblemático é o das mais de 10 mil
variedades da batateira (
Solanum Tuberosum L.
), a que J. E. Mendes Ferrão se
refere, entre os povos andinos. (SIMON, 2010, p. 39)
Era uma prática, portanto, completamente diversa da exploração predatória dos
colonizadores. A Coroa, ao longo do século XVIII, aumentou ainda mais o seu controle
direto sobre a produção de madeira. A legislação de Portugal para o Brasil era baseada
numa suposta escassez de madeira, única razão plausível, segundo a Coroa, para a
dificuldade de a Colônia atender às expectativas navais da Metrópole. Nessa conjuntura,
foi criado o cargo de Juiz Conservador do Real Corte, a princípio no Reino, em 1783, mas
1
Ver, por exemplo: RIBEIRO, 1987.
depois também em Ilhéus (na Bahia) e em Alagoas, ambos em 1797, e no Rio de Janeiro,
em 1798. Na verdade, apesar do nome sugestivo, o título nada tinha a ver com a
conservação de fato das florestas. Todas as instituições portuguesas com privilégios
reconhecidos tinham um juiz conservador, cuja função era garantir que os direitos das
partes envolvidas, bem como suas eventuais imunidades, não fossem violados (MILLER,
2000).
Na mesma época, em 1797, foi emitida uma Carta Régia anunciando a intenção de
reformular a política florestal da Colônia, reservando para a Coroa não mais espécies
individuais de árvores nas áreas costeiras, mas sim a plena posse de toda a terra dentro
de dez léguas a partir da costa e dos rios. A falta de fiscalização, como era de se esperar,
não permitiu que a determinação da Coroa fosse efetivamente cumprida. Ainda assim, o
interesse científico europeu começou a se voltar mais sistematicamente para o mundo
natural, inclusive para o mundo que estava além das suas fronteiras.
Buscando desenvolver o campo das ciências naturais, o marquês de Pombal,
então Secretário de Estado do Reino, no quadro do Iluminismo luso-brasileiro, nomeou
para a
Universidade de Coimbra
, em 1764, o italiano Domenico Vandelli, um médico
naturalista, reformando, em 1772, o currículo da Universidade. Substituía-se a filosofia
escolástica pelas ciências naturais, chegando a formar toda uma geração, inclusive de
brasileiros (PÁDUA, 2004).
Quando esses acadêmicos começaram a divulgar suas ideias, os sinais de
esgotamento da produção de metais preciosos e a baixa produtividade da agricultura na
Colônia fizeram notar que se tornava indispensável promover duas dinâmicas a partir do
desenvolvimento das ciências naturais em Portugal: de um lado, impulsionar a
aclimatação de espécies exógenas que pudessem ter valor econômico, inclusive com o
estabelecimento de jardins botânicos, de outro, era preciso estudar as espécies nativas e
investigar o eventual valor econômico que elas pudessem ter, sempre buscando alcançar
o que as principais potências da época desenvolviam (DEAN, 1996).
Sobre os jardins, Simon (2010) afirma, em seu trabalho sobre o Jardim Botânico de
Olinda, que desde o século XVI existiam estabelecimentos com fins experimentais ligados
às universidades renascentistas, e no século XVII eles passaram a estabelecer coletas
regulares de plantas exóticas, não apenas na África e na Ásia, mas também no chamado
“Novo Mundo”. Sem esquecer, como bem destaca Crosby (2011), que a própria
colonização foi um sucesso não apenas pela força das armas, mas também pelo arsenal
biológico (doenças, plantas e animais) levado pelos colonizadores por onde passaram.
Os empreendimentos do século XVIII foram apenas a continuação de uma longa
tradição. Em meados do século XIX, quando o monopólio gio sobre a madeira foi
abolido, o caminho ficou definitivamente livre para os grandes proprietários (a Lei de
Terras, de 1850 não coibiu a expansão dos latifúndios), embora tenha permanecido, até
1876, a proibição de cortar algumas poucas espécies de madeiras de lei (DEAN, 1996).
A última grande mudança do período imperial foi a abolição da escravidão. Este
tema, inclusive a sua eventual relação com os aspectos ambientais
2
, só havia começado a
ser discutido seriamente a partir da década de 1880, com os pensadores abolicionistas -
apesar do pioneirismo de José Bonifácio de Andrada nos anos 1820, quando fez parte do
Governo de D. Pedro I. Segundo os críticos da época, a aparente inesgotabilidade dos
recursos naturais, associada à mão de obra cativa, havia provocado um retrocesso
tecnológico em favor do pragmatismo das queimadas, ameaçando o próprio projeto de
nação independente que se desejava construir (PÁDUA, 2004).
Para Joaquim Nabuco, por exemplo, um dos expoentes dessa vertente radical do
abolicionismo, a escravidão degradava a sociedade e a família. Ela era um crime contra a
humanidade e até mesmo contra a propriedade, pois retirava das pessoas a ela
submetidas o direito natural e absoluto de ter acesso à terra. Para ele, ao contrário do
direito de propriedade, a escravidão não era um direito natural e, muito menos, um
direito consagrado pela história (NABUCO, 1988). O grande problema, de acordo com ele,
era que a escravidão impedia o desenvolvimento de uma relação do homem com a terra.
Segundo Nabuco:
A verdade é que as vastas regiões exploradas pela escravidão colonial têm um
aspecto único de tristeza e abandono: não nelas o consórcio do homem com
a terra, as feições da habitação permanente, os sinais do crescimento natural.
[...]. A população não possui definitivamente o solo: o grande proprietário
conquistou-o à natureza com os seus escravos, explorou-o, enriqueceu por ele
extenuando-o, depois faliu pelo emprego extravagante que tem quase sempre a
fortuna mal adquirida, e, por fim, esse solo voltou à natureza, estragado e
exausto. (NABUCO, 2000, p. 63)
As previsões de Nabuco, no entanto, não estavam corretas. O fim da escravidão
não representou, de forma alguma, o fim do sistema de
plantation
, com o seu regime de
queimadas, e, muito menos, o fim da degradação ambiental. Com a Proclamação da
República, embora a primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, nada tenha
disposto, assim como a imperial, a respeito de questões ambientais, a legislação ordinária
que lhe seguiu mostrou-se relativamente pródiga (o que não quer dizer que seja ou tenha
2
Entendendo
ambiental
, em todas as ocorrências desse artigo, como simplesmente referente ao ambiente,
ao entorno, diferente de “ambientalista”, que teria uma conotação mais atual e de ideias relativas à
preservação desse entorno, um conceito muito mais recente, conforme definições do Dicionário Houaiss.
sido eficaz), particularmente a partir das décadas de 1930 e 1940, quando o discurso
desenvolvimentista se tornou mais evidente.
