BALDOINO, Luciana*
https://orcid.org/0000-0001-6635-5013
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo
analisar a organização e o funcionamento da
Sociedade Anônima Auto Viação Sul Bahiana -
AVSB, empresa criada com a finalidade de
construir uma estrada de rodagem para ligar
Ilhéus a Itabuna, municípios líderes da
produção de cacau na Bahia. A AVSB foi
fundada em 1922, marco inicial desta pesquisa,
e operava através das subscrições financiadas
pelos seus membros, com o objetivo de
custear os gastos da obra. A baliza final é o
ano de 1932, quando a AVSB se transformou
em SULBA, empresa subsidiária do Instituto de
Cacau da Bahia ICB. A AVSB possuiu na
imprensa regional e no governo municipal
fortes aliados. Sob a direção da AVSB, a
construção da estrada Ilhéus-Itabuna coincidiu
com o início do movimento rodoviário no
Brasil, que influenciou diretamente a região sul
baiana.
PALAVRAS-CHAVE: Sul da Bahia; Estrada de
Rodagem Ilhéus-Itabuna; Sociedade Anônima
Auto Viação Sul Bahiana; SULBA.
ABSTRACT: This study analyses the
organization and functioning of the South
Bahia’s Anonymous Society of Auto
Transportation AVSB in Portuguese a
company created with the purpose of building
a highway to connect Ilhéus to Itabuna,
counties that lead the cocoa production in
Bahia. The AVSB was founded in 1922, the
starting point of this research, and operated
through subscriptions financed by its own
members, with the goal of defraying the
construction costs. The final term of this
research is the year of 1932, when the AVSB
became SULBA, a subsidiary company from
Bahia’s Cocoa Institute ICB in Portuguese.
AVSB has many allies in the regional media
and the municipal government. Under the
direction of AVSB, the construction of Ilhéus-
Itabuna road coincided with the beginning of
the road movement in Brazil, which directly
influenced the South Bahia region.
KEYWORDS: Southern Bahia; Ilhéus-Itabuna
Highway; Auto Viação Sul Bahiana
Corporation; SULBA.
* Mestra em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Santa
Cruz (PPGH/UESC), Ilhéus BA. Doutoranda no Programa de s-Graduação em História da Universidade
Federal Fluminense (PPGH/UFF), Niterói - RJ. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior Brasil (CAPES). Email: lmsbaldoino@outlook.com. Este artigo é proveniente da
dissertação desta autora: O Movimento Rodoviário no Sul da Bahia: a estrada Ilhéus-Itabuna, o escoamento
do cacau e os automóveis (1920-1935). 2022. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em
História do Atlântico e Diáspora Africana, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
Recebido em: 10/02/2023
Aprovado em: 15/04/2023
Introdução
O escoamento do cacau, mercadoria que se transformou na principal receita do
estado da Bahia, no século XX, justificava a urgência no desenvolvimento da
infraestrutura de transporte no sul baiano, região cacaueira. A situação precária do
sistema viário dos municípios de Ilhéus e Itabuna, líderes na produção do cacau baiano,
trazia agravos à economia da região.
A falta de estradas em locais estratégicos dificultava o transporte das safras de
cacau, e com este déficit, a carga demorava em torno de dois ou mais dias para chegar de
Itabuna a Ilhéus, com destino ao porto, e o produto além de chegar tardiamente, era
recebido molhado, trazendo como consequência a sua desvalorização. Desta forma, foi
idealizada pelo engenheiro José Nunes da Silva, uma estrada de rodagem que deveria
interligar Ilhéus e Itabuna, sendo o principal argumento para a sua construção a
necessidade de um transporte rápido, econômico e seguro do cacau.
Para realização do empreendimento foi fundada a Sociedade Anonyma Auto
Viação Sul Bahiana AVSB, empresa que através das subscrições de seus membros,
tinha como objetivo construir a estrada de rodagem Ilhéus-Itabuna. Seus subscritores
eram de Ilhéus, Itabuna e do Rio de Janeiro, sendo eles fazendeiros, políticos,
comerciantes e advogados. Os subscritores sul baianos tinham como principal interesse
a construção da estrada que margearia o rio cachoeira, onde ficavam localizadas
fazendas dos pessoístas, grupo político responsável pela propagação da necessidade de
construção da estrada, enquanto os subscritores do Rio de Janeiro esperavam apenas o
retorno financeiro dos seus investimentos.
Com o objetivo de conquistar a opinião pública e a aderência de subscritores para
AVSB, o jornal Correio de Ilhéos, que tinha como diretor-chefe e proprietário, o líder do
grupo político pessoísta, Antônio Pessôa, buscava enaltecer José Nunes, e relacionava a
construção da estrada Ilhéus-Itabuna ao progresso e desenvolvimento da região,
sugerindo que o atraso desses dois municípios, estava na ausência de estradas de
rodagem que pudessem transportar o cacau com mais facilidade e trafegar os
automóveis, que importados, da Europa e dos Estados Unidos da América - EUA,
correspondiam a uma novidade no Brasil:
Na Europa, vae-se por toda parte de carro ou de automovel. As estradas de
rodagem, em muitos logares, correm parallelas ás estradas de ferro. Foi assim
que se fez grande a Europa, que é ainda, apezar dos estragos da guerra, o é
máximo expoente da força e da civilisação. Ilhéos, neste particular, nada,
absolutamente, fez. Entretanto precisa voltar-se para a solução do seu
problema. Não poderemos produzir, dentro das nossas possibilidades, com os
caminhos que temos. Um moço, um dia, no seu afan de subir e de ser util á sua
Pátria, deu por nossas portas. Espirito pratico, percebeu a urgente necessidade
da construcção de uma estrada de rodagem que servisse de exemplo aos
incréos de tudo e aos que não pensam em nada. E poz mãos á obra. A poucos
passos desta cidade, está a prova do seu esforço e da sua capacidade de
trabalho. Mas o sr. José Nunes não pode terminar sosinho a estrada que
principiou e em que afundou todos os seus recursos [...] (ESTRADA DE
RODAGEM, 1922, s/p.)
O momento de idealização e construção da estrada sul baiana, coincidiu com o
início do movimento rodoviário no Brasil, na década de 1920, que apresentava
estradas/rodovias como sinônimos de um suposto progresso. Desta forma, buscaremos
apresentar a organização e funcionamento da AVSB, empresa responsável pela
construção desta estrada, sendo a baliza final o ano de 1932, após a transformação da
AVSB, em SULBA, empresa subsidiária do Instituto de Cacau da Bahia ICB. Os jornais
Correio de Ilhéos, Diário da Tarde e Jornal de Itabuna, são fontes essenciais deste
trabalho, que com a ausência de registros oficiais da sociedade, com exceção das duas
atas encontradas no Diário Oficial da União, estes periódicos publicavam matérias
acerca das atividades da empresa, nos permitindo analisar o seu desenvolvimento.
A Idealização da Estrada de Ilhéus-Itabuna
Em 29 de dezembro de 1921, o jornal Correio publicou uma matéria informando
aos cidadãos ilheenses que a ideia de José Nunes
1
, de construir uma estrada de rodagem
que ligasse Ilhéus a Itabuna, margeando o rio cachoeira, havia alcançado maiores
proporções:
Vae tendo grande acceitação e despertando muito interesse a idéa lançada pelo
dr. José Nunes da Silva, ora na Capital Federal, para construcção ligando este ao
Municipio de Itabuna, com varios ramaes. Muitos lavradores e negociantes dos
dois municípios, no intuito de ver coroada de exito a idéa do dr. Nunes, teem se
associado a esse movimento de tão proveitosos resultados para a zona
cacaueira e, assim é que as listas teem logrados já muitas assignaturas [...]
(ESTRADA DE RODAGEM, 1921, s/p).
1
Em relação a vida e formação de José Nunes, as informações encontradas são poucas. Segundo o jornal
Correio, Nunes era um moço conhecido, tem posição definida na sociedade, tem responsabilidades”
(ESTRADA DE RODAGEM, 1922, s/p); um “arrojado engenheiro” (ESTRADA DE RODAGEM, 1922, s/p). O
engenheiro possuía experiência com construção de estradas, tendo obtido “do Ministério da Agricultura
auxílio pecuniário para construir a rodovia de Ilhéus a Sequeiro do Espinho” (CAMPOS, 2006, p. 564).
