KMITTA, Ilsyane do Rocio*
https://orcid.org/0000-0001-7959-6983
RESUMO: O texto visa apresentar a leitura e
análise dos desdobramentos e trâmites
políticos e econômicos no processo de
construção de uma usina Hidro-Elétrica nas
águas do rio Panduí, em Amambai, MS, na
década de 1950. A metodologia adotada foi a
pesquisa exploratória e bibliográfica, efetivada
mediante leituras da historiografia regional e
artigos científicos, relatos memorialistas,
imprensa e fontes orais, com a realização de
entrevistas. Estudos que levaram a concluir
que a construção da hidroelétrica foi geradora
de uma série de impactos ambientais
acarretando as mais variadas mudanças
demográficas e hidrográficas que afetaram - e
ainda afetam, de forma crucial, o curso das
águas do rio Panduí.
PALAVRAS-CHAVE: Impactos ambientais; rio
Panduí, Hidro-Elétrica; Amambai - MS.
ABSTRACT: This text aims to present the
reading and analysis of the political and
economic developments and procedures in the
process of construction of a hydroelectric
plant in the waters of the Panduí River, in
Amambai/MS, Brazil, in the 1950s. The
adopted methodology was exploratory and
bibliographical research, conducted through
readings of regional historiography and
scientific articles; memorialist reports, press
and oral sources, with interviews. Studies
which have led to the conclusion that the
construction of the hydroelectric plant
generated a series of environmental impacts
that led to the most varied demographic and
hydrographic changes which have affected and
still crucially affect the course of the waters of
the Panduí River.
KEYWORDS: Environmental impacts; Panduí
River, Hydroelectric; Amambai - MS.
.
Recebido em: 15/02/2021
Aprovado em: 08/10/2021
1
O presente texto parte de estudos iniciais de pesquisa para a elaboração do Trabalho de Conclusão de
Curso de Milton Bruno Bittencourt, apresentado ao Curso de História da Universidade Estadual do Mato
Grosso do Sul UEMS, cuja pesquisa foi iniciada e desenvolvida em 2018-2019 (sob minha orientação). A
continuidade e os desdobramentos da pesquisa foram elaborados (2020-2021), vinculados a produção de
fontes para a historiografia regional do grupo de pesquisa “Fronteira Sudeste: política, economia,
identidades e representações”.
* Doutora em História pelo Programa de Pós-graduação em História (Mestrado e Doutorado) da
Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD, Dourados-MS. E-mail: kmitta.sy@gmail.com
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
Como base introdutória, apresentaremos os aspectos históricos de Amambai-MS,
chamada em seus primórdios de
Nhú Verá
, depois Patrimônio da União e, por fim,
Amambai Cidade Crepúsculo. Município brasileiro da região Centro-Oeste, situado no
sul do Estado de Mato Grosso do Sul. A população teve sua origem e formação
intensificada a partir das atividades advindas da exploração de ervais nativos pela
Companhia Mate Laranjeira. Em 1914, Amambai tornou-se distrito de Ponta Porã, com
uma população estimada em cinco mil habitantes. Em 28 de setembro de 1948, através do
decreto Lei n. 131, foi criado o município de Amambai, sendo emancipado em 1 de janeiro
de 1949. Localiza-se a 130 km de Dourados, 90 km de Ponta Porã e a 40 km de Coronel
Sapucaia (fronteira com o Paraguai), tendo Campo Grande como capital, a uma distância
de 349 km, partindo pela rodovia BR 163.
No censo populacional realizado em 2010, a população era de 37.730 habitantes,
resultando em uma densidade populacional estimada em 8,26 habitantes por km²,
estima-se em 2019 uma população de aproximadamente 40.000 habitantes. Em 2010, a
população indígena, em sua grande maioria da etnia Kaiowá e Guarani, residia em três
aldeias/reservas Limão Verde, Amambai e Jaguari - e correspondia a,
aproximadamente, 25% da população do município, totalizando 8.807 indivíduos. Para o
ano de 2020, estimou-se uma população de aproximadamente 13.000 indígenas. (IBGE,
2011)
Conforme informações contidas no Plano Municipal de Desenvolvimento Rural do
Município, elaborado pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico na Gestão
Administrativa Municipal de Dirceu Luiz Lanzarini no ano de 2001, e estudos
desenvolvidos por pesquisadores no que diz respeito à historiografia regional, Amambai
teve sua formação compreendida por vários movimentos migratórios, em especial do sul
do país. A princípio, a partir da exploração da erva mate; posteriormente, pela busca de
terras em especial na região fronteiriça vistas como sem dono, devolutas e
fortemente povoadas por etnias indígenas.
Com a intensa chegada dos colonizadores, um povoado foi se formando em meio
à vegetação nativa e nas margens de rios como o Amambai e Panduí. O município
constituiu-se aos poucos, com uma resumida população formada na maioria por
migrantes sulistas atraídos pela fartura de terras, pela topografia, pelo clima e
possibilidade de se estabelecer. Os indígenas, em sua totalidade, foram invisibilizados
frente à ocupação das terras, mas utilizados como mão de obra tanto na exploração dos
ervais quanto na extração de madeira e destocamento para formação das propriedades,
visando a pecuária e a sojicultura. Ainda hoje, essa invisibilidade persiste e é pouco
discutida nas esferas político-administrativas do município.
Nos estudos desenvolvidos por cia Salsa Corrêa sobre a região, a autora
ressalta que, na historiografia tradicional, “foi bastante comum o uso dos conceitos de
desbravamento e vazios territoriais e populacionais, com o intuito de justificar o
processo efetivo de ocupação do sertão que ocorreu nesse período.” (CORRÊA, 1999, p.
92) Ocupação legitimada pelo discurso de povoar e defender fronteiras. Na assertiva de
Guillen, “O movimento que buscava legalizar a pequena propriedade da terra no sul de
Mato Grosso é aqui, portanto, entendido como de índole social, de forte cunho político, e
que está na raiz de movimentos posteriores.” (1999, p. 149).
Ainda, ao escrever sobre a ocupação e migração gaúcha, Isabel Guillen chama a
atenção para o seguinte fato:
Contrastando com a imagem propagada de vazio populacional, as terras na
região sul de Mato Grosso, ao finalizar o século XIX, o se encontravam livres
ou desocupadas. Região rica em extensos ervais nativos, foi objeto de uma série
de contratos de arrendamento entre o governo estadual e a Companhia Matte
Laranjeira, colocando sob domínio particular as terras ao sul do planalto de
Amambai, uma área de cerca de dois milhões de hectares, constituída não de
matas, mas também de extensos campos propícios à criação de gado, em um
momento em que, a partir da década de 90 do século XIX, uma forte corrente
migratória gaúcha para se dirigia. E o fazia em busca de terras livres.
(GUILLEN, 1999, p. 150).