A adoção do sistema federativo fez, num primeiro momento, com que discussões
que ocorriam em âmbito nacional fossem deslocadas para o âmbito estadual,
possibilitando a aprovação de leis florestais (ou ao menos uma discussão para além do
setor acadêmico) no espaço mais restrito de um estado ou de um município. A seguir,
serão vistos alguns exemplos de como a temática foi desenvolvida em alguns estados.
Esse breve histórico, realizado à guisa de introdução, foi necessário para
demonstrar que, embora a lei sempre tenha sido utilizada como forma de proteção dos
recursos florestais no Brasil, a falta de fiscalização foi uma constante. Costuma-se
elogiar o país, ainda hoje, por várias de suas leis, tidas como avançadas em vários
aspectos (execução penal, violência doméstica, meio ambiente), mas parece ser sempre
uma modernidade formal, para atender ao que se espera de uma nação “civilizada”. Ainda
assim, não deixa de ser um primeiro passo para um progresso real e autônomo.
Segundo Worster (1991), há três níveis em que a história ambiental pode ser
analisada: 1) o do entendimento da natureza propriamente dita, tal como ela se organizou
e funcionou no passado; 2) o das relações socioeconômicas, ou seja, aquele que analisa
os modos através dos quais os povos produziram bens a partir dos recursos naturais; e
3) o das percepções sobre o entorno.
Pode-se dizer que todos os níveis de entendimento são válidos na análise que aqui
se busca fazer. De fato, partindo dos discursos político-legislativos a respeito da
proteção do entorno, presentes tanto na historiografia quanto nos Anais das respectivas
Assembleias Legislativas, e, eventualmente, daquilo que acabou efetivamente se
tornando lei, é possível avaliar não apenas o que era considerado natureza, como
também a percepção que se tinha dela e, sobretudo, quais tipos de relações
socioeconômicas serviram de embasamento ou de obstáculo para o avanço da legislação
florestal no país.
Rio Grande do Sul e o pioneirismo na legislação de proteção da natureza
A ocupação do sul pelos portugueses ocorreu de forma tardia, a partir do final do
século XVII, e sempre em confronto com a Coroa espanhola, uma vez que era
indispensável aos lusitanos manterem o contrabando no Prata para a obtenção dos
metais preciosos vindos da região dos Andes.
Ao longo dos anos, a fluidez das fronteiras gerou vários conflitos entre a classe
pecuarista e o poder público. Ainda assim, como acontecia, na verdade, em todo o Brasil,
a falta de fiscalização fazia com que a aquisição de novas terras, mesmo após a Lei de
Terras de 1850, se fizesse de maneira completamente desordenada, inclusive com a
anuência (ou, no mínimo, a vista grossa) das autoridades.
Com isso, não tardou até que as florestas ainda existentes começassem a ser mais
constantemente atingidas. Segundo Christillino,
Uma nova fronteira se abriu aos sul-rio-grandenses [após as disputas com
Argentina e Uruguai, no fim do período imperial] nas áreas florestais da
Província. A apropriação dessas áreas, que, em sua maioria, eram ricas em erva-
mate, férteis para a agricultura e próprias para a criação de colônias imigrantes,
dependia da conivência da presidência da Província, encarregada de legitimar as
posses e pela medição e controle das terras públicas. (CHRISTILLINO, 2010, p.
54)
Ao ser proclamado o “novo” Regime, o Partido Republicano era, no Rio Grande do
Sul, como em praticamente todos os outros estados, composto por uma minoria. Embora
tenha assumido o poder, não conseguiu a adesão das classes pecuaristas, o que fez com
que, entre 1889 e 1897, dez presidentes passassem pelo Governo do estado, sendo que
apenas dois eram do Partido Republicano Rio-Grandense PRR (QUEIRÓS, 2006).
Somente a partir de 1898, com a ascensão de Borges de Medeiros, partidário de
Júlio de Castilhos, um dos fundadores do Partido, é que a situação política se regularizou
minimamente. Nos termos da Constituição Estadual haveria, em tese, um Executivo,
representado pelo Presidente de Estado, e um Legislativo, composto pela
Assembleia dos
Representantes
. Contudo, as atribuições desta última eram tão esvaziadas que se pode
dizer que, na prática, o Presidente de Estado representava o Executivo e o Legislativo,
tendo, inclusive, a competência de promulgar as leis, no melhor estilo “ditador
republicano” proposto por Comte e altamente assimilado pelas autoridades
subsequentes, notadamente com Getúlio Vargas.
À Assembleia dos Representantes, composta por quarenta e oito membros, cabia,
basicamente, lançar impostos e votar o Orçamento elaborado, por sua vez, pelo próprio
Presidente, que dele iria se beneficiar. O debate político, nesse sentido, era praticamente
inexistente no Legislativo.
Antônio Augusto Borges de Medeiros era filho de um pernambucano e concluiu
seu curso superior na Faculdade de Direito do Recife em 1885, tendo sido
contemporâneo de alguns dos futuros deputados e senadores que iriam discutir o Código
Florestal pernambucano em 1904, como será visto no próximo tópico. Ele não era ligado
às atividades do campo, o que pode ajudar a compreender a aprovação de algumas leis
durante o seu domínio no Rio Grande do Sul.
A legislação que merece menção, dentro do tema de interesse deste artigo, foi a
que tratou da destinação das terras devolutas Lei n.28, de outubro de 1899 (com o seu
posterior regulamento Decreto n. 313, de julho de 1900). A partir da Constituição da
República de 1891, essas terras, que antes eram nacionais, passaram ao domínio dos
estados. Nem todos elaboraram leis para reger a sua utilização. Mas o Rio Grande do Sul
o fez, e, nela, destinou três capítulos à discussão do Regime Florestal a ser adotado a
partir de então nas terras públicas do estado.
Na Exposição de Motivos, elaborada em 1898 ainda por Júlio de Castilhos,
antecessor de Borges, ele destacava a importância das florestas para o controle do clima,
a contenção das encostas e das inundações, para o comércio, para a subsistência das
populações e, claro, para a agricultura. Tudo isso fazendo referência à Exposição de
Motivos do Código Florestal francês, de 1847, afinal era sempre importante recorrer aos
ditos “países cultos”, “modernos”.
