GONÇALVES, Paulo Cesar
*
http://orcid.org/0000-0003-3122-0690
Em 21 de abril de 2021, faleceu em sua casa na cidade de Saint-Germain-en-Laye
(Yvelines), aos 96 anos, o historiador francês Marc Ferro. Intelectual brilhante, autor de
vasta, diversificada e importante obra sobre temas da História Contemporânea, mais
especificamente do século XX, deixa legado valoroso e inquestionável ao ofício de
historiador dentro e fora das fronteiras da academia.
Sua história de vida foi marcada na juventude pela Segunda Guerra Mundial e pelo
Holocausto, quando se viu obrigado a interromper seus estudos. Nascido em 24 de
dezembro de 1924, filho de judeus, perdeu o pai, Jacques Ferro, com apenas cinco anos
de idade. Anos depois, durante a ocupação da França, sua mãe, Nelly Firdmann, foi
deportada e assassinada pelos nazistas em Auschwtiz. Ameaçado pela política
antissemita do governo colaboracionista de Vichy, Marc Ferro engajou-se na resistência
*Doutor em História Econômica pela USP, São Paulo-SP. Professor do Departamento de História e do
Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual
Paulista (Unesp),
campus
de Assis. Av. Dom Antônio, 2100 Parque Universitário. CEP: 19810-900. Assis-
SP. E-mail: pc.goncalves@unesp.br.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
francesa,
1
atuando na inteligência do Maquis
2
de Vercors, por conta da sua capacidade
de ler mapas e, posteriormente, participou da luta contra os alemães pela libertação de
Lyon em 1944.
Em 1948, após a conclusão da formação universitária em História e Geografia,
Marc Ferro seguiu para Orã, cidade litorânea da Argélia, onde lecionou no
Lycée
Lamoricière
até 1956 experiência fundamental que marcou a formação do jovem
historiador. O contato com os alunos permitiu ao professor identificar outra face da
História, a visão não ocidental. A noção de “história plural”, portadora de diversas vozes,
adveio da experiência na colônia francesa, onde foi confrontado com o fato de que os
argelinos tinham um ponto de vista diferente dos europeus sobre a História. Em
entrevista para a
Revista Santiago
(ERLIJ, 2017), Ferro relembrou episódio ilustrativo
quando, em aula, foi surpreendido por um garotinho árabe que contestou sua explicação
sobre a positividade do sedentarismo para os ocidentais em contrapartida ao
nomadismo. Segundo o menino, os nômades eram mais astutos, pois enquanto os outros
trabalhavam na terra, eles, em seus camelos, estavam a salvos de serem apanhados. O
argumento revelou outro lado da História não contada nos livros, o de que para árabes e
turcos o sedentarismo representava o contrário, ser escravo, e fez o atento professor
perceber que estava ensinando História sem questioná-la. Muitas décadas depois, com a
carreira consolidada, vale lembrar que Marc Ferro encerrou seu livro
A colonização
explicada a todos
, publicado em 2016, com a seguinte constatação: “Quanto a nós,
historiadores, precisamos reescrever a história, hoje e sempre, mas uma história com
várias vozes, escrita coletivamente.” (FERRO, 2017, p. 180).
3
Em seu retorno à França, Marc Ferro conciliou a atividade do magistério nos
colégios
Montaigne
e
Rodin
em Paris (1956-1960) e o trabalho em sua tese de
doutoramento dedicada à Revolução Russa e à Primeira Guerra Mundial, que seria
concluída em 1976, sob a orientação de Pierre Renouvin. Nesse período, integrou a
equipe editorial dos
Cahiers du monde russe et soviétique
, realizou estágio de
investigação em arquivos da URSS e publicou os primeiros resultados de suas pesquisas
1
A Segunda Guerra Mundial marcou a vida de vários historiadores aclamados nos anos 1970 como
expoentes da Nova História: Jacques Le Goff, François Furet, Georges Duby, Pierre Chaunu, Philippe Ariès,
René Rémond e Marc Ferro. Sobre o tema, ver ROLLEMBERG; VAINFAS, 2017.
2
Maquis: termo adotado para designar os grupos de resistentes à ocupação alemã que atuavam em regiões
pouco povoadas.