Nunes havia sido proprietário de uma empresa telenica, tendo recebido em 1915,
concessão do Estado para desenvolver serviços na área (CAMPOS, 2006). Segundo o
Correio, o bacharel, posteriormente, teria vendido sua empresa para impulsionar a
construção da estrada de rodagem Ilhéus-Itabuna:
Quando o dr. José Nunes trocou a sua empresa telephonica pela estrada de
rodagem, que iniciou, vendendo aquella para construir esta, nesta cidade, nem
uma pessoa houve que julgasse bom negocio o desse industrial, por isso mesmo
que o seu plano, entre nós, de constituir uma sociedade anonyma, não
encontraria apoio dos nossos capitalistas (ESTRADA DE RODAGEM, 1922, s/p).
Destinando críticas aos que foram contrários ao empreendimento de Nunes, o
Correio os intitulava de “atrasados, retrogrados, desambiciosos de glorias” (ESTRADA
DE RODAGEM, 1922, s/p), tendo dificuldades de atuarem em “emprezas delicadas,
exigentes de mais lucidez de espirito, de maior conhecimento de cousas” (ESTRADA DE
RODAGEM, 1922, s/p). Para o jornal, os incrédulos na construção da estrada seriam
pessimistas, e atrelando a obra ao desenvolvimento, o Correio finalizava a matéria
convocando novos partidários à proposta de Nunes: “Avante, homens de Ilhéos! Prestai a
vossa terra o serviço que ella mais reclama e que seo ponto inaugural do nosso pleno
desenvolvimento.” (ESTRADA DE RODAGEM, 1922, s/p).
A estrada planejada por Nunes partiria de Ilhéus e através de ramais, cortaria
algumas zonas. Passando pelo Banco da Vitória, posicionado em seu trajeto principal, a
estrada tomaria direção ao Morro dos Meriquis, Jacarandá, Bom Jesus, Alegrias, Serra
Grande, Preguiças e Água Branca, alcançando então seu destino final, a cidade de
Itabuna. Nunes, defendia a necessidade de um percurso diferente do existente,
realizado pela estrada de ferro Ilhéus-Conquista EFIC.
A EFIC transportava 1/12 do cacau mundial, e entre os anos de 1918 e 1927,
transportou de 81% a 87%, do cacau sul baiano pelo porto de Ilhéus (ESTRADA DE
FERRO DE ILHÉOS A CONQUISTA, 1929, s/p). Principal modal de transporte da região
cacaueira, a estrada de ferro havia sido construída com o principal objetivo de
transportar o cacau até o porto, sendo inaugurada em 1910, em Ilhéus, e, em 1913, em
Itabuna, administrada pela empresa londrina The State of Bahia South Western Railway
Company Limited. Analisando a infraestrutura da região, Kátia Pontes explica que a EFIC
se articulava com o porto de Ilhéus, formando um binômio, “dois elementos, ideias,
conceitos, cuja junção representa uma possibilidade harmoniosa.” (PONTES, 2018, p. 21),
engendrados pelo capital inglês.
Apesar de levar em seu nome a cidade de Ilhéus, seu quilômetro zero, e o
município de Conquista, como fim de linha, a ferrovia não havia alcançado esta cidade,
ficando seu trajeto restrito entre Ilhéus e Itabuna. Vale ressaltar que o trajeto percorrido
pela estrada de ferro, que abarcava a bacia do Almada e a zona norte de Ilhéus, com
ramais em Água Preta e Sequeiro do Espinho, não era o proposto originalmente, segundo
Pontes:
Os ingleses, recém-chegados, principiaram a frustrar desde cedo as
expectativas em relação ao traçado. A falta de cumprimento do traçado
originalmente previsto se tornou um dos grandes motivos de insatisfação que
serviria de argumento contra a empresa inglesa em toda a sua trajetória. A State
iniciou a realização do traçado conforme seus próprios interesses na direção
das grandes propriedades produtoras de cacau desligando-se do traçado
contratado (PONTES, 2018, p. 228-229).
O traçado original propunha que a estrada de ferro margeasse o Rio Cachoeira,
porém, por razões políticas, a EFIC favoreceu o sentido oposto ao da bacia do Rio
Almada, onde estavam localizadas as propriedades dos adamistas
2
, grupo político rival ao
pessoísta. Em contrapartida, a estrada de rodagem proposta por Nunes
3
, seguiria o
traçado inicial da EFIC, o que agradava o grupo político pessoísta, que tinha como
principal distrito o Cachoeira de Itabuna, passando a reforçar a necessidade da
construção da estrada de rodagem, e acentuando as críticas à estrada de ferro, através
do seu periódico, o Correio de Ilhéos:
Digno é de menção e applausos os mais ardentes, o modo por que ele se refere
á Estrada de Ferro Ilhéos a Conquista, que existe para nos sorver o caro
dinheiro e nos servir desgraçadamente mal. Não sabemos porque razão os
outros governos sem nenhum protesto, que a State os vexasse com taxas
extorsivas, e ao Estado com juros [...] (EM TORNO DA MENSAGEM DO
GOVERNADOR DA BAHIA, 1925, s/p).
2
Apesar de possuir em comum a produção cacaueira e sua economia, a classe dominante sul baiana, não
possuía uniformidade em sua formação social e divergia em alguns de seus interesses. Segundo Silva
Campos (2006), em fins do século XIX, essa divisão se dava a partir de dois grupos políticos e seus
respectivos líderes: Antônio Pessôa da Costa e Silva, à frente do grupo pessoísta, e Domingos Adami de Sá,
líder do grupo adamista. No século XX, os pessoístas passaram a apoiar o Partido Republicano Democrata
- PRD, que tinha em sua liderança José Joaquim Seabra. Após anos de tentativas para exercer o poder nos
municípios de Ilhéus e Itabuna, em 1912, quando Seabra se torna governador do Estado (1912-1916), os
pessoístas deram início a sua ascensão, que viria ter fim em 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao
poder nacional.
3
o foram encontradas fontes por esta autora que permitam afirmar a filiação de Nunes ao grupo
político pessoísta e ao Partido Republicano Democrata PRD. Porém, devido a articulação de interesses e
a campanha promovida pelos pessoístas em prol do bacharel, podemos presumir sua ligação ao grupo
político.
Ciente do alto custo envolvido na construção de uma estrada, Nunes viajou para o
Rio de Janeiro, Capital Federal, visando conseguir autorização do Ministério de Viação e
Obras blicas para a criação de uma empresa que custeasse o empreendimento. Desta
forma, com sede no Rio de Janeiro, foi fundada a Sociedade Anônima Auto Viação Sul
Bahiana AVSB.
A Sociedade Anônima AVSB
Sendo fundação de sociedades anônimas com o objetivo de realizar construções
no setor de transportes, um fator recorrente no Brasil, e dada a intensificação dessa
prática na primeira metade do século XX,
4
este foi o meio escolhido pelo bacharel sul
baiano, Nunes, e demais aliados, para que pudessem realizar a construção da estrada
Ilhéus-Itabuna. Em 9 de janeiro de 1922, o jornal Correio publicou sobre a viagem de
Nunes ao Rio de Janeiro e a criação da AVSB:
No Rio de Janeiro, conseguiu, depois de muito trabalhar, um auxílio parco.
Alguns dos homens daqui, vendo a necessidade maior de prestar um concurso
ao operoso cidadão e reconhecendo o dever de Ilhéos de ser o primeiro na
victoria de uma grande idéa que a si dizia respeito, apressaram-se a
subscrever importantes quantias, tornando assim possível a constituição de
uma sociedade anonyma. [...] Agora os incorporadores da Sociedade pedem o
deposito de 50% das quantias sobrescriptas, em Ilhéos, no Banco do Brasil
(ESTRADA DE RODAGEM, 1922, s/p).
