LIMA, Bárbara Braga Penido*
https://orcid.org/0000-0002-7163-5826
RESUMO: Pretendemos analisar as
expectativas sobre os projetos de construção
ferroviária em Minas Gerais face aos
orçamentos públicos instituídos para a
instalação e expansão da malha ferroviária
mineira. As verbas destinadas à criação das
estradas de ferro foram identificadas nas
mensagens dos Presidentes do Estado, entre
1891 e 1910, dirigidas ao Congresso Mineiro.
Buscamos comparar a ideia de progresso
vislumbrada nos repertórios sobre a expansão
dos trilhos ferroviários e os orçamentos
praticados pelo erário público, procurando
estabelecer as relações entre as expectativas
discursivas, a expansão das ferrovias no
estado e as perspectivas de progresso.
PALAVRAS-CHAVE: Retórica Política;
Progresso; Ferrovias; Orçamento Público.
ABSTRACT: This paper analyse the
expectations on railway construction projects
in Minas Gerais in view of the public budgets
instituted for the installation and expansion of
the Minas Gerais railway network. The funds
allocated to the creation of railways were
identified in the messages from the Presidents
of the State, between 1891 and 1910, they were
sent to the congress of the State of Minas
Gerais. We sought to compare the idea of
progress glimpsed in the repertoires on the
expansion of railway tracks and the budgets
practiced by the public treasury, seeking to
establish relationships between discursive
expectations, the expansion of railways in the
state and the prospects for progress.
KEYWORDS: Political Rhetoric; Progress;
Railways; Public Budget.
Recebido em: 04/01/2023
Aprovado em: 14/04/2023
* Mestre em Educação Tecnológica (CEFET-MG, 2016), Belo Horizonte-MG. Doutoranda em História,
PPGHIS-UFMG, Belo Horizonte-MG, bolsista (agência de fomento à pesquisa CAPES). E-mail:
bragapenido@gmail.com.
1
A frase consta no discurso do Presidente do Estado de Minas Gerais, Ernesto da Gama Cerqueira, em 21
de abril de 1892 (Anais do Senado Mineiro, 1892, p.33).
2
Este texto é continuidade da minha pesquisa de mestrado, intitulada “Affonso Penna e os repertórios do
engrandecimento mineiro: instrução profissional, ferrovia e ideário republicano (1874-1906)”, realizada no
Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), sob orientação do Prof. Dr. Irlen Antônio Gonçalves e co-
orientação do Prof. Dr. James William Goodwin Jr.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
Este artigo busca discutir a ideia de progresso percebida nos repertórios
discursivos das Mensagens dos Presidentes do Estado apresentadas ao Congresso
Mineiro
3
, entre 1891 e 1910, relacionados à instalação e à organização de ferrovias em
Minas Gerais, como meio de alcançar o progresso no Estado. O recorte temporal
justifica-se pelo fato de, entre o ano de 1890 e 1910, verificar-se o auge do surto
ferroviário mineiro, embora o ano de 1910 represente uma certa decadência na expansão
dos trilhos ferroviários. Ademais, o ano de 1891 demarca o início das atividades do
Congresso Mineiro, durante a Primeira República, período em que se produzem os
debates parlamentares e os dados orçamentários sobre a expansão ferroviária em Minas
Gerais.
A ideia de progresso foi tomada como meio de análise entre o fenômeno
discursivo político-intelectual e o fato econômico, interpretado na dotação orçamentária
da construção das ferrovias. Por meio da Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas
4
eram efetivadas as propostas para a instalação e expansão da rede de ferrovias
em território mineiro; sendo esse trabalho descrito com o informe orçamentário nas
mensagens presidenciais dirigidas ao Congresso Mineiro. Sob a perspectiva da ocupação
do território, da dinamização da economia e da integração das zonas que compõem o
estado, os presidentes mineiros entendiam as ferrovias como indutoras do progresso
econômico e social. Logo, intenta-se avaliar se os valores do erário público destinados à
construção de ferrovias e à prática de concessão de trechos à iniciativa privada
correspondem ao arcabouço discursivo do repertório político, que assinalava a expansão
ferroviária como uma das soluções do suposto “atraso” mineiro (DULCI, 1999).
O repertório político mineiro, nesse período, sugeria a articulação entre a ideia de
progresso, a construção das ferrovias e o desenvolvimento econômico, posto que a
difusão das ferrovias é consequência da articulação entre as determinações econômicas
3
Em Minas Gerais, após a implantação do regime republicano em 1889, foi instalado o Congresso Mineiro,
composto por Senado e Câmara dos Deputados, que passou a exercer o poder legislativo estadual.
Instituição representativa das oligarquias dominantes da época (LIMA, 2016).
4
A secretaria da agricultura, comércio e obras públicas, criada pela lei 6 de outubro de 1891, ficou
encarregada das questões relacionadas à agricultura, ao comércio, às obras públicas, às minas, às terras, à
colonização, à imigração, à catequese dos índios, aos correios e aos telégrafos. Era função do órgão,
também, a elaboração da estatística e do recenseamento da população. Após a reforma estrutural do
estado de 1901, tal secretaria foi extinta e suas atribuições foram transferidas para a Secretaria do Interior
e para a Secretaria de Finanças. Os Serviços de Obras Públicas e Viação, a cargo da Secretaria das
Finanças, foram incorporados a Inspetoria de Obras Públicas e a Inspetoria de Viação. Em 1903, esses
serviços ficaram a cargo da Diretoria Geral de Agricultura, Viação e Indústria. Em 1907, a diretoria foi
repartida em duas: Diretoria de Viação e Obras Públicas e Diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e
Colonização. No ano de 1910, pela Lei 516, foi restabelecida a Secretaria da Agricultura, Indústria,
Terras, Viação e Obras Públicas. Com aprovação do regulamento de 1911, essa secretaria ficou organizada
em três diretorias: Diretoria de Agricultura, Terras e Colonização; Diretoria de Viação, Obras Públicas e
Indústria; e Diretoria de Comércio e Expansão Econômica (ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, 1891-1957).
e as injunções do universo da política” (GOULARTI FILHO; QUEIROZ, 2011). Desse
modo, procedeu-se à análise do discurso, conforme a teorização de Charaudeau (2013),
para examinar as Mensagens Presidenciais contidas nos Anais do Senado Mineiro,
apreendidas como fontes documentais. O Congresso Mineiro, nesse sentido, é entendido
como um dos ambientes produtores de discursos que comandavam os sistemas de
representação, segundo a proposta de Chartier (1990). Nesse local, apesar das disputas
internas geradas por esses grupos, as concepções de progresso eram partilhadas entre
as elites políticas mineiras (VISCARDI, 2012)
5
por pertencerem ao mesmo sistema de
cultura política
6
. Nas mensagens presidenciais, lidas em plenária, estão contidos os
dados orçamentários propostos, entre outros setores, ao projeto de ampliação da rede
ferroviária de Minas Gerais. Contudo, tais dados não são apresentados de forma seriada
e ordenada, pois revelam lacunas e ambiguidades nas informações referentes aos gastos
do erário público com a construção de estradas de ferro e com os subsídios fornecidos
às companhias ferroviárias pelo governo mineiro.