3
Neste texto, as obras de Marc Ferro são referenciadas pelas edições em português. No entanto, para
identificar a temporalidade original das publicações, estão indicadas nas referências bibliográficas as
respectivas primeiras edições em francês.
no renomado periódico
Annales
,
4
do qual mais tarde se tornaria codiretor a convite de
Fernand Braudel, seu mentor intelectual. Em 1969, foi nomeado diretor da
École Pratique
des Hautes Études
, mesmo ano em que ingressou na
École Polytechnique
5
.
Em 1965, o periódico
Annales
publicou um debate sobre o filme documentário
para televisão,
La Grande Guerre 1914-1918
, realizado por Marc Ferro em parceria com
Solange Peter, a convite de Pierre Renouvin. Com textos de Annie Kriegel, Alain
Besançon e do próprio Ferro abriu-se o debate sobre a contribuição do filme não apenas
para a educação mas também para problematização da história do conflito (FERRO;
KRIEGEL; BESANÇON, 1965). Nessa contenda, algumas ideias que nortearam o
pensamento de Ferro sobre a relação entre cinema e história ganharam luz,
demonstrando que, para o historiador, as imagens em movimento já eram percebidas
como documento histórico desde o início da sua pesquisa de doutorado. Percepção
posteriormente teorizada no que ele chamaria de “contra-história”, ou seja, a ideia de
que a imagem pode ensinar coisas que os textos escritos não dizem. Por outro lado, ao
destacar a potencialidade da linguagem cinematográfica como forma de expressão de
determinados eventos históricos, também apontou seus limites aos quais os
historiadores deveriam estar atentos.
Em 1968, na seção “Debates e Combates” dos
Annales
, Marc Ferro publicou
“Sociedade do século XX e história cinematográfica” (FERRO, 1968). Uma espécie de
manifesto a favor do cinema como fonte inestimável de informações para o século XX
o século das massas , sumarizando as ltiplas formas de análise à disposição do
historiador. Estava aberta uma vereda que Ferro transformaria em estrada de duas vias,
sobretudo como integrante da terceira geração da
École des Annales
. O historiador foi
um dos grandes responsáveis, a partir dos anos de 1970, por elevar o cinema à categoria
de “novo objeto” da pesquisa histórica. Seu artigo, “O filme, uma contra-análise da
sociedade?” (FERRO, 1973a), publicado nos
Annales
em 1973, e depois reproduzido no
terceiro volume da coleção organizada por Jacques Le Goff e Pierre Nora,
História: novos
objetos
(LE GOFF; NORA, 1976)
e no livro
Cinema e História
(FERRO, 1992), defende
através da análise de películas de ficção e não-ficção produzidas durante o nascimento
da URSS que o filme, imagem ou não da realidade, documento ou ficção, intriga
autêntica ou pura invenção, é História. E como o filme sempre vai além de seu próprio
4
O periódico
Annales d'Histoire Économique et Sociale
foi fundado em 1929 por Marc Bloch e Lucien
Febvre. Em 1946, sob a direção de Fernand Braudel, o título foi alterado para
Annales. Économies,
Sociétés, Civilisations
.
5
Marc Fero também foi diretor do
Institut du monde soviétique et de l’Europe centrale et orientale
(1985-
93), Administrador do
Institut National de l'Audiovisuel
(2003) e membro do
Conseil Supérieur des
Archives Nationales
(2006).
conteúdo e da realidade representada, permite atingir uma zona da História até então
ocultada, inapreensível, não visível, tornando-se essencial para a análise mais ampla
daquela realidade histórica. Em síntese, para Marc Ferro, o cinema era uma porta secreta
para entrar no presente e no passado de uma sociedade, a abertura para a “contra-
história”.
Essa inquietação que o historiador chamaria de “contra-história” estava
presente em sua pesquisa de doutorado sobre a Revolução de 1917, que acabaria por
questionar certos dogmas da historiografia revolucionária: “Eu queria especialmente
compreender por que havíamos entendido mal os eventos na Rússia, de 1917 até hoje, e
isso poderia ser um bom tema para tese [...]”, com o escopo de “[...] lançar luz sobre
situações históricas que, até então, não tinham sido expostas de forma leal, mas sim
partidária, ‘religiosamente’ partidária.” (GUYON; DELARUE, 2016, p. 10). Dois artigos
exemplificam tais objetivos. Em 1973, publicou “1917: a revolução na aldeia” nos
Cahiers
du monde russe et soviétique
(FERRO, 1973b)
.