Em 8 de fevereiro de 1922, foram publicadas, no Diário Official dos Estados
Unidos do Brasil, as duas atas das reuniões de constituição da AVSB, ocorridas em 14 e
30 de janeiro de 1922, no sobrado do prédio de número 29, na rua primeiro de março, no
Rio de Janeiro. A primeira sessão, com a AVSB ainda em via de organização, tinha a mesa
composta por Joaquim da Costa Ramalho Ortigão, como presidente, João Mendes de
Almeida Netto, como primeiro secretário, e Izidoro de Siqueira Cavalcanti, como
segundo. A primeira reunião, tinha como objetivo organizar a constituição da AVSB, e
para tal, se fazia necessária a nomeação de três presentes para dar valor aos direitos,
concessão, contrato e subscrições efetivadas (BRASIL, 1922, p. 2978).
Após a nomeação, o primeiro secretário, João Mendes de Almeida Netto, declarou
encerrada a sessão, designando uma nova reunião para o dia 30 de janeiro, com o
4
Sobre a origem, organização, entraves e funcionamento das sociedades anônimas no Brasil, ver: (LEVY,
1994) Conforme apontado por Levy (1994, p. 55) ao final do culo XIX, a constituição de sociedades
anônimas no setor de transportes já ocupava o segundo lugar no volume de capital investido no Rio de
Janeiro.
objetivo de finalizar a constituição da AVSB. Estavam presentes na primeira reunião:
João Mendes de Almeida Netto, Joaquim da Costa Ramalho Ortigão, Izidoro de Siqueira
Cavalcanti, Quodvultdeus de Teive e Argollo, Manuel da Fonseca Dorea, Carlos
Cavalcanti da Silveira, Edmundo Francisco Vieira, Ilídio Nunes de Castro, João Batipsta
Garcia, Jaime Pacheco Lima e José Nunes da Silva (BRASIL, 1922, p. 2978).
A ata da segunda reunião, ocorrida no dia 30 de janeiro, apresentava, em seu
início, o capital total da AVSB, 300:000$000 contos de réis, e as pautas abordadas na
sessão foram: deliberação de laudo, leitura e aprovação dos estatutos, eleição da
diretoria e conselho fiscal, e a constituição definitiva da AVSB:
[...] na sua primeira reunião do dia 14 de janeiro do corrente anno, depois de
minucioso e bem documentado estudo dão valor de cento e cincoenta e cinco
contos de réis (155:000$000) aos direitos, contracto com o município de Ilhéos,
no Estado da Bahia, auxilio do Governo Federal que a sociedade vae incorporar
pela forma seguinte discriminados: 1 concessão feita pelo município de Ilheós,
Estado da Bahia, ao bacharel José Nunes da Silva, em virtude da lei n. 131, de 24
de outubro de 1918, e pela qual fica este com o privilegio da construcção, uso e
goso durante cincoenta annos de uma estrada de rodagem para o transporte,
por meio de tracção animal ou por automóvel, de passageiros, cargas e
bagagens [...] (BRASIL, 1922, p. 2978-2979).
Em continuação, a ata apresenta os estatutos da AVSB, contendo: denominação,
sede, fins e duração da sociedade (capítulo I); capital (capítulo II); administração (capítulo
III); conselho fiscal (capítulo IV); assembleias (capítulo V); lucros e dividendos (capítulo
VI); disposições gerais e transitorias (capítulo VII).
No capítulo I, responsável pela organização da AVSB, constam os objetivos, a
duração e a sede da sociedade. A sede da AVSB ficaria instalada no Rio de Janeiro, sendo
permitida a abertura de filiais em outros estados ou países, e a sua duração seria de
cinquenta anos, podendo este prazo ser prorrogado em assembleia. Quanto aos
objetivos, a AVSB ficaria responsável por:
a) a exploração de uma estrada de rodagem no Estado da Bahia, para o
transporte por meio de tracção animal ou por automóvel, de passageiros,
cargas e bagagens cuja linha tronco tenha o seu ponto de partida na cidade
de Ilhéos, passando pelo arraial de Banco da Victoria, Jacarandá, Alegrias,
Preguiças e depois de atravessar a estrada de ferro terminar na zona de
Sequeiro do Espinho, conforme concessão que lhe será transferida;
b) construcção e exploração de estradas de rodagem nos diversos Estados do
Brasil, por conta própria ou de terceiros, bem como a exploração do
transporte, por via terrestre, de cargas, bagagens e passageiros por meio de
estradas de rodagem ou vias férreas que a sociedade construir;
c) construcção de portos marítimos ou fluviais e respectiva exploração, por
conta própria ou de terceiros; exploração de todos os serviços industriaes e
commerciaes que se relacionarem com os fins a que se destina a sociedade.
(BRASIL, 1922, p. 2979)
Além do primeiro, e principal objetivo “a construção da estrada de rodagem que
ligaria Ilhéus a Itabuna”, a AVSB também tinha licença para “construção e exploração de
estradas de rodagem nos diversos Estados do Brasil”, bem como a “construção de portos
marítimos ou fluviais e, respectiva exploração [...]” (BRASIL, 1922, p. 2979). Porém, o
indícios de que a sociedade tenha atuado em qualquer outra construção ou
exploração, que não fosse a da estrada Ilhéus-Itabuna, podendo sugerir que esse fosse o
seu único interesse, ou que a sua construção foi tão dispendiosa a ponto da empresa não
conseguir ou desejar investir em outros empreendimentos.
O capítulo II apresenta a divisão do capital total da sociedade. Totalizando
trezentos contos de réis, o capital ficou dividido em três mil ações que custavam cem mil
réis cada uma, onde mil e quinhentas equivalentes a cento e cinquenta e cinto contos,
pertenciam a Nunes, ficando o restante de mil quatrocentos e cinquenta ações,
correspondentes a cento e quarenta e cinco contos de réis, subscritas pelos demais
acionistas da sociedade (BRASIL, 1922, p. 2979).
Nunes como idealizador da estrada Ilhéus-Itabuna e, consequentemente, da
fundação da sociedade anônima, era possuidor da maior quantidade de ações. O valor
total dessas ações, como consta na ata de constituição da sociedade, correspondia aos
auxílios dados pelo município de Ilhéus, e pelo estado da Bahia à construção da estrada
que viria ampliar o transporte do cacau no sul baiano.
No capítulo III, quanto à administração da empresa e sua diretoria: “A sociedade
será administrada por uma directoria composta de tres membros: um director-
presidente, um director-secretario, e um director-gerente (...)” (BRASIL, 1922, p.2980). O
capítulo IV, apresenta a composição do conselho fiscal, três membros efetivos e três
membros suplentes, eleitos anualmente em assembleia.
As assembleias, inseridas no capítulo V, ficaram organizadas em ordinárias e
extraordinárias: “as assembléas ordinarias se reunirão no primeiro trimestre de cada
anno; as extraordinarias se reunirão sempre que os interesses da sociedade o exijam.”
(BRASIL, 1922, p. 2980). As assembleias deveriam ser presididas por um acionista
escolhido por seus pares presentes na reunião e as convocações para estas deveriam ser
anunciadas pela imprensa, com antecedência de 15 dias para as ordinárias, e de 5 dias
para as extraordinárias. O jornal Correio se responsabilizava pela divulgação das
convocações, sendo uma espécie de “porta-voz” da AVSB.
O capítulo VI, destinado aos lucros e dividendos, definiu um balanço anual em 31
de dezembro de cada ano, devendo os lucros serem divididos em: 5% para diretoria; 5%
para o fundo reserva; 5% para depreciação do material da sociedade; 85% para serem
distribuídos entre os acionistas (BRASIL, 1922, p. 2980).
Finalizando os capítulos, o capítulo VII, de disposições gerais e transitórias,
designou a primeira diretoria, que pelo prazo de dois anos, ficou constituída por:
Edmundo Francisco Vieira, como diretor-presidente, Manoel da Fonseca Doria, para
diretor-secretario, e Aureliano Brandão para diretor gerente. O primeiro conselho fiscal
ficou composto por: Manoel da Silva Tavares, Virginio Calasans de Amorim e Fernando
Steiger Junior, como membros efetivos, e Arthur de Paiva Leite, Henrique Cardoso e
Silva, e João Pedro de Souza Leão, como suplentes (BRASIL, 1922, p. 2981).
