Trabalhador, argentino e peronista: o autor e sua função no
diálogo epistolar do Primeiro Peronismo (1946-1955)
1
Worker, argentinian and peronist: the author and it’s
function in the epistolary dialogue of the First Peronism
(1946-1955)
BATISTA, Ana Laura Galvão *
https://orcid.org/0000-0002-7801-642X
RESUMO: Tomando como referencial teórico o
expediente de análise introduzido pelo filósofo
francês Michel Foucault (1992) a figura do
autor enquanto função discursiva , o presente
trabalho pretende se debruçar sobre a dinâmica
epistolar desenvolvida durante o governo
populista de Juan Domingo Perón na Argentina
(1946-1955), com destaque para as cartas
enviadas por diversos setores sociais do país ao
Ministério dos Assuntos Técnicos (MT) na
ocasião da elaboração do Segundo Plano
Quinquenal (SPQ). Nessa esteira, pretende-se
compreender como a função autor definida por
Foucault funciona e se constitui na sociedade
argentina desse período e como os textos das
cartas fazem referência a ela mais do que ao
próprio sujeito empírico que as redigiu. Em
suma, analisaremos as condições que
possibilitaram aos argentinos cumprirem a
função de autor nessa sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Michel Foucault; Função
autor; Populismo; Peronismo; Diálogo
epistolar.
ABSTRACT: Taking as a theoretical reference the
analysis expedient introduced by the French
philosopher Michel Foucault (1992) the figure
of the author as a discursive function , the
present work intends to look into the epistolary
dynamics developed during the populist
government of Juan Domingo Perón in Argentina
(1946 -1955), highlighting the letters sent by
various social sectors of the country to the
Ministry of Technical Affairs (MT) on the
occasion of the elaboration of the Second Five-
Year Plan (SPQ). In this way, it is intended to
understand how the author-function defined by
Foucault works and is constituted in the
Argentine society of that period and how the
texts of the letters refer to it more than to the
empirical individual who wrote them. In short,
we will analyze the conditions that made it
possible for Argentines to fulfill the author-
function in this society.
KEYWORDS: Michel Foucault; Author-function;
Populism; Peronism; Epistolary dialogue.
Recebido em: 27/03/2023
* Graduada em História pela UNESP, Franca-SP, mestranda do Programa de s-Graduação da Unesp/Franca,
Franca-SP. E-mail: ana.galvao@unesp.br
1
O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
233
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
Aprovado em: 22/06/2023
A morte do autor
Na análise genealógica desenvolvida em várias das obras de Foucault, com destaque
para o texto Nietzsche, a genealogía, a história (1992), a própria noção de indivíduo é
concebida como uma construção histórica derivada do embate entre práticas discursivas e
não discursivas, as quais demonstrariam que a irredutível singularidade do sujeito moderno
seria, na verdade, fruto do processo de disciplinarização das condutas que se impõem em
um modelo de sociedade inspirado nos ideais iluministas da Revolução Francesa, traduzidos
historicamente por uma máquina disciplinar de amplo e diversificado alcance (Miranda;
Casacais, 1992, p. 22-23). O homem, então, apresentado nesses termos, seria uma
construção moderna que, como a própria arqueologia anti-humanista das ciências humanas
já adiantava, estaria fadado ao desaparecimento.
“A morte do homem” ou “a morte do sujeito”, expressões frequentemente atribuídas
ao pensamento foucaultiano, são justificadas pelo filósofo francês como esclarecedoras de
como se o funcionamento do conceito de homem no domínio do saber (Foucault, 1992,
p. 81). Em outras palavras, o desaparecimento do sujeito - ou seu apagamento voluntário -,
possibilitaria a apreensão das condições e das formas a partir das quais ele aparece na
ordem dos discursos, assim como dos lugares que ocupa, das funções que exerce e das
regras que segue em cada tipo de discurso. Análises desse tipo nos levariam a reexaminar o
caráter absoluto e fundamental do sujeito, visto que buscam identificar os pontos de
surgimento e o funcionamento do conceito de homem nas diferentes sociedades. Como o
próprio Foucault afirma, "em suma, trata-se de retirar ao sujeito (ou ao seu substituto) o
papel de fundamento originário e de o analisar como uma função variável e complexa do
discurso" (Foucault, 1992, p. 70).
Ao desenvolver o seu programa baseado nas formas e processos de constituição
desse sujeito na modernidade, a linguagem não escapa das considerações e formulações de
Foucault. Na verdade, ela é essencial para a tese do “fim do homem” visto que, para o autor,
a crítica à subjetividade está direta e necessariamente atrelada à concepção de uma
linguagem sem um sujeito atribuível, pois o ser da linguagem em si apenas aparece quando
o sujeito se cala (Miranda; Casacais, 1992, p. 18-19).
234
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
Em O que é um autor? (1992), Foucault lança o seu olhar para outras expressões
derivadas desse Sujeito metafísico e que expressavam a subjetividade do homem moderno,
mas que até então haviam escapado das análises de seu programa genealógico: as
categorias de “autor”, “livro” e “obra”. Com destaque para a primeira, é a partir desse
ensaio de análise comunicado em 1969 à Société Française de Philosophie no Collège de
France que Foucault se insere no debate envolvendo as maiores correntes de interpretação
literária no final da década de 1960.
Em sua exposição, a qual Foucault deixa claro o caráter ensaístico de suas colocações,
indicando o estágio inicial em que suas análises a respeito dessas questões se encontravam,
parte de uma posição que subverte uma ética da autenticidade autoral tempos
consagrada no meio literário para colocar em questão justamente o modo como o conceito
de “autor” teria sido individualizado na cultura moderna ocidental, sendo pensado como
portador de uma biografia na qual sua vida e sua obra estariam inevitavelmente
entrelaçadas. Ao dialogar com a tradição que pensa o autor e o seu sujeito criador, Foucault
reforça algo que a crítica literária e a filosofia já vinham apontando: o desaparecimento ou o
apagamento voluntário dos caracteres individuais do sujeito que escreve (Foucault, 1992, p.
36-37).
Uma análise desse tipo, segundo o filósofo, poderia servir como introdução a uma
tipologia dos discursos que, para além de seus caracteres gramaticais, suas estruturas
formais e seus objetos, também levaria em conta as relações propriamente discursivas
irredutíveis às regras da gramática e da lógica. Advoga, assim, por um estudo e uma
classificação dos discursos que se debrucem não apenas em seu valor expressivo ou em suas
transformações formais, mas que também levem em conta as modalidades de sua
existência, em outras palavras, os modos de circulação, de valorização, de atribuição, de
apropriação, os quais variam de acordo com cada cultura e se modificam no interior de cada
uma. Nesse ponto, "a relação (ou a não relação) com um autor e as diferentes formas dessa
relação constituem - e de maneira assaz visível - uma dessas propriedades discursivas"
(Foucault, 1992, p. 68).
Diante de uma literatura contemporânea que vinha colocando em discussão a
questão da exclusão da figura do autor pela cultura ocidental e após refletir sobre a
inviabilidade de sua substituição por noções como a de “escrita” ou a de “obra”, Foucault
nos sugere, nessa comunicação realizada no Collège de France, uma possível solução
235
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
pautada no expediente de análise que ele denomina como função autor. Tal categoria
partiria não apenas da afirmação e do reforço do desaparecimento do autor empírico, mas
também da localização e do estudo dos espaços e funções livres deixados por essa
desaparição. Para isso, o primeiro passo indicado por Foucault seria o da clara diferenciação
existente entre o nome próprio e o nome de autor.
