Transformações e crises nos partidos políticos:
o caso do PSDB
Transformations and crises in political parties:
the case of PSDB
BRAGA, Maria do Socorro Sousa*
https://orcid.org/0000-0003-2141-9778
FRANZON, Davi J.**
https://orcid.org/0000-0002-4963-5379
MIRANDA, Jeferson Alexandre***
https://orcid.org/0000-0002-0481-6117
RESUMO: O PSDB foi um dos partidos que mais
sofreu com a continuidade dos governos do PT
no período de 2003 a 2015, e, em 2018, com a
eleição da extrema-direita. Desde então o
partido vem apresentando forte declínio
organizacional e eleitoral. Diante das
transformações e crises desse partido este
trabalho tem dois objetivos. O primeiro é
verificar em quais condições o PSDB chega para
enfrentar sua crise atual, após um pouco mais
de três décadas de existência. O segundo
propósito, é discutir quais são as possíveis
razões que estão relacionadas ao seu declínio
político-eleitoral. Argumentamos que a
ABSTRACT: The PSDB was one of the parties
that suffered most from the continuity of PT
governments from 2003 to 2015, and, in 2018,
with the election of the alt right. Since then, the
party has been showing a strong organizational
and electoral decline. This effort has two goals
in light of the changes and crises that this party
is experiencing: the first one is to determine
how, after a little over three decades of
existence, the PSDB ends up with its current
problem. The second purpose is to discuss what
are the possible reasons that are related to its
political-electoral decline. We argue that the
consolidation of a weak organization led the
* Doutora pela Universidade de São Paulo, (USP), professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência
Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Coordenadora do Núcleo de Estudos dos Partidos
Políticos Latino-Americanos (NEPPLA), Bolsista Produtividade do CNPq (PQ2) E-mail: msbraga@ufscar.br
** Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, Doutorando em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação
em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (PPGPOL/UFSCAR), pesquisador do Núcleo de
Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA). E-mail: davifranzon@estudante.ufscar.br
*** Especialista em História, Cultura e Poder, pela Universidade do Sagrado Coração (UNISAGRADO/Bauru),
Mestrando em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal
de São Carlos (PPGPOL/UFSCAR), pesquisador do Grupo de Pesquisa Ideias e Intelectuais para o
Desenvolvimento e a Democracia da Universidade Federal de São Carlos. E-mail:
jeferson.miranda@estudante.ufscar.br
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
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consolidação de uma organização fraca levou ao
longo do tempo o PSDB a uma fragilidade
institucional e eleitoral. Para demonstrar esse
argumento lançamos mão de estatísticas
descritivas com dados organizacionais, dos
recursos públicos dos partidos e dos votos e
cadeiras angariados pelo PSDB ao longo de sua
trajetória desde 1998. Nossa principal conclusão
é a de que os anos na oposição aos governos
petistas e as consecutivas derrotas no cenário
eleitoral nacional criaram pressões exógenas e
endógenas que culminaram em um
enfraquecimento do partido, finalmente uma
transição inconclusa da coalizão dominante foi o
fator determinante para a crise atual do PSDB.
PALAVRAS-CHAVE: Partidos Políticos,
Organização Partidária, PSDB.
PSDB to institutional and electoral fragility over
time. To demonstrate this argument, we made
use of descriptive statistics with organizational
data, public resources of the parties and the
votes and seats raised by the PSDB along its
path since 1998. Our main conclusion is that the
years in opposition to the PT governments and
the consecutive defeats in the national electoral
scenario created exogenous and endogenous
pressures that culminated in a weakening of the
party, finally an unfinished transition of the
dominant coalition was the determining factor
for the current crisis of the PSDB.
KEYWORDS: Political Parties, Party
Organization, PSDB.
Recebido em: 19/07/2023
Aprovado em: 28/09/2023
Introdução
Entre os anos de 2018 e 2022, o PSDB passou a vivenciar o seu período de maior
vulnerabilidade e fragilidade. Neste momento, o partido navegou por águas turbulentas e
enfrentou dificuldades que colocaram em xeque a sua história como organização partidária
da Nova República brasileira. O estudo que se faz presente neste trabalho quer entender
qual o caminho trilhado pelo PSDB, que levou a uma grande fragmentação de seus quadros
internos e ao flagrante insucesso nas urnas no ano de 2022. Foram anos em que uma crise
interna se instalou de tal forma a implodir a cúpula dirigente do partido, tendo como
consequência uma reconfiguração nacional que levou a ocupar posições equidistantes de
seu passado vitorioso, momento que por duas vezes governou o Executivo do país. Por isso,
propomo-nos investigar como as questões exógenas (aqui essencialmente especificadas
pelas derrotas na corrida eleitoral e na perda dos cargos eletivos) impactaram nas questões
endógenas (relações de poder) do partido, culminando no atual momento de quase
refundação partidária.
Para compreendermos a crise do PSDB, realizamos uma pesquisa de caráter
exploratório e uma abordagem de estudo de caso. A técnica proporcionou um desenho de
pesquisa guiado pelo detalhamento das características e das variáveis dependentes e
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independentes do fenômeno apresentado. A escolha decorreu da necessidade de
compreender fatores distintos, endógenos e exógenos, o que só se tornou possível por meio
de um processo de causes-of-effect (Silveira; Gomes, 2014). Em que pese o caráter
quantitativo deste trabalho, a técnica tornou viável a exposição de dados coletados no
repositório de estatísticas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), no caso dos resultados
eleitorais entre os anos de 1998 e 2022, e a construção de encadeamentos válidos com as
mudanças organizativas. Nosso desenho de pesquisa adotou os procedimentos essenciais
para a produção de um cenário válido: uma pergunta de pesquisa; uma teoria para justificá-
la, a coleta de dados para construí-la e a manipulação deles para comprová-la (King;
Keohane; Verba, 1994).
A produção bibliográfica sobre as transformações e crises dos partidos políticos se
estabelece a partir de uma profícua discussão acadêmica estabelecida ao longo do século
XX, entranhada na teoria clássica da mudança social ocorrida na Europa Ocidental e nos
Estados Unidos. Desde Michels (1982 [1911]) o partido, assim como toda estrutura
organizacional, se desenvolveria de forma gradual, o que levaria a uma contínua
hierarquização, oligarquização e formalização. Já na América Latina, com a terceira onda de
redemocratização ocorrendo a partir da década de 1980, a centralidade dos partidos e do
sistema partidário voltou ao debate nacional com a reorganização do pluripartidarismo.
Nessa primeira fase, no Brasil, o foco caiu sobre a capacidade dos partidos de se tornarem
organizações fortes, ou seja, em condições de serem representativas e institucionalizadas.
Nos anos seguintes, análises passaram avaliar o quanto o sistema partidário poderia ser
considerado consolidado ou não e se os partidos demonstravam padrões de organização
e competição mais estáveis. Na última década do século XX, com as turbulências na política
nacional, a discussão se volta novamente para a reorganização do sistema partidário, mas
agora focando na capacidade dos partidos tradicionais, especialmente aqueles da centro-
direita e da direita, sobreviverem nesse novo contexto no qual a extrema-direita se colocou
como força organizadora desse campo político. Na esquerda, os partidos mantiveram
padrões organizacionais e eleitorais relativamente estáveis.
Partindo do pressuposto que o contexto ambiental e as condições endógenas de um
partido podem ser o gatilho para conflitos e tensões que criam dinâmicas próprias, e que
essas refletem nas relações de poder em um partido político, argumentamos que pressões
exógenas e endógenas podem comprometer a atuação apresentada por um partido ao
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longo de sua vida, podendo levar a transformações organizativas, que por sua vez, podem
gerar conflitos intrapartidários, que se não bem administrados, podem afetar, inclusive, a
sua sobrevivência.