Utilizando como referência o exemplo dos
camponeses da região central da Rússia (Samara, Rjazan), Ferro defende a tese de que a
reforma agrária foi realizada antes de Outubro pelos camponeses. Como a revolução não
trouxe progresso material imediato às aldeias, os camponeses se voltaram contra os
moradores da cidade, pois atrás do citadino, o camponês reconhecia e encontrava o
Estado e seus agentes, burocratas e opressores era, em suas palavras, guerra a do
campo contra as cidades, das cidades contra o campo.
Três anos depois, novamente nos
Annales
, publicou um artigo seminal sobre “O
nascimento do sistema burocrático na URSS” (FERRO, 1976a), no qual descreve as várias
formas democráticas de organização operária
sovietes
, milícias, comitês de fábrica,
comitês de bairro, a Guarda Vermelha destacando que o surgimento e a expansão de
um poder popular autônomo colocava em causa a autoridade das instituições tipo
partido e sindicato, causando inevitável conflito. Nesse quadro, desenvolveu-se o
fenômeno que o historiador chamou de controle burocrático, em dois níveis, a
“burocratização pelo alto”, que visava a reforçar o controle do partido sobre os
sovietes
e, através deste, sobre os comitês de fábricas e de bairros, e a “burocratização por
baixo”, caracterizada pela profissionalização dos militantes transformados em
representantes permanentes de suas organizações. Como resultado, o surgimento de um
novo grupo social ligado ao aparelho burocrático estatal de onde provinha sua renda, fiel
ao partido bolchevique, mas descolado de sua classe de origem. Em suma, o
esvaziamento e desaparecimento das instituições autônomas de base, sustentáculo
original de Outubro de 1917.
Aspecto interessante na trajetória da pesquisa de doutoramento de Marc Ferro foi
a publicação em forma de livros dos resultados das investigações antes da finalização da
tese. Em 1967, veio à luz o primeiro tomo de
A Revolução de 1917: a queda do czarismo e
as origens de Outubro
, enquanto o segundo tomo de
A Revolução de 1917: Outubro,
nascimento de uma sociedade
chegaria ao grande público em 1976 (FERRO, 1967; FERRO,
1976b).
6
em
La Grande Guerre 1914-1918
, Ferro registrou, no prólogo à primeira edição
de 1969, sua vocação para grandes temas e longas temporalidades: “Tinha começado a
estudar a Grande Guerra; pelo caminho encontrei o fascismo, vi despontar as formas do
totalitarismo e desagregar-se o sentimento patriótico. Muito antes de Versalhes,
começaram a recortar-se as causas da Segunda Guerra Mundial, mesmo da guerra fria,
antes de Brest-Litovsk. Será ousado acrescentar que, escrita há um ano, a primeira parte
deste livro me ajudou a compreender e a viver a crise do nosso tempo?” (FERRO, 2002,
p. 10).
Aos temas de pesquisa identificados nos primeiros artigos e livros, Marc Ferro
adicionou sua preocupação com o fato colonial e a história da França, ambos na
perspectiva da longa duração, da análise comparada e do legado do passado ao tempo
presente.
Em
História das colonizações
(FERRO, 1996) o historiador apresenta uma obra
abrangente em escala geográfica e temporal, apoiada na história comparada, que voz
aos chamados “vencidos” e, portanto, permite o necessário distanciamento do
eurocentrismo para analisar as experiências expansionistas da Europa ocidental, mas
também das civilizações russa, árabe, turca e japonesa, cujo recorte temporal antecede o
das grandes navegações, o século XIII no caso da expansão árabe, o século VII. O
amplo quadro das independências nacionais do pós-guerra é examinado como um
movimento de resistência das populações autóctones desde a chegada do homem
branco. Não sem propósito, Marc Ferro adverte que em geral esses processos de
libertação foram denominados pelos europeus de “descolonização” e acabam por negar
ao colonizado o reconhecimento do seu último gesto, a rebeldia, e o próprio lugar de
sujeito diante de sua própria história.