Certamente, não é possível estabelecer homologia entre o pensamento econômico
dominante entre os políticos mineiros e as políticas econômicas instituídas em Minas
Gerais, destacando os projetos orçamentários para a expansão ferroviária (PAULA, 2017,
p. 439). Em face da exigência de rendas progressivas, vislumbradas a partir da
construção dos caminhos ferroviários no estado, foram discutidas diversas propostas
orçamentárias para implantação e ampliação da malha ferroviária no estado. Ao
considerar a ferrovia como elemento central no desenvolvimento socioeconômico, e não
somente um mero apêndice da indústria agrícola em Minas Gerais, os dados
orçamentários refletem a importância de avaliar a política econômica escolhida para o
fomento da rede ferroviária. A importância dada ao projeto de expansão das ferrovias no
território mineiro pode ser observada na seguinte mensagem:
Como vereis do relatório apresentado pelo Dr. Secretário da Agricultura e
anexos que o acompanham, o território do Estado é cortado por 2.450 km de
estradas de ferro em tráfego. Das estradas em tráfego, cerca de 1.700 km
foram construídos mediante concessão do Estado. Acham-se em construção
5
Viscardi (2012) definiu as elites políticas mineiras segundo os indivíduos que ocupavam cargos no
Executivo e no Legislativo estadual e federal na Primeira República. Sob perspectiva semelhante, o
conceito de elites, formulado por Carvalho (2013), refere-se aos grupos especiais de elite marcados por
características que os distinguem tanto das massas como de outros grupos de elites, de acordo com o
critério de posição. Para Dulci (1999, p. 107), “a elite política e a elite agrária remontam a uma estrutura
socioeconômica tradicional, em que predominavam as atividades rurais”. Neste trabalho, o conceito de
elite será utilizado para designar os ocupantes dos cargos na administração pública no cenário mineiro e
nacional.
6
A ideia de cultura política é descrita como o conjunto de valores, tradições, práticas e representações
políticas compartilhadas por determinado grupo que expressa uma entidade coletiva e fornece leituras
comuns do passado, assim como fornece inspiração para projetos políticos direcionados ao futuro. Para
um estudo aprofundado, ver Motta (2009).
801 km de linhas concedidas pelo Estado, e com estudos aprovados, 1763 km e,
por estudar, 6693.
Atenta a extensão do nosso território e necessidade que sentimos de transporte
rápido e barato, é seguramente insuficiente a extensão de estradas que
possuímos, mas comparativamente aos demais Estados da República, não temos
motivo para nos entristecer, pois a nossa viação férrea aberta ao tráfego
representa quase a quarta parte das linhas brasileiras.
Não é pequena a responsabilidade assumida pelo Estado para a construção de
estradas de ferro, mas além de que algumas incorrerão em caducidade, por isso
que os respectivos concessionários não as podem realizar por terem sido mal
planejadas, quer quanto a traçados, quer quanto à sua eficácia econômica,
ocorre ainda que, relativamente a algumas linhas, dentro de breve tempo a
responsabilidade se tornará puramente nominal
7
. (ANAIS DO SENADO
MINEIRO, 1893, p. 12).
A mensagem de Affonso Penna, presidente do Estado mineiro, evidencia a
questão da rentabilidade do empreendimento ferroviário e demonstra os meios de
entrada de capital estrangeiro no território mineiro, especialmente via contratos de
concessão de subsídios (SAES, 1986; CASTRO, 1979). A relevância das estradas de ferro
como meio de interligar o extenso território mineiro remete também à questão
populacional e ao seu deslocamento, pois, no ano de 1872, 22% da população brasileira
estava em Minas Gerais. Ademais, entre 1872 e 1900, a população mineira cresceu mais
rapidamente do que a do Rio de Janeiro (Estado e cidade), embora mais lentamente do
que a de São Paulo. E, no ano de 1900, o estado mineiro manteria a maior concentração
populacional do país (OLIVEIRA, 2012, p. 71). Nesse sentido, o transporte ferroviário
significava uma solução barata e eficiente para o deslocamento de pessoas e produtos.
Ele também aborda a situação de encampação de ferrovias por parte do governo, um
custo elevado ao erário público. Assim, mostra uma assimetria entre a idealização de um
projeto de expansão ferroviária, que deveria ser sustentado pelo governo mineiro, não
importa o custo e a possibilidade do prejuízo econômico para a administração pública.
O orçamento público destinado ao projeto ferroviário nos permite indagar sobre a
realidade econômica vivenciada pelo governo mineiro em contraste com os instrumentos
discursivos e horizontes de expectativas dos políticos mineiros. Para Albino (1956), pode-
se enfileirar números discutíveis percebidos nos dados orçamentários apresentados nas
Mensagens dos Presidentes do Estado ao Congresso Mineiro, entendidas como
relatórios da conjuntura socioeconômica de Minas Gerais, e configurar conclusões ainda
mais discutíveis em torno desses números. Símbolo da modernidade tecnicocientífica, a
ferrovia contribuiu para os ideais republicanos e as camadas dominantes do país, para
instaurar a ideia de progresso” (CORRÊA; OLIVEIRA, 2017, p. 328). Todavia, os trabalhos
de Hardman (2005), Castro (1993), Arruda (2000) e Blasenheim (1996), por exemplo,
7
A grafia das citações presentes neste artigo foi atualizada pela autora.
sinalizam a ineficácia do projeto ferroviário enquanto indutor do progresso
socioeconômico, meio de integração territorial e promotor da ocupação e urbanização do
Brasil e de Minas Gerais.
O progresso, as ferrovias e o Congresso Mineiro
Com a proclamação da República, experimentava-se uma gama de mudanças sem
precedentes, inclusive pelas perspectivas de aprofundamento dos laços do Brasil com a
economia internacional, “seja por meio da intensificação da imigração europeia, ou das
consideráveis entradas de capital estrangeiro, ou mais amplamente pelo vendaval de
inovações tecnológicas e institucionais que caracterizaram o fin de siecle (FRANCO;
LAGO, 2011, p. 03-04). Acreditava-se no apoio a medidas mais favoráveis à iniciativa
privada, ao internacionalismo e ao investimento financeiro. A locomotiva, nesse sentido,
refletia a projeção do desenvolvimento econômico e social e a internacionalização da
economia por meio da atuação de companhias estrangeiras na construção de estradas de
ferro, além de ser um mecanismo no estímulo ao comércio e à indústria.
A ideia de progresso imputada aos políticos mineiros, partilhada em vocabulário
comum, compreendia o desenvolvimento da produção material via aprimoramento dos
métodos agrícolas e incentivo à criação de indústrias. Os políticos mineiros percebiam o
desenvolvimento econômico ligado à produção industrial e aos serviços prestados pela
administração pública (PÁDUA, 2012). Para eles, pertencer ao concerto das nações
modernas correspondia à participação nos benefícios do progresso e do
desenvolvimento técnico e econômico (GOODWIN Jr., 2015). A ferrovia, interpretada
como chave para o desenvolvimento econômico e social, possibilitaria a ampliação da
circulação interna, a criação de povoamentos e, consequentemente, o avanço da
economia e o controle das fronteiras pelos Estados. Em diferentes regiões, a ferrovia
passou a ser percebida como “elemento estratégico fundamental de controle interno e
pressão externa, ou seja, um elemento fundamental de sua soberania” (LESSA, 1993, p.
36).
Havia um consenso sobre as ferrovias que as idealizava como elo central para o
progresso econômico (TOPIK, 1987, p. 149). Desse modo, as estradas de ferro seriam
responsáveis pela integração do território, pela dinamização do comércio e pelo
escoamento da produção trazendo a reboque o projeto de modernização para o
interior do estado (OLIVEIRA, 2009). Blasenheim (1996, p. 83) aponta a “crença
compartilhada por todos os mineiros que as ferrovias estimulariam o crescimento
econômico em toda a província, integrando as regiões e estimulando as exportações”.
Para os grupos políticos do estado, o trem simbolizava o cosmopolitismo e o progresso,
como um fim em si mesmo, percebido como chave para a solução do atraso mineiro
(LIMA, 2009, p. 72). A locomotiva não significava apenas o avanço social por onde
passava: ao promover a integração das diferentes regiões do território mineiro,
possibilitava a descoberta e o aproveitamento econômico das potencialidades que se
creditavam a diversos lugares.
Apesar dos senadores vislumbrarem a implantação da rede ferroviária nos
Estados Unidos da América como modelo, a instalação dos trilhos em Minas Gerais não
seguiu a mesma lógica. As ferrovias financiadas por particulares acompanharam a
fronteira cafeeira, como o modelo instituído em São Paulo, em contraste com a rede
ferroviária dos EUA que “precedia as fronteiras econômicas” (BLASENHEIM, 1996, p.