Feito as devidas ponderações sobre os aspectos históricos da cidade, frisamos
que, no derivar da pesquisa, analisando fotos e imagens de recortes de jornais da época e
confrontando com a realidade atual, é possível afirmar que o Panduí se tratava de um rio
que, no transcorrer da formação de Amambai, serviu como ponto de parada para
viajantes e, posteriormente, por muitos anos, como ponto de encontro entre amigos e
familiares nos finais de semana. Em suas margens, ocorreram diversas festas e/ou
piqueniques, e as suas águas inspiravam novas amizades e várias paqueras. Tudo isso
acontecia em meio a uma natureza vivaz, que já trazia marcas das modificações advindas
das ações humanas e da antropização, mas em grau ainda pouco elevado, não
interferindo significativamente no processo de resiliência.
Porém, algumas modificações foram se acentuando de forma a desfigurar o rio e
suas margens, comprometendo os processos de regeneração e de resiliência da
vegetação natural das suas margens. A princípio com a instalação da usina Hidrelétrica
Panduí, assunto do qual iremos tratar nesse artigo, e posteriormente com a ação da
mineradora. Salienta Gilmar Arruda, que
[...] no tempo histórico, ao qual se dedica a história, a ciência dos humanos no
tempo, existe um espaço no qual se insere o ambiente dos rios. O lugar dos rios,
da natureza, na história, é definido pelas relações que os grupos humanos (as
sociedades) estabelecem com o meio ambiente [...]. (2012, p. 204).
Ainda na assertiva de Gilmar Arruda, a partir da década de 1960,
Para entender a mudança significativa da percepção de quais características
naturais dos rios passaram a ser valorizadas é necessário analisar o surgimento
e expansão do uso dessa nova tecnologia, a eletricidade. Novas tecnologias
impõem novas demandas ao natural, portanto, se anteriormente as corredeiras
e quedas foram percebidas como “obstáculos” para o desejo de apropriar-se
dos cursos d’água como estradas, agora os “acidentes altimétricos” passavam a
ser vistos como “riqueza” natural a ser explorada. (ARRUDA, 2008, p. 166).
O interesse pelo tema adveio com o intuito de trazer ao conhecimento da
população de Amambai a história de um rio que tanto contribuiu para o desenvolvimento
do município, mas lentamente foi sendo esquecido e abandonado em meio às rápidas
transformações pelas quais este e a cidade foram passando, uma vez que “a história de
um rio investiga como as sociedades humanas se relacionam e relacionaram com os
rios.” (ARRUDA, 2012, p. 205). Fato observado através de fontes como jornais e
documentos, que evidenciaram o nome do rio e sua importância em prol do município,
salientando que, do ponto de vista historiográfico, urge apresentar aspectos e
problemáticas pouco estudadas e conhecidas pela história local, constituída basicamente
pelo viés memorialista.
Em sua grande maioria, os impactos ambientais que, costumeiramente, assolam o
Panduí resultam em ações deletérias para com a sua área margeante causando um
acentuado assoreamento e aniquilamento da vegetação em seu entorno, comprometendo
a qualidade de vida de muitas espécies em todas as suas esferas e abrangências. Tais
ações e práticas pensadas em prol de um economicismo que acarretam e comprometem
a qualidade da água e do solo, lançando-se em um processo crônico de desgaste
ambiental, necessitando maior atenção e enfoque por parte da administração pública e
das leis ambientais.
Face à relevância do assunto exposto, procuramos desenvolver um texto que
contribua para o entendimento e para a necessidade de se conhecer a história local. Para
isso, utilizamos da metodologia da história oral, avaliando o aparato da memória e suas
nuances na produção das fontes, buscando analisar o particular, o privado e seus jogos
de interesses, a legitimação de discursos e o posicionamento de seus narradores
(ALBERTI, 2004, 2005; BOM MERY, 2005; PORTELLI, 2016).
Ainda, como fonte, utiliza-se jornais, o Diário Oficial, um acervo fotográfico e o
registro de documentos, como os boletos utilizados para o pagamento da energia gerada
e consumida pela população que tinha condições de pagar por esse serviço. Associados à
leitura de obras memorialistas referentes à cidade de Amambai, de Almiro Pinto Sobrinho
(2009) e a obra de Vera de Castro Pinto (2018) sobre a trajetória política de Ernesto
Vargas Baptista. Foram utilizadas também leituras da História Regional e da História
Ambiental em seus campos de estudos pluridisciplinares.
No que tange a esse aspecto, na assertiva de Vanessa Brasil, com o advento do
século XIX ocorre uma busca por respostas e apreensões científicas concernentes às
demandas geradas nos variados campos de conhecimento,
Sabe-se também, que as cidades e os rios não o apenas um
lócus
da ação
social, mas objetos de reflexão, de diferentes representações. Foram/são
objetos a revelar saberes específicos, tais como, saberes políticos, terapêuticos,
literários, poéticos, ecológicos, ambientais e históricos. As cidades e os rios são
ainda objetos de produção de imagens fotográficas, pictóricas, gráficas a
interligarem ou não sentidos sobre o urbano. (BRASIL, 2010, p. 9).
Nesse desdobramento, estudos e pesquisas no campo da História Ambiental têm
propiciado ricas indagações no que tange as temporalidades e aos processos que
englobam a cultura, economia, política, sociedade, tecnologias e demais abordagens
sobre o meio ambiente como um campo de relações múltiplas do humano com a
natureza. Tem propiciado um amplo leque de pesquisas e metodologias que possibilitam
questionar as estruturas e as ações humanas ao longo do tempo.
Seguindo essa ótica de análise, apresentamos elementos que compõem os debates
no que diz respeito à História Ambiental, pois como pondera Drummond (1991), uma
proximidade desta com as discussões que englobam a História regional. Isso ocorre
porque a História Ambiental traz em si o propósito de estudar as inter-relações
estabelecidas entre o humano e o meio ambiente no qual se insere, constituindo-se como
um campo de saber que sintetiza contribuições de variadas áreas do conhecimento.
Encadeamentos políticos e recursos que levaram a construção da usina
Ao longo dos anos, a cidade de Amambai sofreu com a instabilidade política, pois a
troca de prefeitos atrasava completamente o seu desenvolvimento. Na maioria das vezes,
os governantes ficavam um ano no cargo e renunciavam ou saiam por questões de
saúde, fatores que ocasionavam várias crises políticas que se estenderam até o ano de
1957. A partir desse ano, assume o poder municipal o engenheiro civil Ernesto Vargas
Baptista, irmão de Sidney Batista, exercendo seu mandato até 1961. Este se dizia um
governante preocupado com o município, tomando medidas e resolvendo questões que
vinham descontentando diretamente a população. Ao abrir brindo novas estradas,
levantar pontes com o apoio dos poucos moradores, apostou em um projeto ousado para
a época: a implantação de uma usina Hidro-Elétrica nas águas do rio Panduí, com o
intuito da aquisição de luz a baixo custo. Cabe ressaltar um ponto importante no que se
refere a este empreendimento: a energia não chegava a todos, mas somente para aqueles
que tinham adquirido as ações.