Ao término da reunião de 30 de janeiro de 1922, ficava então organizada a AVSB
como uma sociedade anônima com subscrições financiadas pelos seus membros e auxílio
governamental, com o objetivo de custear materiais, mão-de-obra e demais gastos da
obra. Essas subscrições passaram a ser firmadas através de assinaturas, com fortes
campanhas divulgadas pelo jornal Correio, que acumularam um capital de 145:000$000
contos de réis, do qual 50% foi depositado na agência do Banco do Brasil em Ilhéus,
podendo ser retirado apenas com a aferição de trechos por seções de 10 km.
Apesar de sua recente fundação, a AVSB logo começou a apresentar problemas
em relação aos seus associados, que alguns desejavam o retorno dos valores
depositados. Para impedir estas ações, o Correio publicava manchetes narrando a
importância da construção da estrada para o desenvolvimento regional e da credibilidade
de Nunes, que havia vendido sua empresa telefônica para investir na estrada de
rodagem.
O objetivo da campanha realizada pelo Correio parece ter surtido efeito, pois as
obras foram retomadas em abril de 1922. Em 4 de maio, estavam prontos 6 km da
estrada, com 5% de declividade e com largura de no mínimo seis metros, alcançando o rio
do Fundão. Os resultados eram satisfatórios, e foram noticiados pelo mesmo jornal,
enaltecendo Nunes, que se mantinha crente na promissão de seu projeto:
Atravessam a referida estrada, até chegar ao rio do Fundão, terrenos dos
coroneis Ramiro Castro, Miguel Alves, Fazenda Basílio, e os do capitão Joaquim
Pinto de Campas. O illustre dr. JoNunes nos disse, em palestra, que nos fins
de maio ou começo de junho, a estrada de rodagem estará no Banco da Vitória.
São 12 kilometros daqui ao Banco. Voltamos satisfeitíssimos com os trabalhos
dessa estrada, que vae nos ligar ao florescente município de Itabuna. Mandamos
destas columnas sinceros e calorosos parabens ao infatigavel dr. José Nunes da
Silva [...] (CORTANDO MORROS E DESBRAVANDO MATAS, 1922, s/p).
Abaixo seguem as tabelas 1 e 2, disponibilizados pela diretoria da AVSB para o
jornal Correio, em 8 de agosto de 1922, contendo os subscritores de Ilhéus e Itabuna que
entraram com 50% das quotas que subscreveram (tabela 1):
Tabela 1: Subscritores de Ilhéus e Itabuna que entraram com 50% das quotas subscritas:
Subscritores
Subscrições
João Pedro de Souza Leão
5:000$000
Antonio Rodrigues Portella
2:500$000
Nicodemos Barreto
2:500$000
Tertuliano Guedes de Pinho
2:500$000
Aureliano Brandão
2:500$000
Fernando de Steijer
2:500$000
Domingos Fernandes da Silva
Philadelpho Almeida
Martinho Conceição
Sabino Costa
Francisco Benicio dos Santos
Benigno Azevedo
Antonio Emydio de Almeida
Arthur Nilo de Sant’Anna
2:500$000
1:250$000
1:000$000
1:000$000
500$000
500$000
500$000
500$000
Total
25:250$000
Fonte: ESTRADA DE RODAGEM, 1922, s/p.
E os subscritores que entraram com 100% das quotas (tabela 2):
Tabela 2: Subscritores de Ilhéus e Itabuna que entraram com 100% das quotas subscritas:
Subscritores
Subscrições
Manoel Misael da Silva Tavares
5:000$000
João Borges da Rocha Netto
2:000$000
Francisco Briglia de Magalhães
1:000$000
Total
8:000$000
Fonte: ESTRADA DE RODAGEM, 1922, s/p.
Em 12 de agosto de 1922, o Correio publicou uma relação de receita e despesas da
AVSB, do mês de fevereiro ao mês de agosto. As despesas somavam o valor de
65:442$000 contos de réis, e a receita somava o valor total de 64:650$000 contos de
réis. Na publicação referente a relação, também continham nomes de subscritores do Rio
de Janeiro, que haviam entrado com 50% das quotas subscritas (tabela 3). Interessante
observar que esses subscritores foram os mesmos presentes na organização da AVSB,
em janeiro de 1922, cujos nomes constam nas atas no Diário Oficial da União, nos
permitindo afirmar que estes se mantiveram na sociedade, pelo menos até agosto do
mesmo ano (1922):
Tabela 3: Subscritores do Rio de Janeiro que entraram com 50% das quotas subscritas:
Subscritores
Subscrições
Edmundo Francisco Vieira
15:000$000
Quodvultdeus de Teive Argollo
3:500$000
João Mendes Almeida Netto
2:000$000
Joaquim da Costa Ramalho Ortigão
2:000$000
Isidoro de Sequeira Cavalcante
2:000$000
João Batipsta Garcia
João Pacheco Lima
Ilídio Nunes de Castro5
2:000$000
2:000$000
2:000$000
Total
30:500$000
Fonte: COMPANHIA AUTO VIAÇÃO SUL BAHIANA, 1922, s/p.
Outro ponto a ser destacado é a quota de 15:000$000 subscrita pelo acionista do
Rio de Janeiro, Edmundo Francisco Vieira, sendo esta três vezes superior as maiores
subscrições feitas pelos acionistas sul baianos, Misael Tavares e João Leão. A subscrição
de Edmundo Vieira e a quantidade de subscritores do Rio de Janeiro que se interessaram
e mantiveram no empreendimento, nos permite supor a credibilidade, por parte destes,
na possibilidade de lucro da sociedade apresentados por Nunes na reunião de
constituição da AVSB.
Apesar do auxílio governamental e das subscrições particulares destinadas à
construção da estrada, em 1923, a AVSB voltou a apresentar problemas financeiros e
disparidades entre seus acionistas. Por conta destes percalços, o prazo para a entrega da
estrada, que era de dezembro do mesmo ano, foi prorrogado para 31 de dezembro de
1924.
Em primeiro de janeiro de 1924, Mário Pessôa, filho do líder pessoísta Antônio
Pessôa, assumiu pela primeira vez a intendência de Ilhéus. Pessôa demonstrava seu
interesse pela construção de estradas no município e atrelava suas construções ao
desenvolvimento e progresso de uma região. Considerando a estrada Ilhéus-Itabuna, a
5
Apesar de Ilídio de Castro constar na relação como subscritor do Rio de Janeiro, este era sul baiano,
sendo uma figura atuante no conselho municipal e nas questões econômicas da região cacaueira
(SOCIEDADE..., 1925, s/p)
coluna vertebral do município logo ao assumir a intendência, Pessôa buscou resolver os
gargalos que impediam a continuidade de sua construção.
Desta forma, em 24 de janeiro de 1924, no mesmo mês da posse de Pessôa, o
jornal Correio noticiava a chegada no município de Ilhéus, do advogado Maurício de
Oliveira e do engenheiro Gastão de Araújo, representando J.W. Finch, engenheiro
construtor, que, segundo o jornal, correspondida ao interesse de empresários norte-
americanos. Ambos vieram com o objetivo de estudar a topografia e os recursos
existentes para construção da estrada, percorrendo a zona compreendida pelo plano de
viação de Nunes (ESTRADA DE RODAGEM, 1924, s/p).
Em 22 de maio de 1924, o Jornal de Itabuna, na seção estrada de rodagem,
publicou um telegrama endereçado a Virgílio Amorim, cujo autor era o engenheiro Finch.
Virgílio Amorim, abastado fazendeiro pessoísta, tinha sua propriedade localizada na zona
do rio Cachoeira, sendo um dos principais interessados na construção da estrada de
rodagem Ilhéus-Itabuna e, em 1924, havia se tornado o maior acionista e diretor da
AVSB.
O telegrama se tratava de uma resposta de Finch a Virgílio Amorim, pois o
fazendeiro havia solicitado uma análise do engenheiro acerca do desempenho da AVSB e
da execução das obras da estrada. Finch apontava que após estudos e orçamentos
realizados, sua conclusão era de que a estrada Ilhéus-Itabuna, construída, poderia se
tornar inútil, já que a AVSB não possuía o capital necessário para custear as despesas da
obra:
A estrada pode ser construída e tornar-se inútil sem previas providencias para
equipamento indispensável. Em vista do orçamento para estrada, incluindo
obras d’arte, caminhões, equipamentos, dependencias necessarias, organisação
e funccionamento do serviço, torna-se indispensável que a companhia tenha
capital de 1.500 contos. A Auto Viação Sul Bahiana não tem capital nenhum e
garantias offerecidas embora pareçam boas não são firmes. Observações feitas
por mim e pelo relatório do meu representante Mauricio Oliveira, tenho toda
confiança bom êxito do empreendimento (ESTRADA DE RODAGEM, 1924, s/p).