88). Porém, algumas ferrovias foram construídas conforme o modelo de ferrovia de
penetração, adotado pelos estadunidenses, como demonstra Lessa (1993), ao analisar a
construção da estrada de ferro entre Belo Horizonte e Monte Azul, na divisa de Minas
com Bahia. Os traçados ferroviários, conforme o discurso dos políticos mineiros, foram
idealizados para criar o tráfego, as vias de transporte e ligar regiões, os centros urbanos
a regiões inexploradas. A ferrovia adquiria no imaginário do Congresso Mineiro o papel
de mensageira do progresso e da civilização e, portanto, sua implantação no estado
deveria ser sempre objeto de apoio do governo mineiro.
Ocorreram inúmeros debates no Congresso Mineiro sobre a forma de
organização e financiamento para a construção dos caminhos de ferro em Minas Gerais.
Parte dos políticos apoiava a construção das redes ferroviárias por meio do uso de
recursos do âmbito privado, sendo o Estado um agente fiscalizador do projeto a ser
instituído. Outro grupo era a favor da construção de ferrovias por meio de recursos
públicos, cabendo ao governo os meios de incentivar a expansão dos trilhos pelo
território mineiro, projeto também utilizado na expansão da rede ferroviária mineira
(LIMA, 2016). Estes dois projetos de desenvolvimento dos caminhos ferroviários no
estado mineiro coexistiram. O investimento, de âmbito privado, inicialmente, demarca, ao
final do século XIX, o boom ferroviário percebido no Brasil, e, em Minas Gerais,
decorrente da enorme vantagem financeira que essa atividade proporcionava: “construir
estradas de ferro era, em todo o mundo, a forma de fazer grandes fortunas” (MAIA,
2009, p. 53). A febre ferroviária, veiculada pelo entusiasmo dos políticos à causa do
progresso, tornou problemática a realização de concessões para a construção de
estradas de ferro. Após a expansão desorganizada da instalação de trilhos mediante
concessões particulares, ocorreu a encampação generalizada dessas rotas pelo governo
de Minas Gerais e pelo governo federal. Podemos utilizar como exemplo a absorção de
outras companhias ferroviárias pela Cia. Leopoldina, que resultava na incorporação de
ramais com trilhos de bitolas diferentes e, por vezes, concorrentes entre si, por uma
mesma companhia ferroviária.
Embora lidas como tradução do progresso, as ferrovias realizaram, nas palavras
de Albino (1956, p. 132), “uma dolorosa obra de devassamento em boa parte do território
mineiro”. No discurso de Affonso Penna, podemos observar outros tipos de problemas
causados pela Cia. Leopoldina aos seus consumidores e ao erário público:
Leio diariamente nos jornais que se publicam, quer na Capital Federal, quer em
algumas cidades do interior do Estado, reclamações contra o modo por que está
sendo feito o serviço desta via férrea, que é a principal artéria da exportação do
nosso Estado. V. Exc., que acompanha com interesse o movimento dos negócios
do nosso Estado, deve estar, como eu, desagradavelmente impressionado em
vista do modo por que essa companhia, que recebe grandes subvenções dos
cofres mineiros, desempenha-se das obrigações que contraiu para com a antiga
província de Minas.
[...] A vida dos lavradores desta zona tem sido um verdadeiro cúmulo de
dificuldades e prejuízos!... Luta pela falta de trabalhadores, ordenados
exagerados, que regulam 2$000, 3$000, 4$000 e mais mil réis diários, visto
pagar-se 500, 600, 700 e 800 réis de cada alqueire de café! Falta de carros e
tropas para levar o café, nos engenhos e estações, falta de sacos, dificuldades
para obter dinheiro a fim de custear as fazendas, visto os comissários não
cumprirem ordens ou marcá-las com a muito conhecida chapa: para quando
mandar o café.
Finalmente, vencidas todas estas dificuldades, depara-se com o trambolho desta
malfadada estrada de ferro, que melhor seria para esta zona não ter aparecido
por aqui, pois atualmente não passa de um polvo caranguejo.
[...] Ora, Sr. Presidente, se fosse uma queixa singular, poder-se-ia atribuí-la a
algum indivíduo que tivesse vontade à companhia: mas é um coro geral de
queixas de todos os pontos servidos pela Estrada de Ferro Leopoldina. (ANAIS
DO SENADO MINEIRO, 1891-1892, p. 199).
O discurso acima demonstrou que, para a tradição da economia latifundiária
mineira, o progresso trazido a reboque pelos trilhos ferroviários também foi interpretado
de modo negativo pela sociedade. A modernidade ainda convivia com traços da tradição
dos “campos mineiros”, sendo, por exemplo, coetâneas a existência do carro de bois,
presente desde os séculos anteriores, e a existência do “motor à explosão” do trem
(ALBINO, 1956, p. 131). Nesse sentido, percebemos que tanto os políticos mineiros como
outros setores da sociedade também mantiveram opiniões contrárias e uma
representação negativa do progresso que a instalação das ferrovias proporcionaria. Além
dos problemas inerentes aos empreendimentos ferroviários, era comum a celebração de
contratos entre governo e companhias de estradas de ferro que não se materializavam,
como podemos observar no discurso do senador Camillo Augusto Maria de Brito:
O relatório do ilustrado e honrado ministro da agricultura vem nos demonstrar,
cheio de minuciosas e importantes informações que, apesar de grande número
de concessões feitas até hoje, durante o ano de 1892, somente foram
construídos e abertos ao tráfego 126 quilômetros de estradas de ferro, sendo 73
da Oeste, 42 da Bahia e 11 da Sapucahy. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1893, p.
60).
O Estado, além de subvencionar a construção das ferrovias, acabava por custear
sua construção e funcionamento devido às falências das companhias ferroviárias,
assumindo cada vez mais a responsabilidade e o ônus da modernização dos transportes.
Verificamos que, na expectativa dos políticos, a expansão ferroviária era uma de suas
principais preocupações, sendo considerada como meio de acesso rápido ao progresso
por promover o aprimoramento econômico e social. Entretanto, nos discursos
produzidos por eles também percebemos grande controvérsia ao processo de instalação
e expansão da rede ferroviária mineira: signatários de uma postura liberalista, a exemplo
do próprio Affonso Penna, terminavam por propor, defender e votar cada vez mais a
participação do Estado na administração da construção e expansão das ferrovias no
território mineiro. Eram comuns reclamações por parte dos políticos sobre a atuação das
companhias ferroviárias e as práticas de subvenção e concessão de recursos realizadas
pelo governo, pois havia prevalecido escolhas privadas sobre o projeto de construção
dos caminhos de ferro. Imperaram, portanto, as implicações e os interesses econômicos,
e, por vezes, “as propostas políticas de ocupação humana do território, porém visando à
dinamização econômica” (CORRÊA; OLIVEIRA, 2017, p. 335).
A aplicação financeira: o erário público ferroviário
A partir das legislações sobre a construção de ferrovias em Minas Gerais,
percebe-se a presença do Estado na sua organização e instituição por meio de práticas
de subvenção e concessão de verbas do governo às companhias particulares. A garantia
de juros sobre parte do capital investido também foi bastante adotada na política mineira
a fim de incentivar a construção de novos ramais e linhas de estrada de ferro
(BLASENHEIM, 1996, p. 90). Os contratos celebrados entre o Estado e as companhias
particulares previam, normalmente, garantia de juros de 5% ou de 7%, em respeito à Lei
5561, de 28/02/1874, e ao Decreto 6995, de 10/08/1878 (ACCIOLI, 2007). A
mentalidade política acreditava que a abertura de novas ferrovias fomentaria a indústria
agrícola, em destaque a exportação de café, e a indústria pastoril; o que, por
consequência, aumentaria a receita das empresas ferroviárias e desvincularia o Estado
da obrigação do pagamento da garantia de juros. Ao avaliar as mensagens presidenciais
dirigidas ao Congresso Mineiro, entre 1891 e 1910, percebemos que significativas quantias
do erário público eram destinadas à construção e à expansão da rede ferroviária no
estado. Não obstante, os contratos celebrados entre o poder público e as companhias
privadas também sofreram impactos da política do Encilhamento (BOTELHO Jr., 2003).