Essa interrelação pode ser observada em Panebianco quando se volta para discutir o
grau de institucionalização partidária:
(...) os partidos se diferenciam principalmente pelo grau de institucionalização
alcançado, que, por sua vez, depende das modalidades de formação do partido, do
tipo de modelo originário (e também do tipo de influências ambientais a que a
organização é submetida) (Panebianco, 2005, p.103).
Este aspecto da análise é de fundamental importância para podermos compreender
as mudanças e conflitos organizativos pelas quais um partido passa ao longo de sua
existência. Em muitos casos, as transformações do ambiente externo, ou mesmos disputas
internas, podem criar obstáculos desafiadores que comprometem a sua própria
institucionalização e resultam em efeitos deletérios sobre as relações, o grau de coesão e de
estabilidade de um partido. Mudanças exógenas e endógenas podem até mesmo afetar o
equilíbrio de poder interno, promovendo mudanças na coalizão dominante
1
ou alterando as
relações de dominação e subordinação em relação aos ambientes de atuação (Panebianco,
2005).
Panebianco apresenta a organização dos partidos contemporâneos sintetizada em
três pontos: a) os fins de uma organização não podem ser determinados a priori; b) em
todas as organizações existem uma pluralidade de fins; c) o principal objetivo dos dirigentes
é a manutenção do seu poder. Desta forma, o autor distingue dois tipos de incentivo que
embasariam a permanência da coesão partidária: incentivos coletivos e incentivos seletivos.
A primeira forma é, para o autor, uma conduta ideológica partidária que garantiria
recompensas simbólicas para seus militantes. “Já o segundo caso constitui recompensas
1
Para Panebianco (2005), o poder decorre de uma relação, assimétrica, mas recíproca. Desta forma ele se
manifesta em uma negociação desequilibrada, ou ainda, em trocas desiguais, em que um agente se sobrepõe
a outro. Partindo da definição de Michels (1982 [1911]) e daquilo que Duverger (1970) denominou de “círculo
interno”, o autor cria a expressão “coalizão dominante”. Diferente da concepção de Michels (1982 [1911] de
“elite”, Panebianco (2005) afirma que a coalizão dominante controla as ações do partido, mas não de forma
plena.
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materiais formadas por cargos na organização partidária, distribuídos para seus dirigentes”
(Panebianco, 2005, p. 103).
Se partimos da afirmação de que o poder organizativo é baseado em trocas de
incentivo como formas de controle sobre zonas de incertezas estruturais, compreendemos
porque elites dominantes precisam, quando no controle de partidos políticos, buscar
distribuir incentivos coletivos e seletivos de identidade para manter cristalizada sua posição
de equilíbrio.
2
Essa forma de ação pode levar a necessidade de manter um certo monopólio
de recursos de poder por parte de uma liderança, apagando aos poucos as características
ideológicas e democráticas das organizações partidárias. O apagamento dos elementos
primordiais ligados à gênese do partido pode distanciar do processo de tomada de decisão a
militância mais fiel, o que invariavelmente se torna base para crises de representatividade
tanto na esfera local, como na nacional.
A lealdade numa organização partidária:
Depende da distribuição de incentivos coletivos (de identidade) tanto para os
membros da organização (os militantes) quanto para uma parte dos usuários
externos, o eleitorado fiel. É um processo relacionado à formação de uma
“identidade coletiva” que, todavia, é guiada e plasmada pelos próprios fundadores
do partido (Panebianco, 2005, p. 101).
Enquanto a coalizão dominante de um partido manter domínio completo sobre a
distribuição de recursos de poder, grupos minoritários estarão alijados de mudanças
organizativas a seu favor, cenário que somente pode ser alterado com uma queda dos
incentivos coletivos de identidade, aumentando zonas de incertezas que podem ter como
resultado o rompimento de um equilíbrio em favor de um determinado status-quo.
Em termos de análise, para Panebianco, a mudança organizativa pode ser dividida
em três fases: a) a crise organizativa geralmente desencadeada por uma pressão exógena
que culmina em um agravamento dos termos em uma arena eleitoral; b) desagregação da
antiga coalizão dominante que pode avançar para uma substituição do grupo dirigente; c)
reestruturação organizativa mudança na fisionomia, nas regras do jogo ou nas regras da
2
Entende-se por zonas de incerteza, áreas, locais, grupos e/ou tendências do partido que não o controladas
pela coalizão ou não estão dentro de sua zona de influência direta. Para que a elite do partido consiga atuar,
ela oferece incentivos às zonas de incerteza, que na negociação sempre buscam algo em troca cargos,
mudança de discurso, ênfase em critérios ideológicos, entre outros. Cf. Panebianco (2005).
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competição interna, o que leva a uma inovação organizativa e a possível consolidação do
novo grupo dirigente.
Ao final o processo resulta em uma reestruturação, ou seja, uma redefinição dos
objetivos oficiais.
Enquanto o sistema estiver em equilíbrio, ou seja, enquanto a coalizão dominante
conseguir equilibrar a entrega de incentivos seletivos, as elites minoritárias, os
grupos excluídos da coalizão, não tem muitas chances de reestruturar em seu
próprio favor as alianças internas, uma vez que os recursos do poder (...) estão
concentrados nas mãos da coalizão dominante. É ruptura do equilíbrio que abre
caminho para a passagem de grupos até então excluídos (Panebianco, 2005,
p.479-480).
A evolução de uma organização partidária não pode ser desassociada de fatores
como seu surgimento, sua história organizativa, das relações estabelecidas com o ambiente
externo e da forma como as elites direcionam os recursos na distribuição de incentivos
coletivos e seletivos para seus filiados. Participação (ou não) em governos, derrotas
eleitorais, investimentos externos acabariam por determinar se a institucionalização de um
partido irá se apresentar como fraco ou forte.
Uma institucionalização forte se liga a uma coalizão dominante coesa, com poder de
distribuição de incentivos organizativos e de controle de zonas de incertezas. Por outro
lado, institucionalizações fracas representam coalizões o-coesas ou pouco coesas, o que
favorece o surgimento de facções, elemento impeditivo para uma centralização do
monopólio de distribuição de incentivos e de aumento gradativo das zonas de incerteza
entre os diversos grupos intrapartidários.
Tavits (2013) afirma que partidos com organizações fortes podem ser mais
persuasivos do que suas contrapartes fracas. Eles são mais propensos a agir de forma
competente, confiável e responsável. Graças às suas estruturas permanentes podem
formular políticas de forma mais eficaz, lidando melhor com desafios e responsabilidades
ambientais exteriores. Isto lhes garantem mais credibilidade e possibilitam tornar-se
entidades estáveis e não apenas uma aliança eleitoral temporária. São partidos com
organização forte aqueles que tem estruturas administrativas, de pessoal e de atividades
para além do cargo público exercido pelos seus membros, isto porque, eles também
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concederiam poder aos membros militantes, atenuando posições políticas extremistas ou
alienantes a seus eleitores.
Por outro lado, uma organização forte pode não ser o desejado para alguns estilos
de lideranças. Subunidades locais ou nacionais podem ser mais fortes, ou centralizadoras do
que outras e o resultado pode ser uma distribuição de poder intraorganizacional irregular.
Neste caso, ao se fortalecer a organização pode-se estar enfraquecendo a própria potência
das elites partidárias. Questões ambientais, de não-incentivo ou de competição partidárias
podem influir nas escolhas das lideranças quanto a estruturação de seus partidos enquanto
organizações.
Os líderes de um partido são provavelmente os mais influentes dos atores internos
da coalizão. Estudos demonstram que a liderança é decisiva para uma variedade de
resultados alcançados, uma vez que os líderes o capazes de mover as preferências de
grupos em direção a objetivos premeditados. Uma liderança “amadora” está mais propensa
a ser associada às organizações partidárias fracas, enquanto líderes “profissionais” estão
mais ligados com as fortes (Tavits, 2013)
3
.