No tocante ao nome próprio, este atuaria como uma indicação, um gesto, mas,
principalmente, como uma ou várias descrições ligadas à palavra em questão, permitindo
que se transite do interior de um discurso para o indivíduo empírico e exterior que o
produziu. o nome do autor, por sua vez, também se constitui como um nome próprio,
situando-se, desse modo, entre os polos da descrição e da designação. Entretanto, essa
ligação realizada pelo nome do autor não se em relação a um indivíduo, ele não está
situado na pessoa física dos homens, nem na ficção da obra, apresentando problemáticas
muito mais complexas e uma singularidade paradoxal (Foucault, 1992, p. 41-44). O nome do
autor não seria simplesmente um elemento do discurso, ele exerce um determinado papel
nesses discursos, assegurando uma função classificativa que permite reagrupar um certo
número de textos, delimitá-los, selecioná-los e opô-los a outros textos. Ou seja, o nome do
autor faz com que diferentes textos se relacionem entre si em uma determinada época,
relação que pode ser de homogeneidade, de filiação, de autentificação mútua, de
legitimação, etc (Foucault, 1992, p. 45).
Desse modo, essa função autor não se forma espontaneamente como a atribuição de
um discurso a um indivíduo, sendo, na verdade, o resultado de uma complexa operação de
construção de um certo ser racional ao qual atribuímos a denominação autor. Ela se
historicamente, podendo ser caracterizada a partir do modo de existência, de circulação e de
funcionamento de alguns discursos no interior de uma dada sociedade. Portanto, não
constitui um mero efeito discursivo, dependendo muito da recepção desse discurso, das
identificações que ele promove, do seu compartilhamento social. Em suma, ela se
desenvolve a partir de um jogo entre mecanismos de funcionamento do discurso os quais
enviam para o nome do autor e uma dinâmica cultural e histórica, a qual interfere na
circulação e na recepção desse discurso, conferindo a ele um certo estatuto. É a partir desse
jogo da função autor que podemos analisar as condições que possibilitam não apenas a um
indivíduo, mas vários, cumprir a função de autor em dado ambiente social (Foucault, 1992,
p. 83-84):
236
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
[...] a função autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que encerra,
determina, articula o universo dos discursos; não se exerce uniformemente e da
mesma maneira sobre todos os discursos, em todas as épocas e em todas as
formas de civilização; não se define pela atribuição espontânea de um discurso ao
seu produtor, mas através de uma série de operações específicas e complexas; não
reenvia pura e simplesmente para um indivíduo real, podendo dar lugar a vários
'eus' em simultâneo, a várias posições-sujeitos que classes diferentes de indivíduos
podem ocupar (Foucault, 1992, p. 56-57).
Foucault (1992) reforça, ainda que, a função autor não permanece constante em sua
forma, em sua complexidade e em sua existência, o que leva a História a adquirir um nível
privilegiado como instrumento de análise dos discursos, sendo necessária a compreensão de
sua constituição e de seu funcionamento em cada caso. Ademais, essa função não se exerce
universalmente em todos os discursos, existindo aqueles que dela são desprovidos.
É partindo desse expediente de análise apresentado que o presente trabalho
pretende se debruçar sobre a dinâmica epistolar desenvolvida durante o governo populista
de Juan Domingo Perón na Argentina (1946-1955), com destaque para as cartas enviadas por
diversos setores sociais do país ao Ministério dos Assuntos Técnicos (MT) na ocasião da
elaboração do Segundo Plano Quinquenal (SPQ). O envio dessas missivas se deu em resposta
ao chamado público realizado pelo próprio presidente em 1951 incentivando a participação
popular a partir do envio de sugestões e pedidos, entre dezembro do mesmo ano e janeiro
de 1952, a serem analisados e possivelmente integrados ao projeto de planificação, o qual
seria publicado oficialmente em 1953 (Cartas, 1953). A partir dessa reflexão, acredita-se ser
possível compreender como a função autor se constitui na sociedade argentina desse
período e como os textos das cartas permitem identificá-la, em suma, perceber as condições
que possibilitaram aos trabalhadores/peronistas/argentinos cumprirem essa “função autor
nessa sociedade.
O discurso epistolar
Antes da análise em si, convém justificar a escolha do objeto a ser aqui considerado.
Na comunicação de 1969 à Société Française de Philosophie no Collège de France, Foucault
(1992, p. 46) aponta que certos discursos não seriam providos da função autor, destacando
como um dos exemplos a carta privada, a qual apresentaria um signatário, mas não um
237
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
autor como este o compreende. Todavia, tanto a caracterização geral do gênero epistolar
como alguns aspectos específicos das missivas que compõem o corpus documental a ser
analisado no presente trabalho nos levam a crer que as cartas endereçadas ao governo
peronista como resposta ao chamado político e pessoal de Perón enviam, a partir de seu
texto e da dinâmica histórico-cultural em que estão inseridas, para uma figura de autor que
lhes é anterior, exterior e distinta de seus remetentes empíricos.
Brigitte Diaz, em O gênero epistolar ou o pensamento nômade (2016), apresenta-nos
a carta a partir do labirinto metodológico que ela possibilita enquanto objeto literário vago e
enquanto objeto semiótico híbrido e compósito. Segundo a autora, qualquer
correspondência se apresenta a uma análise com uma série de problemáticas linguísticas,
históricas, ideológicas, sendo a polimorfia e a plurifuncionalidade aspectos intrínsecos ao
gênero epistolar (Diaz, 2016, p. 54). Diante disso, pode ser abordada a partir de distintas
perspectivas, incluindo a sua capacidade de ser compreendida enquanto discurso.
Além da realização linguística de uma experiência existencial e poética, a carta
elabora modalidades próprias de interações discursivas. Nesse sentido, a correspondência
ao mesmo tempo em que convoca o outro na distância (o destinatário), também permite
que o remetente produza imagens de si. Este, por sua vez, se projeta em identidades
possíveis de acordo com procedimentos discursivos através dos quais ele pode conferir a si e
ao seu destinatário certo estatuto para legitimar o seu dizer. Dentre esses processos,
poderíamos identificar o funcionamento da função autor apresentada por Foucault (1992),
visto que, como aponta Diaz (2016, p. 68), “o que, contudo, a interface epistolar coloca em
correspondência, na verdade, não são tanto pessoas - como seríamos estimulados a pensar -
, mas discursos e posturas enunciativas”.
A correspondência constitui, portanto, um universo virtual no qual se desenvolve um
diálogo mais figurado do que real e um espaço em que se negociam postulações identitárias
a partir de movimentos em direção a si mesmo e em direção ao outro (Diaz, 2016, p. 68-69).
Tereza Malatian (2012), ao pensar a carta enquanto documento histórico, destaca que o
aspecto relacional da missiva é marcado tanto por trocas com o destinatário, como por
processos autorreferenciais, devendo-se dominar a imagem do eu a fim de se transmitir a
credibilidade necessária ao escritor da correspondência. Como veremos, essa dinâmica
dialógica da carta constituiu uma estratégia fundamental do governo peronista para a
manutenção da hegemonia e do consenso populista na Argentina.