A instituição da política econômica relacionada à emissão significativa de papel-
moeda gerava folga creditícia e impulsionava a abertura de empresas. Promovia-se o
acesso das companhias ferroviárias, por exemplo, a fundos adicionais, na medida em que
se facilitou o lançamento de debêntures no mercado (OLIVEIRA, 2012). Considerando as
asserções de Faoro (2012, p. 581), compreende-se que a construção e ampliação das vias
férreas seria “obra do estímulo governamental, especulativa na sua essência,
mercantilista no plano e esquecida do sopro liberal”, a partir da evocação da garantia de
juros, das concessões e privilégios oferecidos às companhias ferroviárias. De acordo
com o autor, as encomendas de maquinários e aparelhamentos, por exemplo destinados
à malha ferroviária, “consagrariam o eufórico lance, pressionando ainda mais o governo
por recursos, favores, privilégios e subvenções” (FAORO, 2012, p. 578). Ao Estado, desse
modo, caberia desempenhar um importante papel nessa atividade econômica, “acudindo
a todos os pontos onde o princípio individual reclame a cooperação suplementar das
forças coletivas” (FAORO, 2012, p. 577).
A expansão ferroviária estaria ligada à atração de capitais privados. Na concepção
política, a melhor maneira de atração de investimentos privados seria dar diversos e
inegáveis benefícios para quem decidisse construir estradas de ferro. Era previsível, sob
esse raciocínio, a atuação dos políticos mineiros em prol do aumento da rede ferroviária
no estado por meio da celebração de contratos via garantia de juros e/ou subvenções às
companhias ferroviárias. A partir das mensagens presidenciais ao Congresso Mineiro,
podemos vislumbrar os dados orçamentários encontrados referentes ao investimento do
Estado na expansão ferroviária em Minas Gerais. Entretanto, os dados divulgados nessas
mensagens, contendo os orçamentos discutidos, votados e instituídos sobre os serviços
ferroviários, foram encontrados diluídos e lacunares em muitos debates específicos, nos
quais não dificilmente temas diferentes sobrepõem-se a um mesmo assunto,
complicando o processo de análise.
A mensagem presidencial de Ernesto Cerqueira da Gama dirigida ao Congresso
Mineiro, em 21 de abril de 1892, primeiramente destacava o valor total de 623:900$533
(seiscentos e vinte e três contos, novecentos mil e quinhentos e trinta e três réis)
recebidos pelo governo das companhias ferroviárias; por meio de impostos arrecadados
sobre as passagens em vias férreas, restituição de subvenções e repasses de companhias
de estradas de ferro aos cofres públicos (MENSAGEM..., 21 de abril de 1892, p. 49).
Porém, nesta mesma mensagem, foram divulgados dados sobre a dívida da Companhia
Leopoldina com o Estado que equivaliam ao total de 786:954$423 (MENSAGEM..., 21 de
abril de 1892, p. 35) e as porcentagens destinadas às estradas de ferro por meio da
arrecadação de impostos que equivalem ao total de 247:488$171 (MENSAGEM..., 21 de
abril de 1892, p. 49); totalizando um dividendo de, aproximadamente, 1.034:442$594.
Comparando o total arrecadado pelo Estado e o total da dívida das companhias
ferroviárias, encontra-se um déficit de 410:542$061.
Na mensagem enviada em 21 abril de 1893, o Presidente do Estado Affonso
Augusto Moreira Penna descreve os prejuízos causados pelas companhias ferroviárias
aos cofres públicos, ao afirmar que:
Para pagamento de garantia de juros e subvenção as estradas de ferro,
engenhos centrais e serviço de imigração o Estado contraiu empréstimos no
período de 1875 a 1893 na importância de 16.818:325$000 dos quais foram
resgatados 6.460:325$000 até hoje. Estes algarismos são significativos e
demonstram o escrupuloso cuidado com que a administração mineira, desde
longa data tem se aplicado a poupar o crédito blico, empregando-o somente
para o serviço de viação e outros tendentes a incrementar a riqueza do Estado e
nunca olvidando-se [sic] de amortizar a dívida. (MENSAGEM..., 21 de abril de
1893, p. 09-13).
Logo, apesar das perdas financeiras causadas pelas companhias ferroviárias, o
investimento nas mesmas deveria ser contínuo e feito por meio do erário público para a
manutenção e ampliação dos seus serviços, interpretados como imprescindíveis ao
engrandecimento mineiro. As consequências da política do Encilhamento
8
faziam-se
sentir na economia mineira, demonstrando que as verbas públicas tinham como destino
primordial manter impulsionado o programa de expansão ferroviária. Na mensagem de 21
de abril de 1894, também formulada pelo Presidente do Estado Affonso Penna, tornava-
se mais evidente a crise financeira atravessada pelo Estado mineiro, tendo como uma de
suas causas; conforme as palavras do presidente, “graças [a] crise originada das
emissões bancárias em exagero e colossais especulações de praça que tiveram lugar em
1890 e 1891” (MENSAGEM..., 21 de abril de 1894).
9
Um dos resultados desta crise seria o
“insignificante movimento de construção de estradas de ferro” (MENSAGEM..., 21 de
abril de 1894, p. 17). Para a manutenção dos serviços ferroviários a administração pública
passou a encampar as companhias ferroviárias sob a prerrogativa de diminuição da
8
O Encilhamento trata-se de um programa econômico implantado por Ruy Barbosa, entre 1889 e 1892,
baseado na política de expansão monetária via emissão de papel moeda e de oferta de crédito aos
cafeicultores como forma de dar lastro a uma economia que, com o advento do trabalho assalariado, exigia
uma expansão da oferta de meio circulante. O objetivo de Rui Barbosa era construir as bases para a
execução do seu plano de desenvolvimento” e transformar o sistema bancário no motor do crescimento
econômico, de modo a promover a industrialização no Brasil. O Encilhamento foi um período caracterizado
por ilusões de dinheiro fácil, fraudes na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, e alucinação especulativa,
seguidos por falências de bancos e diversos estabelecimentos, inflação e crise cambial (FILOMENO, 2010).
9
O presidente mineiro refere-se à política financeira nacional instituída em 1890 pelo Ministro da Fazenda,
Rui Barbosa. Para saber mais, ver BOTELHO Jr., 2003 e FRANCO; LAGO, 2011.
garantia de juros de 7% para 6%, 5% e 4% das verbas destinadas às companhias
ferroviárias (MENSAGEM..., 21 de abril de 1894, p. 18-22). No balancete apresentado
sobre o transporte ferroviário, afirmava-se um déficit atual de 4.043:272$550, “que se
elevará a mais de 5.000, conhecido que seja o resultado da arrecadação nas estações que
ainda não haviam refletido os balancetes por ocasião de organizar-se a sinopse”
(MENSAGEM..., 21 de abril de 1894, p. 34).
Na gerência do Presidente do Estado Chrispim Jacques Bias Fortes, no ano de
1895, foram destinadas às companhias ferroviárias o total de 6.775:044$984
(MENSAGEM..., 21 de abril de 1895, p. 30). No ano de 1896, ainda sob seu governo, a
mensagem presidencial destacava que até 31 de dezembro de 1895 haviam sido
construídos 3.064 km de estradas ferroviárias no solo mineiro, sob o custo total
considerando os orçamentos divulgados desde 1891 de 13.944:881$369 (MENSAGEM...,
15 de junho de 1896, p. 39). Em 1897, a mensagem de Chrispim Jacques Bias Fortes
indicava que foram gastos para o aumento e preservação dos serviços ferroviários no
Estado um total de 16.076:667$000 (MENSAGEM..., 15 de junho de 1897, p. 11-26). Na
mensagem referente ao seu governo de 1898, destacava-se que “até 31 de dezembro de
1897, foram construídos 3.404,492 km de rede ferroviária, sendo 2.224,492 km em
estradas de concessão mineira e 1.180,000 km em estradas federais” (MENSAGEM..., 15
de junho de 1898, p. 20). Entretanto, as despesas dos cofres públicos com as companhias
ferroviárias somaram o total de 18.193:000$000 (MENSAGEM..., 15 de junho de 1898, p.
