Em termos das condições de produção da obra, Filóstrato havia ido de Atenas
para Roma onde adquiriu a reputação de sofista no “círculo literário” (
kyklos
) de Júlia
Domna (160-217 AD), esposa de Septímio Severo (145-211 AD). Essa patronesse das artes
lhe entregou um relato sobre Apolônio supostamente escrito por um de seus discípulos e
lhe encomendou que o usasse para escrever uma biografia. Além dessa fonte, Filóstrato
usou ainda as anotações de certo Máximo, admirador de Apolônio, muitas cartas que
circulavam sob o nome de Apolônio, incluindo aquelas coletadas pelo imperador Adriano
(76-138 AD), e tratados, não mais existentes, supostamente escritos pelo sábio. Para
cumprir a missão da qual a imperatriz o incumbira, Filóstrato viajou para o templo
dedicado ao culto de Apolônio em Tiana e para algumas outras cidades onde Apolônio
atuara (CONYBEARE, 1912, p. VI).
Silva (2018, p. 368) fala de uma tensão entre “[...] duas memórias sobre [...]
Apolônio de Tiana [c. 3 a.C-97 AD], uma como feiticeiro charlatão e outra como homem
divino, no período do Principado romano.” Sua biografia, escrita por Filóstrato, é muito
polêmica. Até o gênero literário exato ao qual essa longa e intricada obra pertence é
passível de debates. Discute-se se seria um comentário irônico sobre a relação do
discurso filosófico com a prática, uma complexa alegoria filosófica pitagórica ou uma
combinação de retórica epideítica e romance novelístico (KEMEZIS, 2014, p. 158). Meyer
(1917), um de seus primeiros estudiosos, considerou a obra um
Reiseroman
, isto é, uma
mistura de fantasia com romance de formação, e Reardon (1971, p. 189) a classificou
como quase um romance. Porém, Bowie (1978, p. 1664) chama atenção para uma
marcante diferença entre a narrativa de Filóstrato e o gênero novelístico: a ausência de
um interesse amoroso por parte do personagem central, o que pode ser explicado pela
índole ascética do protagonista.
De fato, Filóstrato parece transformar Apolônio em um membro da Segunda
Sofística, movimento do qual Filóstrato fazia parte (SILVA, 2016, p. 121). A obra assume,
às vezes, o caráter de uma apologia de Apolônio por meio de uma biografia filosófica,
marcada, de acordo com Billault (2009, p. 16), por longos discursos, cuja originalidade
repousa principalmente em sua ênfase no magistério filosófico de Apolônio e que podem
ser resumidos, grosso modo, da seguinte maneira: preleção sobre os sacrifícios e
oferendas que são devidos aos deuses e preleção sobre a recusa de receber pagamento
por suas aulas (livro 1); preleção sobre temas vários como pintura, embriaguez e sonhos
(livro 2); audiência de Apolônio na Índia (livro 3); justificativa de sua viagem a Roma, no
período de Nero (livro 4); defesa das ações de Vespasiano para assumir o poder (livro 5);
justificativa de sua filosofia diante dos “sofistas nus” da Etiópia (livro 6); justificativa de
sua decisão de ir a Roma para enfrentar Domiciano (livro 7); e, finalmente, descrição da