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JANUARIO, Hellen Morizza de A.C.
https://orcid.org/0000-0002-0591-0113
RESUMO: Esta pesquisa propõe analisar a
partir dos desenhos Las perreras e La
parrilla feitos pelo arquiteto chileno
Miguel Lawner a reivindicação sobre o
direito a olhar (N. Mirzoeff). A ação
testemunhal desses desenhos está aqui
reconhecida, uma vez que neles se
observam as denúncias das sevícias
(des)humanas cometidas durante a
ditadura chilena instaurada pelo general
Augusto Pinochet, nos anos de 1973 a 1990.
Assim, influenciado pelas linhas de
pensamento e base teórico-metodológica
dos estudos visuais, especialmente pelo
professor e pesquisador da cultura visual
Nichollas Mirzoeff, este texto procura
compreender de que maneira podemos
examinar uma dupla atuação de
visualidades e contravisualidades nas
obras elegidas para nossa reflexão.
PALAVRAS-CHAVE: Direito a olhar;
Visualidades; Contravisualidades;
Ditadura chilena.
ABSTRACT: This research proposes to
analyze from the drawings Las perreras
and La parrilla by the Chilean architect
Miguel Lawner the claim on the right to
look (N. Mirzoeff). The testimonial action
of these drawings is recognized here since
in them we can observe the denunciations
of (un)human abuses committed during the
Chilean dictatorship established by general
Augusto Pinochet, between 1973 and 1990.
Thus influenced by the lines of thought
and theoretical-methodological basis
approach of visual studies especially by
the professor and researcher of visual
culture Nichollas Mirzoeff, this text seeks
to understand how we can examine a
double role of visualities and
countervisualities in the works chosen for
our reflection.
KEYWORDS: Right to look; Visualities;
Countervisualities; Chilean dictatorship.
Recebido em: 29/11/2023
Aprovado em: 01/03/2023
Graduanda em História na Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG, Lattes ID:
7175179010687364, e-mail: hellenmorizzacarvalho@hotmail.com. Pesquisa financiada pela Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Introdução
Esta pesquisa busca analisar os desenhos Las perreras e La parrilla, feitos pelo
arquiteto chileno Miguel Lawner, tendo como base teórico-metodológica o conceito do
direito a olhar, de Nicholas Mirzoeff. Portanto, o objetivo central da pesquisa é analisar a
maneira como as obras citadas desenvolvem um duplo movimento denunciando o
autoritarismo empregado durante a ditadura chilena do general Augusto Pinochet, por
meio da visualidade controlada pelo soberano, e atuando como uma contravisualidade
que teve como meta a destruição de discursos hegemônicos do negacionismo e a
reivindicação do direito ao real. As obras escolhidas para análise nesta pesquisa se
encontram disponíveis no Archivo Digital de la Fundación Museo de la Memoria y los
Derechos Humanos. Entre tantas coleções, Lawner possui dezenove disponíveis nesse
acervo, contudo, os desenhos que utilizaremos aqui se encontram em sua Colección
000005 - Exposición La vida a pesar de todo formada por oitenta e um desenhos, sendo
dividida em cinco partes.
Esta coleção foi dividida conforme uma ordem própria e contém datas, com
exceção dos desenhos feitos sobre a Villa Grimaldi. A partir de informações retiradas do
próprio acervo digital, são quarenta e dois desenhos referentes à Isla Dawson (16/09/73
a 08/05/74), três à Academia de Guerra Aérea (AGA) (08/05/74 a 20/07/74), seis
desenhos realizados a partir de depoimentos de sobreviventes da Villa Grimaldi, vinte e
oito referentes à Ritoque (20/07/74 a 22/05/75), e por último três desenhos de Tres
Alamos y Cuatro Alamos (22/05/75 a 18/06/75). As duas obras de Lawner mobilizadas
aqui se encontram na parte dos desenhos produzidos em referência à Villa Grimaldi, não
informações sobre a data de produção de Las perreras e La parrilla, verificamos
apenas uma descrição mais técnica que se refere ao uso da tinta china e do
emolduramento dos desenhos com o uso de vidro.
Em vista das informações expostas, esta pesquisa analisa como as formas de
torturas utilizadas no decorrer da ditadura militar chilena, entendendo tais ações como o
uso extremo do poder e da força, expressadas em forma de violência, foram sustentadas
pela visualidade e pelos mecanismos disciplinares que surgiram a partir da instauração
do estado de exceção. É importante enfatizar que o uso da violência, do temor e das
torturas não violaram apenas os corpos de militantes políticos em seu sentido físico. A
utilização da força letal também teve uma ação que comprometeu os sentidos de
subjetivação para criar corpos e mentes ceis, impondo o silêncio e o controle destes
indivíduos, negando o direito de existência a partir das torturas e do desaparecimento
forçado dos corpos.