238
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
A dinâmica histórica e cultural
Para fins deste trabalho, compactuamos com a concepção de populismo do teórico
argentino Ernesto Laclau (2005), o qual concebe o fenômeno político em questão como uma
forma específica de articulação discursiva que permite constituir e organizar as relações
sociais a partir da promoção de determinados sentidos comuns em conjunturas sociais de
crise de legitimidade. Nesse sentido, para que a experiência do populismo se efetive em uma
determinada sociedade, é necessário haver algum tipo de fratura no sistema institucional
vigente, conjuntura que proporcionaria a existência, no tecido social, de uma série de forças
e demandas heterogêneas que não conseguiriam ser absorvidas organicamente por essa
institucionalidade (Laclau, 2005, p. 113).
A frustração em relação à insatisfação de cada uma dessas demandas, somada à
percepção do acúmulo de outras também insatisfeitas, resulta no surgimento de uma
cadena equivalencial entre elas, o que para Laclau (2005, p. 116) constitui a emergência do
“povo” mobilizado discursivamente como uma ruptura subversiva em relação à ordem
institucional vigente e, ao mesmo tempo, como o início de um processo de reconstrução
rumo a uma nova configuração.
O momento populista
2
acontece quando essas diversas demandas o mobilizadas
politicamente no sentido de sua unificação simbólica através de um sistema estável de
significação (Laclau, 2005, p. 99). Recorrendo a um conjunto de ferramentas retóricas, o
discurso populista busca configurar um denominador comum que permita que essa
pluralidade de vínculos venha a se tornar uma singularidade, o que se através da
construção de uma identidade ancorada em determinados significantes que possibilitem se
referir ao povo enquanto um todo único.
2
De acordo com Ernesto Laclau (2005), a noção de populismo corresponde a uma lógica política que é inerente
a qualquer processo de mudança social resultante da articulação variável entre a diferença e a equivalência de
demandas sociais em um momento no qual o sistema institucional vigente em uma dada sociedade se encontra
fraturado. Segundo o cientista político, a razão populista organiza-se através de um arsenal de ferramentas
retóricas que podem apresentar diversos usos ideológicos e serem atribuídas a uma variedade de fenômenos,
atuando no sentido de rearticular as demandas de um corpo social fragmentado e inscrevê-las no interior de
uma superfície popular que as transcenda: o povo construído como uma singularidade histórica. Em resumo,
Laclau (2005, p. 11) concebe o populismo como “um modo de construção do político” pautado na constituição
de um sujeito político global (o povo) capaz de reunir em si uma pluralidade de demandas sociais, o que requer
o estabelecimento de fronteiras internas nessa sociedade e a construção de um “outro” institucionalizado a
partir do qual esse ator histórico possa afirmar a sua própria identidade.
239
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
Essa identidade popular ensejaria uma representação da totalidade social capaz de
promover identificações tão amplas que, virtualmente, qualquer cidadão poderia fazer parte
dela, e o próprio conceito de povo passa a ser concebido em oposição a tudo aquilo
considerado como o “não-povo” (Laclau, 2005, p. 114-117). Em suma, promove-se a
emergência de um “povo” mobilizado politicamente em prol de um consenso de interesses
que aproxima o governo dos governados e cuja composição não dependeria da condição
social ou profissional dos indivíduos que o integram, constituindo-se muito mais como um
modo comum de ser e de sentir aberto e voluntário (Incisa, 1992, p. 982).
3
Assim, buscando reorganizar e reunificar essas massas trabalhadoras insatisfeitas
com a sua exclusão política e a negligência por parte dos governos oligárquicos da década de
30, a experiência populista do peronismo (1946-1955) seria marcada pela lógica de
“peronização” da sociedade e de equivalência entre suas demandas, o que permitiria a
autoconstrução e a afirmação de uma cidadania argentina frente ao inimigo comum: o
“outro”, ou seja, a oligarquia, o imperialismo e a influência estrangeira (Legrás, 2010, p. 172-
175). Em vista disso, procura-se incutir nas massas a denominada “Doutrina Justicialista”,
estabelecida com a reformulação da Carta Constitucional em 1949, a qual além de expressar
a busca pela inclusão e pela aproximação das massas em relação ao âmbito político, reflete
3
O século XXI argentino é inaugurado pelo reaparecimento da herança populista após o processo de perda de
confiança nas instituições e na própria democracia decorrentes das quase três décadas de governos neoliberais
estabelecidos no final do século XX. A profunda desigualdade social, somada aos processos de hiperinflação e
às sucessivas crises econômicas levaram a uma série de explosões sociais no decorrer da década de 1990 que
alcançaram ponto mais elevados em 2001, com a revolta dos “piquetes e panelas” por parte de setores
populares e médios do país. Nessa conjuntura de fragmentação entre o social e a institucionalidade vigente e
de necessidade de recuperação da confiança no Estado, Néstor Kirchner é eleito em 2003, procurando
desenvolver uma identidade política própria que ficaria conhecida como kirchnerismo. A constituição dessa
nova identidade política se deu através da renovação das alianças e articulações; do estabelecimento de
fronteiras espaciais e temporais capazes de afirmar a sua particularidade em relação ao “outro” identificado
com a repressão militar e a política neoliberal do passado; e da filiação à tradição política do populismo
peronista, mais especificamente o da década de 1970, o qual teria sofrido nas mãos dos militares argentinos
(Medeiros; Chaia, 2015). A partir de um discurso predominantemente nacionalista, produtivista, anticorrupção
e anti-imperialista, o kirchnerismo procurava demonstrar o seu comprometimento na luta contra o
corporativismo, retomando e atualizando um populismo associado ao povo enquanto tecido social destruído
pelas políticas de congelamentos e de desvalorização da moeda da década anterior (Medeiros; Chaia, 2015). Na
atualidade argentina, o kirchnerismo sobrevive fundamentalmente em torno da figura de Cristina Fernández de
Kirchner, símbolo que ainda leva multidões de argentinos à Praça de Maio em sua defesa, ao mesmo tempo em
que é alvo de condenações e violências. Horácio Legrás, por sua vez, considera errônea a caracterização
populista atribuída ao governo de Néstor Kirchner devido ao que concebe como a ausência virtual de um povo
que pudesse constituir o sujeito unificado desse populismo, tendo os efeitos do neoliberalismo levado o século
XXI a reduzir o político a parâmetros de consumo que parecem atribuir ao social uma consistência que tem no
Estado, e não no povo, a sua principal garantia (Legrás, 2011).
240
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
também a preocupação de Perón com o controle desses grupos e com a manutenção da
coesão nacional.
Nesse sentido, Perón empreenderia o esvaziamento das instituições democráticas e a
dissolução da imagem de uma organização vertical tanto do partido peronista como do
poder, enquanto os tradicionais mediadores da relação entre os argentinos e o Estado eram
diluídos na ação social promovida pelo governo (Reyna, 2007, p. 357). Nessa esteira, os
discursos peronistas encontravam legitimidade a partir da proposta de extensão dos direitos
sociais e de uma interpelação inclusiva que proporcionava um intercâmbio simbólico
pautado na noção de que todos faziam parte, juntamente com o líder, da mesma família
peronista (Da Silva, 2009, p. 189). Assim, a integração de diferentes grupos ao mesmo
universo simbólico e identitário se dava, sobretudo, através da personalização do discurso
de Perón e da noção de um modelo de cidadania mais amplo, o qual privilegiava um
imaginário coletivo de posse de direitos e de benefícios sociais garantido pela própria figura
do líder (Reyna, 2007, p. 351).