Visando dar solução ao problema apresentado, Finch propunha quatro sugestões
para o êxito da sociedade, sendo estas: mudança da sede; a reorganização da empresa;
aumento de capital; e depósito das subscrições no Banco do Brasil:
Primeira, que a sede da companhia seja transferida para Ilhéos; segunda que a
companhia seja reorganisada escolhendo directores residentes zonas
cacaueiras, os quaes terão pessoalmente interesse successo; terceira o capital
deve ser augmentado para 1500 ficando actuaes acionistas com prioridade
subscreverem novas acções em troca valor proporcional novo capital: quarta,
as subscripções devem ser depositadas no Banco do Brasil applicadas para
custeio nas construcções e equipamento tudo sob fiscalização nova
reorganização (ESTRADA DE RODAGEM, 1924, s/p).
Para Finch, as primeiras sugestões seriam a mudança da sede da AVSB, que
estava localizada no Rio de Janeiro, para Ilhéus, e a reorganização do seu quadro
diretório, elegendo subscritores que residissem na região cacaueira. Segundo o
engenheiro, a administração por parte de sul baianos seria benéfica ao desenvolvimento
da sociedade, que estes seriam os maiores interessados na construção da estrada e,
consequentemente, apresentariam um melhor empenho. A recomendação de Finch
demonstrava que, apesar de Virgílio Amorim ser o diretor da AVSB, a sociedade ainda
tinha em seu quadro diretório subscritores do Rio de Janeiro, o que para o engenheiro
não seria um fator positivo, que estes não demonstravam o mesmo envolvimento no
empreendimento que os subscritores da região.
Como terceira e quarta sugestão, Finch apontava a necessidade do aumento do
capital da empresa, através de novas subscrições que deveriam ser depositadas no
Banco do Brasil, e empregadas na compra de equipamentos necessários para o
aperfeiçoamento das obras. Ao término do telegrama, o engenheiro se colocava à
disposição do diretor da AVSB, para auxiliar na reorganização da empresa (ESTRADA DE
RODAGEM, 1924, s/p).
A recomendação do engenheiro Finch, acerca da reorganização da AVSB, seria
colocada em prática no ano posterior ao recebimento do seu telegrama. Em 3 de junho
de 1925, à tarde, foi realizada uma reunião no gabinete do intendente em Ilhéus, com o
objetivo de “ser resolvido o melhor meio da reorganização da Companhia Auto Viação
Sul-Bahiana [...]” (A REORGANIZAÇÃO..., 1925, s/p). Durante a reunião, Pessôa
apresentou o engenheiro militar João da Costa Palmeira, que segundo o jornal Correio, se
encontrava “vivamente interessado no início immediato das obras da alludida rodovia.
(A REORGANIZAÇÃO ..., 1925, s/p).
Em 04 de junho de 1925, um dia após o encontro ocorrido em Ilhéus, uma reunião
com o mesmo objetivo seria realizada em Itabuna, sob a presidência no intendente
interino Laudelino Lorens. Como em Ilhéus, o intendente Lorens também apresentou ao
público o engenheiro Palmeira, que teria vindo ao sul baiano, com o objetivo de tratar da
reorganização da AVSB. Com a palavra, Palmeira fez uma longa exposição sobre o seu
plano de reorganização da sociedade, no qual constavam detalhes dos capitais a serem
aplicados, os meios econômicos para garantia da compra dos materiais necessários, e
estipulava a data adequada para o fim da construção da estrada. Palmeira ainda exibiu
catálogos de materiais para construção e tráfego da estrada de rodagem.
Aproveitando a estadia de Palmeira no município, o Jornal de Itabuna o procurou
para realizar uma entrevista acerca da construção da estrada Ilhéus-Itabuna e da
viabilidade dos negócios da AVSB. Perguntado sobre a quilometragem, custos e prazo, o
engenheiro respondeu que a estrada Ilhéus-Itabuna totalizaria 36 kms, e a quantia a ser
gasta por quilômetro seria de 12 a 15 contos de réis. Quanto ao prazo da construção, ele
deu uma estimativa de 4 kms por s, o que resultaria nos 24 kms que restavam, pois 12
kms haviam sido construídos sob a administração da antiga sociedade (ESTRADA DE
AUTOMOVEIS, 1925, s/p):
Gastaremos nos 36 kilometros de estrada entre Ilhéos e Itabuna, de 12 a 15
contos de réis por kilometro conforme a resistência das terras; nesta
kilometragem teremos o total de 300:000$000; na construcção da ponte sobre
o rio Fundão o meu orçamento é de 80:000$000; e na construcção de uma
garage para abrigo do material rodante da Empreza e deposito de combustiveis
gastaremos uns 20:000$000. Quanto ao prazo para a construcção da estrada,
façamos uma media de 4 kilometros por mez, ou seja seis mezes de obras de
estrada correspondendo aos 24 kilometros que nos restam a fazer [...]
(ESTRADA DE AUTOMOVEIS, 1925, s/p).
A construção de uma ponte sobre o rio Fundão fazia parte do planejamento da
obra, sendo considerada um importante obstáculo a ser superado devido à dificuldade de
sua construção, Palmeira levantava um prazo de 10 meses para sua finalização, e com
otimismo, ele ainda supunha que poderia ser concluída em menos tempo. Quanto ao
capital geral necessário para nova empresa, o engenheiro calculava 608:000$000, sendo
este distribuído em: 200:000$000 do auxílio dado pelo Governo do Estado;
300:000$000 das subscrições dos novos acionistas; 72:000$000 do Governo da União;
34:000$000 do município de Ilhéus; e 2:000$000 do município de Itabuna. As ações da
nova AVSB manteriam o valor de 100$000, como a antiga, e a empresa permaneceria
com o mesmo nome: Auto Viação Sul Bahiana (ESTRADA DE AUTOMOVEIS, 1925, s/p).
Os gastos com materiais rodantes também foram discutidos, chegando a uma
conclusão da necessidade de aproximadamente 100:000$000 para o primeiro ano de
tráfego da estrada. Para os demais anos de construção e conservação da estrada, que
seriam realizados por tratores, niveladores, escavadores, roladores e britadores, seriam
utilizadas as verbas adquiridas com o próprio tráfego. Finalizando a entrevista, Palmeira
discorreu sobre o terreno em que a estrada seria construída e como se daria esta
construção:
O terreno varia na sua topografia e na constituição das suas terras como em
toda parte mesmo, porque fazer uma estrada em terreno todo elle solido, firme
e no mesmo nível é um idealismo, o nosso terreno aqui estudado têm trechos de
terras firmes, optimas para construção e tem também trechos de terras mais
fracas que serão cuidadosamente reconstituídas por novos leitos, novas
plataformas de estrada, applicando-se-lhes cascalho de pedra britada, areia e
especialmente a piçarra que aqui se encontra com facilidade, o casealho, a areia
e a piçarra absolvem completamente a humidade das terras argilosas e
cacaueiras, reconstituindo-as e solidificando-as. Completa-se a solidez da
plataforma da estrada, depois de nivelada, passando-se por cima o rolo
compressor e completando-se a drenagem com valletas lateraes, bueiros e etc.
(ESTRADA DE AUTOMOVEIS, 1925, s/p).
Em 17 de junho de 1925, o deputado Epaminondas Berbert de Castro
6
, “um dos
principais líderes pessoístas do período.” (RIBEIRO, 2001, p. 117), apresentou na Câmara
Estadual, o projeto de lei, de sua autoria, que tinha como objetivo autorizar o Estado a
auxiliar com 200:000$000 a construção da estrada Ilhéus-Itabuna. Como justificativa, o
deputado apontava a importância econômica da estrada para os municípios de Ilhéus e
Itabuna, e como a atividade agrícola e comercial da região cacaueira seria impulsionada
com sua construção. Mencionando a EFIC, o deputado alegava que esta não conseguia
abarcar e servir a todas as necessidades dos dois municípios, sendo urgente a
implantação da estrada de rodagem para sanar os percalços existentes.