Miguel Lawner, o arquiteto da memória
As obras selecionadas para análise nesta pesquisa são frutos do trabalho
produzido por Miguel Lawner Steiman, arquiteto chileno e filho de imigrantes
ucranianos. Miguel Lawner nasceu em 1928, no antigo bairro Matta-Portugal, na capital
do Chile, em Santiago. O arquiteto é licenciado pela Faculdade de Arquitetura da
Universidade do Chile, ocupou o cargo de professor na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade do Chile, na Universidade Goethe na República Federal da
Alemanha e na Real Academia Dinamarquesa de Belas Artes. Ao longo de sua vida
participou ativamente em diversos projetos sociais, por exemplo, em construções de
casas para famílias mais pobres, principalmente, durante o governo de Salvador Allende.
No decorrer de sua trajetória, o arquiteto também assumiu cargos públicos e sindicais
como Diretor Executivo da Corporação de Melhoramento Urbano (CORMU), Secretário
Editorial da Revista de Arquitetura AUCA, Diretor Nacional da Associação Chilena de
Arquitetos e da ONG Taller de Vivienda Social.
É importante mencionar a participação do arquiteto no filme Nostalgia de la luz
(2010), do cineasta chileno Patricio Guzmán. Neste filme documentário são mobilizados
diversos testemunhos de pessoas que vivenciaram o contexto da ditadura chilena ou que
foram de certa forma atingidos pelos processos antidemocráticos do golpe de 1973,
trazendo questões sobre a memória dos sobreviventes sujeitados às diversas atrocidades
e reflexões acerca do tempo passado e presente. Em seu testemunho, Lawner descreve
como realizou desenhos das plantas dos campos de detenção política onde ele foi detido.
Ao longo das cenas do filme, o arquiteto relata suas estratégias e técnicas desenvolvidas
para conseguir obter uma medição mais exata dos espaços físicos dos campos prisionais
feita a partir de seus passos dados em cada ambiente e cálculos feitos por ele.
Destacamos que devido tais estratégias desenvolvidas por Miguel Lawner, na obra de
Guzmán ele é referenciado como “o arquiteto da memória”, pois seu propósito ao fazer
os desenhos esteve intrinsecamente direcionado ao testemunho de sua experiência
daquele contexto.
Após realizar esse breve balanço da carreira de Miguel Lawner, partiremos para
uma exploração no que concerne à prática de desenhar, especificamente, no contexto da
ditadura chilena. Para tal propósito, a obra Dibujos en prisión. Colección del Museo de la
Memoria y los Derechos Humanos (2014) nos ajudará a compreender as motivações
deste ato, assim como as táticas utilizadas para a produção dos desenhos feitos nos
campos de prisão política. Este livro foi organizado pelo Museo de la Memoria y los
Derechos Humanos, museu chileno que fica localizado em Santiago. Conforme as
informações presentes neste livro, a coleção do museu conta com mais de 300 desenhos
e aquarelas realizadas por ex-prisioneiros políticos.
A obra em questão foi organizada a partir da exposição dos desenhos de
dezesseis autores e por meio de entrevistas realizadas com eles ou com seus familiares,
no caso dos que não se encontram vivos e/ou ainda desaparecidos. Os autores das
obras são totalmente diversos, e são referenciados no livro da seguinte maneira: três
deles têm formação em escolas de arte, quatro são arquitetos, dois são engenheiros, um
é médico, uma professora de história e dois alunos do ensino secundário, um
marinheiro e um oficial da Caja de Previsión de Carabineros de Chile, atualmente
conhecida como Dirección de Previsión de Carabineros de Chile, e por fim, um cuja
identidade é desconhecida, mas que assinalou seus desenhos como Montecinos.
Ao analisarmos o livro é possível notar como frequentemente aparece nos relatos
que a produção dos desenhos e/ou aquarelas emergiu devido ao sentimento de terapia
que este fazer artístico proporcionava aos prisioneiros. Desenhar naquele contexto era
como uma válvula de escape para muitos destes autores, pois conseguiam se distrair de
todas as tormentas que estavam passando nos ambientes das prisões. Assim, era uma
forma de ficarem mais calmos e escaparem momentaneamente de toda tristeza em que
mergulhavam. Todavia, o potencial de resistência cada vez mais passou a assumir uma
posição nesta prática, o que antes era feito como uma forma de lazer tornou-se um ato
político. Com o desenrolar das produções destas obras, o valor testemunhal começou a
ganhar espaço, pois todos continuaram fazendo seus desenhos, mas muitos destes
artistas passaram a pensar no futuro e na maneira como suas obras serviriam de registro
de todas as aflições e torturas que foram submetidos.
Em suas entrevistas, tais autores também abordaram quais caminhos utilizavam
para conseguirem materiais para confeccionarem suas obras. Na maioria dos relatos
percebemos que muitos dos materiais eram obtidos por eles através de suas famílias. Em
certas ocasiões alguns militares permitiam que eles recebessem blocos de papel, cartas e
lápis. Outra forma de obter esses materiais se dava a partir dos trabalhos que eram
forçados a realizarem nas prisões, principalmente, trabalhos ligados à infraestrutura.
Desse modo, conseguiam ter acesso, por exemplo, a pedaços de madeira para fazerem
xilogravuras.