É a partir dessa configuração que podemos pensar o envio de cartas pelos
trabalhadores ao presidente Perón. Durante o primeiro peronismo (1946-1955), esta
dinâmica epistolar é incentivada e valorizada como a expressão do “diálogo direto” que o
líder procurava estabelecer com as massas, constituindo-se como um instrumento de
legitimação ao promover a ideia de que não seria necessário nenhum mediador ou
instituição para que os cidadãos argentinos pudessem atuar politicamente em favor do bem
coletivo da Nação. Delimita-se, dessa forma, um espaço onde os trabalhadores, além de
estabelecerem identificações, poderiam atuar politicamente, ou pelo menos se sentirem
participantes da vida política do país ao expressarem suas demandas, suas aspirações e suas
opiniões diretamente ao presidente (Lago, 2016, p. 16).
Nessa esteira, o peronismo se apresentaria discursivamente como o próprio
fundador da democracia representativa, tendo como principal missão a organização das
massas a partir do contato estabelecido entre elas e o Estado. O discurso populista de Perón
recorria a uma lógica organizada a partir de enunciados dicotômicos que possibilitaram, no
plano social, a promoção de uma equivalência entre a vontade popular e a emergência de
um sujeito “Povo-Trabalhador” que substancializava os interesses do povo, da pátria e de
Perón, sendo repetidamente evocado nos discursos oficiais (Svampa, 2006, p. 305-306). Era
através desse marco de leitura do social que se alimentava um campo antagônico mais
241
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
amplo pautado na diferenciação entre o “nós” e o “eles”, em outras palavras, que se
promovia todo um sistema de identificações capaz de estabelecer claramente quem eram os
compañeros e quem eram os inimigos da Nação (Legrás, 2010, p. 172-175).
Desse modo, para se reforçar essa identidade popular, construiu-se a imagem de um
inimigo comum sendo este considerado antiargentino, antipovo, antipátria a qual era
atribuída todos que de alguma forma se opunham ou discordavam do movimento peronista.
Esses antagonismos derivavam de uma oposição primordial entre esse povo (o agora) e a
oligarquia (o antes), sendo esta última representada como moralmente desviante,
economicamente exploradora e culturalmente pautada por características estrangeiras, ou
seja, uma instituição defensora de interesses adversos aos da nação, dissolvendo os
verdadeiros valores argentinos e constituindo um fator de divisão contrário à unidade
defendida pelo peronismo (Svampa, 2006, p. 204). No fim das contas, a única divisão
concebível era entre peronistas e antiperonistas, o que derivaria de todo um deslocamento
progressivo desse sistema de identificações recíprocas que legitimavam e centralizavam o
poder nas mãos de Perón.
Em discurso realizado na Praça de Maio na ocasião da comemoração do Dia do
Trabalhador, o presidente, além de evocar o sujeito “Povo-Trabalhador”, o relaciona
diretamente às conquistas e ambições do peronismo, incentivando sua atuação como base
fundamental para o bem-comum da pátria argentina:
Em conclusão, desejo que chegue a cada um dos companheiros dos três milhões de
quilômetros quadrados de nossa Pátria a convicção absoluta de que o governo dos
trabalhadores, que tenho a honra de encabeçar, de seguir imperturbável, passo
a passo no cumprimento de todo o seu plano. Podem ter certeza de que não
descansaremos um minuto e que, com a ajuda de vocês, que são os encarregados
de criar a grandeza e a riqueza da Pátria, organizaremos uma justiça distributiva
perfeita para que o povo seja cada vez mais feliz e maior e mais poderosa seja a
nossa Pátria (Perón, 1º de Maio de 1949, tradução própria).
4
A causa do povo (dos trabalhadores) é a causa da pátria que, por sua vez, é a causa
do governo de Perón. Ser antiperonista, nesse momento, é ser automaticamente
4
[No original] “Para terminar, quiero que llegue a cada uno de los compañeros de los tres millones de
kilómetros cuadrados de nuestra Patria, la persuasión absoluta de que el gobierno de los trabajadores que
tengo el honor de encabezar, ha de seguir imperturbable, paso a paso el cumplimiento de todo su plan. Pueden
tener la seguridad de que no hemos de descansar un minuto y que, con la ayuda de ustedes, que son los
encargados de crear la grandeza y la riqueza de la Patria, organizaremos una perfecta justicia distributiva para
que el pueblo sea cada vez más feliz y nuestra Patria más grande y más poderosa” (Perón, 1º de Maio de 1949).
242
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
considerado como antipovo e antipátria, logo, como inimigo da Nova Argentina em
construção. É a partir dessas relações que acreditamos ser possível identificar o modo de
existência, de circulação e de funcionamento dos discursos no interior da sociedade
argentina sob Perón, em outras palavras, que compreendemos a constituição da função
autor proposta por Foucault.
A esse sujeito “Povo-Trabalhador” ser racional constituído mediante complexas
operações discursivas e simbólicas de identificação e negação do outro, o qual indica quem
seriam os verdadeiros argentinos e peronistas podemos atribuir a função de autor que
classifica, delimita e manifesta a instauração de um certo conjunto de discursos dentro dessa
sociedade argentina. Ou seja, esse nome do autor que pode ser apresentado como
“trabalhador”, “argentino” ou “peronista” se liga ao sistema jurídico e institucional que
encerra e articula o universo dos discursos e pode dar lugar a vários 'eus' em simultâneo, a
várias posições-sujeitos que classes diferentes de indivíduos empíricos podem ocupar. Sendo
assim, ele é o responsável por tornar algo compartilhável e identificável socialmente, por
conferir um estatuto de inscrição e de legitimidade aos discursos nesse ambiente social.
Mecanismos internos ao discurso
Como vimos, não é apenas a dinâmica cultural e histórica que constitui a função
autor apresentada no programa de Foucault (1992), visto que, enquanto propriedade do
discurso, ela também depende dos seus mecanismos de funcionamento internos, sendo
necessário compreender como o próprio texto envia para essa figura externa e anterior: o
autor. Assim, a empreitada peronista de elaboração do Segundo Plano Quinquenal (SPQ),
iniciada logo após a reeleição de Perón e de responsabilidade do Ministério dos Assuntos
Técnicos (MT) nos é profundamente significativa, visto que, quando oficialmente anunciada,
o Presidente realizou um discurso no qual conclamava os trabalhadores argentinos,
sobretudo as instituições sindicais, a participarem da formulação do Plano por meio do envio
de missivas com ideias e iniciativas para que estas fossem devidamente estudadas e
possivelmente consideradas.
Dessa forma, tomando o sujeito “Povo-Trabalhador” e as denominações que a ele
fazem referência (peronista, argentino, etc.) como o nome de autor que exerce uma
determinada função classificativa na sociedade argentina durante o governo populista de
243
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
Perón, pretende-se identificar como as cartas enviadas ao Presidente, mais do que
expressarem os anseios e as demandas de indivíduos empíricos, apontam para essa figura de
autor, esse indivíduo que bordeia os textos e, ao mesmo tempo, legitima-os.