Na parte que tratava do Regimento Florestal, ficava bastante evidente a influência
sobre os Códigos de Pernambuco e do Paraná. Ainda que nem sempre as nomenclaturas
fossem mantidas exatamente iguais, as definições o eram. Assim, eram consideradas
florestas “as matas propriamente ditas, mas também o mato de corte, os espinheirais, os
aluviões e as pastagens cobertas de mato” (RIO GRANDE DO SUL, 1900, p. 42), sendo
“protetoras” aquelas que,
Estando situadas nas altitudes, sobre encostas escarpadas, em pontos
culminantes, arestas, cumes de montanhas, declives; ou que achando-se
localizadas nas regiões das nascentes, em desfiladeiros e barrancos, à beira de
rios e arroios; ou que, suprindo, enfim, a insuficiência das matas de uma zona,
servem de proteção contra as influências climatéricas, as assolações dos
ventos, a queda das pedras, os aluimentos do terreno ou depressões, as
enxurradas ou inundações. (RIO GRANDE DO SUL, 1900, p. 42).
Como se pode perceber, a proteção era bastante ampla e era particularmente
interessante o art. 169 do Regulamento do Decreto, que, pela primeira vez, enfim
reconhecia que o solo da floresta não era especialmente fértil e, portanto, não era o
único indispensável à expansão da agricultura:
Art. 169 As florestas protetoras são públicas ou privadas: sobre umas e outras
pode o Estado exercer a sua superior vigilância, a fim de prevenir as alterações
do clima e conservar a fertilidade da terra, tendo em vista que a cultura agrícola
do solo da floresta nem sempre compensa os prejuízos que resultam: a) da
decomposição dos princípios orgânicos e esgotamento do terreno; b) da
lavagem das terras pelas águas pluviais, sobretudo nas declividades rápidas; c)
da multiplicação de insetos nocivos às culturas florestais. (RIO GRANDE DO
SUL, 1900, p. 247).
Tudo o que se vinha discutindo sobre questões relativas ao entorno desde o
século XVIII, parecia, enfim, estar sendo posto em prática, ao menos formalmente, mais
de um século depois.
Em tese, os Conselhos Municipais poderiam se opor às leis aprovadas pelo
Presidente do Estado. Contudo, não se tem notícia de que essa lei ou as que lhe seguiram
e que tratavam da proteção das matas ou dos ervais tenham sofrido qualquer tipo de
empecilho, até porque costumavam ser oferecidos prêmios aos que cumprissem
espontaneamente as disposições.
Ressalta-se que isso não quer dizer que tenha sido realmente o caso. Ainda assim,
a Secretaria de Obras Públicas, no seu Relatório de 1900, afirmava que o Serviço de
Terras Públicas podia, com a nova lei, atuar mais eficazmente do que sob a Lei de Terras
de 1850 (PAROBÉ, 1900). Aparentemente, o fato de se ter um chefe de Estado alheio à
extração da erva-mate e dos problemas do mundo rural fez nascer um regime legal
bastante interessante em âmbito local.
Nesse contexto, também ficava evidenciada a preocupação com a modernização
da agricultura, notadamente através de estações agronômicas para o estudo das
possibilidades de melhoria, sobretudo das videiras, previstas igualmente na lei acima
citada, que foi ao mesmo tempo lei agrária e lei florestal.
Apesar disso, eram constantes as circulares dirigidas às intendências municipais
no sentido de tentarem coibir o desmatamento, sobretudo nas margens dos rios
navegáveis. Também se tentou regulamentar a exploração dos ervais, entendendo que a
regulamentação era a única forma de se conseguir uma conservação mínima dos
mesmos. Foram três Decretos no espaço de um ano, entre março de 1903 e março de
1904.
O fato é que, embora funcionando melhor do que a Lei de Terras de 1850,
aparentemente o Regulamento estadual também não surtiu plenamente o efeito desejado.
Em todo caso, a mera publicação de leis tão protecionistas foi uma novidade em relação
a épocas anteriores e até mesmo ao que acontecia na maioria dos outros estados e,
talvez por isso, fez do Rio Grande do Sul um exemplo a ser seguido por Pernambuco e
Paraná.
Como se sabe, Getúlio Vargas
3
era gaúcho e iniciou sua carreira política no
Legislativo local. Obviamente, em 1899 ele ainda não era deputado, era apenas um
adolescente (nascera em 1882), mas o seria dez anos mais tarde, em 1909, e, por meio da
3
Antes de ser Presidente da República, foi deputado estadual, deputado federal, Ministro da Fazenda,
Presidente do Rio Grande do Sul e Senador.
análise dos discursos parlamentares da época percebe-se que já havia certa pressão para
que os representantes nacionais do Rio Grande do Sul, encabeçados pelo Senador José
Gomes Pinheiro Machado
4
, tomassem a iniciativa de um projeto nacional de lei que
impedisse a devastação das matas (AITA; AXT, 2014). Não foi possível confirmar se esse
projeto chegou efetivamente a ser proposto. De qualquer forma, se o foi, não teve
sucesso, já que somente com o próprio Vargas surgiria o primeiro Código Florestal
Brasileiro. Ainda assim, demonstra, mais uma vez, não apenas o pioneirismo do Rio
Grande do Sul na discussão da temática florestal, como também as influências que
Vargas possuía desde muito cedo.
Pernambuco e a “Zona da Cana”
Apesar da possibilidade de utilização do critério geográfico, bem como da
semelhança da estrutura fundiária entre Rio Grande do Sul e Paraná, opta-se aqui pelo
critério cronológico. Por ter sido o Código Florestal de Pernambuco proposto antes do
Código Florestal do Paraná, e que ambos foram influenciados pelo Regimento do Rio
Grande do Sul, Pernambuco será abordado primeiramente.
É impossível compreender plenamente a história de Pernambuco sem a sua Zona
da Mata (ou da cana) e, consequentemente, a relação que seus moradores
empreenderam ao longo do tempo com essa “mata”, ou com a ausência dela. Embora,
como ressalta Andrade (1989), ainda existissem bem mais matas na região no início do
século XX do que existem hoje, as grandes plantações de cana-de-açúcar haviam feito
um estrago considerável quando foi estabelecido o regime republicano. Ora, eram
justamente os proprietários de terras que dominavam a política local e, vendo a
necessidade do melhoramento técnico de suas lavouras, passaram a discutir, nos órgãos
legislativos, projetos sobre aspectos ambientais que pudessem beneficiar as plantações.