Nesta obra também notamos a participação de Miguel Lawner. A partir da
entrevista realizada com o arquiteto, é possível retomarmos um pouco do contexto
ditatorial vivenciado por ele. Conforme o relato de Lawner, quando ele foi capturado no
dia 12 de setembro de 1973, estava ocupando o cargo de Diretor Executivo da
Corporação de Melhoramento Urbano (CORMU), no qual realizava programas de
renovação urbana e projetos de habitação para o Exército durante o governo de Salvador
Allende. Após ser capturado, ele foi levado para o Estadio Chile, atualmente conhecido
como Estadio Víctor Jara, sendo em seguida transferido para a Escuela Militar, local
onde estavam presentes alguns dos líderes políticos de esquerda e funcionários do
governo da Unidade Popular, que haviam sido detidos antes do arquiteto.
Posteriormente, estes foram levados para Compingim, tal lugar que funcionava como
sede da Infantería de Marina, localizado na Isla Dawson, no extremo sul do Chile.
Foi durante a sua detenção em Compingim que o arquiteto começou a produzir os
seus desenhos. De acordo com Lawner, ele e alguns de seus companheiros ficaram
presos neste local por cerca de oito meses. Em uma certa manhã Miguel Lawner e outros
prisioneiros foram encarregados forçadamente de realizarem alguns trabalhos no campo
de detenção, onde avistaram o povoado Puerto Harris. Naquele lugar havia uma igreja
abandonada que chamou a atenção do arquiteto. Assim, foi feita uma inspeção do local e
logo surgiu uma proposta de Lawner para poder fazer uma restauração na igreja
Com o andamento da reforma da igreja e por meio do acesso aos materiais,
Lawner começou a fazer esboços de alguns de seus colegas, o arquiteto foi muito
elogiado e incentivado a realizar desenhos que retratavam o ambiente em que viviam e as
regras que eram impostas a eles. Desde então a prática de desenhar se formou em um
potencial de testemunho para Miguel Lawner, pois ninguém tinha uma certeza sobre o
que aconteceria com tais obras no futuro, mas almejavam fazer com que suas histórias
estivessem retratadas naquelas folhas de papel. Conforme relata o arquiteto, em março
de 1974 conseguiu fazer com que alguns desenhos saíssem da ilha durante uma visita
feita pela delegação de parlamentares da República Federal da Alemanha. Nesta ocasião,
Lawner driblou a vigilância do campo e conseguiu entregar seus desenhos para o chefe
da delegação, que no mesmo dia esteve em Santiago e repassou as obras para Cecilia
Bachelet, figura esta que era esposa de Hugo Miranda, que fazia parte do grupo de
prisioneiros da Isla Dawson.
Após os desenhos serem entregues à Bachelet, ela rapidamente levou todos para
Ana María Barrenechea, esposa do arquiteto. Miguel Lawner relata que na manhã do dia
8 de maio de 1974, todos os prisioneiros foram ordenados a fazerem suas malas para
saírem da Isla Dawson. Nesse processo de deslocamento, Lawner transportou outros
desenhos em sua mala e quando sua bagagem foi examinada por um dos guardas do
campo, o arquiteto apenas argumentou que havia sido autorizado a desenhar pelo
comandante da base naval. Ao chegar em Punta Arenas, seus desenhos foram
averiguados por autoridades superiores e devolvidos a ele em seguida, com um aviso de
que todos seriam avaliados novamente ao chegarem no destino.
Ao chegarem em Santiago, todos os prisioneiros foram transportados para um
local subterrâneo na Academia de Guerra Aérea (AGA). Nesta noite em que chegaram
puderam enviar suas vestimentas sujas e apenas uma página de carta às suas famílias. Na
presente ocasião Lawner aproveitou para mandar seus novos desenhos à sua esposa,
sendo autorizado por um oficial, após dizer novamente que fazia todos aqueles desenhos
sob uma autorização. Assim, o arquiteto colocou todos em um pacote e na carta que
enviou para sua esposa, escreveu 22 en total, contudo, o envelope não chegou até ela.
Ao notar a ausência das obras de seu marido, Ana María Barrenechea insistiu por
explicações, tanto ela como seu marido fizeram esforços para saberem do paradeiro dos
desenhos, mas não obtiveram respostas. Isso tudo resultou na prisão de Barrenechea,
quatro meses após o ocorrido.
Ana María Barrenechea foi presa sob comando da Dirección de Inteligencia
Nacional (DINA), e se encontrava no escritório de arquitetura BEL Arquitectos Ltda ao
ser capturada e levada para Villa Grimaldi, local onde foram realizados diversos
interrogatórios. Ao completar cincos dias de prisão, foi esclarecido para Barrenechea
que o motivo dela ter sido presa foi devido suas alegações de desaparecimento dos
desenhos de seu marido, os quais não havia nem sequer chegado a ela. Nessa altura de
sua prisão, seguiram com os interrogatórios, mas em um dado momento perceberam que
ela não tinha nenhum conhecimento sobre o conteúdo das obras de seu marido e logo a
liberaram. Após duas semanas em sua casa, Barrenechea recebeu o envelope com os
desenhos que haviam desaparecidos. Ao fazer uma visita a seu marido, que naquele
momento se encontrava no campo de prisão de Ritoque, desde julho de 1974, se deram
conta de que seis desenhos não constavam no pacote que havia recebido.