Amadores e profissionais diferem em seus valores, conhecimentos e
comportamentos. Os primeiros enfatizam o papel das ideias e princípios; eles são membros
puristas e orientados ideologicamente (Wilson, 1962). Profissionais, por outro lado, são
pragmáticos, enfatizam as relações interpessoais, a acomodação de interesses e têm uma
visão instrumental, para eles o partido é um veículo para conquistar cargos e alcançar
recompensas (Cotter et al. 1984). Em geral, líderes pragmáticos tendem a ver a política em
termos de ganhos ou perdas, eles estão menos preocupados com questões ideológicas. A
capacidade de atuar com sucesso no incentivo à construção de uma organização, por sua
vez, depende do estilo de liderança, das experiências e das convicções que moldam as
escolhas na construção do partido, estas combinadas aos fatores ambientais influenciam
significativamente a extensão e a força de uma organização.
3
Em sua análise, a partir dos casos analisados, a autora afirma que o estilo de liderança desempenhou um
papel significativo na determinação do tipo de organização que um partido construiu. Partidos com
organizações fortes foram predominantemente dominados por líderes com estilo profissional pragmáticos
em vez de ideológicos, ambiciosos, mas não egocêntricos, experientes em gestão e administração que,
como esperado pela teoria, investiram conscientemente em desenvolver a organização partidária.
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Este trabalho está estruturado, além desta introdução, em quatro seções e as
considerações finais. Na primeira seção, faremos uma breve descrição da organização do
PSDB, enquanto partido político, apontando vantagens e desvantagens que esta
constituição pode ter somada a sua história partidária. Verificamos, ainda, em quais
condições organizacionais e eleitorais o PSDB se encontra nessa fase de reorganização do
sistema partidário. Na segunda seção, demonstraremos através dos números como as
pressões ambientais exógenas se avolumaram a ponto de comprometeram sua estabilidade
interna desencadeando a crise organizativa, entendida como a primeira fase da transição
apontada por Panebianco. Na terceira seção, passamos a interpretar os números a luz do
contexto ambiental em que eles foram gerados, enquanto na quarta, nos preocupamos em
apresentar como as pressões exógenas criaram barreiras endógenas que minaram o
equilíbrio da coalizão dominante e do status-quo até então mantido pelo partido. Neste
momento analisaremos como a desagregação da cúpula partidária do PSDB criou
dificuldades para a substituição do grupo dirigente. Por fim, nas considerações finais
procuramos refletir sobre o atual momento vivenciado pelo partido e sobre as
possibilidades de uma reestruturação organizativa peessedebista.
O enquadramento teórico do PSDB.
Apesar de se designar um partido social-democrata, o Partido da Social Democracia
Brasileira, desde sua origem, buscou se distanciar de seus homônimos europeus que
apresentavam legitimação “externa” e forte ligação com uma base social
4
. O PSDB surgiu
durante o período da Redemocratização, pós-governo militar, no ano de 1988, durante os
trabalhos do Congresso Constituinte, como uma cisão interna do Partido da Mobilização
Democrática Brasileira (PMDB) e tinha como lideranças uma ala autoproclamada
progressista à esquerda.
Neste sentido, essa origem parlamentar o difere dos seus coetâneos da Europa
porque ele não estava vinculado ao movimento das massas trabalhadoras ou sindicatos,
4
O PSDB comparativamente, em sua fundação, se distância do perfil clássico dos Partidos Sociais
Democráticos europeus no mesmo momento correspondente. Entretanto, é verdadeiro pensar que
contextualmente, no final do século XX, a Social-Democracia em todo mundo havia se inclinado a um modelo
mais moderadamente liberal, entendida como Terceira Via, caminho que em grande parte também será
adotado pelo partido brasileiro. Para maiores informações ver Giddens (1999).
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pelo contrário, apoiava-se em políticos que formavam uma elite intelectual e acadêmica
com grande influência nacional. Essa característica, por si mesma, baseada na literatura
tradicional, deveria conduzir sua institucionalização como uma organização forte, algo que
nos parece certo quando fazemos uma leitura inicial de seu estatuto.
Entretanto, autores como Roma (2002) o classificam como uma estrutura
organizacional fraca e descentralizada, afirmando que ela apresentava poucas instâncias de
veto efetivo pela militância, concentrando poder de decisão nas lideranças, e, por outro,
garantindo ampla liberdade de decisão aos diretórios na tomada de decisão sobre questões
locais. Resultava disso uma alta concentração de decisões nacionais em uma cúpula
parlamentar, enquanto garantia autonomia para as instâncias locais.
Analisando a gênese do PSDB, verificamos que ele nasceu por difusão territorial. De
sua criação, em 25 de junho de 1988, participaram quarenta deputados federais, oito
senadores, um governador, dois ministros, dois deputados federais sem mandato. Foram
criadas dezessete Comissões Provisórias, a partir da adesão de eleitores de diversas
localidades nas diversas unidades da federação, 53,21% estavam no Sudeste, 19,26% no
Centro-Oeste, 15,59% no Sul, 9,17% no Nordeste, 2,75% no Norte (Mayer, 2011). Em 24 de
agosto de 1989, a resolução 15.494/89 do TSE concedeu registro nacional a partir da
criação das comissões provisórias instaladas nos seguintes estados: Amapá, Bahia, Distrito
Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte,
Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Roraima, Rondônia e Tocantins. No ano
de 1990 as comissões provisórias se estruturaram nos demais estados da federação.
Estes elementos sugerem que as instâncias locais e regionais do partido nasceram
sem uma forte coordenação central, de forma autônoma nos municípios e estados
brasileiros, estabelecendo-se sem muito intricamento horizontal no território nacional. Isto
é ainda mais evidente quando confrontamos a unidade federal dos parlamentares
fundadores e as comissões estaduais formadas em 1989. Percebemos que, neste ínterim,
estados que tinham deputados ou senadores associados ao partido, conseguiram formar
sua comissão somente no ano de 1990.
5
Para Roma (2002) isto se deu como uma forma de
5
Cremos ser importante salientar que a continentalidade do território brasileiro também favorece essa
descentralização organizativa, uma vez que essa característica geográfica acaba por contribuir para se criar
grandes diferenças regionais de tipo sociocultural, que podem forçar uma organização a necessidade de
adaptar-se para equalizar, em seu interior, a grande diversidade apresentada nacionalmente. Isto pode
conferir as localidades, distribuídas pelo país, grande liberdade e autonomia, em relação ao centro, uma vez
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estratégia eleitoral
6
, em sua visão esta opção permitiu ao partido estabelecer alianças com
maior potencial, resguardando a cúpula parlamentar as decisões nas disputas no cenário
nacional e ampliando as possibilidades de vitórias no âmbito local.
Podemos destacar que o desenvolvimento organizativo do partido deve ser
entendido em um contexto de crescimento paralelo de prestígio, catapultado por um
cenário nacional, que colocou Fernando Henrique Cardoso como padrinho do Plano Real,
que trouxe estabilização econômica nacional e conseguiu interromper uma série
inflacionária herdada das duas décadas anteriores. Esse elemento colaborou
significativamente para a ascensão de seu “carisma situacional” e, em 1994, o levou à
Presidência da República. Essa ascensão meteórica do partido fortaleceu a consolidação dos
status-quo inicial e potencializou sua difusão territorial, selando a configuração de uma
institucionalização como organização fraca, como apontado Roma (2002).
Fica evidente que o PSDB se formou a partir de uma elite parlamentar, e esta,
cristalizou-se com a chegada e permanência no poder nacional, entre os anos de 1994 e
2002. Neste processo outra característica se torna comum, a de ser um partido amplamente
office-seeking, algo verificável em sua agenda de composições, coligações e coalizões com a
centro-direita e a direita. Este recurso denota a alta profissionalização de seus quadros que
em busca de incentivos seletivos optavam pelos melhores cenários que lhes facilitariam a
ocupação de cargos num governo (Roma, 2002; Genaio, 2003; Guiot, 2006; Assumpção,
2008; Dulci, 2010; Vieira, 2016). Sua rápida chegada ao poder parece demonstrar o sucesso
de sua estratégia inicial de institucionalização, que conscientemente preferiu por se
estabelecer como uma organização fraca, mas com quadros profissionalizados, conforme
estabelecido anteriormente por Cotter et al, 1984. Sua pula partidária demonstra desde
sua fundação a visão instrumentalista de acomodação de interesses, e sua militância, muito
pouco crédula, sempre buscou angariar incentivos seletivos.
que uma estrutura centralizada demandaria um grande esforço político e organizacional e um forte aparato
central.