Apesar de solicitar 200:000$000 de auxílio ao estado, o deputado Epaminondas
de Castro considerava este valor pequeno, pois era proveniente de Ilhéus e Itabuna 60%
de toda produção cacaueira do Estado da Bahia, rendendo, por exemplo, no ano de 1924,
6.000:000$000 arrecadados através dos impostos de exportação cobrados sobre o
produto e contribuindo, no ano de 1925, para a receita estadual, com mais de
7.500:000$000.
O auxílio que se pleiteia do Governo do Estado para a rodovia ali em execução -
assignala o orador- é uma verdadeira ninharia, uma insiginificância, em face da
somma vultosa com que os dois municípios concorrem, annualmente, para os
cofres do Estado. Basta lembrar que no anno proximo findo, segundo consta da
brilhante e exhaustiva Mensagem do Exmo. Sr. Dr. Governador, as
Collectorias de Ilhéos e Itabuna renderam... 1.539:005$918,
sendo...1.095:268$900 para a do primeiro dos referidos municípios,
e...443:737$018 para a de Itabuna (A ESTRADA DE RODAGEM DE ILHÉOS A
ITABUNA, 1925, s/p).
Em relação a reorganização da AVSB, o deputado foi incisivo quanto a sua
urgência, pois a administração e continuação das obras que estavam paralisadas
dependiam de sua reestruturação.
6
Sobre Epaminondas Castro, André Ribeiro escreve que este era um “líder político e intelectual ligado por
laços familiares ao coronel Pessoa” (RIBEIRO, 2001, p. 121).
Em 23 de Julho de 1925, o senado aprovou o projeto apresentado na Câmara por
Epaminondas de Castro. Essa aprovação foi muito bem recebida pelos dois municípios, e
o intendente Mário Pessôa enviou um telegrama ao governador Góes Calmon,
expressando sua gratidão. Sendo a infraestrutura de transporte fator de forte
preocupação, os municípios de Ilhéus e Itabuna esperavam um desentrave à expansão de
suas forças econômicas, com a estrada de rodagem.
Em 14 de agosto de 1925, ficou decidido em assembleia que Ilhéus sediaria a nova
AVSB, sendo publicada no Diário Oficial, em 20 de agosto do mesmo ano, a transferência
da sede do Rio de Janeiro para o município (SOCIEDADE..., 1925, s/p).
Em nova assembleia, realizada no dia 13 de setembro, presidida por Virgílio
Amorim, ficou decidido o resultado da composição do quadro diretório e fiscal da AVSB
reorganizada. A diretoria ficou composta por: Virgílio Amorim como presidente;
Aureliano Brandão como secretário; e Ilídio de Castro como gerente. O Conselho Fiscal
ficou constituído por Antonio Rodrigues Portella, Tertuliano Guedes de Pinho e Sabino
Costa. O novo quadro diretório nos permite dizer que a sugestão dada pelo engenheiro
Finch em 1924, foi seguida, sendo este ocupado, inteiramente, por subscritores sul
baianos.
Reorganizou-se então a nova AVSB, que contava com um capital de
300:000$000, podendo construir estradas de rodagem pelo prazo de 50 anos, e pela lei
292 de 25 de maio de 1925, a receber 1:000$000 do município de Ilhéus por cada
quilômetro construído e pela lei 805 de 27 de Julho de 1925, o auxílio de 200:000$000
pelo Governo do Estado, e a quantia de 2:000$000 da União por cada quilômetro
construído (PROBLEMA DO TRANSPORTE, 1925, s/p).
Ficou estabelecida pela diretoria a data de 29 de dezembro de 1925, para desito
de 50% das subscrições feitas pelos acionistas, e em 22 de fevereiro de 1926, foram
reiniciadas as obras, que dessa vez, tinham como foco principal a construção da ponte
do rio do Fundão, considerada o principal empecilho para desenvolvimento da estrada.
Em abril de 1926, a AVSB deu início a construção do segundo trecho da estrada,
que ia do rio do Fundão ao Arraial do Banco da Vitória, e ao final de agosto, o presidente
Virgílio Amorim, convidou os representantes do jornal Correio, para participarem da
averiguação da obra. Compareceram à inspeção da obra: Nelson Schaun, o redator chefe
do jornal Correio; o deputado estadual e líder da câmara, Epaminondas Castro; o
secretário da AVSB, Aureliano Brandão; o sócio da firma Nunes, Ferreira & Cia, Elysio
Nunes; e o diretor da AVSB, Virgílio Amorim. Chegando ao rio do Fundão, os homens
citados, atravessaram o rio de canoa, e ao chegarem na margem oposta, alegaram
surpresa com o andamento da obra:
(...) 15 homens trabalhavam, energicamente, no revolver a terra e no preparar o
leito da estrada que, digamos de passagem, em breves dias chegará ao povoado
de Banco da Vitória, tal a magnifica disposição da mesma e a situação em que se
encontram varios trechos, apenas interrompidos, de longe em longe, por
obstaculos facilmente removiveis. Alem dos 15 homens, ha mais 10, trabalhando
em toda a estrada, sob administração de dois feitores, estando, com tudo, a
direcção dos trabalhos da importante rodovia, a cargo do habil senhor Luis
Farias, cuja technica inteligente tem produzido excelentes resultados, pois a
estrada em questão é hoje um facto incontestável, podendo-se emittir as mais
optimistas opiniões, em favor da sua desejada consumação, embora sejam os
valiosos trabalhos effectuados, o producto exclusivo da bôa vontade e da
cooperação patriotica dos raríssimos elementos que estão à sua frente, por
nossa felicidade (AS VICTORIAS DA AUTO-VIAÇÃO, 1926, s/p).
Em 21 de outubro, foi fincada a primeira estaca que faria parte do conjunto que
constituiria a base da ponte do rio do Fundão. O ato foi acompanhado de uma solenidade
onde estiveram presentes Mário Pessôa e JoSabino Moreira, juiz de Direito da Vara
Criminal, convidados para dar início ao bate estaca, desferindo respectivamente a
primeira e a segunda pancada sobre a estaca primogênita da ponte. A cerimônia
representava a concretização de um dos maiores alvitres da AVSB.
O mês de dezembro mostrou-se favorável ao andamento das obras, no dia 10,
após alguns meses da solicitação realizada pelo diretor da AVSB, Virgílio Amorim, o
Tribunal de Contas registrou o crédito aberto pelo Governo do Estado no valor de
100:000$000 com o propósito de auxiliar a construção da estrada. No dia 23, das 84
colunas que iriam estear o lastro da ponte do rio do Fundão, 60 estavam postas. Não
tardaria a inauguração da ponte que ligaria os dois trechos construídos, da cidade de
Ilhéus ao Arraial do Banco da Vitória que totalizavam 11 km de estrada.
Figura 1: Traçado da obra da ponte do rio do fundão publicada pelo jornal Correio.
Fonte: RODOVIA ILHÉOS-ITABUNA, 1926, s/p.
Iniciou-se o ano de 1927, e as questões rodoviárias andavam a todo vapor com o
presidente recém-empossado, Washington Luís, que não escondia o seu entusiasmo e
preferência por estradas, influenciando todas as regiões do Brasil.