Em seu relato, Miguel Lawner conta que quando estava detido na Academia de
Guerra Aérea (AGA) quase não conseguiu fazer seus desenhos, em Ritoque havia
produzido várias obras e entregava todos para sua esposa em visitas que recebia
semanalmente. Ana María Barrenechea guardava todos os desenhos para que não se
perdessem, contudo, no mês de junho de 1975 ocorreu a emissão de um decreto que fez
com ela fosse expulsa do país. Neste cenário receberam apoio de Sandra Dimitrescu,
esposa do embaixador da Romênia, figura esta que havia apoiado uma organização das
esposas dos prisioneiros da Isla Dawnson. Devido à sua imunidade diplomática,
Dimitrescu se oferece para retirar os desenhos de Lawner do país, alegando que faria
uma viagem de férias à Europa. Ao chegarem na Romênia, todos os desenhos foram
colocados em um cofre do Comitê Central do Partido Comunista e depois enviados para
Berlim Oriental (RDA), logo sendo exibidos publicamente pela primeira vez.
Ao ser questionado sobre o que o motivava a produzir seus desenhos nos campos
de detenção, Miguel Lawner assinala que, assim como os outros prisioneiros que
também praticavam este fazer artístico, realizava por puro passatempo e que sentia
como se desenhar fosse uma terapia naqueles tempos difíceis. Em um dado momento,
passou a acreditar que todas as suas obras testemunhariam as atrocidades vivenciadas
na ditadura de Augusto Pinochet. Para além dos desenhos de denúncia das torturas que
eram utilizadas naquele contexto, Lawner também realizou muitos desenhos de
momentos felizes experienciados com seus companheiros. Em sua entrevista, ele
menciona uma de suas obras intitulada como Isla Dawson, Ritoque, Tres Alamos--: la
vida a pesar de todo, expressando que “a vida a pesar de tudo” ou se traduzíssemos a
frase e pensarmos ela como “naquele contexto apesar de tudo” em muitos momentos ele
conseguia visualizar a beleza da vida, admirando o céu, os pores do sol ou as montanhas.
Para Lawner, não é possível expressar tamanha crueldade exercida no decorrer do
processo ditatorial chileno, contudo, naquela situação em que estava inserido, até
mesmo as coisas mais simples da vida se tornavam belas à sua visão, e eram essas coisas
mais singelas que despertavam certa esperança por tempos melhores.
O direito a olhar e a exposição das sevícias (des)humanas
Com o intuito de investigar o movimento da visualidade durante a ditadura chilena
e as construções de contravisualidades, partiremos da perspectiva do direito a olhar
desenvolvida por Nicholas Mirzoeff em um ensaio publicado como prévia de seu livro
The Right to Look: A Counterhistory of Visuality (2011), originado de uma apresentação
realizada na Conferência sobre Cultura Visual na Universidade de Westminster,
organizada por Marq Smith e Jo Morra em 2010. Em seu texto ensaístico intitulado como
O direito a olhar, Mirzoeff se debruça sobre o jogo de competição entre a visualidade e
as contravisualidades presente desde a modernidade. Para esse teórico, a visualidade
assume um papel autoritário que se firma essencialmente no período moderno como o
olhar da autoridade. Ao trazer o conceito de direito a olhar para sua abordagem, o autor
busca evidenciar que não se trata apenas do direito à liberdade, mas sim de existência.
Assim, reivindicar tal direito é expresso a partir do enfrentamento e da recusa das
formas de controle, dominação e segregação impostas na sociedade, pois quem
reivindica o direito a olhar, exige seu direito ao real. Para compreendermos tal
abordagem desenvolvida pelo autor, é necessário pensarmos sobre o complexo de
visualidade que tem como base a classificação, a separação e a estetização da sociedade
em determinados contextos. Segundo o autor, o complexo de visualidade é formado pelo
Complexo plantation, Complexo imperial e o Complexo indústria militar, sendo este
último ainda presente na atualidade.
O primeiro complexo localizado por Mirzoeff se refere ao da plantation, que se
configurava a partir das problemáticas que envolvem a escravidão das pessoas,
empregado entre os anos de 1660 e 1865. Conforme o autor, os sistemas de vigilância
soberana e o controle dos indivíduos era demasiado, a violência praticada com os
escravizados era realizada a níveis extremos de crueldade. Segundo Mirzoeff, isso se
intensificou a partir das doutrinas de segregação criadas durante o governo do
presidente estadunidense Woodrow Wilson, após as experiências revolucionárias do
século XIX, como a revolução haitiana, a abolição da escravatura e o chamado período de
Reconstrução dos Estados Unidos ocorrido após a Guerra Civil Americana.
O segundo complexo exposto pelo autor concerne ao modelo imperial da
visualidade no qual o princípio deste mecanismo era seguir um parâmetro civilizacional,
sendo aplicado entre os anos de 1857 e 1947. Como explana Mirzoeff, esse complexo
também estava conectado com uma autoridade que, nesse caso, detinha o poder central
de uma hierarquia civilizacional, estabelecendo a diferença entre povos cultos
dominantes e povos primitivos dominados. Conforme o autor, foi principalmente após a
publicação de Sobre a origem das espécies (On the Origin of Species), de Charles
Darwin, no ano de 1859, que “a cultura tornou-se a chave para imaginar as relações
entre os centros e as periferias coloniais, como visualizado pelos colonizadores.”