6
Para Roma (2002) as motivações pragmáticas e eleitorais reforçam a origem essencialmente parlamentar do
PSDB. Isto ocorreria pelos seguintes motivos: i) pequeno espaço político concedido as elites fundadoras no
governo do pemedebista José Sarney; ii) da possibilidade de exclusão desses políticos das eleições em 1989;
iii) da possibilidade de angariar um espaço político no centro, entre aqueles que estavam descontentes com o
governo federal.
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O que no início se demonstrou como uma estratégia eficiente, ao logo do tempo,
pode ter selado sua evolução institucional e organizativa, explicando hoje a sua crise
partidária. Uma vez fora do governo, a partir de 2002, o PSDB passou a encarnar a grande
oposição aos governos petistas, polarizando com estes, as eleições de 2002, 2006, 2010 e
2014. As constantes derrotas e a perda da quina do Estado tiveram grande impacto
sobre o partido, o que levou a cúpula promover reformas internas que elevaram o grau de
concentração decisória e de centralização de suas estruturas como uma tentativa de frear
a fragmentação federalista algo apontado por Ribeiro (2013). A passagem para a oposição
durante os anos do Governo Lula (2002-2010) e posteriormente de Dilma (2011-2016)
alterou os seus termos de troca na arena eleitoral, as derrotas seguidas no plano nacional e
a perda do controle em estados-chave da federação aumentaram a pressão sobre a coalizão
dominante, levando a cúpula partidária a um entrincheiramento na Executiva e no Conselho
Nacional, movimento que começa a ser sentido a partir de 1999.
A concentração de poder nas comissões executivas frente aos diretórios em todos os
níveis e as mudanças estatutárias permitiram que estas primeiras passassem a exercer
atividades que cabiam aos segundos, principalmente a partir do momento em que a
executiva nacional passou a legislar sobre as coligações (no nível estadual e municipal),
sobre os mandatos (prorrogação ou antecipação) dos dirigentes partidários isto alterou
significativamente a autonomia das instâncias locais (Ribeiro, 2013). Localmente os quadros
políticos, acostumados com a liberdade anteriormente estabelecida, se veem alijados de
suas possibilidades de composição, o que repercute diretamente nas possibilidades de se
alcançar os desejados incentivos seletivos (cargos públicos, partidários e candidaturas).
De acordo com nosso argumento, isto repercutiu diretamente no fenômeno de
perda de espaço político que culminou nas eleições de 2018, momento em que o PSDB
atingiu o seu pior desempenho eleitoral nacional. As seguidas perdas eleitorais e o
enxugamento de cargos públicos obtidos por seus quadros, podem demonstrar que seu
colapso partidário, reflete uma sequencial perda de postos políticos e fundo partidário,
colocando em xeque a manutenção de seus quadros altamente profissionalizados em busca
de incentivos seletivos. Desde então, o ocaso do PSDB pode representar um evento que ao
longo do tempo, colocou em xeque as suas opções de institucionalização e organização
inicial, que sem ter o controle do Estado, culminou no atual momento vivido pelo partido.
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O colapso do PSDB nas competições políticas: declínio eleitoral e parlamentar nacional
e subnacional
As eleições, sob as mais variadas formas, as Casas Legislativas, o Executivo e os
partidos políticos são as instituições centrais das democracias contemporâneas. Nesse
contexto, o partido tem a função de canalização e estruturação de conflitos e demandas
sociais. Sartori (1982) propõe uma definição mínima de partidos políticos adequada para
este estudo: “Um partido é qualquer grupo político identificado por nome oficial que se
apresenta em eleições e é capaz de apresentar, em eleições livres ou não, candidatos aos
postos públicos”. Cabe aos partidos numa democracia de massas, portanto, representar os
interesses existentes na sociedade, seja na arena parlamentar, seja no exercício do governo.
Mas para desempenhar esse papel de mediador da representação política, os partidos
precisam competir na arena eleitoral por votos que serão transformados, conforme os
sistemas eleitorais, em cadeiras parlamentares e postos nos Executivos nacional e
subnacionais. Consoante a ampla estrutura de oportunidades multinível de um sistema
político como o brasileiro, um partido para sobreviver precisará de uma gama crescente de
recursos e incentivos seletivos e coletivos. Mas como o PSDB chegou a sua crise atual? Do
ponto de vista eleitoral, apesar de recém-constituído e ainda com organização provisória, a
estreia do PSDB se deu nas eleições municipais de 1988, disputando com candidatos
próprios e conseguindo vitórias importantes, como em Minas Gerais, onde conquistou as
prefeituras de Belo Horizonte com Pimenta da Veiga, e de Contagem, com Ademir Lucas
Gomes, além de mais cinco prefeituras nesse estado. No Ceará, elegeu Ciro Gomes a
prefeitura de Fortaleza. Ao todo, o PSDB elegeu dezoito prefeitos, sendo sete em Minas
Gerais, cinco em São Paulo, três no Espírito Santo, um no Mato Grosso do Sul, um em
Pernambuco e um no Amazonas. Elegeu, nesses mesmos estados, cerca de 215 vereadores.
Contudo, o PSDB iniciou sua trajetória de forma muito frágil. Estreou nas disputas
políticas nacionais na primeira eleição presidencial solteira em pleno processo de
redemocratização do país, em 1989, quando lançou o senador Mário Covas, conseguindo
apenas o lugar na disputa, obtendo 11,52% dos sufrágios. Nessa fase inicial, ainda teve a
bancada na Câmara dos deputados, que contava com 37 deputados, no ano de sua
fundação, pouco alterada (38 deputados) nas Eleições Gerais de 1990, quando
paralelamente conseguiu eleger apenas um Governador e um Senador, ambos no Ceará. O
73
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 61-86, jul./dez., 2023
partido consegue reverter essa trajetória em parte nas Eleições Municipais de 1992, quando
elege 332 prefeitos, dos quais 5 em capitais. A capilaridade do PSDB se restringe, portanto -
durante os seus primeiros anos - à região Sudeste, com um notório crescimento no estado
do Ceará devido à influência do deputado federal Tasso Jereissati (PSDB-CE).
A ascensão dos tucanos a primeira força política vem com a vitória nas eleições de
1994. Após uma campanha marcada pelo sucesso do Plano Real, a coalizão PSDB-PFL-PTB
logrou 54,27% dos votos, conseguindo eleger Fernando Henrique Cardoso o Presidente da
República em primeiro turno. Para isso, o PSDB se aproximou do PFL, atual União Brasil,
procurando dividir o campo da direita. Visava também atrair os eleitores do Nordeste, onde
o PFL tinha uma grande base eleitoral, região onde o PSDB não possuía muita força. Na
Câmara dos Deputados, o PSDB passou de 38 deputados para 62 em 1994; no Senado, o seu
único parlamentar foi acompanhado de mais nove senadores. A geografia do crescimento
eleitoral do partido foi também extremamente relevante, pois ela ocorreu sobretudo nas
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, indicando que o PSDB não cresceu, mas
também se nacionalizou.
No meio do seu primeiro mandato, o PSDB articulou a mudança constitucional que
permitiria a reeleição para ocupantes de cargos executivos, inclusive o próprio presidente
FHC e todos os governadores em exercício. Conforme a tabela 1 nas eleições de 1998 os
tucanos se manteriam com muita força conseguindo reeleger o presidente FHC ainda no
primeiro turno.