Um morador antigo da cidade, pessoa pública e atuante, concedeu-nos entrevista,
realizada no dia 05 de abril de 2019, com produção de Ilsyane R. Kmitta e Milton
Bitencourt em Amambai, MS. Registrada em áudio de celular com posterior degravação,
a entrevista foi marcada por um fator inusitado. Feito o contato inicial para apresentar a
proposta da pesquisa e marcar a data da entrevista e definida a data e horário, ao
chegarmos na casa do nosso entrevistado, ele estava a nossa espera muito animado,
inclusive tinha separado muitas fotos sobre Amambai e foi logo nos mostrando. Pedimos
permissão para gravar a entrevista para uso na pesquisa, recebemos um “SIM” muito
eufórico acompanhado da seguinte colocação “isso mesmo, é preciso mostrar a nossa
história, e se depender de mim, estou à disposição, não tenho nada que esconder”. Em
seguida, inicia-se uma fala que dificultou muito seguir um roteiro preestabelecido. Com
ele, colheu-se informações fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa. Mesmo
com a autorização do entrevistado, optamos por manter seu nome no anonimato.
Salientou nas suas informações que sua família vivia basicamente da agricultura e
pecuária. Ao atingir idade escolar, seu pai resolveu mudar para a cidade, para facilitar o
acesso do filho à escola, pois, na época, devido à distância, à falta de transporte e às
condições das estradas vicinais tardavam o processo. Conseguiu vaga na Escola Batista,
particular e uma das pioneiras da época onde deu sequência nos seus estudos.
Segundo nosso entrevistado, a cidade contava com uma população de
aproximadamente 3 a 5 mil habitantes. Uma cidade em formação, com pequenos
comércios de secos e molhados. Despontavam atividades voltadas para a agricultura de
subsistência, pecuária, criação de animais. Havia também pequenos bolichos, que
vendiam tudo e em sua maioria por quilo e movimentavam a economia local, era preciso
pensar na luz.
Ele relata com precisão e clareza todo o processo de formação da cidade, que
presenciou com sua chegada ao município juntamente com seus familiares na década de
1950. Tendo participação das atividades relacionadas à instalação da usina no rio Panduí,
inclusive sendo o contabilista e entregador das faturas mensais de energia em todas as
residências que aderiram às cotas vendidas pela empresa. Parte das informações dessas
narrativas está vinculada à entrevista do Prefeito da época, Ernesto Vargas Baptista,
realizadas juntamente ao jornal
Roda de Amigos
e publicada em 2007.
Na entrevista, o prefeito relatou as dificuldades encontradas na administração
municipal. No livro
Celebrando A Vida 1918-2018: Ernesto Vargas Baptista,
de cunho
memorialista, que traz os feitos do engenheiro e prefeito, é informado que o município
não contava com recursos como o IPTU e ISS. De acordo com dados associados à
reportagem, consta que o prefeito buscou recursos dentro e fora do município, como
segue:
Sem recursos, procurei o governador em Cuiabá, deputados estaduais, federais
e até senadores... Nada! Eles também não tinham recursos. Então, reuni o povo,
toda a comunidade e começamos a discutir o assunto, a debater sobre as reais
necessidades do município e possibilidades de execução. A energia elétrica foi
priorizada. Nasceu, ali, a ideia de se construir a usina no Pand por meio de
uma empresa genuinamente amambaiense. Criamos a Hidrelétrica do Panduí
Ltda. (PINTO, 2018, p. 19).
No entanto, as pesquisas nos levaram a outro ponto chave para essa discussão.
Sem muitas alternativas, a solução foi caseira, ou seja, em 03 de setembro de 1959, o
prefeito Ernesto Vargas, com base nas leis da Câmara Municipal, sanciona o Decreto-Lei
nº 206 que traz no seu
Artigo 1º: Fica o prefeito Municipal autorizado a transferir a Hidroelétrica
Panduí Ltda, na forma da clausula do contrato celebrado entre a Prefeitura e
a Firma ELAN do Brasil Eletro Indústria S/A, na data de 20/12/1957, o mesmo
contrato em todos os seus termos, direitos e responsabilidades. Artigo Fica o
prefeito Municipal autorizado a escriturar a Hidro-Elétrica Panduí Ltda, a área
de terreno municipal que necessária às instalações da Usina ao preço de
5.000,00 cada hectare e recebendo esse preço em ações. Artigo Fica o
prefeito Municipal autorizado a transferir a Hidro-Elétrica Panduí Ltda, todos os
direitos que tenha o município concessão à exploração da Cachoeira onde se
encontra as instalações da atual usina. (DECRETO LEI n. 206, 1959).
Entrando imediatamente em vigor na data da publicação, coloca à disposição de
um empreendimento privado, a cedência do terreno e todos os direitos no que se refere
à concessão e exploração de energia pela hidrelétrica. A aquisição do maquinário se
na Firma ELAN, através de contato formalizado pelo Rotary de Amambai e Rotary de
Campinas.
Os equipamentos da hidrelétrica foram adquiridos em Campinas, era uma firma
que chamava Elin do Brasil, então foi adquirido à turbina e o gerador, todo o
equipamento inclusive os fios de alta tensão, o transformador, as condições pra
distribuição de energia foram adquiridas lá, é interessante que quem foi buscar
isso ai foi o seu Otacílio Belmonte, ele tinha um caminhão e ai o Rotary escreveu
uma carta para o Rotary de Campinas, dizendo que esse companheiro estava
indo ai pra buscar esse equipamento, pra eles dar todo o apoio, então o seu
Otacílio foi com o seu Alcir e o doutor Ernesto de caminhão daqui até lá,
naquela época não existia nada de asfalto. Eles fizeram essa viagem foram lá,
carregaram esse equipamento nesse caminhão e voltaram pra cá. (VIANA, 2013,
p.25).