(MIRZOEFF, 2016, p. 755). Isso ainda se intensificou a partir da definição do antropólogo
britânico Edward Tylor que compreendia “que a civilização europeia (como ele a
percebeu) encontrava-se numa situação de superioridade em relação a tais culturas.”
(TYLOR, 1871, p. 1-5, apud MIRZOEFF, 2016, p. 755), podemos notar a predominância do
caráter de estetização neste complexo, pois, ao se estabelecer a hierarquia cultural,
vemos emergir o direcionamento da condição de perfeição na relação com à civilização
ocidental.
Para combater a classificação, a separação e a estetização inseridas pelo
mecanismo do complexo de visualidade presente nos sistemas plantion e imperial,
Mirzoeff argumenta que foram as contravisualidades do direito a olhar que conduziram
as ações dos sujeitos a reivindicarem seus direitos a olhar negado ao longo de muitos
anos pela visualidade. As contravisualidades exploradas pelo autor não são
necessariamente visuais, pois ele pontua “que elas são e foram visualizadas como metas,
estratégias e formas imaginadas de singularidade e coletividade.” (MIRZOEFF, 2016, p.
756).
O terceiro complexo explorado por Nicholas Mirzoeff é o da indústria militar que
se originou a partir dos anos de 1945 e ainda se mostra presente em nossa atualidade.
Segundo o autor, esse complexo surgiu quando os movimentos de resistência passaram
cada vez mais a reivindicarem seus direitos, principalmente, o de existência. Portanto,
visando dominar tais contravisualidades, vemos emergir neste complexo a política de
contrainsurgência inspirada nos mecanismos dos complexos citados anteriormente, e a
partir da tecnologia digital que ampliou as técnicas de visualidade. Ao investigar este
complexo, Mirzoeff traz em suas análises as táticas de organização dos militares dos
Estados Unidos, porém, o autor nota semelhanças com as práticas de contra-insurreição
ocorridas nos territórios de Argélia, Indochina, América Latina e Oriente Médio.
Segundo o autor, o princípio da política de contrainsurgência presente no sistema
militar tem como base as ações de limpar, manter e construir. Isso ocorreria iniciando
pela remoção de indivíduos considerados como insurgentes de localidades estratégicas,
por meio do uso da força, depois pela expulsão física, e pôr fim a construção de um
governo neoliberal, pois “a contrainsurgência classifica e separa à força, para produzir
uma governança imperial que se auto-justifica por ser tida como certa e, portanto,
estética.(MIRZOEFF, 2016, p. 758). O autor faz a seguinte observação: o que ocorre de
fato neste complexo não é um processo intencionado a organizar a sociedade por meio
do controle, mas sim ditar e fazer morrer quem não se encaixa no modelo governamental
almejado.
Durante a segunda metade do século XX, as sociedades do Cone Sul foram
submetidas a um período marcado por grandes repressões e pelo autoritarismo
institucional nos regimes ditatoriais. Dentre os países que instauraram um governo
ditatorial ao longo deste contexto, temos o Chile, que possui um passado extremamente
sombrio desde os anos de colonização, período que gerou um extermínio em massa de
povos indígenas. Em setembro de 1970, com as eleições presidenciais no Chile, a América
do Sul presenciava o primeiro socialista a tomar posse de tal cargo, o médico e político
Salvador Guillermo Allende Gossens. Eleito pela Unidade Popular, coalisão de partidos de
esquerda e com a aliança com a Democracia Cristã, visava adotar medidas que
favorecessem os trabalhadores e as classes mais baixas que não tinham até então sua
participação considerada.
A ditadura introduzida no Chile veio acompanhada de uma extrema violência
expressada nos seus momentos iniciais, especificamente, no golpe de 11 de setembro
de 1973, quando as forças armadas bombardearam o Palácio de La Moneda, resultando
na morte do presidente socialista Salvador Allende. O golpe de estado aplicado no país
foi financiado e teve participação direta dos Estados Unidos, dando início ao regime
ditatorial chileno que durou 17 anos. Ao longo desses anos houve várias prisões secretas,
campos de detenção política, locais de tortura onde as práticas de seviciar foram
amplamente realizadas por militares torturadores. Em muitos casos, os presos foram
esquartejados vivos, emparedados em concreto, as mulheres presas foram violadas na
frente de seus filhos e maridos, queimaram suas peles com ácido e cigarros, aplicaram
eletricidade por todo o corpo, foram presos em celas minúsculas, e submetidos também
a outras diversas formas de torturas. Em vista disso, pontuamos a necessidade de
trabalharmos as memórias dos sobreviventes do regime ditatorial chileno, assim como,
suas ações e consequências, e mantê-las ativas e vivas.