Embalada pelo clima rodoviário nacional, a AVSB buscava a finalização de sua
construção, e tentava conquistar o apoio da população de Ilhéus e Itabuna. Desta forma,
em 2 de junho, o Jornal de Itabuna noticiava uma caravana nomeada de “caravana do
progresso” (UM AUDACIOSO RAID, Jornal de Itabuna, 1927, s/p), de onde partiram
Anastacio Moradillo, Mario Caldas, Nelson Oliveira, Celso Vianna e José Nunes do Amor
Divino, guiando três carros Ford e o carro chefe, um Fiat, com o objetivo de promover o
modal rodoviário, através da estrada Ilhéus-Itabuna, e criar um clima de euforia com o
automóvel, o símbolo da modernidade:
Tomaram a estrada ha alguns annos iniciada para rodovia Ilhéos-Itabuna; dahi
penetraram a matta, improvisando a facão e foice estradas e removendo os
obstaculos do caminho; aproveitando a estrada real que vae desta cidade ao
Banco da Victoria, alcançaram o Recheiado; chegando á fazenda Sempre Viva,
do coronel Henrique Alves do Reis, ahi almoçaram; proseguindo a mesma
estrada, chegaram á Primavera, fazenda do coronel Virgílio Amorim; dahi
tomaram a direcção do Banco Alto, de onde rumaram para o Salobrinho;
seguiram para o Rio Comprido e em seguida para o Caes; dahi rumaram para o
Empata Viagem e finalmente alcançaram o Banco da Victoria, em cujo arraial
entraram triumphantes às 10 e meia horas da noite. Estavam vencidos todos os
tropeços e obstaculos. Deixando o Banco da Victoria, tomaram a estrada de
rodagem da S.A. Auto Viação Sul Bahiana a caminho de Ilhéos onde chegaram às
11 e meia horas da noite, debaixo da vibração de um grande enthusiasmo da
população Ilheense [...] (UM AUDACIOSO RAID, 1927, s/p).
A caravana do progresso pretendia incitar na população ilheense o sentimento de
esperança na conclusão das obras da estrada, e como com a sua finalização, esta seria
trafegada pelos desejados automóveis. Os trabalhos prosseguiam e a intendência
estimulava a construção de estradas. A justificativa para a forte campanha era o
conforto, a rápida circulação das riquezas produzidas, e a valorização das propriedades
agrícolas que haviam de margear as estradas.
Pessôa, apoiador e impulsionador do movimento rodoviário, teve o fim do seu
mandato em dezembro de 1927, assumindo o cargo, em janeiro de 1928, seu cunhado
Durval Olivieri, membro do grupo pessoísta
Em 3 de março de 1928, nos primeiros meses do mandato de Durval Olivieri, a
estrada Ilhéus-Itabuna foi inaugurada. Estavam presentes na inauguração, o Governador
do Estado da Bahia, Góes Calmon, responsável por destinar ajuda estadual durante a
construção da estrada, e o coronel Virgílio Amorim, diretor-presidente da AVSB.
A inauguração da estrada representou a materialização do principal objetivo da
AVSB. A estrada almejada estava pronta e o circuito cacau-estrada de rodagem-porto,
proposto por seus partidários, finalmente, poderia ser realizado. Porém, o que parecia
ser uma vitória, logo frustrou seus apoiadores. Apesar de recém-inaugurada, a estrada
de rodagem Ilhéus-Itabuna, em pouco tempo apresentou problemas, os impasses como
buracos e aguaceiros eram recorrentes, e os reparos necessários custavam caro, o que
tornaram a recém-estrada intrafegável. Seus problemas apenas começariam a ser
solucionados a partir de 1931, com a administração de um novo agente: o Instituto de
Cacau da Bahia ICB, e de sua empresa subsidiária, a SULBA.
O ICB e a Fundação da SULBA
O ICB foi resultado da primeira intervenção estatal efetiva na economia
cacaueira, e a sua fundação foi possibilitada pela conjuntura nacional da década de 30: a
ascensão de Getúlio Vargas e pelo novo modelo de acumulação capitalista industrial,
após a crise de 1929 (MARINHO, 2001).
Para Sonia Mendonça (2003), este modelo significou uma primeira ruptura no
avanço da acumulação capitalista no país e implicou na “implantação de um núcleo
básico de indústrias de bens de produção, bem como na redefinição do papel do Estado
em matéria econômica, visando tornar o polo urbano-industrial o eixo dinâmico da
economia. (MENDONÇA, 2003, p. 15). Mendonça ressaltou que esse novo modelo seria
gerido e desenvolvido após o golpe de 30, e a ascensão do governo Vargas, substituindo
o modelo agrário-exportador baseado no café.
Especificando o novo modelo de acumulação, Mendonça aponta as ações tomadas
pelo Estado com o objetivo de fortalecê-lo: redefinição do papel da agricultura;
transformação do Estado em investidor no setor de infraestrutura; e estabelecimento
dos preços sociais. Em relação ao setor de agricultura, a autora explica o duplo
movimento do Estado de ampará-lo (por conta de sua necessidade para os investimentos
industriais), bem como de desestimulá-lo enquanto setor base da economia.
Em relação à ascensão do governo Vargas, Sônia Draibe (2004) aponta as
peculiaridades intervencionistas do novo governo e a criação de aparelhos regulatórios,
como medidas de enfretamento a crise de 1929 e suportes ativos ao desenvolvimento da
acumulação industrial:
A crise de 1930 criou as condições, nos planos econômico e político, para a
emergência de aparelhos regulatórios específicos de sustentação dos setores
agroexportadores, assim como de outros setores econômicos também afetados
pela deblaclê econômica de 1929; mas a par desses aparelhos organizados nas
estruturas centrais do Estado, e das políticas nacionais que passaram a gestar,
foram criadas novas entidades, na esfera da administração direta ou indireta,
associadas aos projetos de avanço da acumulação capitalista industrial
(DRAIBE, 2004, p. 71-74).
Em consonância com a política nacional, no Estado da Bahia, o ICB atuou como
um dos introdutores do cacau no novo modelo de acumulação industrial. Angelina
Garcez (1981) explicitou os dois princípios que nortearam a ação de criação do ICB:
O primeiro de caráter emergencial visava a um urgente atendimento aos
lavradores nas dificuldades financeiras, agravadas pela conjuntura da crise
generalizada que afetava particularmente os produtores agrícolas de
exportação. O outro voltado para oferecer à lavoura um apoio permanente. No
primeiro caso, o objetivo imediato visava restabelecer o ritmo normal das
atividades de produção e de comércio, desorganizado pelo efeito da crise, e no
segundo, propunha-se à adoção de uma política econômica mais capaz de
garantir o desenvolvimento da cacauicultura baiana em bases mais sólidas
(GARCEZ, 1981, p. 50).
Entre os objetivos da criação do ICB estava a responsabilidade pelo
aperfeiçoamento do sistema viário da região cacaueira, com o objetivo de reduzir o alto
valor no escoamento das safras. O ICB voltou suas atenções de forma exclusiva para o
modal rodoviário, encarregando-se da ampliação, desenvolvimento e consolidação da
rede rodoviária regional. Em 1932 foi elaborado um plano rodoviário contendo o mapa
das rodovias existentes e das que deveriam ser reformadas e construídas. Ainda
naquele ano, em outubro, visando fortalecer o modal rodoviário, foi criada a Companhia
de Auto Viação Sul Bahiana SULBA.
A SULBA era a AVSB, que foi incorporada pelo ICB, passando a ter a sua
administração subsidiada por este Instituto. O advento da SULBA reforçava a intenção
do Instituto não somente em regularizar o transporte do cacau através dos automóveis,
mas também, o de passageiros. A empresa tinha como fontes de receita as duas divisões
de conserva e melhoramento de tráfego. A primeira divisão era responsável pelo
recebimento da renda provinda do pedágio das estradas, “para com elas custear o seu
serviço, além de contribuir com uma quota razoável para as despesas de administração e
outras despesas gerais da Cia, comuns as duas divisões” (RICB, 1934, p. 115). Já a segunda
divisão obtinha sua renda no movimento de tráfego.
Logo após a elaboração do plano e a criação da SULBA, o ICB voltou suas
atenções para a estrada de rodagem Ilhéus-Itabuna, que apesar de recém-construída,
estava inviabilizada devido aos constantes aguaceiros e a formação de enormes buracos.
Dando ênfase à relevância da estrada para a região, o ICB iniciou uma restauração
completa em sua infraestrutura. Localizada no eixo de maior concentração da produção
do cacau, segundo Garcez, para o ICB, a estrada permitia um transporte mais livre e
alternativo ao disponibilizado pela EFIC (GARCEZ, 1981, p. 29).