Essas emancipações, no entanto, resultaram em uma “descolonização
atropelada”, quando as antigas relações coloniais foram substituídas por novas formas
de dependências pós-coloniais, passando da hegemonia europeia para a estadunidense.
Para tanto, Ferro desenvolveu o conceito de “imperialismo multinacional” portador de
certa continuidade, em termos de domínio, com a expansão colonial dos séculos XVI-
6
No Brasil foi publicado apenas o tomo I: FERRO, 1974.
XVII e o imperialismo dos séculos seguintes, cujo marco divisório foi a Revolução
Industrial que se apresenta no mundo de hoje como um dos efeitos mais perversos da
mundialização da economia e da globalização do poder político e da indústria cultural.
A relação entre racismo e imperialismo também é analisada pelo historiador
francês com base na concepção de civilização por parte dos europeus. Apoiado na
ciência, na técnica e na razão, o homem branco considerava-se no dever de educar as
sociedades subjugadas no caminho inevitável do progresso, pois acreditava pertencer a
uma civilização superior. Como lembra Ferro, se é certo que as teorias raciais já existiam
antes da colonização, mas tinham pouca influência, foi o imperialismo que lhes deu
substância e vida, propagando-as. Basta lembrar que a ideologia racista foi aplicada
também na Europa, produzindo um totalitarismo que legitimou o poder de uma “raça
superior” sobre outros europeus. Na visão arguta de Marc Ferro, a condenação da
experiência nazista na Europa representa um testemunho das diferenças entre
colonizadores e colonizados na concepção do europeu. Para tanto, destaca uma
observação do poeta Aimé Césaire, em seu
Discurso sobre o colonialismo
de 1955: O
que o cristianismo burguês do século XX não perdoa em Hitler não é o crime em si, o
crime contra o homem branco [...] é ter aplicado à Europa procedimentos colonialistas
que, até então, se destinavam aos árabes, aos cules da Índia e aos negros da África.”
(CÉSAIRE, 1955 apud FERRO, 2004, p. 10).
A citação que é recuperada em
O livro negro do colonialismo
, organizado por
Ferro em 2003, antecedida por uma observação àqueles que leram as
Origens do
totalitarismo
de “Hannah Arendt com um só olho e não se aperceberam de que ao
nazismo e ao comunismo, ela havia associado o imperialismo colonial” (FERRO, 2004, p.
10). Seria o colonialismo uma forma de totalitarismo? Esta é a questão que norteia a obra,
pensada mais uma vez na forma comparada, e que contou com a colaboração de diversos
especialistas. A resposta, em síntese, aponta que sim, pois o colonialismo possuía uma
ideologia própria, agentes de execução colonos e metrópoles e mantinha a maior
parte da população subjugada por meio de argumentos racistas.
Em
História de França
(FERRO, 2013), publicado em 2001, Marc Ferro realizou
outra empreitada de grande fôlego, à semelhança de Fernand Braudel nos três volumes
de
A identidade da França
(BRAUDEL, 1989). No livro, o historiador se pergunta quando
começou a história francesa e propõe narrativa que contempla duas histórias, a heroica e
gloriosa, que considera os grandes eventos muitas vezes convertidos em mitos,
compondo uma
história força
que participa decisivamente na grande identidade da
nação; e a história anônima, formada pelos habitantes do país, pelo seu trabalho, pela
vida cotidiana, pela história das mulheres, o que permite abordar precisamente a
formação dessa identidade. A proposta define, inclusive, a estrutura da obra em duas
partes, que são confrontadas e entrelaçadas para iluminar o entendimento da França
contemporânea, sob a perspectiva comparada com outros países europeus, em meio à
globalização e à degradação da soberania dos Estados-nações, cujo movimento
simultâneo de contraponto reside nas reivindicações regionalistas, colocando em causa
as identidades e as essências desses Estados.
Marc Ferro também desenvolveu inúmeras atividades fora do universo
acadêmico, revelando a mesma inquietação e originalidade características de suas obras.