42).
As informações relatadas apontam a dimensão dos percalços financeiros
enfrentados pelo governo mineiro na instituição do projeto de expansão ferroviária. O
prejuízo financeiro é acompanhado pelo pequeno avanço na continuação da construção
de estradas de ferro, pois, em 1893 um total de 2.450 km construídos, enquanto em
1898, o total é de 3.404, 492 km. Durante cinco anos, houve um aumento de apenas
944,492 km de ferrovias em Minas Gerais. Ademais, em 1893, as estradas sob concessão
constituíam 69% do total de ramais e, em 1898, esse valor decai para 65%. Embora ao
verificar a diferença real da construção de estradas de ferro sob concessão, deparamos
com 524,492 km e 55% do total de ramais construídos. Esse decréscimo da atividade das
empresas ferroviárias concessionárias remete à maior intervenção do Estado na
construção de ferrovias.
O Estado, por meio da encampação generalizada, assumiu a responsabilidade
financeira de manter o prolongamento dos trilhos no território mineiro. Todavia, a média
anual da construção de trilhos foi de 188,9 km, o que demonstra ser um empreendimento
altamente dispendioso aos cofres públicos. Infere-se, também, que o governo mineiro
não detinha tantos recursos para promover um aumento considerável na quilometragem
de ferrovias construídas e aberturas de novas estradas de ferro ao tráfego. A não
materialização dos contratos celebrados e a falência das companhias ferroviárias, após o
insucesso da política econômica do Encilhamento e a crise financeira
10
que assolou este
período, acarretou para o Estado a função de mantenedor dos contratos celebrados
(BLASENHEIM, 1996). O objetivo primordial do governo, nesse caso, seria dar
continuidade às obras em andamento dos ramais ferroviários em construção obras que
seriam paralisadas sem a ação de encampamento das ferrovias.
Em 1899, durante o governo de Francisco Silviano de Almeida Brandão, na
mensagem ao Congresso Mineiro datada de 15 de junho de 1899, verificamos que o
Estado destinou às companhias ferroviárias, sob empréstimos e garantias de juros,
20.309:084$160. Na mensagem presidencial ao Congresso Mineiro de 1900, Francisco
Silviano de Almeida Brandão indicava que, a partir de suas medidas financeiras,
conseguiu reduzir o déficit gerado pelos empreendimentos ferroviários para 18:566$369
(MENSAGEM..., 15 de junho de 1900, p. 26-27). Destaca-se que o recurso destinado ao
empreendimento ferroviário advém do programa Funding Loan
11
, no qual o país recebeu
um vultuoso empréstimo estrangeiro para normalizar as contas públicas enquanto se
comprometia a sanitarizar as finanças por meio de uma série de medidas de austeridade
fiscal (FRANCO; LAGO; 2011). Por meio dessa verba, verificamos a redução da dívida
pública relativa às ferrovias no total de 18.174:433$631, um feito importante que
permitiria uma retomada mais ativa na construção de trilhos ferroviários em Minas
Gerais. Ademais, a partir do ano de 1900, observamos também a intervenção do governo
federal em socorro às ferrovias mineiras por meio da encampação de algumas
companhias ferroviárias.
Apesar da entrada massiva de capital financeiro nos cofres públicos, a quantia
não foi suficiente para alavancar a construção de estradas de ferro no estado mineiro a
partir desse período. Conforme o quadro a seguir, observamos os seguintes dados:
10
A crise financeira na época do Encilhamento pode ser caracterizada por ilusões de dinheiro fácil, fraudes
na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e alucinação especulativa, seguidos por falências de bancos e
diversos estabelecimentos, inflação e crise cambial. Rui Barbosa renunciou em janeiro de 1891, devido a
desavenças políticas, sendo substituído na pasta da Fazenda pelo Barão de Araripe, em um contexto de
especulação desenfreada, desvalorização cambial e aceleração inflacionária. Os sucessores de Rui Barbosa
na Fazenda, Barão de Araripe e Barão de Lucena, nada fizeram para conter a especulação e a emissão
descontrolada de moeda e, segundo consta na literatura tradicional, não conseguiram evitar a inflação, a
desvalorização cambial e o crash do Encilhamento (FILOMENO, 2010).
11
Para saber mais sobre o programa Funding Loan ver Franco e Lago (2011); Filomeno (2010); Fritsch (1985)
e Furtado (1998).
Quadro 01: A quilometragem dos trilhos mineiros e os gastos com as ferrovias
Ano
E.F. km
Total
E.F. km
Privado12
E.F. km
Federal
Gastos
1901
3.458
2.435
1.023
37.122:235$777
1902
3.561,372
1.167,592
62.334:432$248
1903
3.648,277
1.337,592
59.826:962$089
1904
3.758,277
1.423,592
1905
3.835,824
1906
3.930,608
2.261,564
66.743:444$074
1907
72.574:844$074
1908
4.216,766
50.945:141$555
1909
1910
4.562
38.993:085$246
Fonte: produzido pela autora a partir dos dados retirados das mensagens dos Presidentes do Estado de
Minas Gerais, entre 1901 e 1910. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1901-1910).
Ao restringir a análise das informações orçamentárias apenas aos dados
apresentados nas mensagens presidenciais sobre a construção de ferrovias no território
mineiro, observam-se lacunas referentes ao gasto do erário público e à expansão da
malha ferroviária além da discriminação entre os valores de quilometragem das
estradas estaduais e federais. As informações hauridas das mensagens dos presidentes
mineiros revelavam que os dados não foram apresentados de maneira organizada todos
os anos, posto que ainda haviam ramais em construção que seriam contabilizados nos
anos seguintes ou simplesmente os valores orçamentários em determinados anos não
eram divulgados, sendo apenas informadas as quilometragens das ferrovias em
construção no estado. Apesar dos gastos, por vezes reconhecidamente vultuosos com as
estradas de ferro, percebemos que eram empregados diversos recursos políticos e
financeiros para a manutenção e ampliação desse serviço. Porém, a necessidade de
manter as linhas em funcionamento junto ao projeto de expansão dos trilhos sofreu
diversas críticas por parte dos políticos em função dos altos recursos destinados a um
empreendimento demarcado por falhas. Em mensagem datada de 15 de junho de 1908,
João Pinheiro nos forneceu uma indicação sobre os problemas contínuos causados pela
maneira como foram empregados os esforços públicos e privados para instalação e
expansão da rede ferroviária em solo mineiro:
Em Minas Gerais; Estado central, de território vasto e população disseminada,
construíram-se, sem sistema algum, as estradas de ferro, e, ainda hoje, quando
se procura remediar a este mal, tentam aumentá-lo interesses às vezes
divergentes.
O que cumpre, a todo transe, é sistematizar os traçados, visando, nas novas
construções, os que tornem econômicos os transportes, por caminhos mais
curtos para os portos de saída, de sorte que a mercadoria chegue sempre, e
busca dos mercados de consumo, o menos onerado possível. (ANAIS DO
SENADO MINEIRO, 1908, p. 20).
12
Por Estradas de Ferro Privadas compreendem-se as ferrovias pertencentes às companhias particulares
que receberam garantia de juros e/ou subvenções por parte do governo mineiro.
A análise do quadro revela que gastos e prolongamentos das ferrovias foram
demonstrados de maneira parcial, a exemplo do vislumbrado nos anos de 1904, 1905 e
1910. Até 1901, por exemplo, ainda eram contabilizadas as companhias ferroviárias
privadas. Após essa data, os valores referentes às ferrovias privadas foram suprimidos.
