A narrativa de Francisco Rodrigues (2019) evidencia o exercício da pesca para
comercialização utilizando poucos apetrechos (canoa, linha e anzol), em um rio com
abundância de peixes. Nesse sentido, Maurício de Oliveira reforça:
Maurício: O véio vendia. Na época ele pegava esses peixes e trazia. Aí ele dava
prô juiz, ele dava prô promotor esses peixes. Dava não sei pra quem, não sei pra
quem, no fim cabava, que era muito peixe demais. Era tudo tipo de peixe.
Sargava muito peixe. Num tinha viveiro naquele tempo. Então nóis amarrava
uma corda no rio, sabe? Varado dum lado do outro e ia amarrando tudo os
peixe. Era dourado, era curimba. Amarrava e ia ponhando naquela corda.
Entrevistadora: Mas eles já estavam mortos?
Maurício: Não, vivo. Os que iam morrendo, levava dois saco daqueles de 30
quilos de sar grosso. E o véio Moisés mandou fazê uma prensa, bem-feita,
furada assim. Então ia morrendo, cê ia coisando eles, ponhava tudo ali dentro,
metia sal assim, pegava uma pedra que três pessoas pudia pegá, ponhava em
cima daquela tampa. Aquilo descia pra baixo assim que cê só via sarmora
voando pra aqueles buraco, assim. No outro dia tava sequinho igual bacanhau
[bacalhau]. Então trazia pra cá pra comê. Mas ele trazia pouco. Daí comecemo
pescá memo a valê. Daí, sim. Aí nóis, pro véio vendê, sabe? [...]. (Maurício de
Oliveira, entrevista, 06 set. 2019).
As memórias dos dois pescadores (Francisco e Maurício) informam que eles
exerciam a pesca para fins comerciais desde, pelo menos, a década de 1950, introduzindo
um novo item da natureza na lógica da apropriação privada do mundo natural, a qual
estava se instalando pelo processo de parcelamento das terras em propriedades
privadas. O não indígena apropriou-se do rio, utilizando-se da linha, da canoa, do anzol,
do sal, da corda, da pedra e do conhecimento técnico de conservação do pescado, vivo
ou morto, para a extração dos peixes e sua comercialização. Analisando a narrativa de
Maurício de Oliveira (2019), é possível ainda considerar que, em alguns momentos, a
pesca foi um instrumento de barganha, utilizado por Moisés para extrair areia do leito do
rio sem ser incomodado pelas autoridades judiciais.
Dessa forma, até meados da década de 1980, essa atividade da pesca e a
comercialização de peixes eram feitas na informalidade. Não havia, ainda,
regulamentação específica para o exercício da pesca profissional no rio Ivaí, tampouco o
reconhecimento legal do pescador como profissional. Maurício de Oliveira (2019) relata
as dificuldades para pescar nessas condições:
Quando eu cheguei aqui, a gente pescava tudo corrido, né? Tudo corrido. Que
aqui era assim, não tinha luz, não tinha nada. Então, eu ia pescá de noite e trazia
o peixe pra limpá ali, ó, naquele poção ali. Então, quando eu pontava, quando eu
vinha saindo por lá, a muié já saía com o lampião com óleo, e ia lá ajudá. Então,
eu limpava aquele peixe ali. Não existia caixa de isupor aquele tempo. Quando
era mais bastante, assim, eu ponhava na lata de vinte litro. Quando era mais
pouco, colocava naquela de nove. E daí levava lá em ‘Borrazopi’ [Borrazópolis],
tudo dia [...]. (Maurício de Oliveira, entrevista, 06 set. 2019).