Perguntamos ao entrevistado onde e como surgiu a ideia de criar uma usina hidrelétrica
na cidade, e ele respondeu:
Bom, a usina é interessante, também surgiu dentro do Rotary, e em 1957,
numa reunião. Olha eles trabalhavam, dia 28 de dezembro, naquela assembleia e
fundaram no Rotary a Sociedade Hidro-Elétrica Panduí LTDA. E na época o
prefeito era Ernesto Vargas Batista, ele era engenheiro e ele tinha entrado no
Rotary e entrado pra prefeitura pouco tempo, até porque ele entrou em 57 e
saiu em 61. Ele deu a ideia de criar dentro do Rotary, isso eu lembro porque eu
ia com meu pai no Rotary, porque eu e meu irmão mais novo brigávamos e meu
pai me levava pra poder dar folga pra minha mãe, e eu ficava olhando que
nem bobo vendo aqueles homens. Eu lembro direitinho daquelas caras, até hoje
sou capaz de descrever a sequência. Eles ficaram discutindo exatamente a
criação dessa usina; assim como a discussão para criação do ginásio, do acordo
com o social, da biblioteca, então foram discutindo e criaram essa coisa aí; e
venderam cotas pras pessoas, ai eles abriram para o público, tinha o cinema
rural que no caso era uma reunião do cine rural e fizeram uma assembleia e
apresentaram para a sociedade, eu sei que no começo foi um sistema de cotas
que vendia mais todo mundo pagava todo mês aquelas cotas pra poder
arrecadar fundos para a construção. E nisso, o doutor Ernesto que era
engenheiro, ele era prefeito e tinha interesse também nisso, ele que seria o
engenheiro da usina e o Joacir Machado era o presidente, inclusive trabalhei no
escritório que ficava anexo a prefeitura que era ali onde é a livraria do
estudante do seu Matheus, e, que no fundo tinha o escritório da hidrelétrica e
eu e outro colega trabalhávamos lá. Tinha um que trabalhava na usina pra fazer
a leitura dos relógios e eu pegava aqui fazia as contas e depois ia entregar nas
casas. Isso aos poucos a prefeitura foi tomando conta dessa usina que não tinha
condições de se sustentar. Isso foi em 61, foi no período do doutor Ernesto,
terminou em 61 e ele inaugurou. Tenho minhas dúvidas se foi em 60 ou 61, que
ele deu ideia trabalhou os 4 anos, então essa usina passou a fornecer luz pra
cidade. Ela era suficiente, mas em 67, em janeiro o 17º regimento de cavalaria
mudou de Pirassununga pra cá, que aqui tinha um destacamento do 11º de Ponta
Porã e veio um regimento inteiro, e quando ficou pronto o regimento, a
usina não dava conta da cidade; que a cidade cresceu, a usina ficou
fornecendo luz pro quartel e compraram um gerador grande que em
frente à rodoviária. Aquele gerador passou a fornecer pra cidade, que veio à
luz de Urubupungá pra cá, então esse gerador funcionou alguns anos, chegou
a de Urubupungá e acabou o problema, pois aentão era velinhas, querosene
etc. (KMITTA; BITENCOURT, 2019, Grifos nossos).
Consta dessa reunião a Ata de nº1 datada do ano de 1957, sobre a sociedade.
Aos vinte oito dias do mês de dezembro do ano de mil novecentos e cinquenta e
sete no Cine Rural, sito a Rua Marechal Floriano nesta cidade de Amambai,
estado de Mato Grosso, precisamente a quatorze horas, reuniram-se em
Assembleia Geral, os abaixo assinados anteriormente convocados pela
comissão organizadora da Sociedade Hidro-Elétrica Panduí LTDA, para o fim
especial de sua organização. Designado para presidir a assembleia o senhor Dr.
Ernesto Vargas Batista, deu o início aos trabalhos convidando a mim abaixo
nomeado e no fim assinado, para servir como secretário da presente
assembleia. Iniciando os trabalhos o Senhor presidente expôs aos presentes o
motivo desta reunião, apresentando ainda uma sugestão de contrato que foi
aceito por todos os presentes considerando assim constituída a sociedade com
a denominação de ‘Hidro-Elétrica Panduí LTDA’. A seguir e de acordo com o
contrato aprovado, foram sugeridos nomes de sócios para constituírem o
Concelho Fiscal (sic), sendo eleitos por unanimidade de votos os cios Alcir
Manvailer, Sociedade do Apostolado Católico, aqui representado pelo padre
Genézio Trevisan e Carlos Damore, para o Conselho Fiscal e Walmir da Rosa
Peixoto, Aloizio de Souza e Alberto Silvano Braud, para suplentes. Reunido o
Conselho Fiscal, em ato contínuo e na forma contratual, indicou para gerente da
Hidro-Elétrica Panduí LTDA ora organizada o Senhor Joacyr Araújo Machado.
Submetida esta indicação ao plenário, o mesmo aprovou imediatamente. Foi
também deliberado por esta Assembleia que o gerente tivesse um ordenado
mensal e este de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros). Nada a mais havendo a ser
tratado foi encerada a presente reunião, as (17) dezessete horas. Do que, para
constar, eu, Amilton Carvalho Maciel, secretário, lavrei esta ata que depois de
lida e aprovada será assinada por todos os presentes. (SOCIEDADE HIDRO-
ELÉTRICA PANDUÍ, 1959, s/p.).
Face ao exposto, é importante abrirmos um parêntese aqui para falarmos do
Rotary Clube de Amambai, que tem sua data de fundação em 16 de novembro de 1952,
sendo sua Carta Constitutiva apresentada em 05 de maio de 1953 na presença de
rotarianos do chamado Clube Padrinho, no caso, da cidade de Ponta Porã. Registros
mostram que seu primeiro presidente foi o Francisco Serejo Neto. Hoje considerado
integrante do rol dos chamados pioneiros da cidade de Amambai. É atribuído ao Rotary
Clube a iniciativa das entregas de correspondências devido à inexistência do posto de
carteiro na cidade, organização da campanha para vacinação contra Paralisia Infantil,
criação de um hospital, a instalação da usina hidrelétrica, fundação de associação
instrutiva de Amambai, colocando em funcionamento o primeiro ginásio da recém
fundada cidade (SOBRINHO, 2009, p. 211).
Fato que chama a atenção é o resumo publicado da Sessão da Câmara Municipal
em 03 de junho de 2019, onde consta a indicação 135/2019 do vereador Dilmar Bervian a
justificativa de seu pedido de reconstrução da taipa e da reconstrução da Usina
Hidrelétrica do Panduí, a seguinte informação:
A Usina Hidroelétrica Panduí faz parte do Patrimônio Histórico de Amambai,
sendo um marco de desenvolvimento na época, quando ainda Amambai que de
início era Patrimônio União, teve com seus pioneiros apenas a iluminação da
noite com lamparinas que queimavam querosene. A preocupação pelo bem estar
da população não foi diferente, o então Prefeito Municipal Walmir da Rosa
Peixoto, no ano de 1953 elaborava meios de instalar energia elétrica na
cidade. Entretanto, no ano de 1957 houve uma reunião no então Cine Rural em
que autoridades locais e pessoas com maior prestígio e condições financeiras
foram convocadas para organizar a “Sociedade Hidroelétrica Panduí”. Entre eles
estava o Prefeito Municipal da época e engenheiro civil Dr. Ernesto Vargas
Batista, sendo dele a ideia inicial da usina. Surgindo assim a “Sociedade
Hidroelétrica Panduí Ltda”, tendo como propósito organizar e levantar fundos
para construir uma usina hidrelétrica. Dr. Ernesto Vargas Batista foi o principal
responsável desde a idealização, além da busca de recursos. Após vários anos
de demanda da USINA PANDUÍ, a Prefeitura desapropria os serviços de
distribuição de energia elétrica promovidos pela Usina. A preocupação por
energia elétrica em Amambai já era constante. (FELIPE, 2019, s/p).
Baseados nas informações obtidas, a construção da usina deu-se a partir dos
interesses da Sociedade fundada, que se tratava de um empreendimento particular
visando à distribuição e à cobrança pelos serviços prestados. Não como
desconsiderar a necessidade da energia para uma cidade que estava em vias de formação
e afirmação política, mas não podemos negligenciar os fatos e os interesses econômicos
que nortearam a construção da hidrelétrica, envolvendo recursos públicos e mais
especificamente privados.
A alegação recaía sobre a falta de recursos para investir na construção da usina.