Tabela 1: Desempenho eleitoral nas competições pela Presidência da República (1998-2018)
Ano
Candidato
Voto 1º
turno
%
Voto 2º
turno
%
1998
FHC
35.936.540
53,06
2002
Serra
19.705.445
23,20
33.370.739
38,73
2006
Alckmin
39.968.369
41,64
37.543.178
39,17
2010
Serra
33.132.283
32,61
43.711.388
43,95
2014
Aécio
34.897.211
33,55
51.041.155
48,36
2018
Alckmin
5.096.350
4,76
74
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 61-86, jul./dez., 2023
Fonte: TSE
O segundo mandato do PSDB foi atingido pela crise econômica internacional,
ficando sem condições de entregar promessas de campanha. Durante as eleições de 2002,
coligando-se ao PMDB, perde aquele pleito para o seu principal rival, o PT, retornando à
oposição. Nas eleições seguintes, os tucanos buscaram recuperar fortemente a presidência
da República. Nas eleições de 2006 o candidato do partido, Geraldo Alckmin, obteve 41,5%
dos votos válidos no primeiro turno e foi para o segundo turno com o candidato do PT, Luiz
Inácio Lula da Silva, quando este obteve 61% dos votos válidos, sendo reeleito. O ex-
prefeito de São Paulo José Serra foi vencedor na disputa do governo do estado pelo partido
no primeiro turno, consolidando um domínio da legenda em São Paulo que completaria,
ao fim de seu mandato, dezesseis anos de poder. O candidato do PSDB na eleição
presidencial de 2010 foi novamente José Serra. Ele perdeu no segundo turno para a
candidata do PT Dilma Rousseff. Serra obteve quase 44% dos votos, enquanto Dilma
obteve pouco mais de 56%. Em 2011 o partido formou a terceira maior bancada na Câmara,
com 53 deputados federais, e a terceira maior no Senado, com onze eleitos. Nas eleições
municipais de 2012, o PSDB se manteve como o segundo maior partido municipal do Brasil,
após o PMDB, com 701 prefeitos e 5146 vereadores. O partido elegeu prefeitos de quatro
capitais (Teresina, Maceió, Manaus e Belém).
O melhor desempenho eleitoral do PSDB na oposição veio nas eleições de 2014,
quando Aécio Neves foi para o segundo turno com a candidata petista, Dilma Rousseff, e
por pouco não venceu. A partir desse resultado iniciou uma série de eventos que vão
resultar no colapso eleitoral do PSDB. O primeiro ocorre ainda no final de 2014, quando
PSDB entrou com um processo no TSE com pedido de cassação da chapa do PT-PMDB por
supostas irregularidades na campanha eleitoral daquele ano. Era a primeira vez que um
partido questionava com tanta veemência os resultados das urnas, deslegitimando o
processo eleitoral de renovação das elites políticas de uma democracia. O segundo evento
se deu com a consumação do impeachment de Rousseff, ocasião em que o PSDB passou a
integrar o governo impopular de Michel Temer, ocupando importantes ministérios.
As consequências de suas decisões anteriores chegaram nas eleições de 2018,
quando o PSDB amargou o seu pior resultado na competição nacional, desde a
75
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 61-86, jul./dez., 2023
redemocratização do país, ficando fora do segundo turno. Conforme a tabela 1 Geraldo
Alckmin foi novamente o candidato tucano à presidência, e mesmo amparado pela maior
coligação de partidos do pleito, que reuniu nove legendas e lhe garantiu cerca de metade do
tempo de TV destinado ao horário eleitoral, acabou em lugar na disputa, com menos de
5% dos votos. O terceiro evento ocorre ainda durante a campanha eleitoral dessas eleições,
quando tucanos mais jovens no partido, os chamados “cabeças pretas”, resolveram apoiar o
candidato do PSL, o deputado federal e ex-capitão do Exército, Jair Bolsonaro, na disputa
presidencial. E mesmo durante o governo da extrema-direita, o PSDB apresentou
alinhamento de 87% com ele nas votações da Câmara.
Nas eleições municipais de 2020 o PSDB elegeu apenas 533 prefeitos, sendo a
maioria em cidades com menos de 50 mil habitantes, conseguindo reeleger apenas 4
prefeitos nas capitais.
O quarto evento aprofundou a crise intrapartidária, afetando sobremaneira a
sobrevivência do PSDB. Este se deu nas eleições de 2022, quando o partido preferiu ficar de
fora da disputa presidencial devido a conflitos internos. Estes se avolumaram em 2021,
quando o PSDB anunciou que faria uma prévia presidencial para anunciar o candidato do
partido. Os candidatos principais foram os governadores de São Paulo, João Dória, e do Rio
Grande do Sul, Eduardo Leite, respectivamente. João ria foi o vencedor das prévias,
porém renunciou sua candidatura presidencial devido à oposição interna. Sem candidato
presidencial, resolveu criar uma federação com o Cidadania e apoiar a candidatura de
Simone Tebet (MDB), indicando a vice na chapa, a tucana Mara Gabrilli.
A forte derrocada do PSDB a partir de 2018 pode ser observada para todos os cargos
eletivos quando comparado com o seu desempenho com os pleitos anteriores, conforme
demonstram as tabelas abaixo. No que tange ao apoio eleitoral nas urnas para a presidência
da República, a tabela 2 revela o colapso eleitoral em todas as regiões geográficas do
território nacional.
Tabela 2: Porcentagem de votos para presidente, por região e ano (1º Turno)
Ano
Norte
Centro-
Oeste
Nordeste
Sudeste
Sul
Exterior
Total de
votos
1998
57,61
61,15
47,73
55,35
49,17
66,21
35.936.382
2002
22,65
26,20
19,78
22,70
28,47
27,52
19.705.445
2006
36,38
51,59
26,15
45,22
54,93
44,82
39.968.369
2010
31,95
37,97
21,48
34,58
43,01
40,25
33.112.110
76
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 61-86, jul./dez., 2023
2014
28,13
40,99
15,39
39,46
47,21
49,51
34.897.211
2018
4,45
4,54
2,08
6,72
4,40
3,45
5.096.350
2022
0
0
0
0
0
0
0
Fonte: TSE
7
Nas tabelas 3 e 4 podemos observar o enxugamento do partido na Câmara dos
Deputados Federais. Especificamente na tabela 4 observamos a perda de espaço nos
diversos estados da União, o que demonstra seu enfraquecimento como partido nacional.
Tabela 3: Desempenho por número de candidatos, votos e eleitos para a Câmara dos Deputados
(1998-2022)
Ano
Votos (em
mi)
Percentual
sobre a
totalização
do pleito (%)
Candidatos
lançados
Eleitos
Taxa de
ocupação na
Câmara (%)
1998
11.681.939
17,54
297
99
19,30
2002
12.473.743
14,26
311
70
13,65
2006
12.882.975
13,76
327
66
12,87
2010
11.479.666
11,67
329
54
10,53
2014
11.088.715
11,39
329
54
10,53
2018
5.891.806
6,00
258
30
5,85
2022
3.309.061
3,02
343
13
2,53
Fonte: TSE
Tabela 4: Porcentagem de cadeiras na Câmara, por região e ano
Ano
Norte
Centro-
Oeste
Nordeste
Sudeste
Sul
Total
1998
13,13
8,08
26,26
43,43
9,09
99
2002
11,43
11,43
31,43
37,14
8,57
70
2006
9,09
9,09
27,27
43,94
10,61
66
2010
12,96
9,26
22,22
44,44
11,11
54
2014
9,26
16,67
20,37
42,59
11,11
54
2018
20,00
13,33
13,33
36,67
10,00
30
2022
0,00
30,77
7,69
38,46
23,08
13
Fonte: TSE
Nas tabelas 5 e 6 observamos que o mesmo padrão é encontrado na disputa pelo Senado,
com o agravante de que em 2022 o partido fica fora daquela Casa Legislativa.
7
Importante lembrar que em 2022 o PSDB não apresentou candidatura própria a Presidência da República.