Isto posto, faço referência ao arquiteto chileno Miguel Lawner que esteve preso
em cinco lugares diferentes de detenção e gravou cada prisão em sua mente. Lawner é
uma figura extremamente importante nesse exercício de rememoração e investigação
sobre as visualidades e contravisualidades. Sabemos que ao adotarmos um caminho que
parte da cultura visual e da base teórico-metodológica de Nicholas Mirzoeff não
necessariamente devemos trabalhar com imagens, mas sim com os modos de
visualização e existência que desde a modernidade vêm sendo configurados e
reconfigurados, e principalmente controlados pela autoridade do olhar. Sendo assim, as
plantas dos campos de detenção desenhadas por Lawner, os desenhos de seus
companheiros de celas, dos objetos, dos torturadores e das torturas que eram aplicadas
contra os prisioneiros, todos esses desenhos testemunham, revelam e nos falam sobre
como foi a vivência de muitos sujeitos ex-presos políticos. Na composição de seus
desenhos, Lawner utiliza tanto de sua técnica artística para denunciar os tipos de
torturas que eram empregados nos campos de detenção política, como também relata
por meio da escrita, de forma detalhada, a forma como tudo ocorreu.
Figura 1 Las perreras
Fonte: Item 000052: Las perreras - Colección 000005 - Exposición La vida a pesar de todo (Archivo
Digital de la Fundación Museo de la Memoria y los Derechos Humanos).
Na obra intitulada Las perreras (fig.1), Miguel Lawner segue um esquema de
composição evidenciando dois pontos de vista e um relato escrito. Neste desenho,
primeiramente, verificamos que duas colunas, sendo cada uma dividida em três
espécies de gaveteiros onde os ex-prisioneiros deviam ficar apenas sentados, devido tal
estrutura seguir de fato uma forma de canis de cachorros. No ponto de vista externo,
podemos observar a presença de quatro pessoas, entre elas, três parecem ser militares
devido à posição em que são colocados no desenho. Nesse desenho, conseguimos ver
três pessoas em pé, uma delas se encontra mais afastada, pois esta aparece fechando
uma das caixas onde os presos eram torturados. As outras duas pessoas que se
encontram em pé, aparecem batendo em uma quarta pessoa, dando chutes e golpes com
uma espécie de arma.
Tal desenho nos leva a pensar que naquele momento estavam prendendo algum
dos ex-prisioneiros. no ponto de vista interno, levando em consideração o que Lawner
nos relata na parte escrita de sua obra, consideraremos o que o arquiteto expõe de sua
experiência. De acordo com Miguel Lawner, ele foi colocado aos tapas e aos chutes em
Las perreras. A forma como deveriam ficar posicionados parecia de fato como animais,
podiam ficar agachados naquele local extremamente apertado. O arquiteto também
nos conta que os torturadores os tiravam pelas noites para fazerem suas necessidades,
mas podemos pensar que, em alguns casos, nem isso era feito de fato, pois aqueles que
não aguentavam faziam suas necessidades nos canis.
Outro aspecto pontuado por Miguel Lawner é em relação à alimentação. O
arquiteto descreve que os torturadores levantavam a tampa das caixas em que ficavam e
entregavam uma comida horrível para eles. Como forma de deixarem confusos em
relação ao tempo em que estavam presos, às vezes os alimentavam a cada dois dias ou a
cada duas horas, isso era feito para perderem a noção temporal. Ainda em seu relato
escrito no desenho, ele nos conta sobre a experiência de sua companheira Gladys Diaz,
descrevendo que ela ficou presa por dois meses em Las perreras, retornando de
completamente doente e com dores fortes em sua coluna. Lawner também pontua que
Diaz presenciou a morte de seu amigo que estava em um dos canis ao seu lado. Por fim,
o arquiteto encerra o trecho escrito exclamando que era um pesadelo estar preso
naquelas caixas.
Figura 2 La parrilla
Fonte: Item 000053: La parrilla - Colección 000005 - Exposición La vida a pesar de todo (Archivo Digital
de la Fundación Museo de la Memoria y los Derechos Humanos).
Em seu desenho intitulado com La parrilla (fig.2), Lawner elabora tal fonte a
partir de um testemunho dado por uma de suas companheiras do campo de prisão
política, ou seja, pelo relato da doutora Cassidy. O desenho contém o local
Genebra/U.N.U e a data 19.1.76, possivelmente sinalizando onde e quando tal testemunho
foi escrito, a respeito disso não obtivemos nenhuma outra informação. Distanciando-se
da forma padrão de composição de seus outros desenhos, em Las parrilla evidenciamos
apenas um ponto de vista, até mesmo pelo tipo de tortura ser completamente diferente
de Las perreras. Na obra da figura 2, temos uma visão geral de um cômodo onde
podemos constatar a presença de seis pessoas. Uma dessas pessoas se encontra sentada
em uma cadeira bem próxima da mesa, no canto direito do desenho, não é possível
afirmar qual a função exercida por tal individuo, mas podemos levantar uma hipótese de
que seria um médico que teria o conhecimento de controlar os aparelhos utilizados
naquele tipo de tortura.