Porém, apesar da forte operação em prol da restauração da estrada e da
administração desta por parte da SULBA, em 27 de julho de 1933
7
, o Diário da Tarde
publicou uma notícia com o seguinte título: “Quando melhorarão as nossas rodovias? Na
estrada de rodagem Ilhéus-Itabuna a viagem começa, mas nem sempre acaba.” (1933,
s/p). A notícia tratava de reclamações feitas pelos proprietários de automóveis e
caminhões à SULBA, que alegavam que apesar dos altos custos do pedágio cobrado pela
empresa, a estrada quando não se encontrava em péssimo estado, estava intrafegável.
Fazendo uma comparação entre a atual administração da SULBA, à administração
realizada pela empresa que havia sido responsável pela construção da estrada de
rodagem, a AVSB, a notícia relatava que apesar da estrada também ter estado
constantemente intrafegável durante a tutela da última, a sociedade anônima fechava as
porteiras, não se responsabilizava pelo tráfego e quando o consentia, não cobrava o
pedágio. Ao término da notícia, o jornal pedia ao superintendente da SULBA que
atentasse para a solicitação dos proprietários de automóveis e pudesse tornar “mais
equitativo o serviço, cobrando o pedágio em relação à eficiência da estrada.” (QUANDO
MELHORARÃO AS NOSSAS RODOVIAS? 1933, s/p).
Conclusão
No sul da Bahia, nos primeiros anos da cada de 1920, foi idealizada uma estrada
de rodagem que tinha por objetivo ligar o município de Ilhéus a Itabuna. Ambos os
municípios eram líderes na produção de cacau da Bahia, e como alternativa ao
transporte realizado pela estrada de ferro Ilhéus-Conquista, a estrada de rodagem
Ilhéus-Itabuna, viria abarcar as propriedades localizadas na zona do rio Cachoeira,
distrito ocupado por membros do grupo político pessoísta.
Para construção da estrada foi fundada a Sociedade Anônima Auto Viação Sul
Bahiana - AVSB, que se responsabilizou por dar início às obras. Sendo a construção de
uma estrada um trabalho oneroso, a sociedade logo encontrou problemas,
principalmente com falta de verbas e com os constantes aguaceiros na região. Apesar
das obras serem iniciadas em 1922, em 1924 estavam paralisadas, e apenas com a
intendência de Mário Pessôa estas foram retomadas. Em um trabalho conjunto com a
intendência de Ilhéus e a imprensa da região, as obras, mesmo com dificuldades,
7
Apesar da notícia ser de 1933, um ano após a baliza final deste trabalho, o que justifica a sua utilização é a
possibilidade de analisar a atuação da SULBA, antiga AVSB, um ano após sua fundação.
continuaram, e em 1928, sob a administração da AVSB, a estrada Ilhéus-Itabuna foi
inaugurada.
Partindo da iniciativa e do interesse privado, a AVSB foi responsável pela
implantação e execução do movimento rodoviário no sul baiano, que tinha como
principal objetivo e representante a construção da estrada que ligaria os dois maiores
munícipios produtores de cacau do estado.
Com a mudança no modelo de acumulação do país, e a necessidade da
intervenção estatal no comércio do cacau, principal mercadoria do estado, a AVSB se
transformaria em uma empresa subsidiária, a SULBA, do órgão da lavoura cacaueira, o
ICB. Porém, mesmo com o arranque público, a administração de uma estrada de rodagem
que necessitava de constantes aprimoramentos, se manteve deficitária, o que permitia
demonstrar os dispêndios do modal rodoviário na região.
O marco cronológico inicial deste trabalho é o ano de 1922, quando foi criada a
AVSB, com a finalidade de construir a estrada de rodagem Ilhéus-Itabuna. O ano de 1932
demarca a baliza final, quando a AVSB se transforma em SULBA, deixando de ser uma
sociedade anônima para se tornar uma empresa subsidiária de um órgão governamental.
As fontes utilizadas para análise da organização, reorganização e exercício da AVSB
foram os jornais Correio de Ilhéos, Jornal de Itabuna e Diário da Tarde; atas de
constituição da AVSB; as leis, resoluções e contratos referentes aos anos de 1924 a 1927,
sob administração de Mário Pessôa; e o relatório do ICB de 1934.
Fontes
A ESTRADA de rodagem de Ilhéos a Itabuna, Correio de Ilhéos, s/p, 25 de jun. 1925.
A REORGANIZAÇÃO da companhia auto viação sul-bahiana, Correio de Ilhéos, s/p, 6 de
jun. 1925.
AS VICTORIAS da auto-viação, Correio de Ilhéos, s/p, 26 de agosto. 1926.
BCEPLAC. Relatório do Instituto de Cacau da Bahia. Ilhéus, 1934.
BRASIL. Diário Oficial da União, seção II, 08/02/1922, p. 2978-2981. Disponível em:
http://biblioteca.in.gov.br/diario-oficial-da-uniao. Acesso em: 06 mai. 2023.
CEDOC/UESC. Leis, Resoluções e Contractos, Lei 292 de 25 de maio de 1925. Ilhéus,
1928.
CEDOC/UESC. Leis, Resoluções e Contractos, Lei 805 de 27 de Julho de 1925. Ilhéus,
1928.
COMPANHIA auto viação sul bahiana, Correio de Ilhéos, s/p, 12 de agosto. 1922.
CORTANDO morros e desbravando matas, Correio de Ilhéos, s/p, 4 de mai. 1922.
EM TORNO da mensagem do governador da Bahia, Correio de Ilhéos, s/p, 25 de abr.
1925.
ESTRADA DE AUTOMOVEIS, Jornal de Itabuna, s/p, 11 de jun. 1925
ESTRADA de ferro de Ilhéos a conquista, Diário da Tarde, s/p, 2 de jan. 1929.
ESTRADA DE RODAGEM, Correio de Ilhéos, s/p, 29 de dez. 1921.
ESTRADA DE RODAGEM. Correio de Ilhéos, Ilhéus, s/p, 9 de jan. 1922.
ESTRADA DE RODAGEM, Correio de Ilhéos, s/p, 9 de jan. 1922.
ESTRADA DE RODAGEM, Correio de Ilhéos, s/p, 10 de jan. 1922.
ESTRADA DE RODAGEM, Correio de Ilhéos, s/p, 18 de jul. 1922.
ESTRADA DE RODAGEM, Correio de Ilhéos, s/p, 8 de agosto. 1922.
ESTRADA DE RODAGEM, Correio de Ilhéos, s/p, 24 de jan. 1924.
ESTRADA DE RODAGEM, Jornal de Itabuna, s/p, 22 de maio. 1924.
PROBLEMA DO TRANSPORTE, Correio de Ilhéos, s/p, 28 de nov. 1925.
QUANDO melhorarão as nossas rodovias?, Diário da Tarde, s/p, 27 de jul. 1933.
SOCIEDADE anonyma auto viação sul-bahiana, Correio de Ilhéos, s/p, 8 de set. 1925.
UM AUDACIOSO RAID, Jornal de Itabuna, s/p, 2 de jun. 1926.
Referências
CAMPOS, João da Silva. Crônica da Capitania de São Jorge dos Ilhéus. 3. ed. Ilhéus:
Editus, 2006.
DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as
alternativas da industrialização no Brasil 1930-1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
GARCEZ, Angelina Nobre Rolim. Instituto de Cacau da Bahia: meio século de história.
Salvador: Instituto de Cacau da Bahia, 1981.
LEVY, Maria Bárbara. A indústria do Rio de Janeiro através de suas sociedades
anônimas (Esboços de história empresarial). Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, Secretaria
Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, 1994
MARINHO, Pedro Lopes. O Estado e a economia cacaueira da Bahia. In: Anais eletrônico
do Congresso Brasileiro de História Econômica, 3. São Paulo, 2001.
MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e economia no Brasil: opções de desenvolvimento.
Rio de Janeiro: Graal, 2003
PESSÔA, Mario de Castro. No tempo de Mario Pessôa. Salvador: Empresa Gráfica da
Bahia, 1994.
PONTES, Kátia Vinhático. O binômio porto-ferrovia: o escoamento da produção
cacaueira no sul da Bahia (1920-1947). Tese (Doutorado): Nitei: UFF. Programa de Pós-
Graduação em História. Niterói, 2018.
RIBEIRO, André Luiz Rosa. Família, poder e mito: o município de São Jorge dos Ilhéus
(1880-1912). Ilhéus: Editus, 2001.