77
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 61-86, jul./dez., 2023
Tabela 5: Desempenho por número de candidatos, votos e eleitos para o Senado
(1998-2022)
Ano
Votos (em
mi)
(%)
Candidatos
lançados
Eleitos
Taxa de
ocupação no
Senado (%)
1998
6.366.671
10,30
9
4
14,81
2002
21.360.291
13,90
23
8
14,81
2006
10.547.778
12,50
14
5
18,52
2010
31.907.919
18,44
17
6
11,11
2014
23.880.078
26,73
9
4
14,81
2018
19.932.712
11,72
23
4
7,41
2022
1.384.871
1,39
8
0
0
Fonte: TSE
Tabela 6: Porcentagem de cadeiras no Senado, por região e ano
Ano
Norte
Centro-
Oeste
Nordeste
Sudeste
Sul
Total
1998
0
25
25
25
25
4
2002
25
12,50
37,50
12,5
12,5
8
2006
20
40
20
0
20
5
2010
16,67
16,67
16,67
33,33
16,67
6
2014
0
0
25
50
25
4
2018
25
25
25
25
0
4
2022
0
0
0
0
0
0
Fonte: TSE
Buscando demonstrar com maior exatidão o apequenamento do partido nas unidades da
federação, as tabelas 7, 8, 9 e 10 apresentam seguidamente a perda de cadeiras nas Assembleias
Estaduais e a diminuição de votos para seus candidatos a governadores, o que com o passar do
tempo leva a perda dos executivos regionais.
Tabela 7: Desempenho por número de candidatos, votos e eleitos para a Assembleias Estaduais
(1998-2022)
Ano
Votos (em
mi)
Percentual
sobre a
totalização
Candidatos
lançados
Eleitos
Taxa de
ocupação nas
Assembleias
78
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 61-86, jul./dez., 2023
do pleito (%)
(%)
1998
10.808.869
15,96
810
151
14,56
2002
11.295.890
13,08
711
137
13,23
2006
14.652.755
15,86
721
150
14,49
2010
13.097.202
13,40
734
118
11,40
2014
11.213.032
11,50
688
96
9,27
2018
6.810.675
7,03
580
73
7,05
2022
5.923.135
5,50
573
55
5,31
Fonte: TSE
Tabela 8: Desempenho por número de candidatos, votos e eleitos para Governador (1998-2022)
Ano
Votos (em
mi) 1º Turno
Percentual
sobre a
totalização
do pleito no
1º turno (%)
Votos (em
mi) 2º Turno
Percentual
sobre a
totalização
do pleito no
2º turno (%)
Candidatos
lançados
Eleitos
(soma
dos dois
turnos)
Taxa de
ocupação
dos
executivo
s
estaduais
(%)
1998
13.127.319
19,89
16.295.927
34,60
14
7
25,93
2002
19.269.120
22,93
16.804.172
35,28
14
7
25,93
2006
28.124.381
30,15
5.754.549
15,05
17
6
22,22
2010
28.129.879
28,91
4.874.351
35,41
16
8
29,63
2014
26.050.143
26,71
5.918.485
16,84
13
6
22,22
2018
14.048.096
14,73
17.918.950
29,46
12
3
11,11
2022
8.104.516
7,47
8.713.714
14,45
8
3
11,11
Fonte: TSE
Tabela 9: Porcentagem de votos para governador, por região e ano (1º Turno)
Ano
Norte
Centro-
Oeste
Nordeste
Sudeste
Sul
Total de
votos
1998
6,26
14,52
16,57
62,64
0
13.127.319
2002
5,52
10,95
12,34
66,48
4,61
19.269.120
2006
6,82
2,12
11,62
72,19
7,25
28.124.381
2010
8,63
5,85
6,33
64,27
14,97
28.129.879
2014
8,24
7,82
4,10
63,23
16,61
26.050.143
2018
2,46
8,94
7,52
65,82
15,26
14.048.096
2022
0
5,34
19,89
53,76
21,01
8.104.516
Fonte: TSE
Pressões exógenas que levaram a derrocada do PSDB
Conforme apresentado na seção anterior, os anos na oposição e as derrotas
consecutivas trouxeram pressões exógenas que culminaram em um enxugamento do
partido no nível nacional. Teoricamente, os dados apresentados parecem confirmar os
argumentos de Panebianco (2005) quando este defende que, na primeira fase da transição
79
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 61-86, jul./dez., 2023
organizativa, a crise é geralmente desencadeada por uma pressão exógena que culmina
com um agravamento dos termos na arena eleitoral.
Nesta seção buscaremos analisar como essas pressões exógenas podem ter
influenciado na desagregação da velha coalizão dominante do PSDB ao levar a um
entrincheiramento desta nos mais altos graus decisórios, dificultando a substituição do
grupo dirigente e conduzindo a uma transição incompleta. Aos poucos, as derrotas
eleitorais somadas a diminuição das possibilidades de distribuição de incentivos seletivos,
em uma situação de quadros altamente profissionalizados, tornou extremamente porosa as
relações do partido com seus próprios membros e deste com os demais partidos
concorrentes no cenário nacional. Essa porosidade permitiu a infiltração de interesses
exógenos e com o tempo levou a um fisiologismo partidário que distanciou o PSDB de seus
princípios fundadores.
O primeiro elemento exógeno que apresentamos vem da arena eleitoral em meio a
um contexto marcado por turbulências políticas. Vários eventos críticos ocorridos a partir
das grandes manifestações de 2013, entre os quais destacamos as várias denúncias de
corrupção envolvendo quase todos os partidos pela Operação Lava Jato, o derretimento da
base parlamentar do governo Rousseff com a saída de vários partidos (podemos citar:
PROS, PRB, PMDB, PP), o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a chegada a
presidência da república do seu vice e algoz Michel Temer, e finalmente, da ascensão
da extrema direita ao poder nacional em 2018, levaram a desestruturação do sistema
partidário brasileiro cuja origem remonta ao processo de Redemocratização.
Esse processo de desestruturação afetou todos os partidos tradicionais, mas
especialmente os partidos da centro-direita, como o PSDB e o MDB. Todavia, desde as
eleições municipais de 2016, estamos vivenciando um processo de reestruturação do
sistema partidário, que embora tímido inicialmente ampliou-se consideravelmente nas
eleições nacionais de 2018 e atingiu o seu ápice nas eleições locais de 2020. Ao longo desse
processo partidos tradicionais como o PSDB vêm sofrendo perdas cada vez maiores diante
da ascensão de partidos da direita definidos como adesistas. Estes, independente do
espectro ideológico do partido no comando do governo federal buscam espaço na coalizão
que pode lhes render recursos para suas estratégias de competição política.
Ao menos dois resultados desses movimentos no sistema partidário nacional estão
relacionados a derrocada do PSDB: o primeiro, é o aumento da fragmentação do poder na
80
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 61-86, jul./dez., 2023
Câmara dos Deputados, cuja principal consequência recai sobre a dificuldade dos partidos
na oposição, como o PSDB desde 2003, sobreviverem sem os incentivos necessários para
agregarem esses partidos. Some-se a esse quadro os novos mecanismos da legislação
eleitoral que entraram em vigor desde 2017, exigindo dos partidos e dos políticos
individualmente maior representatividade social. O segundo é a migração de ex-quadros do
PSDB para esses partidos adesistas de direita. Em função dessas migrações o PSDB,
conforme tabelas acima, vem tendo maiores desafios para preencher suas listas
proporcionais nos três níveis de poder. Talvez esse quadro chegue ao seu ápice nas eleições
de 2024. Esses movimentos do PSDB revelam como a competição partidária influencia
tanto as estratégias dos partidos políticos como a configuração/reconfiguração das forças
partidárias num sistema competitivo com o brasileiro.
O segundo elemento externo que explica a diminuição das bonificações surge como
uma consequência do ambiente descrito anteriormente. A tabela abaixo demonstra dois
elementos essenciais de um partido em termos de recursos para distribuição de incentivos
coletivos e seletivos: o fundo partidário e o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral.