Ainda no desenho também vemos a aparição de quatro pessoas, nesse caso, estão
em uma posição bem próxima de onde os ex-prisioneiros eram torturados. Dessas
pessoas, duas delas aparecem apenas observando o que estava ocorrendo, mas podemos
pensar que antes também estavam ajudando a amarrar o torturado na estrutura que se
encontra no centro do cômodo. Uma outra pessoa aparece mexendo em uma máquina,
provavelmente, de onde saiam os choques que aplicavam nos sujeitos presos. E, por fim,
também vemos o ex-prisioneiro amarrado, e uma pessoa ao seu lado realizando a
tortura por meio dos choques no corpo do torturado.
De acordo com depoimento de Cassidy que aparece como a parte escrita que
compõe o desenho feito por Lawner, podemos destacar outra vez a forma como era
brutal a ação dos torturadores. Ao levarem os ex-prisioneiros para tal modo, eles os
amarravam em uma espécie de beliche de metal, especificamente, seus pulsos e
tornozelos, pernas e braços eram amarrados juntos para que não soltassem. No trecho
evidenciado no desenho, nas palavras de Cassidy: Inseriram um eléctrodo na minha
vagina e começaram a dar-me corrente com outro eléctrodo móvel, ou seja, com uma
espécie de pinça com a qual aplicaram a corrente no meu abdómen inferior, coxas e
púbis”
1
. Cassidy relata também que foi presa com uma faixa em seu abdómen e com duas
tiras envolta de seus braços. Além disso, foi vendada e nos conta que antes de apertarem
a venda em seus olhos, ela conseguiu olhar como era o cômodo onde estava.
Essa mesma forma de tortura é destacada em uma cena do filme Colonia (2015),
do diretor Florian Gallenberger, onde o personagem Daniel é sequestrado pela Dirección
de Inteligencia Nacional (DINA) e torturado compulsivamente na Colonia Dignidad, por
meio de vários choques em seu corpo. Após realizar essa breve descrição com teor
analítico dos desenhos de Lawner, podemos identificar como a visualidade atravessa tais
desenhos que também assumem uma ação de contravisualidade. Ao expressar suas
experiências, como também de outros ex-prisioneiros políticos, o arquiteto tanto
denuncia os horrores que ocorriam nos campos de detenção política, como também
reivindica seu direito ao real.
1
-se no original: Me introdujeron un electrodo en la vajina y comenzaron a darme corriente con otro
electrodo movil, es decir, con una especie de pinza con la cual aplicaban la corriente en el bajo vientre, los
muslos y el pubis.
No texto O Estado de Contrainsurgência escrito pelo economista e cientista
social brasileiro Ruy Mauro Marini, o autor destaca três aspectos fundamentais para
compreendermos a configuração do estado de contrainsurgência que veio à tona na
América Latina nas décadas de 1960 e 70, política esta que é subsequente aos processos
e forças contrarrevolucionárias. Primeiramente, o autor chama a atenção para a ação
dos militares com o caráter totalmente voltado ao sentido não apenas de derrota de seus
oponentes, mas também o de aniquilação. Seguindo para o próximo aspecto de
considerar o movimento revolucionário como algo subversivo e que também deve ser
destruído, e finalmente, o último aspecto que se apresenta como um restabelecimento da
“saúde do organismo social infectado, isto é, da sociedade burguesa sob sua organização
política parlamentar e liberal (...).” (MARINI, 2018, p.4).
A política de contrainsurgência instaurada no período da ditadura militar chilena,
foi completamente articulada pelas forças militares chilenas, pela polícia e por meio dos
organismos criados para realizarem operações de sequestros, como por exemplo: a
Dirección de Inteligencia Nacional (DINA), em seguida sendo substituída pela Central
Nacional de Inteligencia (CNI) e os Carabineros. É possível dizer que estes foram os
mecanismos iniciais que retiraram o direto a olhar de sujeitos militantes vistos como
insurgentes. Após serem presos e levados para os campos de detenção política, vemos
que esse movimento vai se intensificando a cada vez mais pela forma em que os ex-
prisioneiros eram tratados, especificamente a partir das torturas impostas a essas
pessoas. Considerando os apontamentos de Giorgio Agamben, sobre o campo como um:
(...) espaço que se abre quando o estado de exceção começa a se tornar a regra.
Nele, o estado de exceção, que era essencialmente uma suspensão temporal do
ordenamento, adquire uma ordem espacial permanente que, como tal, fica,
porém, constantemente fora do ordenamento normal. (AGAMBEN, 2015, p.31).
Podemos pensar nos campos de detenção política como locais onde o poder
exercido pelo soberano se excede, o biopoder e a biopolítica que foram inicialmente
praticadas e vistas por Michel Foucault (1975) como elementos cruciais do poder
constitutivo dos Estados da modernidade vai se tornar a cada vez mais um jogo de poder
avançado. Isto posto, inferimos que os campos de detenção implantados no Chile foram
marcados por um poder não apenas biopolítico, em que o soberano utilizava de suas
táticas governamentais para controlar as vidas precárias de sujeitos que compunham a
sociedade, mas vemos emergir também um poder sustentado pela necropolítica que
ditava e fazia morrer aqueles designados como insurgentes.