As missivas analisadas trazem as sugestões e orientações relacionadas ao âmbito das
manifestações culturais no país e seus principais suportes, redigidas por indivíduos ou
coletivos de diferentes regiões do território, apresentando o presidente como principal
destinatário e sendo enviadas ao MT, onde eram analisadas, organizadas em forma de
processos e redirecionadas, devido a sua temática, à Repartição Geral de Cultura, filiada ao
Ministério da Educação argentino. Dentre os aspectos mais gerais que se repetem nessas
cartas, destacam-se dois pontos esclarecedores do envio que elas fazem para a função autor
destacada: 1) os trabalhadores buscam frequentemente realizar identificações de si
enquanto argentinos e/ou peronistas, mais do que como pessoa física ou jurídica; 2) são
comuns as justificativas e argumentações que ressaltam o caráter desinteressado e coletivo
das propostas, no sentido de prezarem pelo benefício do povo e não apenas de si próprio ou
de seu grupo.
Em relação ao primeiro aspecto, apesar de a noção de “peronista” geralmente não
aparecer de forma claramente definida nas cartas, elas acabam revelando a combinação que
se estabelecia entre uma identidade nacional (ser argentino), uma identidade social (ser
trabalhador) e uma identidade política (ser peronista), a qual constituiria um marco
promotor de legitimidade e de identificação para o destinatário dessas missivas, no caso, o
Presidente e seus funcionários (Lago, 2016, p. 12).
Na carta enviada por Diego Inclan, natural da Capital Federal, em janeiro de 1952,
preocupado com as dificuldades enfrentadas por aqueles profissionais ainda não inseridos
na cena do mainstream
5
, o remetente escreve que “atento ao respeitável e patriótico
pedido formulado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da Nação, General Juan Perón,
cumpro com o meu dever de grande argentino, ao enviar, para o seu estudo, a seguinte ideia
5
Por mainstream entende-se o espaço de circulação midiática da cultura de massa, onde a produção dos
discursos e dos objetos culturais visa atender às demandas de consumo do maior número possível de pessoas,
de modo a garantir o lucro sobre a sua comercialização. De acordo com Martel (2012, p. 479), o conceito se
aproxima das noções de “dominante” ou “grande público”, podendo apresentar “uma conotação positiva, no
sentido de ‘cultura para todos’, mas também negativa, no sentido de ‘cultura dominante’”. para Paz (2017,
p. 102), o campo do mainstream também pode contribuir com a articulação do processo de incorporação à
hegemonia, sendo marcado por disputas e seleções entre distintos valores, sentidos e tendências.
244
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
que resultaria no benefício de novos letristas, poetas e compositores de música”
6
(Cartas, nº
18.705, jan. 1952, tradução própria). Nesse sentido, Diego Inclan sugere a criação, pelo
governo, de um escritório permanente que se encarregaria da seleção de tangos, milongas,
valsas e obras folclóricas, voltado especialmente para o reconhecimento e a divulgação
desses artistas novatos.
Luis Rodolfo Urruti, da cidade de San Martín, situada na área metropolitana da
província de Buenos Aires, escreve a sua sugestão ao MT em 28 de janeiro de 1952,
apresentando detalhadamente sua proposta de criação de um conservatório popular para o
ensino de música sem restrições ou requisitos de ingresso para o povo argentino em geral,
concebendo-a como uma contribuição para uma importante obra:
[...] assegurar o cultivo do espírito, fonte de rica pureza na vida da pessoa,
profundamente enraizado na existência das crianças, tarefa a que se propõem os
digníssimos dirigentes da Pátria, e certo de que o ilustre discernimento e o amplo
critério de Sua Excelência o Presidente da Nação Argentina, saberá apreciar esta
sugestão, que não é outra coisa senão uma Ideia desinteressada retirada de um
coração Argentino e de uma mente Peronista; Eu lhe proponho (Cartas, nº10.095,
28 jan. 1952, tradução própria).
7
José Cabrera, por sua vez, também escrevendo da Capital Federal em 29 de
dezembro de 1951, está preocupado com a situação da população rural do país no tocante
ao seu acesso à cultura e ao entretenimento:
A vida no campo é triste, sem alegria, diversão, passatempo, etc. que alegre o
espírito dos homens, mulheres e crianças, é dolorosa demais para os homens
idealistas como s, os verdadeiros peronistas. [...] a ação do governo é
necessária, dispondo as diferentes bandas do Exército para irem por rotação aos
domingos realizar apresentações de música; também é necessário enviar os
elencos teatrais oficiais de Buenos Aires para apresentar obras ilustrativas, mas
humorísticas, que a própria vida no campo ou é uma comédia ou um drama. [...]
Tudo o que se faz em benefício do grupo social que vive em meio à natureza, no
6
[No original] Atento al respetable y patriótico pedido formulado por el Excelentísimo Señor Presidente de la
Nación, General Juan Perón, cumplo con mi deber de gran argentino, al enviar, para su estudio, la siguiente
idea que redundaría en beneficio de los noveles letristas, poetas y compositores de música” (Cartas, nº 18.705,
jan. 1952).
7
[No original] “[…] velar por el cultivo del espíritu, fuente de rica pureza en la vida de la persona, arraigada
profundamente en la existencia de los niños, tarea que se proponen los dignísimos líderes de la Patria y, atento
en la certidumbre de que el preclaro discernimiento y el amplio criterio de S.E. el Excelentísimo señor
Presidente de la Nación Argentina, sabrá apreciar esta sugestión, que no es otra cosa que una Idea
desinteresada arrancada de un corazón Argentino y una mente Peronista; lo propongo” (Cartas, nº10.095, 28
jan. 1952).
245
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
meio do campo, tirando suas vantagens econômicas da terra, é fazer uma
verdadeira pátria (Cartas, nº 13.687, 29 dez. 1951, tradução própria).
8
Cabrera, além de diagnosticar a situação da população campesina do país tomando
como chave de leitura o idealismo segundo ele característico dos homens verdadeiramente
peronistas, querendo que esse idealismo alcance também os homens e as mulheres do
campo através da música, do teatro e do cinema, justifica sua proposta como condizente
com a grande obra de engrandecimento da pátria que estaria sendo empreendida pelo
governo justicialista de Perón em parceria com o povo argentino.
É também enquanto argentino e peronista que Abrascha Buduick, escrevendo de
Buenos Aires, no dia da véspera do Natal de 1951, apresenta sua sugestão: “Aquele que
assina: Abrascha Buduick, argentino de 29 anos, solista de violino, tem a honra de se dirigir à
‘Presidência da Nação’ expondo à consideração um projeto cultural que pode fazer parte do
Segundo Plano Quinquenal, baseado na Doutrina justicialista de nosso líder Gral. Juan D.
Perón”
9
(Cartas, 8.246, 24 dez. 1951, tradução própria). Apesar de apresentar seus dados
pessoais logo na introdução da carta, antes de enumerar suas propostas Buduick deixa claro
que é por se identificar “com as convicções da Revolução, como argentino e peronista
[...]”
10
, que ele se sente no dever de contribuir com a elaboração do SPQ (Cartas, 8.246,
24 dez. 1951, tradução própria).