Antes de serem criados os Diários Oficiais, os projetos de lei do Estado eram
publicados nos jornais locais de grande circulação, como o
Diario de Pernambuco
5
, que,
em 1901, passou a ser de propriedade do então “chefe político” do Estado, o Conselheiro
Francisco de Assis Rosa e Silva. Nesses jornais eram divulgados, eventualmente, artigos
nacionais e estrangeiros a respeito da importância de preservar as florestas, em especial,
é claro, para o desenvolvimento da agricultura, e até cobrando ações por parte dos
políticos, notadamente com referência à elaboração de um Código Florestal.
4
Foi Senador entre 1890 e 1915.
5
O nome do jornal não tem acento.
O curioso é que Francisco de Assis Rosa e Silva, ao contrário da grande maioria
das lideranças do período, não era oriundo de família de grandes proprietários (embora
tenha passado a sê-lo quando se casou com a filha do Visconde do Livramento). Era filho
de um comerciante português que havia enriquecido e, com isso, financiava as
campanhas do Partido Conservador, no qual Rosa e Silva viria a ingressar mais tarde.
Quando aderiu à política, este último assumiu o compromisso de lutar pela classe
comercial, tendo em vista a sua origem, mas também pela classe agrícola, por conta das
afinidades matrimoniais (PORTO, 1986).
Em 1898, Rosa e Silva foi eleito Vice-Presidente na chapa de Campos Sales (1898-
1902) e se fortaleceu definitivamente na política nacional. Campos Sales, como se sabe,
foi o responsável pela consolidação e, sobretudo, pela legalização das oligarquias,
através da “política dos governadores”, iniciada pelo seu antecessor, Prudente de Morais
(1894-1898). O novo Presidente afirmava publicamente que a política era um privilégio
exclusivo da elite e que, no governo, poderia haver pessoas de famílias tradicionais,
ricas e cultas.
Embora as relações entre Presidente e Vice nem sempre tenham sido amistosas,
Rosa e Silva acabou se beneficiando do sistema consolidado, na medida em que os três
governadores de Pernambuco que se seguiram à sua ascensão a saber, Antônio
Gonçalves Ferreira (1900-1904), Sigismundo Gonçalves (1904-1908) e Herculano
Bandeira (1908-1911) lhe eram completamente submissos.
No plano econômico e social, apesar de a República ter permitido a ascensão de
uma nova classe dominante rural, qual seja, aquela ligada ao setor cafeeiro no Sudeste,
de forma alguma se pode dizer que a tradicional aristocracia sacaricultora,
particularmente na região Nordeste do país, tenha perdido o seu poder ou o seu
prestígio.
De acordo com Mintz (1985), não se sabe exatamente como nem por que o açúcar
se tornou tão prevalente entre as preferências gustativas dos europeus, mas foi esse
produto que, a partir do século XVI, permitiu à Europa se conectar a praticamente todo o
resto do mundo, no que Wallerstein (2005, p. 13) chamou de “uma economia-mundo
capitalista”.
Apesar da modernidade da
plantation
, asseverada por Mintz (2003), tendo em
vista a mobilização de recursos, a adaptação de uma mão de obra estranha ao local e a
produção das primeiras mercadorias do capitalismo, a adoção da monocultura em escala
latifundiária foi o que poderia ter havido de mais prejudicial para o solo, para as matas e
para o seu entorno (isso falando, obviamente, apenas dos prejuízos ao entorno, sem
contar os outros tão ou mais danosos, como os sociais e econômicos).
O incremento da indústria açucareira era, de certa forma, uma necessidade diante
da concorrência internacional; e, de fato, a usina conseguiu funcionar muito melhor do
que o seu antecessor, o engenho central, o que se deveu, provavelmente, a sua relativa
independência em face dos fornecedores, que ela própria produzia boa parte da sua
matéria prima. Algumas, aliás, tiveram tanto êxito que levaram à fundação de cidades em
suas redondezas, como foi o caso de Catende (ANDRADE, 1989).
O grande problema é que essa modernização não alterou em nada a estrutura da
cultura tradicional da cana. Os “novos” usineiros não passavam de ex-senhores de
engenho saídos da velha aristocracia. A atividade econômica se intensificava, mas
continuava sob o comando dos velhos grupos. Conforme realçado por Perruci (1978, p.
127), “[...] se o sistema usineiro provoca mudanças importantes, ele deixa intacta a
estrutura de dominação agrária regional, acentuando o caráter monocultor e
monoexportador da economia e contribuindo, assim, para o agravamento dos
“desequilíbrios regionais” no Brasil.”
A expansão da malha ferroviária, em particular, gerou um grande impacto
ecológico, mais uma vez para além do evidente impacto social. Nas palavras de Andrade,
Com a expansão da área cultivada, a cana iria provocar a derrubada das
florestas ainda preservadas, em uma área de relevo acidentado, acelerando a
erosão das encostas e o entulhamento dos vales. Os rios, com os seus leitos em
grande parte cheios de sedimentos transportados pelas enchurradas (
sic
),
ficavam cada vez menos profundos e mais largos. Além disso, a derrubada das
florestas provocava alterações no regime dos rios, dando origem a grandes
cheias nos períodos chuvosos e queda do nível das águas ao mínimo ou até à
periodicidade, no estio, justamente na ocasião em que as indústrias mais
necessitavam de água. (ANDRADE, 1989, p. 34)
Iniciou-se, nesse contexto, no então
Congresso Legislativo do Estado de
Pernambuco
, que era bicameral, conforme permitido pela Constituição da República de
1891, um debate político a respeito da necessidade de “por um paradeiro à vandálica
devastação das florestas locais” (PERNAMBUCO, 50ª Sessão, 1904).
Os parlamentares tinham plena consciência da importância das matas para a
regulação das chuvas e o equilíbrio do clima. Sua preservação, naquele momento, estava
associada ao que os “países cultos” vinham fazendo, daí a ligação com a ideia de
civilização. Por outro lado, como garantir a expansão da agricultura, no modelo
predatório adotado, sem avançar por dentro das florestas? Como impor limites ao corte
das árvores, se o direito de propriedade era absoluto? Foi justamente esse o grande
embate (na verdade, o é até hoje).