Como forma de confrontar os poderes autoritários emergidos da política de
contrainsurgência e da visualidade, foram as contravisualidades que lutaram pelo direito
a olhar. Para além da reivindicação de existência, compreendemos aqui que os desenhos
produzidos pelo arquiteto Miguel Lawner podem ser concebidos como uma reivindicação
pelo real. Ao desenhar e tornar a sua vivência como algo vivido por meio da
rememoração, Lawner também consegue fazer com que ocorra uma experiência
sensorial despertada no blico que entra em contato com suas obras. Ainda em relação
aos desenhos, também vemos transparecer um duplo movimento praticado pelo
arquiteto, pois entendemos que ocorre uma oscilação entre os tempos, ao pensarmos
sobre o campo de experiência (os campos de prisão política) e o horizonte de expectativa
(prática testemunhal) do arquiteto. Em virtude do que foi dito, entendemos que além dos
desenhos La perrera e La parrilla assumirem uma posição de rememoração, fonte
histórica e evidência visual, essas obras também se transformaram em armas, não
apenas para Lawner, mas para todos os chilenos que reivindicam seu direito ao real.
Considerações finais
A partir do conceito direito a olhar desenvolvido pelo professor e pesquisador da
cultura visual Nicholas Mirzoeff buscamos examinar a maneira como os desenhos Las
perreras e La parrilla, feitos pelo arquiteto chileno Miguel Lawner, podem atuar tanto
como elementos visuais que nos mostram as ações desenvolvidas pela visualidade na
ditadura militar chilena, como também contravisualidades que se atrevem e entram em
combate indo contra os discursos hegemônicos criados pela visualidade. Em virtude do
que foi trabalhado, podemos levantar outras questões que giram entorno da negação do
direito ao real.
De certa forma, podemos afirmar que em todos os estágios do governo autoritário
instaurado por Augusto Pinochet, e ainda atualmente, vemos os rastros das ações
implantadas por meio da visualidade. Assim, ao nos deslocarmos do objetivo central
desta pesquisa, acreditamos que o direito a olhar não foi negado apenas para as pessoas
que foram sequestradas e torturadas durante aquele contexto, mas também, nos faz
pensar que até mesmo as pessoas que estiveram em exílio e sujeitos que não tinham
informações do paradeiro de seus familiares presos tiveram, de certa maneira, uma
negação do real.
Portanto, destacamos que os desenhos de Miguel Lawner são essenciais para
reflexões sobre o contexto explorado nesta pesquisa, mas também para os estudos que
buscam pensar sobre o movimento dado pela visualidade. Fazendo referência ao
historiador de arte Georges Didi Huberman, sublinho que os desenhos de Lawner são
“uma impressão, um rastro, um traço visual do tempo que quis tocar, mas também de
outros tempos suplementares (...)” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 216). Os desenhos
analisados no decorrer deste trabalho, além de nos contar sobre os terrores da ditadura
chilena, também nos questionam, fazendo a cada vez pensarmos sobre a sua ardência em
contato com o real na busca do direito a olhar.
Referências
AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: notas sobre a política. Autêntica, 2015.
COLONIA. Direção: Florian Gallenberger. Produção: Benjamin Herrmann. Roteiro:
Torsten Wenzel e Florian Gallenberger. Distribuição: Majestic Filmverleih (Alemanha),
Rezo Films (França) e NOS Lusomundo Audiovisuais (Portugal). Original da plataforma de
streaming Netflix (online) e DVD, 110 min, 2015.
DE LA MEMORIA, Museo. Dibujos en prisión. Colección del Museo de la Memoria y los
Derechos Humanos. 2014.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tocam o real. PÓS: Revista do Programa
de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG, [S.l.], 2012, 206-219.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Editora Vozes, 2014.
LAWNER, Steiman Miguel. Las perreras. Desenho em tinta chinesa. Copenhagen, maio
de 1976. Las perreras também são chamadas de “Las Casas Corvi”. Item 000052.
Colección 000005 - Exposición La vida a pesar de todo. In: Archivo Museo de la
Memoria. Disponível em:
http://www.archivomuseodelamemoria.cl/index.php/163666;isad. Acesso em: 03 de
março de 2022.
LAWNER, Steiman Miguel. La parrilla. Desenho em tinta chinesa. Copenhagen, janeiro de
1976. Item 000053. Colección 000005 - Exposición La vida a pesar de todo. In: Archivo
Museo de la Memoria. Disponível em:
http://www.archivomuseodelamemoria.cl/index.php/163680;isad. Acesso em: 03 de
março de 2022.
MARINI, Ruy Mauro; CASTELO, Rodrigo. O Estado de Contra-Insurgência. Revista de
Estudos e Pesquisas sobre as Américas, [S.l.], v. 12, n. 3, p. 1-15, 2018.
MIRZOEFF, Nicholas. O direito a olhar. ETD-Educação Temática Digital, [S.l.], v. 18, n. 4,
p. 745-768, 2016.
NOSTALGIA de la luz. Roteiro e Direção: Patricio Guzman. Produção: Antonio
Ballestrazzi, Jutta Krug, Meike Martens, Fernando Osorio, Verónica Rosselot, Renate
Sachse e Cristóbal Vicente. Coprodução: Atacama Productions (França), Blinker
Filmproducktion e WDR (Alemanha) e Televisão Espanhola - TVE (Espanha). Icarus Films,
DVD, 90 min, 2010.