Desse modo, percebemos o declínio das construções de estradas de ferro pelo setor
privado ou a ausência de informação das quilometragens de estradas de ferro
construídas por ele possivelmente por serem valores pequenos. Existe ainda a questão
da progressiva falência dessas companhias e o subsequente processo de encampação
das companhias pelo governo mineiro e federal. Gradativamente, as estradas de ferro
que foram instaladas sob concessão estadual passaram a ser administradas pelo governo
federal como meio de diminuir a dívida pública do Estado. O ano de 1906 explicita esse
cenário ao demarcar que as estradas de ferro federais representam 57,5% do total das
linhas instaladas em Minas Gerais. Essa tática serviu para atenuar a dívida blica do
Estado para a permanência e avanço do serviço ferroviário.
Tal medida resulta na diminuição dos gastos do tesouro mineiro com a construção
de ferrovias, embora os mesmos seguissem elevados. Assim, entre 1901 e 1910, foram
construídos 1.104 km de estradas de ferro sob um custo parcial de 388.530:145$063. Isso
significa que, ao longo deste período, o investimento parcial realizado por quilômetro
construído foi de 351:929$480: gastos com a manutenção de concessões, subvenções,
encampamentos e abertura de novas linhas ao tráfego. No decorrer dos orçamentos
analisados entre 1891 e 1910, percebemos a consolidação de um discurso financeiro em
que o Estado se tornava o principal vetor na garantia da ampliação e continuidade da
prestação dos serviços ferroviários ainda que o tesouro público sofresse graves
prejuízos e tentasse recuperá-los por meio de processos de venda e encampação das
estradas de ferro. Ressalta-se que o gasto do ano de 1910 trata-se de um valor parcial
para os custos orçamentários apresentados considerando as diversas obras de
prolongamento e construção de ferrovias, como podemos verificar no seguinte trecho:
Nestes últimos tempos, especialmente em 1909 e no correr do ano atual, tem
se dado considerável impulso ao movimento de construção ferroviária no
Estado. Dentre as inaugurações feitas ultimamente, sobreleva notar a da
Estação de Pirapora com a entrega ao tráfego do trecho terminal da E. F.
Central do Brasil.
Duplamente apreciável este acontecimento sob o aspecto econômico, como
debaixo do ponto de vista estratégico traduz ele velha aspiração da
engenharia e estadistas brasileiros e marca uma fase memorável na história da
viação do País.
A inauguração da estação de Pirapora efetuou-se a 28 de maio último, dia em
que também se deu início aos trabalhos do ramal de Montes Claros e se
inaugurou o primeiro trecho da estrada de Curralinho a Diamantina. A esses
atos, cuja importância para o desenvolvimento econômico de uma futura a zona,
é desnecessário exaltar, esteve presente o emérito titular da pasta da Viação,
Dr. Francisco Sá, nosso ilustre coestaduano, a quem deve Minas relevantes
serviços.
Ao mesmo tempo em que a extensa e fértil região norte-mineiro vai
conquistando este poderoso fator de progresso, as demais zonas do Estado
veem aumentar animadoramente a extensão de suas linhas férreas: as
diferentes estradas Oeste de Minas, Goiás, Leopoldina, Victoria a Diamantina
e a Rede Sul-Mineira (constituída da fusão das antigas Sapucahy, Minas e Rio e
Muzambinho), distendem-se pelo nosso território em prolongamentos e ramais
e vão, destarte, construindo solidamente uma das principais bases da nossa
grandeza futura. Em 1908, a extensão em tráfego das linhas férreas no Estado
era de 4.216,76km.
Em 1909, grande foi o impulso, como disse, que tiveram os trabalhos de
construções de ramais e prolongamentos. Ao tráfego foram entregues mais
70km da E. F. da Victoria a Diamantina, com a inauguração, a 31 de dezembro,
da Estação de Derrubadinha, no quilômetro 345. Com a inauguração da Estação
de Pirapora, da E. F. Central do Brasil, subirá a 953,92km a extensão em tráfego
desta estrada, no Estado, além de muitos quilômetros construídos do ramal
de Sant’Anna de Ferros. Os trabalhos do ramal de Curralinho a Diamantina
estão sendo atacados ativamente, tendo sido inaugurado, a 27 de maio último, o
primeiro trecho até Roça do Brejo com 22,490 km de extensão. Na E. F. Goiás
foi também entregue ao tráfego o trecho de Porto Real a Bambuí. Na rede sul-
mineira de estradas de ferro federais brasileiras prosseguem igualmente com
bastante atividade os serviços de ligação da segunda secção da 15. F. Sapucahy,
hoje incorporada à Rede, seção compreendida entre Baependi e a cidade de
Barra do Pirahy, no Estado do Rio de Janeiro; e se acha adiantada a fatura do
ramal de Piranguinho a S. Jo do Paraíso. Na Leopoldina Railway eso se
fazendo as obras do prolongamento da linha de Santa Luzia do Carangola a
Manhuaçu, com a extensão de 120,100 km e a linha que, deste prolongamento,
vai ter à fronteira do Estado do Espírito Santo, com um total de 14,800 km.
Tiveram também início, conforme comunicação feita pela Companhia, os
trabalhos da linha de Ponte Nova, em direção ao município de Manhuu,
constituindo estes últimos prolongamentos da E. F. Leopoldina objeto do
contrato de 22 de fevereiro de 1908. Finalmente, estão bastante desenvolvidos
os serviços do ramal para a cidade de Mar de Espanha, contratados com a
mesma companhia pelo Governo. Prosseguem vigorosamente os trabalhos de
construção da linha da E. F. Oeste de Minas, destinada a ligar esta Capital à
Estação de Henrique Galvão, devendo até fins de julho vindouro ficar concluída
uma seção com o percurso de 80 km, achando-se o restante da mesma linha
com um total de 76 km com as obras d’arte e serviços de terra muito
adiantados. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1910, p. 28-31, grifo nosso).
Estrategicamente, a administração pública procurava interligar todas as zonas
mineiras, dinamizando assim o comércio entre elas e entre o estado e os estados
vizinhos. Destacamos que, em detrimento às outras regiões que contavam com ramais
ferroviários em constante expansão, a região norte de Minas Gerais deveria ter em suas
terras cada vez mais ramais ferroviários que, na interpretação dos políticos mineiros,
serviriam para auxiliar o desenvolvimento econômico e social dessa região e aprimorar o
aproveitamento de suas potencialidades econômicas. Havia, portanto, na concepção dos
políticos mineiros, um importante papel desempenhado pelas locomotivas que era
articular as políticas agrícolas e industriais à ocupação de todo o território mineiro por
meio do transporte ferroviário. Porém, apesar das expectativas sobre o potencial
desenvolvimentista que a ferrovia representava, o custeio desse projeto causava perdas
financeiras ao erário público. O seguinte quadro expressa os valores dos gastos
estaduais, da receita recolhida, de despesa e déficit pecuniário na viação férrea:
Quadro 02: Gastos do erário público com o transporte ferroviário
Ano
Gastos Estaduais
Receita
Despesa
Déficit
1875-1893
10.358:000$000
-
-
-
1891-1895
13.944:881$369
-
-
-
1897
16.076:667$000
-
-
-
1898
18.193:000$000
-
-
-
1899
20.309:084$160
-
-
-
1900
18:566$369
359:932$235
556:717$866
196:782$631
1901
37.122:235$777
-
-
196:785$631
1902
62.334:432$248
16:863$828
34:578$086
23:958$488
1903
59.826:962$089
11:371$104
34:097$610
22:726$506
1906
66.743:444$074
-
-
-
1908
72.574:844$074
-
-
-
1910
38.993:085$246
-
-
-
Fonte: produzido pela autora a partir dos dados retirados das mensagens dos Presidentes do Estado de
Minas Gerais, entre 1901 e 1910. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1901-1910).