Percebe-se, nesse sentido, que as cartas destacadas, assim como outras que não
serão apresentadas para não alongar a discussão, apresentam identificações dos remetentes
sendo a autorreferencialidade uma característica própria do discurso epistolar as quais
não apontam para as os indivíduos empíricos que as escreveram, mas ao nome de autor
delimitado pelo sujeito “Povo-Trabalhador" que, por sua vez, estaria ligado ao sistema
jurídico e institucional que encerra, determina e articula o universo dos discursos na
8
[No original] La vida en el campo ae por si triste, sin alegría, diversiones, pasatiempo etc que alegre el
espíritu de los hombres, mujeres y niños, es demasiado doloroso para los hombres idealistas como lo somos los
peronistas de verdad. […] Allí se necesita la acción del gobierno, disponiendo que las distintas bandas del
Ejército vayan por rotación los días domingos a ejecutar música; también es menester enviar de Buenos Aires
los elencos teatrales oficiales para dar obras ilustrativas pero jocosas pues ya de per si la vida de campo es o
una comedia o bien un drama. […] Todo lo que se haga en beneficio del conjunto social que vive en plena
naturaleza, en pleno campo arrancándole a la tierra sus bondades económicas, es hacer patria de verdad”
(Cartas, nº 13.687, 29 dez. 1951).
9
[No original] El que suscribe: Abrascha Buduick argentino de 29 años de edad, concertista de violín, tiene el
honor de dirigirse a la ‘Presidencia de la Naciónexponiendo a consideración un proyecto cultural a que pueda
hacerse partícipe del Segundo Plan Quinquenal, basado en la doctrina justicialista de nuestro líder Gral. Juan D.
Perón” (Cartas, nº 8.246, 24 dez. 1951).
10
[No original] “Estando identificado con la convienza de la Revolución; como argentino y peronista […]”
(Cartas, nº 8.246, 24 dez. 1951).
246
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
Argentina peronista. É a referência ao ser argentino e/ou peronista, e não a pessoa física,
que confere o estatuto de legitimidade e de inscrição social ao diálogo estabelecido através
dessas missivas e aos pedidos nelas apresentados.
Nessa esteira, em sua grande maioria, as sugestões, as ideias e os projetos
apresentados também não tomam o próprio indivíduo ou coletivo que os propuseram como
alvo de sua implantação, mas, novamente, é o sujeito “Povo-Trabalhador” e todos que o
compõem que se pretende que seja beneficiado. Isso nos leva ao segundo aspecto
mencionado anteriormente: o caráter desinteressado e coletivo das propostas, em
consonância com a noção de bem-estar coletivo defendida pela prédica peronista em
oposição ao individualismo e à fragmentação social predominantes durante os tempos
infames dos governos oligárquicos.
Como exemplo, destacamos a carta de Pedro Sofia, presidente da Associação
Argentina de Música de Câmara e Biblioteca “ESNAOLA”, de 29 de janeiro de 1952, o qual
envia, em nome do coletivo em questão, a sugestão da “criação da Imprensa Nacional de
Música, para a publicação de obras musicais argentinas, instrumentais e orquestrais, visando
uma maior difusão, não no país, mas também no exterior”
11
(Cartas, 17.369, 29 jan.
1952, tradução própria). Anexo à carta com a iniciativa principal, foi arquivado um
documento descrevendo os antecedentes e os trabalhos realizados anteriormente por dita
Associação, destacando-se:
Em 1931 foi fundada a Associação Argentina de Música de Câmara, outorgando-lhe
personalidade jurídica pelo Decreto 81.980 de 8 / V / 936. Desde o seu início, o
objetivo essencial perseguido foi, e ainda é hoje, uma trajetória notavelmente
argentina. Lutou-se num terreno árido, a favor de uma obra claramente
nacionalista, com vista a dar a conhecer à massa do povo os melhores valores que
surgiram e que vêm surgindo na arte musical. [...] Sempre fomos guiados pelo mais
completo desinteresse ao longo da extensa trajetória de nossos empenhos e
esforços. Desinteresse próprio de nosso povo; por isso nosso trabalho é
eminentemente argentino. [...] (Cartas, 17.369, 29 jan. 1952, tradução
própria).
12
11
[No original] “[…] la creación de la Imprenta Nacional de Música, para la publicación de las obras musicales
argentinas, instrumentales y orquestales, con el objeto de una mayor difusión, no solo en el país, sino también
en el extranjero” (Cartas, nº 17.369, 29 jan. 1952).
12
[No original] En el o 1931 se fundó la Asociación Argentina de Música de Cámara, otorgándosele la
personería jurídica por Decreto 81.980 del 8/V/936. Desde sus comienzos, la finalidad esencial perseguida
ha sido, y es hoy, una trayectoria señaladamente argentina. Se ha luchado en un terreno árido, en pro de una
obra netamente nacionalista, con miras de hacer conocer a la masa del pueblo los mejores valores surgidos y
que han ido surgiendo en el arte musical. […] Siempre nos ha guiado el más completo desinterés en toda la
247
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
O documento de caráter curricular anexado contém claras intenções de demonstrar a
autoridade do remetente e a legitimidade de seus pedidos, mas, novamente, é possível
perceber que à longa e extensa trajetória da Associação é atribuído um destacado valor a
partir da obra nacionalista realizada no campo da arte musical em benefício coletivo do
povo. E, assim como esse povo, a Associação não apresentaria nenhum interesse particular
por trás do trabalho que realizaria em favor da nação argentina.
Outra missiva que se destaca no corpus analisado teria sido enviada em nome de
uma das Unidades Básicas do Partido Peronista, localizada na capital Buenos Aires, em
dezembro de 1951. Nela, o Secretário Geral Francisco Argiró apresenta o projeto de criação
de uma “Associação Peronista” no interior da Unidade Básica em questão, a qual operaria
como
[...] um campo a mais de ão das atividades intelectuais, sociais e culturais, na
qual será divulgada e promovida toda aquela manifestação que tenda a elevar o
nível de preparação cidadã, onde se instruirá o homem sobre seus direitos e
deveres, orientando-o e provendo-o da capacidade necessária para que o povo
argentino nunca mais seja vítima dos apetites insaciáveis de dirigentes sem
consciência. [...] Com isso, também concebemos o desejo de incorporar as nossas
fileiras todos os argentinos que se encontram atrasados na elevada evolução
política que o grande movimento cívico nacional trouxe como consequência,
qualquer que seja a orientação ideológica ou credo político que sustentem sem
fazer distinções que não são aceitáveis em um país de notável cultura cidadã como
é o nosso e, no qual, temos certeza, não pode haver sentimentos contrários à causa
comum de todo o argentino, que é a defesa de sua própria nacionalidade, do
mesmo povo e da soberania da Nação, causas essenciais do Justicialismo (Cartas,
nº 7.443, dez. 1951, tradução própria).
13
extensa trayectoria de nuestros empeños y nuestros afanes. El desinterés proprio de nuestro pueblo; por eso
es que nuestra obra es eminentemente argentina” (Cartas, nº 17.369, 29 jan. 1952).
13
[No original] “[…] un campo más de acción de las actividades intelectuales, sociales y culturales, en el que se
difundirá y fomentará toda aquella manifestación que tienda a elevar el nivel de la preparación ciudadana,
donde se instruirá al hombre sobre sus derechos y sus deberes, se le orientará y proveerá de la capacidad
necesaria para que nunca más se convierta el pueblo argentino en víctima de los insaciables apetitos de
dirigentes sin conciencia. […] Concebimos también con ello el deseo de incorporar a nuestras filas a todos
aquellos Argentinos que se encuentran rezagados en la elevada evolución política que ha traído como
consecuencia el gran movimiento cívico nacional, cualquiera sea la orientación ideológica o el credo político
que sustenten, sin hacer distinciones que no son aceptables en un país de notable cultura ciudadana como es
el nuestro y en el que, estamos seguro de ello, no pueden caber sentimientos contrarios a la causa común de
todo argentino que es la defensa de la propia nacionalidad, del mismo pueblo y la soberanía de la Nación,
causas esenciales del Justicialismo” (Cartas, nº 7.443, dez. 1951).