Tabela 11: Participação no Fundo Partidário e Tempo no HGPE
Ano
Fundo
Partidário
(Duodécimos
)
Participação
do PSDB no
total
distribuído
Fundo
Partidário
(multas
eleitorais)
Participação
do PSDB no
total
distribuído
Tempo
no
HGPE
Fundo
Eleitoral
Participaçã
o do PSDB
no total
distribuído
1998
6.790.011,55
14,7%
0
0
11’:48’’
2002
17.565.227,65
19,87%
967.728,38
19,85%
10’:23’’
2006
22.765.417,48
15,95%
3.963.263,07
15,92%
10’:22’’
2010
26.375.007,09
13,41%
4.872.444,09
13,40%
7’:18’’
2014
40.340.065,21
10,84%
6.343.311,11
10,85%
4’:35’’
2018
97.401.182,89
10,96%
11.877.253,92
10,96%
5’:32”
185.868.511,77
10,83%
2022
67.623.011,18
6,37%
4.724.946,84
6,12%
2’:37’’
317.291.511,77
6,4%
Fonte: TSE
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A tabela acima trata de três tipos de recursos distintos, mas complementares entre
si. Todos têm uma relação direta com o desempenho das organizações partidárias na arena
eleitoral. Estabelecido pela Lei 9.096, de 1995, Lei dos Partidos Políticos, o Fundo Especial
de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, conhecido como Fundo Partidário, é
composto por dotações do orçamento da União, multas aplicadas pela Justiça Eleitoral,
doações e a participação eventual de valores adicionais definidos pelo legislador. A
distribuição segue uma fórmula que combina regras de acesso, de alocação igualitária e o
desempenho nas urnas (Speck e Campos, 2021). A regra determina 5% dos recursos
distribuídos de forma igualitária entre os partidos e os demais 95% repartidos conforme o
número de cadeiras obtidas na eleição anterior para a Câmara dos Deputados. Os valores
com origem do fundo partidário podem ser destinados para campanhas e para o
pagamento de outras despesas ligadas ao funcionamento da organização.
Com relação ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ou Fundo Eleitoral,
sua criação se deu por meio da Lei 13.487, de 2017, e da Lei 13.488, de 2017, que alterou as
regras eleitorais no Brasil. Os valores para formação do fundo têm origem em dotações
orçamentárias da União exclusivamente em anos eleitorais. A divisão prevê 2% repartidos
igualitariamente; 35% entre as legendas com pelo menos um deputado federal, segundo a
proporção de votos de cada uma na eleição anterior; 48% entre os partidos com
representação na Câmara dos Deputados, seguindo a proporção das respectivas bancadas;
15% são divididos proporcionalmente à representação dos partidos no Senado. No caso do
HGPE, recurso não financeiro, mas também público, a divisão, após as mudanças
introduzidas pela reforma eleitoral de 2015, Lei 13.165, de 2015, a divisão do tempo segue a
seguinte regra: 90% distribuídos proporcionalmente ao número de representantes do
partido na Câmara e 10% de forma igualitária.
Como pode ser visto nesta breve revisão da legislação eleitoral, o desempenho das
urnas está relacionado diretamente à capacidade de um partido em obter um volume maior
dos três recursos em jogo e, consequentemente, ampliar a capacidade de distribuição de
incentivos coletivos e seletivos
8
. A queda no desempenho do PSDB e, consequentemente, a
8
Importante apontar que apesar de historicamente este desempenho estar vinculado aos três recursos aqui
discriminados e debatidos, a eleição de 2018 e a vitória de Jair Bolsonaro parece fugir da regra. Vários estudos
na Ciência Política se debruçam sobre esta excepcionalidade e poderão ser alvo de futuros trabalhos e
comunicados acadêmicos.
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perda gradual de participação nos recursos públicos em disputa, pode nos ajudar a
compreender mais um dos elementos importantes na raiz da crise enfrentada pela cúpula
da legenda ao nível nacional. Este cenário externo evidência que os termos de troca foram
se tornando mais limitados ao longo do tempo do PSDB na oposição, contribuindo para o
aumento das tensões endógenas e tendo como consequência uma excessiva centralização
decisória a ter a partir de 1999.
Impactos endógenos das mudanças ambientais exógenas na organização do PSDB
O relatado na seção anterior terá efeitos deletérios para a organização interna do
PSDB. Passamos a observar uma concentração de poder nas comissões executivas frente
aos diretórios em todos os níveis. Isto foi possível graças as mudanças estatutárias que
permitiram às executivas passassem a exercer atividades que cabiam aos diretórios. O
grande exemplo se principalmente a partir do momento em que a executiva nacional
passou a legislar sobre as coligações estaduais e municipais e sobre os mandatos,
prorrogação ou antecipação, dos dirigentes partidários alterando significativamente a
autonomia alcançada pelas instâncias locais, durante a fundação do partido (Ribeiro, 2013).
No momento seguinte viu-se a criação do Conselho Político Nacional, cuja
participação, estatutariamente, garantia a formação de uma elite parlamentar no controle
das decisões nacionais, na prática, formalizou-se o escanteamento do Diretório Nacional,
impedindo que novos carreiristas do partido chegassem as instâncias de decisão ou a
possibilidade de os mesmos concorrerem ao executivo nacional, diminuindo ou mesmo
privando-os dos incentivos seletivos.
Conforme Ribeiro (2013):
Mirando maior autonomia diretiva, a liderança do partido criou, em 1999, um
órgão de cúpula, mais restrito que o diretório e a executiva nacionais, capaz de
tornar mais ágeis as decisões partidárias e esvaziando de poderes os outros dois
órgãos. (...) Em 2007, o órgão se tornou mais restrito aos notáveis da sigla,
passando a ter menos de 15 membros (...) Em 2011, o órgão se transformou em um
petit comité de seis membros, com uma composição que visava não apenas
restringir decisões importantes
aos maiores caciques da sigla, mas também incluir José Serra no comando tucano
(Ribeiro, 2013, p. 241-242).
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Estas tensões culminaram em seguidas disputas internas entre os caciques
peessedebistas (Tasso Jereissati, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves) entre 2002 e
2013, que com o passar do tempo e as falhas em obter novamente o controle do Estado
fragilizaram a elite parlamentar controladora, afetando a imagem externa dos mesmos e do
partido associando-se traições e disputas interparlamentares, diminuíam-se seus
incentivos de identidade para com seus crentes.
Os eventos sequenciais a partir de 2014 passaram a atuar na desagregação da antiga
coalizão dominante, apontamos como fatos decisivos para isso: i) derrota por uma
diferença apertada de votos, nas eleições de 2014, que levou Aécio Neves (membro do petit
comité) a pedir a recontagem dos votos (não aceitando a derrota) e questionar a
credibilidade das urnas eletrônicas; ii) discordâncias internas entre membros da elite do
partido sobre o papel a ser desempenhado no processo de impedimento de Dilma Rousseff;
iii) envolvimento de Aécio Neves nos escândalos da Operação Lava Jato; iv) discordâncias
sobre a participação do PSDB no governo de Michel Temer (2016-2019); v) desempenho
eleitoral pífio de Geraldo Alckmin nas eleições de 2018 e traição de João Dória (afilhado
político de Alckmin em São Paulo) dentro daquilo que ficou conhecida como chapa
“Bolso-Dória”.
9
Podemos observar a partir de 2015, uma gradual tentativa de renovação do PSDB.