Foi criada a sociedade, sendo colocada à venda ações para obtenção dos recursos
necessários. Paralelo à venda de ações, o prefeito Ernesto Vargas Batista assinou a Lei
225 datada de 30 de novembro de 1960, onde fazia saber que, mediante a Lei da Câmara
Municipal de Amambai, ele, na condição de prefeito, sancionava: Art. Fica o poder
Executivo autorizado a conceder a Companhia Hidro-Elétrica Panduí S/A, um
empréstimo no valor de 900.000,00 (novecentos mil cruzeiros). Art. o empréstimo
terá o prazo de dois (2) anos e renderá juros de 2% ao ano.” (AMAMBAÍ, 30 nov. 1960,
s/p.).
Entrando a lei em vigor na data da publicação, sendo revogadas quaisquer ações
em contrário, a prefeitura concedia a sociedade o empréstimo. Os desdobramentos que
seguem, culminam com o
Decreto n. 50.999 de 19 de julho de 1961, declara público, de uso comum, do
domínio da união, as águas do rio Panduí. Coube ao presidente da República,
considerando que o edital de classificação do curso d’água publicado no Diário
Oficial de 23 de março de 1960, e por não ter sido apresentada nenhuma
contestação ou reclamação no teor proposto pela ação, de que: Art.1º São
declaradas públicas de uso comum do domínio da União, as águas do curso
denominado PANDUÍ, em toda a sua extensão, que se acha incluído no
município de Amambai e é tributário pela margem direita do rio Amambai, no
Estado de Mato Grosso. (BRASIL, , 1961, p. 6642)
A região, o espaço geográfico em questão e as águas do Panduí perfaziam o
território indígena, e ao torná-las de uso comum e passá-las ao domínio da união, estas
ganhavam outra caracterização e funcionalidade, deslocando e afastando indígenas que
por ali coletavam frutas e plantas medicinais e pescavam no rio. Instaura-se uma nova
paisagem, insere-se um novo conjunto de interesses, de simbolismos e formas de
apreensão desse espaço, um novo jeito de ver o que se apresenta, conforme as
intervenções realizadas, envolvendo variações dinâmicas tanto individuais quanto
culturais, experiências e controle.
Nos estudos realizados sobre a economia de Amambai constam o registro da
instalação da primeira roda d’agua no Panduí, ocorrida por volta dos anos de 1940-50.
Foi Manuel Alves que a instalou para realizar atividades como serrar madeira, moer cana,
fazer açúcar, melado e rapadura, fabricar farinha e polvilho (KMITTA, 2018).
Se por um lado, coube aos indígenas e a Manoel Alves mostrar a utilidade e o uso
das águas do Panduí para atender as necessidades daqueles que ali edificavam seus dias
de labuta, por outro lado, mediante essa nova tecnologia, ter acesso à energia elétrica
era o sonho de toda a população, mas apenas uma parcela dela teve participação quando
do funcionamento da usina.
A construção da Hidro-Elétrica: o sonho que se materializa para poucos
Após uma longa jornada em busca de recursos, eis que começam as obras da tão
esperada hidrelétrica, conforme podemos observar nas imagens (1 e 2), quando -se
início a construção da barragem.
Imagem 1 e 2. Obras de construção da barragem em 1957
Fonte: Acervo de domínio público
O prefeito, eufórico com a construção da usina, logo iniciou seus trabalhos. A
realização da obra era a concretização do sonho do prefeito Ernesto Vargas. Fato assim
descrito, em entrevista concedida por Almiro Pinto Sobrinho. Ele diz:
O papel da prefeitura foi muito importante, por que a prefeitura colaborou de
várias formas, inclusive subscrevendo várias ações, um valor bem elevado de
ações pra formação do capital, e também ela nunca reclamou nada do doutor
Ernesto, e dedicar grande parte do seu tempo para adquirir equipamentos e
acompanhar a construção da obra, então ela tem um papel muito importante
nisso aí. (VIANA, 2013, p. 16).
Além de engenheiro era agrimensor. Fatores que contribuíram no desenrolar da obra no
qual ele próprio fazia cálculos, medições no rio, estudos sobre relevo e o tipo de solo.
Tratava-se, pois, de uma obra que vinha planejada em todos os seus encaminhamentos,
desde a fundação da Sociedade Hidro-Elétrica Panduí, S/A, em 1957. Ressalta-se que nos
vários documentos pesquisados ora consta S/A, ora LTDA, mostrando uma variação
quanto a sua administração.
Arrisca-se afirmar aqui que não foram computados os impactos ambientais advindos em
tal empreendimento, e
Desde que o homem começou a transformar as energias disponíveis na
natureza, vários impactos associados a essas transformações passaram a ser
gerados no meio ambiente. Com a revolução industrial e a criação das máquinas
térmicas, potencializaram-se os impactos inerentes a qualquer atividade
antrópica. Como todas as formas de geração de energia elétrica, a hidro geração
possui variados impactos ambientais. Alguns desses impactos começaram a
ser compreendidos na sua totalidade recentemente com a emergência do
pensamento ecológico e o reconhecimento das interações dos fenômenos
físicos com o meio ambiente, homem e sociedade. (VIANA, 2013, p. 16).
Tudo se encaminhava dentro do planejado, a não ser pela falta de recursos, os
quais tanto se cobravam para a instalação quanto à manutenção da usina. Considerados
a arrecadação insuficiente para atender toda a demanda e o empréstimo concedido pela
prefeitura à sociedade, a solução foi a venda de ações (figura 1) para a população, que
seriam cobradas mensalmente, outro caso seria a concessão de empréstimos junto ao
governo do estado.
Figura 1. Recibo de cotas Hidro-Elétrica Panduí ltda.
Fonte: Acervo de domínio publico
O senhor Almiro, assim descreve esse ocorrido:
O prefeito procurou junto ao estado e nos órgãos públicos e não conseguiu
nada, então ele resolveu formar uma sociedade por cotas de responsabilidade
limitada, mas dentre pouco tempo eles viram que o ideal seria fundar uma
sociedade anônima, para vender ões, dizendo ao pessoal que seria um
investimento rendoso, então dessa forma foi levantado o capital para
construção da usina. A prefeitura participou com aquisição de ações, a
cooperativa de mate, que estava em funcionamento aqui na época também
participou adquirindo ações, e depois o pessoal, é o comércio e todos os
proprietários rurais, inclusive várias pessoas adquiriram ações para a formação
do capital inicial. (VIANA, 2013, p. 16).
Para o prefeito, a população em geral aderiu em peso ao projeto, como podemos
observar na entrevista concedida ao jornal
Roda de Amigos
:
Nós vendíamos ações às pessoas. Peões, lavadeiras, comerciantes, fazendeiros,
donas de casa, professores e funcionários públicos em geral, vendedores, enfim,
todos aderiram à causa. Uns comprando bastante, outros menos, e os mais
humildes comprando uma ou outra ação, mas contribuíam para o progresso de
Amambai. (PINTO, 2018, p. 19).
Nas imagens abaixo podemos ver alguns nomes dos acionistas. Trata-se de uma
pequena parte da população que contribuiu para o surgimento da Hidro-Elétrica.