Os gastos assinalados no quadro apresentam o crescimento da dívida pública em
favor da construção e manutenção da rede ferroviária no estado entre 1875 e 1899. Ao
longo dos 24 anos, observou-se um crescimento vertiginoso das linhas ferroviárias tendo
em vista a importância para o transporte de café e de diversos gêneros agrícolas. Nesse
período, foram gastos inicialmente 9.951:084$160. Isso significa que o período que
demarca o boom ferroviário contou com forte presença das companhias ferroviárias
privadas, que, posteriormente, seriam absorvidas ora pela administração pública
estadual ora federal (BLASENHEIM, 1996). Todavia, no ano de 1900, o custeio do projeto
ferroviário foi menor, haja vista a entrada de capitais estrangeiros no Estado, por meio
do Funding Loan e do aumento da venda de estradas de ferro para o governo federal. O
ano de 1901 apresenta um relativo aumento de custo financeiro ao tesouro público
comparado aos anos seguintes, em que o valor destinado à viação férrea quase dobra.
Os políticos mineiros atribuíram o declínio dos custos com as ferrovias ao
aumento do transporte de neros agrícolas, com destaque para o café. O aumento da
arrecadação financeira em função da taxação de maior volume das cargas transportadas
via trilhos diminuiu o gasto estadual com as ferrovias. Tal perspectiva incitava o mito do
progresso assentado no transporte ferroviário no discurso político, de modo que, para
além de atender as fronteiras agrícolas do café, aprovavam projetos de construção de
trilhos que atendessem às demais zonas produtoras de gêneros agrícolas e articulassem
a comunicação entre as regiões que compunham o estado mineiro. Todavia, os gastos
percebidos a partir de 1902 descortinam um novo cenário na política econômica do
transporte ferroviário, pois o pagamento de subvenções e de garantia de juros junto às
restituições enviadas aos cofres públicos não somavam uma quantia significativa face ao
dinheiro disponibilizado pelo governo mineiro (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1891-1910).
Ao tomarmos a renda bruta arrecadada das ferrovias nos anos de 1889
(3.994:990$482), de 1900 (8.213:057$312) e de 1901 (10.222:688$247), como exemplo,
reforça-se o argumento de que o governo mineiro teve significativos prejuízos causados
ao erário público. Ainda que os déficits dos anos de 1902 e 1903 representem um
importante declínio, esse valor demonstra que o Estado repassou boa parte de suas
linhas férreas à administração federal. O gasto do ano de 1908 indica a forte crença na
ferrovia como pujante vetor para a dinamização do comércio, escoamento de produtos e
integração do território mineiro. Entretanto, esses valores explicitam a dissonância entre
a estrutura econômica de Minas Gerais e a modernização dos transportes com base no
ferroviarismo. Conforme Batista, Barbosa e Godoy,
Quanto à origem dos capitais invertidos, nota-se certa heterogeneidade.
Observa-se a presença de capitais estrangeiros, especialmente inglês e francês,
assim como a presença de capitais nacionais privados principalmente nos
momentos iniciais da “era ferroviária” mas o que ressalta é a atuação de
capitais públicos. O grau de participação destes capitais é distinto ao longo do
tempo e do espaço. Os capitais estrangeiros estiveram mobilizados mais
diretamente nas ferrovias voltadas à exportação, na Leopoldina Railway, na
Vitória a Minas e na Saint John’s Minning Railway (PIMENTA: 1971; ESTADO DE
MINAS: 1898, 1913). O capital nacional atuou mais ou menos disperso e tanto em
produtos voltados ao abastecimento dos mercados de São Paulo e Rio de
Janeiro, como na Sapucaí e Muzambinho, como também em companhias com
relativa importância na distribuição interna de produtos, como na Oeste de
Minas, além de companhias voltadas à exportação. (BATISTA; BARBOSA;
GODOY, 2012, p. 14).
Os discursos que defendiam um projeto liberal e de iniciativa privada, com
afluência de capital estrangeiro, para a expansão ferroviária apresentam uma grande
dissonância com o cenário analisado. Conforme o quadro a seguir, podemos observar a
porcentagem dos gastos com o transporte ferroviário face a receita global do Estado de
Minas Gerais
13
:
13
Fonte: Para saber mais sobre a receita global do Estado de Minas Gerais, ver OLIVEIRA, J. K. e BEHRENS,
O; 1954.
Para a receita global do Estado de Minas Gerais: OLIVEIRA, J. K. e BEHRENS, O. Finanças do Estado de
Minas Gerais (1890-1953), Secretaria de Finanças Departamento de Estudos Econômicos e Legislação
Fiscal, Belo Horizonte: 1954 pp. 02-03.
Quadro 03: Gastos com as ferrovias em comparação com a receita global do estado
mineiro
Ano
Gastos Estaduais
Receita global do Estado
de Minas Gerais
Porcentagem dos gastos
ferroviários
1898
18.193:000$000
18.102:189$27
100,5%
1899
20.309:084$160
18.724:548$61
108,5%
1900
18:566$369
14.768:583$96
0,125%
1901
37.122:235$777
16.571:036$46
224%
1902
62.334:432$248
16.983:906$54
367%
1903
59.826:962$089
16.308:805$05
366,8%
1906
66.743:444$074
14.952:880$28
446%
1908
72.574:844$074
20.105:193$68
360,9%
1910
38.993:085$246
22.847:438$90
170,6%
Fonte: produzido pela autora a partir dos dados retirados das mensagens dos Presidentes do Estado de
Minas Gerais, entre 1901 e 1910. (ANAIS DO SENADO MINEIRO, 1901-1910).
A análise dos valores apresentados revela que as verbas referentes ao incremento
do ferroviarismo em Minas Gerais ultrapassavam, na maior parte dos anos,
significativamente o valor total da arrecadação da receita mineira. Os anos de 1898 e
1899 compreendem uma porcentagem aproximada dos gastos que excedem o valor da
arrecadação pública, de modo que os gestores públicos poderiam assinalar uma
estimativa controlada quanto aos gastos com as ferrovias. Porém, o ano de 1900 é um
marco na redução dos gastos com as ferrovias. Esse decréscimo significativo, que
corresponderia a um suposto equilíbrio entre o orçamento destinado às ferrovias e a
arrecadação mineira, resultou das ações de encampação ferroviária por parte do
governo federal, entrada de recursos financeiros no erário público, via Funding Loan, e
relativa estagnação na continuidade dos trabalhos de construção de novos ramais
ferroviários. Os anos subsequentes mostram o crescente gasto excessivo com o
transporte ferroviário em Minas Gerais. Além de assinalar a retomada na abertura do
tráfego ferroviário, observa-se o alto custo financeiro referente a reparos e manutenção
de linhas operantes, processos de encampação e pagamento de juros e subvenções às
companhias privadas.
As mensagens presidencialistas expressam, cada vez mais, a atuação e
interferência do governo mineiro, e, também, do governo federal, na promoção e
expansão do transporte ferroviário. Embora rios políticos fossem favoráveis ao papel
do Estado apenas como agente fiscalizador dos serviços prestados, as crises no setor
financeiro associadas com a falta de um planejamento eficiente do traçado ferroviário
acarretaram na falência e paralisação dos serviços de diversas companhias ferroviárias.
À medida em que o setor privado se mostrava incapaz de manter as ferrovias em
funcionamento, o governo mineiro passou a administrar as companhias ferroviárias para
manutenção e expansão da oferta desse serviço (GOULARTI FILHO; QUEIROZ, 2011, p.
99-101).