Dirigiu e produziu diversos filmes para cinema e televisão, dentre os quais se destacam
Trente ans d’histoire
(1964),
Lénine par Lénine
(1970),
Images de l’histoire, Une histoire
de la médecine
(série de 8 filmes) (1980), participou do roteiro do filme
Pétain
(1993),
baseado em sua biografia do Primeiro Ministro francês (FERRO, 1987). Seu projeto mais
conhecido, porém, certamente foi o programa de televisão
Histoire Paralèlle
, transmitido
pelo canal franco-alemão
La Sept
. Apresentado pelo próprio historiador e com a
participação de convidados, trazia os cinejornais veiculados nos dois países, 50 anos
antes, com o objetivo de confrontar nas imagens as estratégias utilizadas por alemães e
franceses para construir a guerra, tal como deveria ser vista e vivida por seus
concidadãos. Sucesso de público, o longevo programa ficou no ar entre 1989 e 2001. Na
trilha da relação do cinema com a “contra-história”, um dos grandes temas estudados ao
longo da trajetória intelectual de Ferro,
Histoire Paralèlle
tornou-se um exercício público
de compreensão e problematização histórica por meio das imagens, possibilitou a
discussão das relações conflituosas entre memória e história, expôs as tensões inerentes
à construção da história e a influência do poder contemporâneo sobre a mesma através
das dias aspectos analisados em seu livro
A manipulação da história no ensino e
nos meios de comunicação
(FERRO, 1983). Fiel à sua proposta de difusão do
conhecimento histórico, Ferro também escreveu vários livros de divulgação, como
Questions sur la Seconde Guerre Mondiale
(1994);
Le XXe siècle raconté à mon petit-fils
(2007);
L'Histoire racontée en famille
(2008);
Le mur de Berlin et la chute du
communisme expliqués à ma pettite-fille
(2009);
La colonisation expliquée à tous
(2016)
os dois últimos publicados no Brasil (FERRO, 2011; FERRO, 2017).
Reconhecido dentro e fora da França, recebeu inúmeros prêmios, homenagens e
convites para participação em eventos, cursos e palestras. É Doutor
Honoris Causa
pela
Universidade de Moscou (1998), pela Universidade de Bordéus (2003) e pela
Universidade de Santiago do Chile (2006), atuou como professor visitante nos Estados
Unidos, Canadá, Rússia e Brasil, onde esteve em algumas ocasiões. Em 1996, foi à
Salvador, Bahia, como convidado do Simpósio Internacional “A Guerra Civil Espanhola e
a relação Cinema-História”. O evento foi organizado pelo grupo Oficina Cinema-História
da UFBA, que publicou o livro
Cinematógrafo: um olhar sobre a História
(NÓVOA;
FRESSATO; FEIGELSON, 2009)
7
, uma coletânea de artigos de autores brasileiros e
franceses que discutem o papel do cinema como fonte e objeto da pesquisa histórica a
partir do legado do mestre pioneiro Marc Ferro. Em 2004, na inauguração do
Departamento de Cinema da Unicamp, o historiador francês foi conferencista convidado
para marcar com deferência a data especial. Impossível, ainda, não referenciar uma
conferência sobre a relação entre cinema e história que o professor Marc Ferro proferiu
em 27 de agosto de 1987, na Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Assis, com
tradução simultânea da professora Maria Amália Tozini Reis.
8
A vida e obra de Marc Ferro, resumida neste texto em largos traços e sem
nenhuma pretensão de abarcar todos os seus aspectos, exemplificam características de
um historiador, professor, pesquisador e divulgador da História que teve na inquietação,
no pioneirismo, na criatividade, no rigor da pesquisa e na erudição os fios condutores da
trajetória que o levou a ser reconhecido como um dos grandes historiadores do século
XX e um dos grandes estudiosos dedicados ao século XX. Nesse sentido, nada mais
ilustrativo do seu espírito inquieto e inovador do que o episódio ocorrido em 1986,
quando Marc Ferro mandou instalar antenas parabólicas no telhado da
École des Hautes
Études en Sciences Sociales
, para que ele e seus alunos pudessem acompanhar
diretamente os acontecimentos que estavam mudando a União Soviética.