Em face das preocupações dos usineiros, acabou sendo apresentado, em 16 de
maio de 1904, o projeto de um Código Florestal para o Estado de Pernambuco, contendo
vinte e nove artigos, proposto pelo deputado estadual, Joaquim José de Faria Neves
Sobrinho, na 50ª Sessão Ordinária da Câmara dos Deputados do Estado (PERNAMBUCO,
50ª Sessão, 1904).
Faria Neves era um poeta recifense, formado em Direito, professor de latim no
Ginásio Pernambucano (principal colégio local da época) e havia sido um dos fundadores
da Academia Pernambucana de Letras, em 1901. Ou seja, era um dos poucos deputados
que não era proprietário de terras e nem tinha ligações mais específicas com o setor
rural.
Embora o projeto de Código Florestal de Pernambuco tivesse como objeto central
a exploração, a conservação e o plantio de florestas no estado (art. 1º), não se fazia
qualquer menção a qualquer vegetação que não fosse a Mata Atlântica (onde ficava a
quase totalidade das usinas e engenhos de açúcar).
Buscava-se, também, uma regulamentação do manejo das florestas, mesmo sem
nunca se ter pensado em estabelecer qualquer tipo de regra efetiva em relação ao uso da
terra, que a Lei de Terras nunca teve muita aplicabilidade, e menos ainda após a
Constituição de 1891, com a passagem das terras devolutas do domínio da União para o
dos estados (PERNAMBUCO, 50ª Sessão, 1904).
Era considerada como floresta qualquer mata propriamente dita, assim como o
mato grosso e o mato de corte (art. 2º), não ficando muito claro o que se enquadraria em
cada categoria. Contudo, previa-se uma divisão, para fins de proteção, em dois grupos:
as florestas necessárias e as protetoras, definidas nos artigos e 4º, abaixo
reproduzidos:
Art. - São consideradas florestas
necessárias
as situadas nas proximidades
das nascentes dos rios, regatos e riachos e na vizinhança das lagoas, das fontes
e dos açudes.
Art. 4º - São florestas
protetoras
as que cobrem planaltos, encostas escarpadas,
desfiladeiros, barrancos, margens de rios, regatos e riachos e todas as que, por
sua situação, servem de obstáculo às assolações do vento, à queda de pedras,
aos estragos do solo pelas enxurradas e inundações. (PERNAMBUCO, 50ª
Sessão, 1904)
Como se pode perceber, são definições bem próximas do que se tem hoje para as
chamadas “áreas de preservação permanente”, o que demonstra a novidade do projeto e
o quanto é difícil, ainda nos dias atuais, tornar efetiva essa proteção.
Ainda assim, é bastante curioso que, mesmo tendo sido proposto por um
recifense, o projeto não tenha mencionado a proteção dos mangues (nem da caatinga,
por sinal). Ora, o mangue é a própria paisagem do Recife. A cidade é, essencialmente, um
grande aterro de áreas pantanosas, e, em todo o Estado de Pernambuco, são cerca de
270km² de mangue. Em todo o Brasil, ele vai desde a foz do Oiapoque, no atual Estado do
Amapá, até à altura de Laguna, no Estado de Santa Catarina. O esquecimento do mangue,
portanto, não faz sentido, mas também não data apenas do início do século XX. Até 2019
sequer existia qualquer obra tratando dos mangues pernambucanos do ponto de vista da
História (salvo algumas pinceladas do brilhante e clássico recifense Josué de Castro).
Andrade, felizmente, sanou o problema (ou parte dele). Segundo ela,
Para compreender o repúdio ao mangue, que marcou uma significativa parcela
da história de Pernambuco, é preciso recuar para os primórdios da vigilância
atmosférica” que sustentou a medicina ocidental, principalmente a partir do
século XVIII. Reivindicando um ar puro, o discurso higienista fez da lama,
entendida como um agressor inquieto, à sensibilidade das classes abastadas, e
seus vapores objeto de um discurso que repercutiu como um verdadeiro asco
aos solos alagadiços. (ANDRADE, 2019, p. 48)
Apesar da extrema riqueza da flora e da fauna desse ecossistema, até muito
recentemente ele mereceu o olhar das autoridades, e sobretudo das classes abastadas
do Estado, quando se pensou em aterrá-lo. Quanto à caatinga, provavelmente sequer era
considerada floresta, uma vez que raras árvores desse ecossistema são perenifólias,
perdendo-se, de certa forma, a densidade de uma mata tropical.
No projeto de Código, foram previstas hipóteses de derrubada para as florestas
protetoras, notadamente para a exploração agrícola do solo ou para a construção (art.
7º). Já para as florestas necessárias, a proibição da derrubada foi completa, embora
ficasse permitido o corte, assim como para as protetoras, mediante autorização do
Prefeito e obedecendo a algumas condições com a finalidade exclusiva de obter madeira
(arts. 6º e 9º).
No dia 19 de maio de 1904, o projeto foi, pela primeira vez, posto em discussão
(podiam ocorrer até 3 discussões). Nesse momento, a Câmara dos Deputados de
Pernambuco, composta por 30 membros, possuía as seguintes características, de acordo
com dados coletados por Carneiro:
1. 18 (60%) eram formados em Direito e 3 (10%) em Medicina
2. Com exceção de Albino Meira Filho, todos exerceram mais de uma vez o
mandato de deputado ou algum outro cargo político.
3. 9 (30%) deles eram chamados de coronéis ou tenentes-coronéis, 7 (23%) eram
Prefeitos e pelo menos 6 (20%) eram proprietários de terras, mas, como
acontecia para o conjunto dos parlamentares, também é bastante plausível
supor que este número fosse maior. (CARNEIRO, 2015, p. 166)
É possível perceber, portanto, que era um Legislativo bastante homogêneo. Na
primeira discussão do projeto, o deputado Henrique Lins Cavalcanti de Albuquerque, que
pertencia a uma tradicional família de políticos e proprietários de terras na região
canavieira de Pernambuco, abriu os debates sugerindo que o projeto fosse encaminhado
à Comissão de Agricultura da Câmara
6
, da qual ele próprio fazia parte, juntamente com
dois outros grandes proprietários, Eufrásio da Cunha Cavalcanti, pecuarista, e o Coronel
Honorato Marinho Falcão, chefe político em Ouricuri, no Sertão.