Conclusão
A análise dos documentos oficiais relativos à construção das ferrovias no estado
de Minas Gerais permitiu perceber uma discordância entre as construções idealizadas
sobre a locomotiva como fomentadora da modernização pelo seu território e a realidade
dos empreendimentos ferroviários executados, a partir do estudo dos orçamentos
apresentados nas mensagens presidenciais dirigidas ao Congresso Mineiro entre 1891 e
1910. A metáfora alusiva ao trem como símbolo da modernidade e do progresso integrava
a munição retórica que avivava as discussões encetadas pelos políticos mineiros durante
as sessões plenárias. A análise das falas dos políticos mineiros mostrou suas
expectativas e suas decepções sobre a expansão das estradas de ferro no estado. Desse
modo, “ao longo de toda a era ferroviária mineira, vozes dissonantes alertaram para o
padrão de expansão que se adotava, [e] observou-se certo viés alienante que manteve a
crença nos supostos benefícios imanentes à ferrovia até meados do século XX”
(BATISTA; BARBOSA; GODOY, 2012, p. 06).
Em concordância com os estudos de Lessa (1993), percebemos que a política
ferroviária mineira foi marcada por “descaminhos, especulações, interrupções e
recomeços” derivadas da falta de critérios do Estado para organizar a instalação dos
trilhos. Ao longo de sua trajetória, o sistema ferroviário mineiro esteve associado a
“interesses políticos e econômicos conflitantes, mostrando-se sempre como um bom
recurso de retórica quando alguma autoridade queria mostrar-se afeita ao progresso e
desenvolvimento” (LESSA, 1993, p. 63). A malha ferroviária foi incapaz de articular as
várias regiões que compunham a economia mineira. A ferrovia gerou o progresso por
onde passou, mas este progresso esteve muito aquém das expectativas mantidas pelos
políticos mineiros. A modernidade não surgiu como uma ruptura com a realidade
anterior, ou seja, o progresso e a modernização mineira não corresponderam aos anseios
dos grupos políticos do estado nem à imagem projetada pela retórica de seus discursos.
De acordo com os orçamentos públicos avaliados, diversas companhias de estradas de
ferro geraram significativos prejuízos ao tesouro público, entre as quais podemos citar,
como exemplo, a Cia Leopoldina e a Cia Oeste de Minas que sofreram encampação por
parte do Estado e depois por parte do governo federal.
À revelia do discurso liberal vigente, a postura da maior parte dos grupos políticos
em defesa do apoio financeiro do Estado às companhias ferroviárias e a comparação
com os orçamentos públicos destinados aos empreendimentos ferroviários, entre 1891 e
1910, percebemos que, apesar de assinalarem em seus discursos momentos de crise
financeira, importantes quantias eram empregadas anualmente para manutenção dos
serviços ferroviários. Nesse sentido, havia certa correlação entre a retórica discursiva
em defesa dos avanços ferroviários no estado e a aplicação financeira utilizada para
manutenção e ampliação das ferrovias. Acreditava-se, pois, que a evolução econômica
das zonas rurais estaria condicionada à trajeria sistematizada da rede ferroviária.
Porém, a construção dos traçados ferroviários falhou quanto ao projeto de integração de
todas as regiões do Estado mineiro.
A realidade demonstrou que o Estado exerceu, cada vez mais, função de
fomentador e mantenedor dos empreendimentos ferroviários pelo país e em Minas
Gerais. Devido aos altos custos das ferrovias e aos contratos de concessões e/ou
subvenções que não se materializavam, era comum que as companhias ou empresas
privadas entrassem em crise e decretassem falência. Assim, o governo acabava por
adquirir ou encampar as ferrovias com objetivo de continuar sua construção, “melhorar
as condições técnicas do traçado, ajustá-las às necessidades de um tráfego econômico,
substituindo o material rodante estragado pelo uso(MAIA, 2009, p. 57). O governo
mineiro foi responsável pela conclusão de muitas obras, a remodelação de maquinismos
e a manutenção dos serviços prestados de diversas companhias (LIMA, 2016, p. 145).
O Estado, ao tomar o planejamento e financiamento dos serviços ferroviários sob
sua responsabilidade, como podemos auferir nos dados apresentados pelas mensagens
presidenciais sobre a viação ferroviária, intervia diretamente no fomento da economia,
pois se acreditava que o atraso não seria recuperado confiando-se apenas na ‘mão
invisível’ do mercado” (DULCI, 1999, p. 33). Nessa conjuntura, vencer este suposto
atraso, portanto, compreendia a implantação de projetos de progresso pelas esferas do
poder público. Mais do que um agente coordenador e apoiador da instalação e expansão
do transporte ferroviário, o governo mineiro assumiu cada vez mais tarefas como vetor
responsável pelo funcionamento e pela ampliação desse serviço via subsídios financeiros
e processos de encampação. Essa postura político-econômica, de acordo com Dulci
(1999, p. 26), caracteriza-se como processo de modernização conservadora. Ele afirma
que o modelo central do modelo de modernização conservadora é a primazia de fatores
políticos sobre fatores de mercado. O poder público, desse modo, arbitrava e dirigia os
negócios econômicos, com destaque para a organização da construção e expansão das
ferrovias em Minas Gerais.
A reboque das locomotivas viriam o incremento à indústria, a dinamização do
comércio e a civilização dos costumes. Prevalecia a crença de que as locomotivas
fomentariam o desenvolvimento econômico e social por onde passassem, sendo fortes o
suficiente para não paralisar as práticas de aprovação de concessões e subsídios
realizadas pelos políticos mineiros, ainda que tais procedimentos comprometessem o
erário público em elevadas dívidas. Apesar dos problemas constatados, eram evidentes
os sinais de melhoria que o transporte ferroviário gerou para a dinamização da economia
e facilitação das comunicações. A ferrovia permitiu que a produção fosse transportada
de um modo mais seguro, mais rápido e em maior volume. Por onde os trilhos passavam,
o comércio era incrementado e as cidades do interior, ligadas aos centros urbanos,
passavam a comungar de novos padrões culturais. As ferrovias possibilitaram certo
desenvolvimento econômico, por meio das trocas comerciais, de modo que permaneciam
continuamente evocadas nas retóricas políticas discursivas relacionadas ao ideal de
progresso e modernização.
Portanto, os políticos mineiros, ao analisarem a conjuntura ferroviária no estado,
valorizaram seu potencial transformador, mantendo sua crença no progresso via
expansão das estradas de ferro. Para diminuir os gastos excessivos com as companhias
ferroviárias, praticavam a encampação generalizada e a venda das ferrovias ao governo
federal. Assim, se a dívida gerada pelas estradas de ferro ao erário público em 1907
correspondeu ao total de 75.574:844$074, em 1909, essa mesma dívida declinou à soma
de 50.945:141$555. Ainda que os dados orçamentários se apresentassem de forma
lacunar e, em alguns anos, imprecisa, percebe-se o contínuo trabalho de expansão da
malha ferroviária no estado. Esses dados também foram suficientes para acompanhar a
discussão sobre o repertório político e a aplicação financeira, buscando estabelecer as
possíveis correlações entre as retóricas discursivas e os planejamentos orçamentários
instituídos para os empreendimentos ferroviários.
O trem, apesar dos problemas de instalação e precariedade dos serviços
prestados pelas empresas ferroviárias, além dos ficits causados ao erário público,
permaneceu associado às expectativas de desenvolvimento econômico e social, mesmo
não sendo realizado o desejo de se implantar uma vasta rede ferroviária no território
mineiro, que levaria rapidamente ao engrandecimento de Minas Gerais, na acepção dos
políticos do Estado. O reforço do discurso do progresso via locomotivas promoveu o
aumento do assentamento dos trilhos de ferro, subvencionados por quilometragem ou
concessão de juros, posto que a instalação de ferrovias criava a expectativa de que o
desenvolvimento capitalista poderia ser vislumbrado de perto em regiões longínquas e o
mosaico mineiro”, na definição de Wirth (1982), seria interligado econômica e
socialmente. Assim, apesar dos problemas orçamentários e das dívidas que se
avolumavam ano após ano em função da manutenção e ampliação dos serviços das
companhias ferroviárias, a locomotiva mantinha no imaginário e na retórica política o
papel de mensageira do progresso e da modernidade e, portanto, sua implantação no
estado deveria contar sempre com apoio do governo.
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