Considerações Iniciais
A constituição de patrimônios industriais através de objetos/bens e determinados
agentes culturais que o representam é ainda uma prática muito receosa e menos
entendida em Moçambique ao ponto de se constatar perdas de objetos
técnicos/industriais de elevados valores e significância representacional da cultura. Pelo
valor que atribuímos e que representam os bens ferroviários, enquanto manifestações
técnicas e socioculturais devem merecer um outro cuidado e proteção a fim de serem
perenes. Nesse sentido, as políticas de preservação do patrimônio cultural devem ser
mais abrangentes, fortes e atuantes para permitir a devida contemplação cultural pelos
indivíduos, pois reforça identidade coletiva e possibilita formação e educação dos
citadinos, como se descreve no texto adentro.
A produção do universo cultural através de representação por objetos técnicos é
uma tarefa possível e benéfica para a cidade de Moatize que tem uma história adjacente
com a história do Caminho-de-Ferro de Moçambique (CFM). Os equipamentos existentes
na estação ferroviária de Moatize emanam uma memória histórica e estruturadora da
identidade organizacional que, igualmente, auxiliará na compreensão do tecido cultural
das cidades e vilas ferroviárias da linha/troço ferroviário – Moatize-Beira. É nosso
objetivo, neste texto, demonstrar e explicar os valores e significados que os objetos
técnicos industriais ferroviários possuem na construção da memória cultural coletiva. E
para legitimar este objetivo e os bens patrimoniais em voga, recorremos a um processo
metodológico cruzado que pudesse nos permitir alcançar o nosso propósito. Importa
referir que o nosso artigo é norteado pelo seguinte questionamento: o que representa e
que significados têm os espólios ferroviários da linha de Moatize para os cidadãos?
Apesar de serem muito escassas as pesquisas e estudos ligados à arqueologia
industrial (Patrimônio Industrial) e ferroviária de forma muito específica, o artigo se
propõe em desenvolver reflexões à volta deste patrimônio que se desaproveita para a
fruição cultural e intelectual. A teoria de suporte a esta reflexão é a de Arqueologia
Industrial, surgida na escola inglesa depois do fim da II Guerra Mundial para preservar e
salvaguardar os bens e saberes da revolução da ciência e da técnica. Para Nabais (1999,
p. 177 [sic]), “Património Industrial compreende todos os testemunhos móveis –
máquinas, instrumentos, ferramentas, equipamentos, arquivos, desenhos fotográficos,
produtos, e.t.c – e imóveis – edifícios, armazéns, sítios, jardins, portos, pontes,
aquedutos, vilas e.t.c.” A estes são associadas as imaterialidades contidas, as
transformações que a sociedade sofreu devido à ação das fábricas, indústrias e das
empresas de cariz industrial.