Conforme pode ser verificado, por mais que o prefeito tenha dito em sua entrevista que
as ões chegavam a todos, e muitos aderiram, inclusive aqueles que ele chama de
humildes, é possível constatar que se trata de um grupo muito restrito que tinha o
controle das ações. Esta afirmação pode ser verificada nos recibos de cotas (figura 2),
conforme segue:
Figura 2. Certificado de ações
Fonte: Acervo de Almiro Pinto Sobrinho
O pontapé inicial da obra foi dado quando a prefeitura comprou as máquinas e
equipamentos, todas vindas de São Paulo, inclusive as turbinas, que foram construídas
sob medida pela empresa Bardella. A obra despontava lentamente em várias etapas,
contando sempre com o apoio de mão de obra voluntária, principalmente na construção
da barragem e na colocação dos postes de aroeira, fixados ao longo da cidade para
suspenderem a fiação.
Ao escrever sobre a problemática que envolvia as instalações até a chegada às
casas, Viana salienta que, após o início das obras e a partir da chegada dos equipamentos
Outros problemas apareceram como a dificuldade em conseguir postes de
aroeira na altura e quantidades necessárias para a instalação das redes de
energia pela cidade. Onde fica a praça central da cidade de Amambai, foi
instalado o transformador de distribuição de energia. A energia vinha da usina
até o transformador, era distribuído pelas poucas redes secundárias até seu
destino. O início as pessoas que queriam e tinham condições financeiras,
pagavam para construírem sua própria rede de energia. havia um eletricista
na cidade para realizar o trabalho. Sendo assim, várias pessoas construíram
suas próprias redes. Redes elétricas precárias foram construídas, sem um
profissional pra orientar e sem material necessários. Que com o mal tempo não
resistiam, ocasionando contínuas quedas de energia. (VIANA, 2013, p, 24).
Não havia postes de concreto na época (imagem 3 e 4), e a solução foi extrair
madeira nativa da região, cuja qualidade, resistência e durabilidade eram
impressionantes - derrubadas a machadadas pelos voluntários.
Ao referirmo-nos a voluntários, cabe-nos lembrar de que estamos falando da mão
de obra disponível de indígenas e paraguaios, que não encontravam mais trabalho nos
ervais e fazendas, e se colocavam como mão de obra disponível.
Imagem 3 e 4. Avenida Pedro Manvailer com postes de madeira e transformador
de energia
Fonte: Acervo de domínio publico
A usina instalada e pronta para operar no ano de 1961 foi suprindo as
necessidades da população, com a vasão do rio bastante volumoso. A cidade aos poucos
recebia essa nova tecnologia tão desejada, a energia elétrica.
Para o período, utilizava-se do lampião a querosene ou lamparina e geradores
particulares espalhados em algumas residências de quem tinha o privilégio de desfrutar
de algo tão difícil na época - geralmente nas casas de pessoas influentes, como
fazendeiros, comerciantes ou quem possuía algum cargo elevado dentro da sociedade.
O prefeito Ernesto Vargas Baptista, o protagonista que trouxe energia para a
cidade, conquistou o carisma da população e o reconhecimento por parte do Estado, logo
ficando conhecido por toda a região como “O Homem da Luz”, uma homenagem
simbólica, porém muito significativa para o prefeito.
Consta, no entanto, uma primeira tentativa para construção da hidrelétrica no rio
Amambai, conforme entrevista concedida por Almiro Pinto Sobrinho. Nascido em
Amambai, foi secretário durante um tempo da Associação Usina Hidrelétrica do Rio
Panduí LTDA, e vereador na cidade de Amambai, MS.
Temos o seguinte relato:
É o local no início aqui em Amambai quando se recolhia o IVC, que é o imposto
que hoje é o ICM , a gente recolhia junto, no começo recolhia, o comércio
recolhia junto uma taxa de eletrificação parece que era o nome para o estado,
então, o Governo do seu Alcir por exemplo ele tentou recursos junto com esse
fundo pra fazer um, pra desenvolver um projeto de hidrelétrica e o plano era
fazer no Rio Amambai, mas não teve respaldo nenhum, não veio recurso
nenhum, a ideia passou e depois quando o doutor Ernesto veio o estudo indicou,
ali o Panduí, porque era um rio canalizado e próximo da cidade, e como era um
empreendimento pequeno tinha condições de ser feito ali, não tinha condições
de ser feito no Rio Amambai, então por isso foi escolhido o Panduí , porque
também é bem próximo da cidade. (VIANA, 2013, p. 24).
Para uma cidade interiorana como Amambai, as dificuldades eram muitas, no
entanto, sempre havia um jeito de contornar tais situações. Mesmo sendo o rio
volumoso, sua capacidade de gerar energia era suficiente para abastecer a cidade.
Problemas relativos à falta de postes, fios, funcionário treinados para operar a usina. Não
havia interruptores, e nos primeiros postes colocados, as lâmpadas ficavam acesas 24
horas, sem contar a falta de recursos, que sempre aflorava nas reivindicações referentes
à instalação e funcionamento da usina.
Retornamos à entrevista do prefeito para a ocasião. Segundo ele, a falta de
recursos na época era um empecilho que gerava certo desconforto, pois era preciso mais
investimentos para que a obra funcionasse adequadamente, muitas vezes ele próprio
atendia algumas emergências elétricas. Ele dizia:
“Se precisasse, eu corria e dava um
jeitinho na pane.” (PINTO, 2018, p. 20).
Algumas controvérsias afloram quando nos estudos que envolvem a construção
da usina e a chegada da luz em Amambai. Reportagem publicada pelo jornal
Fronteira
, em
16 de agosto de 1963 Ponta Porã MT, traz o seguinte título: “Luta Amambai por
instalar luz elétrica em sua sede”, acompanhada da foto do prefeito Walmir da Rosa
Peixoto, cujo texto da notícia é:
Sempre acreditamos no progresso de Amambai. A força unida de seus líderes e
o apoio verídico dos seus habitantes constitui elemento impulsionador sem
rival. Ainda agora, somos conhecedores por intermédio do Sr. Walmir da Rosa
Peixoto, prefeito daquele município, dos entendimentos que se processam para
dotar a sede de luz e energia elétrica. Envia aquele município coma valiosa
colaboração do Governo Estadual, os seus esforços e conseguirá, assim, dar
justa solução ao problema, e proporcionar aos munícipes mais um elemento de
progresso e civilização. (LUTA..., 1963, s/p.).
O Diário Oficial de 28 de fevereiro de 1968 publica o Decreto Legislativo nº. 1.306, de 14
de novembro de 1967, assinado pelo Deputado Emanuel Pinheiro, Presidente da
Assembleia Legislativa do MT, autorizando o Poder Executivo de conceder auxílio à
Prefeitura Municipal de Amambai, para uso e fins específicos. E no uso de suas
atribuições legais, conferidas pela alínea “a” item VLT do artigo 14 da Constituição do
Estado, o Presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso, decreta:
Art. fica o Poder Executivo autorizado a conceder um auxílio a Prefeitura
Municipal de Amambai de NCr$ 100.000,00 (Cem mil cruzeiros novos) para a
construção da segunda Barragem da Usina Hidro-Elétrica no rio Panduí ou
Forquilha, no rio Amambai. Art. 2º Fica igualmente o Poder Executivo autorizado
a abrir o competente crédito especial, para a execução do presente decreto,
correndo a despesa a conta do excesso de arrecadação que os índices técnicos
autorizem prever. Entra em vigor o decreto na data da sua publicação,
revogando todas as disposições em contrário. (BRASIL, D.O.U-MT, 1968, grifos
nossos).