248
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
Nessa passagem, o interesse em desempenhar uma obra coletiva, visando a elevação
do nível da “cultura cidadã” dos argentinos, aparece carregada de intenções abertamente
doutrinárias, visto que essa preparação estaria diretamente pautada pelos princípios morais
peronistas da Constituição Justicialista de 1949. Esses, por sua vez, de acordo com própria
Carta Magna, deveriam ser incutidos nas massas, a fim de orientar harmonicamente Estado
e Povo para que as suas realizações fossem encaradas com unidade de concepção e de ação
na marcha rumo ao êxito da Nova Argentina. Desse modo, o projeto que o representante
dessa Unidade Básica do Partido Peronista visava ampliar o raio de alcance do que aqui
estamos considerando como o nome de autor nesse ambiente social, no caso, a rede
discursiva de identificações entre o povo, a pátria e Perón a partir de uma ampla atuação
nos planos intelectual, social e cultural.
No interior do complexo aparelho simbólico que dava sentido e justificava a situação
de poder constituída pelo peronismo, a cultura, também inserida no campo político,
desempenhou um papel fundamental para a construção de consensos e hegemonias sociais
(Canclini, 1987, p. 24). É sobretudo por meio de atributos culturais que o peronismo buscava
reconfigurar a identidade nacional argentina, elegendo determinadas tradições populares
como “autenticamente” nacionais e opondo-as à influência do cosmopolitismo europeu.
Nesse sentido, a construção de uma identidade nacional-popular possibilitava ao
discurso populista de Perón agregar uma pluralidade de vínculos e forças em torno de um
conjunto de símbolos e significantes capazes de se referir ao povo como um todo
homogêneo e harmônico. Uma identidade que, enquanto representação dessa totalidade
social, mobilizava pertencimentos e identificações que associavam diretamente os
trabalhadores ao peronismo e à figura de Perón.
14
Por fim, destacamos ainda a missiva enviada por Juan Cortés del Pino em 28 de
dezembro de 1951, remetente da Capital Federal. Nela, propõe que o Governo Federal
designasse um edifício independente, de fácil acesso, que seria chamado de “Casa da
14
O texto oficial do Primeiro Plano Quinquenal (1946-1947) estabelecia, desde o primeiro ano de mandato
presidencial, que “o Poder Executivo, com base nos conceitos anteriormente expostos e sem pressa, pelo
perigo que a improvisação acarreta em matéria tão delicada e porque o improviso tem sido a causa dos
defeitos apontados, elaborou o plano geral de cultura, considerando-o como um todo harmonioso dentro do
que representa a alma daquela fonte de enormes riquezas materiais que será a nossa Pátria quando, pela ação
consciente e orgânica do Poder Executivo, recuperar e orientar toda a sua riqueza e vitalidade (Secretaria
Técnica1947, p. 168 tradução própria). No interior dessa nova organização do âmbito cultural, “o estudo das
expressões folclóricas, da música e das danças populares, essência do sentimento de um povo, deve ser
cuidado pelo Estado como expoente da cultura íntima e popular e como base para o desenvolvimento de suas
próprias formas de expressão artística" (Secretaria Técnica, 1947, p. 167 tradução própria).
249
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
Cultura”, centralizando nele a recepção de todas as revistas científicas e literárias que
chegassem do mundo todo aos organismos oficiais, arquivando-as, organizando-as e
facilitando o seu acesso pela população. Com essa intenção, esclarece que
Ao formular esta proposta ao Governo Superior, não me inspiro em outro desejo
senão o de contribuir, ainda que modestamente, com o esforço comum para que a
elevação espiritual de nosso povo acompanhe o avanço material e a prosperidade
econômica que esboça a nossa Pátria. Neste grande momento da argentinidade
em que se impõe a intensificação da técnica para aproveitar todas as energias
físicas e espirituais da Nação, em benefício do enriquecimento e do avanço moral
do país, não é possível se estacionar em procedimentos de rotina nem deixar de
aproveitar um recurso que possa estimular aquela intensificação. Desse modo,
coordenados e incentivados os órgãos de pesquisa, as possibilidades cnicas
adquirirão um vigoroso desenvolvimento, e a ciência, as artes e as letras
conspirarão infalivelmente, de maneira direta, para aumentar a potencialidade da
Pátria (Cartas, nº 12.533, 28 dez. 1951, tradução própria).
15
Aqui, mais uma vez, percebemos a caracterização da sugestão enquanto uma
contribuição modesta e desinteressada à obra coletiva que estaria sendo empreendida pelo
peronismo em benefício do enriquecimento e do avanço moral do povo e da nação. O
sujeito “Povo-Trabalhador”, nesse caso, pode ser identificado a partir do que Juan Cortés del
Pino chama de momento de “argentinidade” pelo qual o país estaria passando, resultado da
reunião do governo de Perón com os esforços físicos e espirituais dos trabalhadores,
considerados a potencialidade da pátria e, por isso, nenhuma fonte de energia poderia ser
desperdiçada nessa empreitada, muito menos as contribuições dos intelectuais e escritores
verdadeiramente peronistas e argentinos.
Considerações finais
Pensar “a morte do autor”, portanto, assim como a “morte do homem”, desvelaria a
historicidade do conceito e uma compreensão que supera o seu sentido restrito como o
autor de um texto ou de uma obra a quem se pode atribuir legitimamente a produção. O
15
[No original] “Al formular esta propuesta al Superior Gobierno no me inspira otro deseo que el de contribuir,
siquiera sea modestamente, al común esfuerzo para que la elevación espiritual de nuestro pueblo corra parejas
con el adelanto material y la prosperidad económica que ya se perfila en nuestra Patria. En esta gran hora de la
argentinidad, en que se impone la intensificación de la técnica para aprovechar, en beneficio del
enriquecimiento y adelanto moral del país, todas las energías físicas y espirituales de la Nación, no es posible
estacionarse en procedimientos rutinarios ni dejar de aprovechar un solo recurso que pueda estimular aquella
intensificación. De esta manera, coordinados y tensos los órganos investigadores, las posibilidades técnicas
adquirían un desarrollo pujante, y la ciencia, las artes y las letras conspirarán indefectiblemente, de un modo
directo, a incrementar la potencialidad de la Patria” (Cartas, nº 12.533, 28 dez. 1951).
250
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
autor continua existindo para Foucault; todavia, a sua desnaturalização permitiria
compreender a formação e o funcionamento desse conceito em uma dada época, o que
confere um nível privilegiado à História como instrumento de análise. Nesse sentido, a
presente exposição buscou compreender como se deu a constituição e o funcionamento da
função autor no caso do Primeiro Peronismo na Argentina (1946-1955) através da análise do
diálogo epistolar que se estabeleceu entre a população e o presidente Perón após este a
convocar para participar da elaboração do Segundo Plano Quinquenal que orientaria a ação
e a intervenção estatais em diversos setores durante o seu segundo mandato.