O Parecer apresentado em 21 de maio de 1904 certamente resumiria, em sua
primeira frase, o argumento central de todos os grandes proprietários da época: “o
direito de propriedade foi garantido em sua plenitude pela Constituição Federal e, assim,
todo e qualquer limite ao mesmo estabelecido importará em sua violação”
(PERNAMBUCO, 55ª Sessão, 1904). Ou seja, se as florestas estavam dentro de suas
terras, era “justo” que os proprietários pudessem fazer o que bem entendessem com
elas.
Na verdade, não havia, na prática, nada de sólido contra o projeto a não ser o
medo dos proprietários de terem o seu direito absoluto tolhido de alguma forma. Foi
justamente esse tipo de argumentação que Faria Neves utilizou para defender o seu
projeto, mas sem sucesso. Em maio de 1905, na terceira e última discussão do projeto,
ainda eram mantidos os mesmos pontos, como se pode perceber no discurso do
deputado Oswaldo Machado:
[...] qual o desenvolvimento normal a que devem atingir as árvores para que, até
lá, seja proibido o corte numa propriedade agrícola, onde os cercados são feitos
de embiriba e os eixos dos carros condutores de canas, de sucupira? Pergunto
ainda como é possível o senhor do engenho deixar de derrubar árvores, não
para o fabrico do açúcar, como também para outros fins agrícolas?
(PERNAMBUCO, 1905, p. 90).
Os proprietários de terras em geral (não apenas os plantadores de cana), nunca
tendo se deparado com qualquer tipo de restrição, viam como uma afronta tentar coibi-
los no seu direito absoluto constitucionalmente garantido, sobretudo conferindo poderes
aos Prefeitos; estes, por sua vez, estavam sujeitos aos coronéis locais.
Ao final da Sessão Legislativa de 1905, o projeto acabou ficando literalmente
engavetado por dois anos, até que, em 1908, já tendo a Câmara sido renovada pela
metade, foi retomado por Henrique Lins, um dos que haviam participado da discussão
desde o início. Contudo, alegando-se dificuldades na obtenção de dados que embasassem
a propositura de emendas ou a manutenção do projeto, encerrou-se o ano sem que
qualquer parecer fosse dado (PERNAMBUCO, 1908).
6
Comissão de obras públicas, colonização, comércio, agricultura, artes, navegação e indústria. A Câmara
possuía 9 comissões temáticas que emitiam pareceres sobre assuntos relacionados aos seus temas, os
quais, como se pode perceber, podiam ser bem amplos e variados.
Nos anos seguintes, até o fim do período estudado, não se tocou mais no assunto;
ainda que o projeto tenha voltado a ser discutido em anos posteriores, não chegou a se
tornar lei até o fim da Primeira República
7
.
Paraná e o primeiro Código Florestal do Brasil
No Paraná, por fim, assim como no Rio Grande do Sul, a ocupação definitiva
também foi relativamente tardia. Somente no início do século XVIII o território passou
completamente para as mãos da Coroa Portuguesa, integrando a então província de São
Paulo, à qual permaneceu atrelado até 1853 (PRIORI et al, 2012).
Até então, a pecuária e, sobretudo, a exploração da erva-mate dominavam a
economia. Aliás, foi justamente esta última atividade econômica que aumentou o desejo,
entre a classe dominante paranaense, pela separação de São Paulo. Como no Rio Grande
do Sul, o comércio do mate e também, em menor grau, da madeira levava à
exploração desenfreada das matas.
Em meados do século XIX, o café passou a ser a cultura mais importante em São
Paulo, levando a um deslocamento da mão de obra escravizada do Paraná para o Oeste
Paulista, e, consequentemente, a um maior incentivo à mão de obra imigrante na região,
particularmente a europeia. Até então a província possuía uma densidade demográfica
baixa em relação ao norte do Brasil, bem como uma estrutura fundiária diversa, ou seja,
não era voltada quase exclusivamente para o latifúndio monocultor. A imigração, nesse
sentido, foi derivada do incentivo à colonização orientada para a agricultura, que
garantiu a ocupação do norte e do oeste da região, sobretudo quando, no final do
século XIX, o café começou a se expandir para o estado. A esse respeito, Priori et al
(2012) afirmam que
A produção de café mudou a agricultura paranaense e se tornou uma riqueza
estadual, com proteção e apoio do governo [...]. O café tornou-se a cultura mais
valorizada na época, devastou
matas e trouxe fazendeiros de outros lugares que
apareciam à procura de novas terras. Também abrigou um número bem grande
de imigrantes estrangeiros e migrantes nacionais [...]. (PRIORI et al., 2012, p. 99,
grifo nosso
)
O curioso é que, assim como no Rio Grande do Sul, existiam áreas com grandes
propriedades (pecuaristas) e áreas com propriedades médias e pequenas (normalmente
produtoras de erva-mate), e os filhos dessas classes dominantes, também como os das
classes abastadas gaúchas, iam estudar Direito em São Paulo ou em Recife, o que deixa
7
Foram consultadas todas as leis estaduais até o fim da Primeira República, em 1930.
muito clara a compreensão de como essas ideias sobre legislações circulavam facilmente
entre os grupos que dominavam as políticas regionais (SZESZ, 1997).
Outro produto de interesse era a madeira, ainda que em menor grau do que a
erva-mate. O beneficiamento do pinho possibilitou a instalação de indústrias madeireiras
na região logo no início do século XX, inclusive uma delas pertencente aos irmãos
Rebouças, nomes importantes na vertente abolicionista do século XIX, mencionada na
introdução.
Foram as produções ervateira e madeireira que fizeram o Paraná, entre 1912 e
1916, disputar com Santa Catarina a região do Contestado (onde se localizavam várias
fazendas). Os interesses estrangeiros, principalmente americanos e ingleses (ferrovias),
a respeito da extração de madeira, levaram a um rápido crescimento populacional a
partir de 1900. Nesse contexto, há a observação de Machado:
[...] ramais ferroviários que adentravam as grandes matas, onde grandes
locomotivas com guindastes e correntes gigantescas de mais de 100 metros
arrastavam para as composições de trem as toras, que jaziam abatidas por
equipes de turmeiros que anteriormente haviam passado pelo local. A
exploração industrial da madeira criou sérios prejuízos para a coleta da erva-
mate e a subsistência de muitas famílias caboclas. Quando o guindaste arrastava
as grandes toras em direção à composição de trem, os ervais nativos e
devolutos do interior das matas eram "talados" por este deslocamento.