Neste cenário de controvérsias e ambiguidades, a usina trabalhava normalmente
suprindo as necessidades da cidade até a chegada do 17º Regimento de Cavalaria vindo
de Pirassununga com o objetivo de se instalar em Amambai, próximo ao rio Panduí.
Como a demanda de energia era defasada por causa do uso feito pelo exército, a
usina acabou não dando conta do restante da cidade, ocasionando a compra de outro
gerador, bem maior e mais potente que o instalado e em funcionamento na usina, ficando
a mesma inteiramente à disposição dos militares, e o novo gerador fornecendo energia
somente ao município.
A lei nº. 468 foi sancionada pelo prefeito Walmir da Rosa Peixoto em 26 de
dezembro de 1968, cujo Artigo declara de “utilidade pública, para efeito de
desapropriação, as instalações para produção, transmissão e distribuição de energia
Hidrelétrica, existentes nesta cidade, de propriedade da Hidro-Elétrica Panduí S/A.” (LEI
468/1968).
Ficando, neste caso, o prefeito municipal autorizado a promover a desapropriação
das instalações, sendo declarada no Artigo da lei a urgência da desapropriação. No
artigo 4º, fica o Executivo autorizado a utilizar da verba de Energia Elétrica - 4.0.0.0.
Transferência de capital 4.1.0.0 Investimentos 4.2.3.1. Obras públicas para
serviço de energia elétrica sede, a importância necessária para atender as despesas
decorrentes da execução da lei.
Se inicialmente temos, por parte de decreto municipal, a cedência do terreno para
que fosse construída a usina, agora temos declaradas como urgência a sua
desapropriação pela prefeitura. Fatores que nos levam a questionar novamente a
propriedade da Usina como sendo de um grupo particular, tendo em vista as suas
variações, ora S/A, ora LTDA.
Ainda, o Diário da Justiça do Estado de Mato Grosso traz em seu suplemento,
anexo ao Diário Oficial, as Conclusões de Acordos lidos e assinados em 16 de agosto de
1971. Nele, consta a Apelação Civil nº. 6925 Amambai, cujos apelantes são a Hidro-
Elétrica Panduí S/A, sendo a Prefeitura Municipal de Amambai a apelada, onde acordam
os juízes do Tribunal de Justiça, em Primeira Câmara Civil, em conformidade da ata no
julgamento e das notas taquigráficas, dar provimento ao recurso do “ex-officio”, e ao da
empresa expropriada, assegurando a este o pagamento das custas pelo poder
expropriante e ainda juros de mora e correção monetária.
No início da década 1970, começa a chegar nas muitas cidades do Mato Grosso a
energia diretamente da Usina Hidrelétrica de Urubupungá, localizada no município de
Ilha Solteira-SP, onde solucionou a maioria dos problemas de energia elétrica. A cidade,
enfim, aposenta o gerador que tanto ajudou no desenvolvimento da cidade. Ficando
tempos abandonado na antiga usina, até que nos anos 1990 foi trazido para o terminal
rodoviário Antônio Delgado Martinez, em Amambai, ficando exposto em praça pública.
2
O Rio Panduí abandonado em suas ruínas
A água é um recurso natural indispensável para a vida do planeta, porém esse
bem natural essob constante ameaça. O acelerado crescimento das cidades intensifica
de forma notória os desmatamentos que fazem com que o solo não absorva a água
pluvial corretamente, fazendo-a escorrer mais rapidamente, reduzindo a infiltração no
2
A Lei Municipal n. 2.462/2015 de autoria do vereador Daniel Riquelme Ricarde, dispõe sobre o
tombamento como Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural o “Motor de luz”, que auxiliava no
funcionamento da antiga usina hidroelétrica do Panduí.
solo e, consequentemente, a não formação ou manutenção, assoreamento de cursos
d’água que são elementos essenciais nos grandes períodos de estiagem. Ademais, desde
o princípio da história humana, o homem interfere consideravelmente nos ecossistemas
para obtenção dos recursos garantidores da sua sobrevivência, como da agricultura. A
exploração e o uso da tecnologia, desde os mais remotos tempos, geraram impactos e
interferências ambientais, no entanto, não podemos ignorar que o diferencial está no
grau de intensidade dessa intervenção, e como essas atuam na regeneração e
recomposição, no grau de resiliência do meio ambiente. Em muitos casos, excedendo
limites aceitáveis, ocorre o desequilíbrio dos ecossistemas que influenciam nos ciclos
regeneradores e reprodutivos, contribuindo para a ocorrência dos colapsos ambientais.
Ao escrever sobre os rios paranaenses, Gilmar Arruda (2008), chama a atenção
para o fato de que os rios desempenham um papel nas relações estabelecidas pelo
humano com a natureza, bem como desempenham papel importante nas configurações
territoriais e de fronteiras, são divisores naturais citamos como exemplo o rio
Paraguai. Para o autor, os rios integram a cartografia, os mapas desde os primórdios da
colonização. E no século XX, com o avanço das técnicas científicas, nos deparamos com
os rios energia, ou seja, o rio como fonte de energia elétrica. À medida em que avançam
as tecnologias, florescem também os debates ecológicos, e os protagonistas são os rios-
lazer; chácaras nas margens, balneários, pescadores, banhistas, e tantos outros mais.
Em Amambai-MS essa realidade não é diferente. Com o crescimento da
monocultura da soja, da pecuária e a expansão demográfica da cidade, em direção ao rio
Panduí, suas margens e paisagens naturais, passaram por um processo de intensas
modificações. Foram mudando gradativamente, conforme os graus dos impactos
sofridos. Um lugar que antes era frequentado pela população local, com a construção da
usina, foi reduzido drasticamente face às várias alterações ambientais decorrentes,
inicialmente com a implantação da hidroelétrica, posteriormente pela exploração da
pedreira.
Anterior a isso, conforme constatado através das entrevistas, as margens da
represa com águas ainda limpas e cristalinas, formavam pequenos bancos de areia
branca. Um agradável balneário, que lotava aos finais de semana e feriados pelos
banhistas (imagem 5). O local era o ponto de encontro da juventude e de muitas famílias.
Após a construção da usina, o rio Panduí se desconfigurou. E mais ainda, após sua
desativação, principalmente com a abertura de uma mineradora às suas margens, quando
emerge uma grande erosão ao seu redor, afetou o solo, vegetação e especialmente a
fauna. Tornou-se um lugar inapropriado para o uso humano, servindo apenas como
escoador de águas pluviais e lixo doméstico. Outro fator determinante foi a
pavimentação asfáltica da cidade, pois toda a água coletada pelo sistema de águas
fluviais através dos bueiros da cidade foi direcionada ao rio, que em dias de chuvas
intensas faz com que ele transborde, causando ainda mais erosões em suas margens.