9
Compreender o nosso tempo com auxílio da “contra-história”. Talvez essa frase
resuma o que norteou a trajetória de Marc Ferro como historiador e também a
fundamental contribuição de sua obra para a História.
Referências
BRAUDEL, Fernand.
A identidade da França
. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1989. 3 v. (1ª
edição francesa de 1986)
ERLIJ, Evelyn. Entrevista a Marc Ferro: “El populismo es el triunfo de la identidad sobre
la libertad”.
Revista Santiago
, Santiago do Chile, 09 fev. 2017. Disponível em:
https://revistasantiago.cl/pensamiento/entrevista-a-marc-ferro-el-populismo-es-el-
triunfo-de-la-identidad-sobre-la-libertad/#. Acesso em 17 maio 2021.
7
O livro é aberto com um texto de Marc Ferro, A quem pertence as imagens?”, e encerrado com Retrato
de Marc Ferro”, escrito por Isabelle Veyrat-Masson.
8
A gravação da conferência encontra-se no acervo audiovisual do Centro de Documentação e Apoio à
Pesquisa (CEDAP) da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp
campus
de Assis. Disponível em:
http://www.assis.unesp.br/#!/cedap. Acesso em: 20 maio 2021.
9
Relato de Sheila Schvarzman. A lógica do domínio.
Folha de S. Paulo
, 2 de junho de 1996.
FERRO, Marc.
La Révolution de 1917
: La chute du tsarisme et les origines d'octobre. Paris:
Flamarion, 1967. t. I
FERRO, Marc. Société du XXe siècle et histoire cinématographique.
Annales. Economies,
Sociétés, Civilisations
, Paris, ano 23, n. 3, p. 581-585, 1968.
FERRO, Marc. Le film, une contre-analyse de la société?
Annales. Économies, Sociétes,
Civilisations
, Paris, ano 28, n. 1, p. 109-124, 1973a.
FERRO, Marc. 1917: la révolution au village.
Cahiers du monde russe et soviétique
, Paris,
v. 14, n. 1-2, p. 33-53, 1973b.
FERRO, Marc.
A revolução Russa de 1917
. São Paulo: Perspectiva, 1974.
FERRO, Marc. La naissance du système bureaucratique en URSS.
Annales. Economies,
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, Paris, ano 31, n. 2, p. 243-267, 1976a.
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La Révolution de 1917
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A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação
. São
Paulo: IBRASA, 1983. (1ª edição francesa de 1981).
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Cinema e História
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. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. (1ª edição francesa de 1994).
FERRO, Marc.
A Grande Guerra 1914-1918
. Lisboa: Edições 70, 2002. (1ª edição francesa
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FERRO, Marc (org.).
O livro negro do colonialismo
. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. (1ª
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FERRO, Marc.
A reviravolta da História
: a queda do muro de Berlim e o fim do
comunismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
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História da França
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FERRO, Marc.
A colonização explicada a todos
. São Paulo: Editora Unesp, 2017. (1ª edição
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FERRO, Marc; KRIEGEL, Annie; BESANÇON, Alain. L'expérience de la “Grande Guerra”.
Annales. Economies, Sociétés, Civilisations
, Paris, ano 20, n. 2, p. 327-336, 1965.
GUYON, Régis; DELARUE, Francis. Entretien avec Marc Ferro “La révolte des jeunes est
souvent liée à l’humiliation des parents”.
Diversité
, Paris, n. 184, p. 7-11, 2016.
LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre.
História:
novos objetos
.
Rio de Janeiro: Francisco Alves
Editora, 1976. v. 3. (1ª edição francesa de 1974).
NÓVOA, Jorge; FRESSATO, Soleni Biscouto; FEIGELSON, Kristian (org.).
Cinematógrafo:
um olhar sobre a História. Salvador: EdUFBA; São Paulo: Editora Unesp, 2009.
ROLLEMBERG, Denise; VAINFAS, Ronaldo. Historiadores franceses na zona cinzenta:
lembranças da guerra.
Revista de História
, São Paulo, n. 176, p. 1-36, 2017.