(MACHADO, 2004, p. 151)
Como ressalta Nascimento (2008), a própria malha ferroviária, em si, levava a
uma exploração rentável não apenas da madeira, mas também da terra. Diante desse
quadro, sendo a produção madeireira um dos vetores da economia local, é natural que se
buscasse regular a utilização de madeiras por meio de um Código. Nesse sentido, acabou
sendo aprovada, em abril de 1907, a Lei n. 706, a primeira legislação no Brasil com o
nome de “Código” Florestal.
De acordo com a nova lei, que, como a de Pernambuco, era bastante semelhante à
gaúcha, passavam a ser de utilidade pública as florestas protetoras, cabendo ao Estado
demarcar as áreas consideradas como tais. Também ficava estabelecido que os
proprietários deveriam comunicar ao governo a conversão da floresta em campo,
ficando a critério deste dar o devido consentimento para que isso fosse feito. Por outro
lado, a lei deixava bem claro que ficava garantido, em sua plenitude, o direito de
propriedade (CARVALHO, 2007).
O Código estabelecia, ainda, regras para a exploração da madeira e para o
replantio. O fato é que, como destaca Carvalho (2007), buscava-se, antes, manter a
cobertura florestal do que, propriamente, conservar a floresta; algo também perceptível
nos projetos pernambucanos sobre questões ambientais no início do século XX. Diante
disso, não importava muito quais árvores ocupariam o espaço vindo o eucalipto a
ganhar a preferência ao longo do tempo. O importante era dar a impressão de que a
natureza estava sendo preservada:
O código estabelece uma série de normas sobre a exploração madeireira, no
sentido de racionalizá-la, ou seja, otimizar a produção. Normas que vão desde a
época para o corte até o diâmetro mínimo das árvores. A conservação da
floresta era postulada como um fator de “defeza [sic] do solo e um dos
principais elementos da salubridade pública” [...]. Não se pretendia proteger a
floresta, e sim, efetuar uma racionalização do seu uso voltado para a produção
pensada no prazo, um pouco além do lucro imediato, de forma semelhante ao
que faziam os pensadores conservacionistas. (CARVALHO, 2007, p. 1-2,
grifos
nossos
).
A lei não teve aplicação real no Paraná, onde, como em todo o país, e até os dias
atuais, é difícil conciliar os interesses conservacionistas e o direito de propriedade. Isso
não quer dizer que as ideias nele consagradas tenham sido abandonadas; muito pelo
contrário. Conforme grifado na citação acima, foi exatamente esse tipo de pensamento
de utilização dita racional das matas e de um modelo de silvicultura padronizada que
seria resgatado na confecção do primeiro Código Florestal Nacional, como critério de
modernidade, já no governo de Getúlio Vargas.
Considerações finais: Vargas e a retomada da discussão em âmbito nacional
Mesmo que alguns estados tenham continuado a debater o tema, somente na Era
Vargas essa discussão voltou a ocorrer mais sistematicamente em âmbito nacional,
culminando na Constituição de 1934, provavelmente a mais avançada que o Brasil teve
antes da atual, de 1988, e em uma série de Códigos ambientais, dentre eles o primeiro
Código Florestal Brasileiro (Decreto 23.793/34). Apenas nesse momento a legislação
ambiental começou a se tornar efetiva (embora nem sempre eficaz) no país, fazendo,
com que, hoje em dia, o Brasil seja elogiado internacionalmente por suas leis (mas nem
sempre pela prática da população e de seus governantes).
quem considere, como por exemplo, Carvalho (2016, p. 418), que a legislação
varguista não era propriamente ambientalista, uma vez que, mais do que uma legislação
de proteção dos recursos naturais, era, em realidade, “[...] um esforço de implantação no
Brasil de um projeto modernizador que procurava industrializar o país [...]”, ou seja, era
uma legislação marcada pelo produtivismo.
Isso era verdade; todavia, é preciso considerar a classificação dos tipos de
floresta do Código de 1934: 1) protetoras as que serviam para conservar o regime de
águas, evitar a erosão dos solos, conservar a beleza natural de alguns sítios, asilar
espécimes raros da fauna, etc.; 2) remanescentes as que formavam parques ou
possuíam
especimens
preciosos; 3) modelo as artificiais, com uma ou poucas
essências; e 4) de rendimento todas as demais; ainda que houvesse a dimensão
produtivista e modernizante, também havia uma dimensão efetivamente protetora; se ela
foi eficazmente aplicada, essa é outra discussão.
É fato que a dimensão da modernidade foi tão presente que se optou até mesmo
por colocá-la no título deste trabalho. Ao assumir o governo, Vargas se deparou com
diversas propostas de organização do novo Estado que buscava criar. Em certa medida,
venceu o projeto dos tenentes que o ajudaram a derrubar o regime anterior, qual seja, o
dos “nacionalistas semi-autoritários, cujas preocupações principais eram a ‘regeneração
nacional’ e a modernização” (SKIDMORE, 1982, p. 28). Nesse sentido, a industrialização e
a urbanização apareceram como medidas essenciais para uma ruptura com a antiga
política, demasiadamente ligada aos coronéis e a seus currais eleitorais no campo, além
de se encaixarem plenamente nesse novo ideal de modernização. O rural se tornou o
símbolo do atraso. A ideia de modernidade é indispensável ao se considerar que tanto as
normas de conservação quanto os processos de degradação dos recursos naturais ao
longo da história foram muitas vezes praticados em nome da busca pela “civilização”.
Durante a Primeira República, o jurista e ensaísta Alberto Torres (1865-1917),
provavelmente o pensador mais influente da República, segundo Dean (1996), dizia que o
progresso do industrialismo estava minando os recursos naturais do país e que não
bastava copiar os modelos estrangeiros. Era preciso trilhar um caminho adequado à
realidade dos recursos e do povo do Brasil. Somente assim poderia ser construída uma
verdadeira nação. Ele chegou até a propor uma nova Constituição, na qual deveria haver
uma cláusula para a “[...] defesa do solo e recursos naturais do país [...]” (DEAN, 1996, p.
259).
Os intelectuais da Era Vargas foram, de fato, bastante influenciados pelas ideias
de Torres. Para eles, a meta passou a ser negar o Estado liberal e substituí-lo por um
Estado forte, no qual a ciência pudesse ser usada para o engrandecimento da nação.