Além da contaminação e elevação na turbidez da água, outro fato agravante, é a grande
quantidade de recipientes e materiais plásticos, que são depositados diretamente no rio,
contaminando e comprometendo a qualidade da água.
Imagem 5. Banhistas abaixo da barragem da Hidro-Elétrica Panduí
Fonte: Acervo de domínio público
A produção mineral é uma atividade econômica de importância para alguns
setores do município, mas acarreta danos ao meio ambiente e ao mesmo tempo impactos
sonoros de grande intensidade gerados pelo fluxo de veículos e máquinas resultando em
ruídos que afetam diretamente o bem-estar e a tranquilidade da população.
Por muitos anos, a extração mineral perpetuou-se na cidade de Amambai através
do uso de explosivos, instalados em meio às rochas sendo detonadas repetidas vezes ao
dia. Operando por mais de 40 anos na extração de jazidas de rochas naturais, passando
pelo processo de britagem, no qual consiste a obtenção da matéria-prima em forma de
pedra brita, material utilizado em grande proporção na área da construção civil, além de
causar ruídos perturbadores à população circunvizinha, gerava ondas de choque que se
propagam pela região, colocando em risco construções do seu entorno, criando impactos
visíveis que delinearam a região com aspecto deplorável de erosões.
Contudo, devido ao avanço da cidade em direção ao rio, órgãos competentes
responsáveis pela fiscalização ambiental fizeram a intervenção e deu-se o fechamento da
mineradora. Ficaram os danos causados à fauna e flora e, consequentemente, o
assoreamento do rio, o desaparecimento de várias espécies de peixes e de animais
silvestres, além dos transtornos causados diretamente à população. Na análise de Kmitta
e Calheiros, “a exploração demasiada dos recursos naturais, bem como as tecnologias
empregadas, desde os mais remotos tempos geraram impactos e interferências,
consideradas em certos casos irreversíveis em diversas regiões.” (2014, p. 208).
O cuidado e a atenção para com as questões ambientais são de incontável valia,
face aos problemas que a região vem apresentando, como a degradação do solo,
assoreamento dos rios e esgotamento dos recursos naturais, que advém de uma
exploração desordenada, incidindo no
modus vivendi
das populações indígenas e
pequenos produtores. Fatores estreitamente ligados à formação de pastagens e à
monocultura da soja, ou mesmo de cultivos sem os devidos cuidados e uso de técnicas
adequadas em consonância com as leis ambientais. O assoreamento de rios e
contaminação da água aliados às queimadas irregulares estão entre os vilões desse
processo que ocasiona perdas significativas para as comunidades indígenas que buscam
a manutenção e prática de saberes tradicionais, como o uso de plantas medicinais.
Quanto à mineradora, atualmente tem suas atividades voltadas para a extração de
cascalho juntamente com a prefeitura para a recuperação de estradas rurais danificadas
pela intensidade das chuvas e até mesmo para a manutenção em algumas ruas da cidade
desprovidas de asfalto. Outro fator que vem desencadeando grandes consequências é o
funcionamento de uma mineração de areia, as margens do rio Panduí, com o método de
extração via sucção, tem provocado erosões, mudando até o curso da água. Uso
intensivo do método conhecido como solapamento, sugando completamente tudo o que
tem no fundo do rio.
No ano de 2015, inicia-se a construção do Parque Panduí, uma obra arquitetada às
margens do rio, visando proporcionar à população um local destinado ao lazer, esporte e
saúde, contendo pista de caminhada, quadra de esportes e equipamentos de ginástica,
obra que se encontra inacabada, com portões fechados ao público.
Em reportagem sem autoria publicada na Gazeta Trabalhista em 11 de novembro
de 2019, consta que
O terreno do Parque do Panduí foi adquirido pela prefeitura de Amambai na
gestão de Sérgio Barbosa e conta com uma área de 1,24 hectares. Fica localizado
na Vila Limeira, próximo ao rio Panduí (de onde vem o nome), mas legalmente já
havia sido criado na gestão de Dirceu Lanzarini. Am dos aspectos ambiental e
de lazer a criação do parque tinha por preservar parte da história do município
de Amambai pois nas imediações estão as ruínas da usina hidrelétrica que
forneceu energia à cidade por vários anos. (INAUGURADO..., 2019, s/p.).
Urge o cuidado na continuidade dessas ações e, portanto, um planejamento de uso
sustentável dos solos e recursos hídricos com a finalidade de mitigar esses impactos. Para isso,
faz-se necessário capacitar pequenos agricultores e a comunidade com conhecimentos técnicos,
práticos e tradicionais voltados para as questões ambientais, direcionando atividades e ações em
interação com o meio ambiente, sem ignorar a realidade social, política, cultural e ambiental do
município. Existem questões envolvendo diversidade produtiva e impactos ambientais que
afetam a rede hídrica pelo modo como estão sendo exploradas. É urgente a necessidade de
projetos educativos que visem a recuperação das margens dos córregos e rios que perpassam a
malha urbana de Amambai, em especial, projeto que contemple a recuperação do rio Panduí,
receptor dessas águas, no entanto, é preciso cuidado com vegetação e espécies arbóreas que
serão plantadas, evitando a inserção de naturezas alheias ao ambiente.
Considerações finais
Com base nas pesquisas, documentos e entrevistas, foi possível estudar de modo
mais aprofundado a instalação da Usina Hidroelétrica do Panduí. Uma história contada
através de relatos e por meio de documentos da época, sendo prazeroso buscar
informações junto das pessoas que vivenciaram todo esse processo e sua parcela de
contribuição na instalação da energia elétrica para a cidade, que é descrito como um
grande feito, embora de alcance restrito.
O principal objetivo traçado para esse texto foi trazer ao conhecimento dos
citadinos a importância que a usina teve na geração de energia e, ao mesmo tempo,
enaltecer o papel do agente principal, o rio Panduí, um pequeno afluente que, com a
força de suas águas, gerou energia elétrica para o município durante anos, mas, ao longo
do tempo, foi ficando esquecido, desvalorizado, a não ser como meio de exploração a que
se encontra sujeitado hodiernamente.
Ainda pensando na importância do rio, foi possível verificar, através das leituras
no campo da História Ambiental, que o desmatamento e a ocupação irregular do solo
devastam as áreas de cabeceira ou de recarga, responsáveis pelo reabastecimento dos
lençóis freáticos, aquíferos e nascentes, o que contribui em grande parte com a redução
da quantidade e da qualidade de água disponível.
Através de relatos e imagens, busca-se conscientizar a população, em especial os
órgãos responsáveis pela implementação das políticas públicas para o meio ambiente, a
voltarem seus olhares para o que ainda restou de um afluente tão explorado e
massacrado pelas mãos humanas, servindo de suporte para outras pesquisas voltadas
para a preservação e valorização de um ambiente natural de significativa relevância
como o Panduí, um rio que traçou historicidades amambaienses.
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