O discurso populista de Perón, recorrendo a uma lógica organizada a partir da
promoção de enunciados dicotômicos reiterados frequentemente, possibilitou, no plano
social, a promoção de uma equivalência entre a vontade popular e a emergência de um
sujeito “Povo-Trabalhador” mobilizado em prol de um consenso essencial para a sustentação
do poder e da hegemonia populistas (Laclau, 2005, p. 97-103). Era através desse marco de
leitura do social que se alimentava um campo antagônico mais amplo, pautado na
caracterização negativa de um inimigo comum que possibilitasse, simultaneamente, a
promoção de todo um sistema de identificações capaz de estabelecer uma identidade
popular comum, argentina e peronista. Isso, com o intuito de fazer emergir dela uma força
política coerente com a proposta governista de construção de uma Nova Argentina.
Para além da análise da conjuntura histórica e cultural que caracterizava a Argentina
peronista, a presente exposição também levou em conta tanto as propriedades discursivas
comuns ao gênero epistolar no geral, como alguns aspectos específicos das missivas que
compõem o corpus documental estudado. Esta dinâmica, marcada pelo envio de cartas a
Perón constituiu uma estratégia oficialmente alimentada por expressar e materializar o
“diálogo direto” que o presidente procurava estabelecer com as massas enquanto líder
populista, atuando como um instrumento de legitimação ao promover a ideia de que não
seria necessário nenhum mediador para a atuação política ativa por parte dos cidadãos
argentinos.
Essas considerações nos levam a crer que as cartas endereçadas ao governo
peronista como resposta ao chamado político e pessoal de Perón enviam, a partir de seu
texto e da dinâmica histórico-cultural em que estão inseridas, para uma figura de autor que
lhes é anterior, exterior e distinta de seus remetentes empíricos. Nesse sentido, é ao nome
de autor, apresentado como o “trabalhador”, o “argentino” ou o “peronista”, que essas
251
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
missivas se referem, sendo ele o responsável por tornar as sugestões e os pedidos
compartilháveis e identificáveis socialmente, ou seja, por conferir a eles um estatuto de
inscrição e de legitimidade frente ao sistema jurídico e institucional vigente nessa sociedade
argentina.
Desse modo, atribuímos a constituição e o funcionamento da função autor à
emergência discursiva e propagandística desse sujeito “Povo-Trabalhador” ser racional
constituído por meio de complexas operações discursivas e simbólicas de identificação e
negação do outro, o qual indica quem seriam os verdadeiros argentinos e peronistas. Essa
figura do autor poderia dar lugar, simultaneamente, a várias posições-sujeitos que classes
diferentes de indivíduos empíricos poderiam ocupar.
Isso é esclarecido nas missivas a partir de dois aspectos principais que demonstram o
envio que elas fazem para esse nome de autor e sua função. Nelas, de modo geral, os
trabalhadores procuram realizar autorreferências frequentes enquanto argentinos e/ou
peronistas, mais do que como pessoa física ou jurídica. Ademais, os pedidos e sugestões
apresentadas são comumente justificados através de um suposto caráter desinteressado e
coletivo das propostas, no sentido de prezarem pelo benefício do povo argentino como um
todo e não apenas do próprio remetente.
Em suma, a partir da análise empreendida tomando como referencial teórico as
contribuições de Foucault, detém-se que o papel desempenhado por esse nome de autor ao
qual as cartas apontam, além de promover uma relação simultânea e recíproca entre
discursos distintos, constituiu uma das diferentes funções que os trabalhadores assumiram
para atuarem politicamente no governo peronista: a função de autor. O peronismo, ao
promover uma maior participação social e política desses setores, de modo a alimentar e
impulsionar os discursos que tentavam aproximá-los da figura de Perón e caracterizá-los
como o suporte representacional da noção peronista de povo, criou as condições que
possibilitariam não apenas a um indivíduo, mas vários, cumprir a função de autor nesse
ambiente social, enquanto argentinos e peronistas.
Referências
CANCLINI, Néstor Garcia (Org.). Políticas Culturales en América Latina. Buenos Aires:
Grijalbo, 1987.
252
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
CARTAS. Archivo General de la Nación, fundo do Ministerio de Asuntos Tecnicos de la
Presidencia. Argentina, 1951-1952.
DA SILVA, Paulo Renato. ¿Alpargatas sí, libros no?: Produção Cultural e Legitimidade Política
durante o governo de Perón (1946-1955). 2009. Tese (Doutorado) Curso de História,
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2009.
DIAZ, Brigitte. O Gênero epistolar ou a pensamento nômade. São Paulo: Edusp, 2016.
FOUCAULT, Michel. O que é um Autor. In: FOUCAULT, Michel. O que é um Autor. Lisboa:
Passagens, 1992, p. 29-87.
FOUCAULT, Michel. “Nietzsche, a genealogia e a história”. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica
do poder. Tradução: Roberto Machado. 10ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1992, p. 15-37.
INCISA, Ludovico. Populismo. In: BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PAQUINO,
Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. 2, Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1992.
p. 981-986.
LACLAU, Ernesto. La razón populista. Buenos Aires: Fondo de Cultura Ecónomica, 2005.
LAGO, Mayra Coan. Exelentísimo señor presidente de la nación: imaginários populares no
primeiro peronismo (1946-1955). SIMPÓSIO INTERNACIONAL PENSAR E REPENSAR A
AMÉRICA LATINA USP, 2, 2016, Anais[...], São Paulo, USP, 2016.
LEGRÁS, Horácio. Hacia uma historia del populismo. In: SORIA, Claudia; CORTÉS ROCCA,
Paola; DIELEKE, Edgardo. Políticas del sentimiento: El peronismo y la construcción de la
Argentina moderna. Buenos Aires: Prometeu Libros, 2010. p. 163-180.
MALATIAN, Teresa. Narrador, registro, arquivo. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tania
Regina de (orgs). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2012. p. 195-221.
MARTEL, Frédéric. Mainstream: A guerra global das mídias e das culturas. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2012.
MEDEIROS, Akira Pinto; CHAIA, Vera Lucia Michalany. Narrativas populistas na Argentina do
século XXI: do “peronismo heterodoxo” à consolidação do kirchnerismo. Aurora: revista de
arte, mídia e política, v.8, n. 24, p. 5-31, 2015. Disponível em:
https://revistas.pucsp.br/aurora/article/view/23552. Acesso em: 23 ago. 2022.
MIRANDA, José A. Bragança de; CASCAIS, António Fernando. A lição de Foucault. In:
FOUCAULT, Michel. O que é um Autor. Lisboa: Passagens, 1992, p. 5-28.
PAZ, Liber Eugênio. Tecnologia e cultura nos quadrinhos independentes brasileiros. 2017. 299
f. Tese (Doutorado em Tecnologia). Universidade Tecnológica Federal do Paraná, UTFPR,
Curitiba, 2017.
253
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 232-251, jul./dez., 2023
PERÓN, Juan Domingo. Discurso de J. D. Perón en el Día del Trabajador Plaza de Mayo
(1949). El Historiador, 2023. Disponível em:https://www.elhistoriador.com.ar/discurso-de-j-
d-peron-en-el-dia-del-trabajador-plaza-de-mayo-1949. Acesso em: 31 jan. 2023.
REYNA, Zenaida M. Garay. Interpretaciones sobre la cultura política del peronismo en
Argentina. Papel Político, Bogotá, v. 12, n. 2, 2007.
SECRETARIA TÉCNICA. Presidencia de la Nación. Plan de Gobierno. 1947-1951. Tomo I.
Impreso en los Talleres Gráficos de la Penitenciaría Nacional de Buenos Aires. Buenos Aires,
1947.
SVAMPA, Maristella. El dilema argentino: civilización o barbarie. Buenos Aires: TAURUS,
2006.