Segundo Franco e Drummond (2009), o que os unia era, justamente, a crença no
nacionalismo, no cientificismo, na necessidade de se buscar alternativas adequadas à
realidade brasileira e, sobretudo, o fato de que as mudanças deveriam ocorrer de cima
para baixo, impostas pelo Estado a partir das ideias de uma elite intelectual. Essas
crenças acabaram levando a uma aproximação desse grupo com a equipe política de
Getúlio Vargas.
Outro ponto em comum entre esses intelectuais, assim como no Império, era o
pertencimento a algumas instituições, nas quais esse pensamento podia ser amplamente
divulgado. Dentre essas instituições, estavam o
Museu Emílio Goeldi
, no Pará, o
Museu
Paulista
e, principalmente, o
Museu Nacional do Rio de Janeiro
. Neles foram
desenvolvidas pesquisas voltadas para o estudo da história natural, da antropologia e do
patrimônio natural do Brasil, por nomes como Cândido de Mello Leitão; Edgard Roquete-
Pinto, o pai do radialismo no Brasil, e o filho dele, Paulo; Bertha Lutz, uma das grandes
lideranças na defesa do voto feminino no Brasil; Alberto José Sampaio; e Frederico
Hoene, dentre outros. Várias dessas organizações, segundo Dean (1996), exerceram
influência direta na legislação inicial do período Vargas, como também apontam Franco e
Drummond:
Essas organizações assumiram posturas ativas no que diz respeito à proteção
da natureza: criticavam o desmatamento, clamavam por uma reforma na
agricultura, defendiam a promulgação de uma lei florestal, distribuíam sementes
e ministravam palestras. Esse tipo de atuação, aliado à capacidade de
aconselhar e influenciar setores importantes da burocracia estatal, foi
fundamental na definição das disposições do governo varguista em relação ao
patrimônio natural. (FRANCO; DRUMMOND, 2009, p. 42)
Dentre os nomes acima mencionados, o do botânico Alberto José Sampaio (1881-
1946), em particular, merece destaque por ter sido integrante da Comissão que discutiu o
anteprojeto do Código Florestal de 1934. A ideia de um Código, como relatado, foi
recorrente, ao menos desde o início da República. Após a Primeira Guerra Mundial, a
escassez de combustível havia chamado a atenção para uma política mais efetiva de
conservação das matas; até que, em 1920, o então Presidente Epitácio Pessoa chegou a
pressionar pela criação de um Serviço Florestal federal e pela necessidade de um Código
Nacional (DEAN, 1996).
Quanto a Sampaio, desde 1912 ele defendia a introdução da silvicultura no Brasil e
a criação de áreas naturais protegidas. Essa silvicultura deveria ser inspirada no modelo
alemão, tido como moderno, com árvores enfileiradas, de mesma espécie, mesmo
tamanho e mesma idade. Era o chamado modelo “racional” de reflorestamento.
O ponto culminante do debate em torno do “problema florestal brasileiro” foi a
realização da Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, organizada pela
Sociedade dos Amigos das Árvores em 1934, com o apoio de várias instituições, incluindo
a própria estrutura do Museu Nacional do Rio de Janeiro, e até mesmo o patrocínio do
Governo Provisório. O relator da Conferência foi justamente Alberto José Sampaio, e a
presença das várias instituições demonstrava o quanto o tema da proteção da natureza
vinha ganhando visibilidade perante a sociedade civil. Além disso, ao longo de toda a
Conferência foram feitas referências a todos os críticos que vinham levantando a
discussão sobre aspectos protecionistas desde o final do século XVIII - Bonifácio,
Nabuco, Torres etc. (FRANCO; DRUMMOND, 2009).
Ao longo desse período, como nos anteriores, a discussão não deixou de ter um
viés utilitarista e antropocêntrico, afinal, como dito, a utilização das matas era
indispensável para o projeto industrial-desenvolvimentista de Vargas. No entanto, pela
primeira vez, não apenas surgiam medidas mais concretas em âmbito nacional, como
também, ao menos do ponto de vista formal, foram pensadas medidas preservacionistas
de proteção, ou seja, com ações que garantiam a manutenção das características
próprias de determinado ambiente. De acordo com Dean,
O crucial é que o novo Código Florestal negava o direito absoluto de
propriedade, proibindo, mesmo em propriedades privadas, o corte de árvores ao
longo de cursos d’água, árvores que abrigavam espécies raras ou que protegiam
mananciais. [...] As indústrias eram obrigadas a replantar árvores suficientes
para manter suas operações. [...] Foi uma rejeição histórica do liberalismo e uma
reversão para o controle estatal, abafado desde os primeiros dias do império
mas agora revivido sob a bandeira de um nacionalismo modernizante e
tecnocrata. (DEAN. 1996, p. 276)
Um aspecto marcante da ideia que se tinha tanto de civilização quanto de
construção de uma nação ao longo dos séculos foi o fato de as raras menções que eram
feitas à conservação dos mangues (ou até da caatinga) não terem aparecido, como
referido, nos discursos parlamentares. Ou seja, mesmo estando presente nos discursos
que influenciaram a legislação ao longo do tempo, com nomes tão conhecidos como
todos os outros mencionados até aqui (Antonil, Saint-Hilaire, Francisco Freire Alemão,
Vasconcellos Sobrinho etc.), as áreas alagadas e a caatinga não mereceram a devida
atenção como construtoras de um povo culto e moderno (SOFIATTI, 2006).
Em síntese, mais do que discutir se a legislação teve uma aplicação efetiva ou não,
a análise da construção de um pensamento protecionista no Brasil é útil. É interessante
notar que, enquanto as ideias foram produzidas exclusivamente fora do país, ainda que
na Metrópole, com o intuito de fazer o Brasil seguir o que faziam os “países cultos”, elas
sequer conseguiram sair do âmbito acadêmico. Mas quando lhes foi dada uma dimensão
mais concreta, seja de reformulação das plantações, seja de desenvolvimento de uma
indústria local, associando essas ideias à modernização do país, parece que a classe
política começou a se interessar por elas. Os critérios que embasavam essa
modernização são discutíveis e cabem em outro artigo, mas não resta dúvida de que
colocavam o Brasil no mesmo patamar dos ditos países cultos, em vez de eternamente
tentando correr atrás deles.
Referências
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