Evento marcante aconteceu em agosto daquele ano quando jovens deputados do partido
desceram a rampa do Congresso Nacional protestando contra o que chamavam de mazelas
do governo Dilma Roussef e prometendo se integrar aos protestos de rua que estavam
acontecendo por todo o país. Eram então cerca de 15 parlamentares tucanos que passaram
a serem chamados de “cabeças pretas”, em oposição ao que eram chamados de “cabeças
brancas” que compunham a cúpula do partido e a bancada no Senado. Naquele momento,
Aécio Neves administrou o apoio deles em prol de sua recondução ao comando nacional do
PSDB, escalando-os para estrelar a campanha de renovação da Juventude Tucana. Dali em
diante muita coisa mudaria, entre elas o envolvimento do político mineiro nas denúncias
realizadas pela Lava Jato, a implosão de sua candidatura para 2018 e o fortalecimento de
Geraldo Alckmin para a corrida presidencial. Entretanto, as expressões “cabeças pretas” e
9
Os fatos aqui elencados também o apontados no trabalho Santos, Tanscheit (2019) como fundamentais
para entender a troca de guarda da direita moderada pela direita radical entre 2016 e 2018, momento de
ascensão do Bolsonarismo.
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“cabeças brancas” permaneceram como símbolo para o enfrentamento das novas e velhas
lideranças pela direção do partido. Entre 2015 e 2018, os cabeças pretas” articularam
grande pressão contra os “cabeças brancas”, tornando-se voz ativa do partido durante o
impedimento da presidenta Dilma Roussef em 2016, e em seguida, fazendo coro pela saída
de suas lideranças do governo Temer, após os escândalos que abalaram a presidência do
pemedebista. Em 2018, ainda que divididos, foram favoráveis ao embarque na onda
bolsonarista, o que na ocasião foi chamado de “Bolso-Dória”.
Neste interim João ria tornou-se protagonista entre os “cabeças pretas” e sua
atuação alinhou-se perfeitamente com a ciranda de traições tão característica da cúpula
pessedebista. Alçado a prefeito de São Paulo nas eleições de 2016 por Alckmin, em dois
anos foi convencido pelo mesmo a sair como candidato ao governo do estado, entretanto,
uma vez tendo deixado a prefeitura, Geraldo Alckmin, seu padrinho político, trabalhou para
que mais tucanos entrassem na disputa contra seu afilhado pela cabeça da chapa,
enquanto, articulava seu apoio a Márcio França, do PSB. Dentro deste contexto, Dória não
hesitou, além de boicotar a campanha de seu padrinho a presidência da República, no
primeiro turno, se aproximou de Jair Bolsonaro, colaborando decisivamente para o fiasco
eleitoral de Alckmin em 2018. Ao conseguir eleger-se governador de São Paulo, restava a
João Dória garantir seu caminho para a candidatura à presidência em 2022.
Ainda que os “cabeças pretas” tenham se fortalecido nestes anos, os cabeças
brancas” ainda mantinham o controle da direção nacional. Buscando reconfigurar a
fisionomia do partido, passamos a observar nas eleições de 2018 uma tentativa de
mudanças nas regras do jogo, quando os cabeças pretas - João Dória e Eduardo Leite
(governador do Rio Grande do Sul) passaram a forçar a decisão da escolha do candidato
do partido à presidência, não mais vinculado as decisões internas do petit comitê, mas
através da realização de prévias internas o que poderia ser uma forma de respaldar o
controle dos novos líderes - contornando o poder exercido pela antiga elite partidária, sobre
as decisões de caráter nacional e afastando a antiga coalizão dominante.
Fundamentalmente, João Dória, desde 2016, quando venceu as eleições para a prefeitura
de São Paulo, tentava reorganizar o partido tendo como base uma visão empresarial que
transplantava sua forma de gerir a legenda paulistana para o partido no nível nacional.
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Para um melhor entendimento da reorganização do partido proposta por João Dória em nível nacional,
indicamos o estudo da eleição paulistana de 2016 presente em Franzon (2018).
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Esta visão empresarial conflitava diretamente com os quadros mais antigos do
partido, os chamados “cabeças brancas”, principalmente com Aécio Neves, que buscava
solapar a ascensão nacional de João Dória e manter a influência do petit comitê nas decisões
sobre as eleições nacionais. Sem apoios importantes, como de seu padrinho político
Geraldo Alckmin, e enfrentando dificuldades para se nacionalizar como líder do PSDB, João
Dória, apesar de vencedor das prévias, renunciou a sua candidatura presidencial, o que, na
prática, desencadeou um processo que levou a uma acefalia nacional do partido e culminou
também com a dissolução da coalizão dominante, sem que uma nova coalizão estivesse
formada.
Considerações Finais
Ao longo do trabalho buscamos retomar fatos e acontecimentos que impactaram
em uma grande fragmentação dos quadros internos do PSDB, tendo como consequência
derrotas sucessivas nas urnas. Nosso objetivo foi esmiuçar como a crise interna que se
instalou a partir destes eventos levaram a implosão a cúpula dirigente do partido,
reconfigurando nacionalmente o partido e tornando-o uma sombra do que foi. Nossa
hipótese principal para explicar este desastroso caminho trilhado pelo PSDB é de que
questões exógenas (aqui essencialmente especificadas pelas derrotas na corrida eleitoral e
na perda dos cargos eletivos) impactaram nas questões endógenas (relações de poder) do
partido, culminando no atual momento de quase refundação partidária.
Por isso, este trabalho buscou dar conta de dois objetivos. Primeiramente
analisamos como se deu o colapso eleitoral do PSDB, focando em demonstrar a diminuição
da posse de cargos eletivos ao longo dos anos de oposição partidária, que, aos poucos,
minou a capacidade de distribuição de incentivos internos a um quadro altamente
profissionalizado de membros. Como explicação para esse cenário buscamos demonstrar
um contexto externo, evidenciado na paulatina diminuição de tempo no HGPE e na
participação no fundo partidário, adicionando a isso a mudança no cenário eleitoral e nas
disputas partidárias que notabilizaram o crescimento dos partidos fisiológicos e o declínio
dos partidos tradicionais. O PSDB, assim a como o (MDB e o PT) amargou derrotas
eleitorais significativas diante de partidos outrora pequenos, cedendo espaço em todas as
instâncias representativas.
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O maior fracasso do partido se deu em 2022, quando pela primeira vez desde sua
fundação não conseguiu indicar um nome para o cargo do executivo nacional, denunciando
que a mudança organizativa do PSDB, pautada por Panebianco (2005), estava inconclusa
até aquele momento. Este ciclo não estava concluído tendo como evidência a crise na
cúpula dirigente que se aprofundou a partir das prévias internas em 2018. Algumas
características de infidelidade às decisões coletivas dos órgãos deliberativos nacionais
citando como exemplo a rebeldia de Eduardo Leite não aceitar a derrota - e a reação dos
membros da antiga coalizão que conseguiram minar a candidatura de João Dória - que por
sua vez também não conseguiu unificar o mesmo em torno de sua candidatura - evidenciam
que o PSDB teve sua coalizão dominante dissolvida sem esta ser substituída.
Naquele momento, também não parecia pacificado as mudanças na fisionomia
organizativa do partido - transformações das regras do jogo” e “sucessão dos fins” - e as
relações internas organizativas entre membros - unidades federativas e organizações
externas. Com isso a instabilidade interna se manteve levando ao enfrentamento grupos
internos não impossibilitando um acordo nacional ou mesmo compensações recíprocas
satisfatórias.
A mudança inconclusa até aquele momento reforça nosso argumento de que o PSDB
se institucionalizou como uma organização partidária fraca, diminuindo a autonomia do
partido em relação ao ambiente, e determinando uma relação de subordinação aos
interesses estaduais e locais. A crise se aprofundou ainda mais porque a antiga coalizão
dominante não conseguiu cooptar os novos líderes e carreiristas, não promovendo uma
circulação ou mesmo uma amalgamação dos líderes antigos e novos.
Assistimos desde então uma transição lenta, dolorosa e perigosa da organização
partidária do PSDB. Após a queda de João Dória, que culminou na sua saída da legenda, o
partido vem buscando reconstruir sua coalizão dominante sob o seu atual presidente
nacional, Eduardo Leite. Se obtiver sucesso o partido pode finalmente completar a terceira
fase da transição apontada por Panebianco (2005), entretanto permanecem muitas dúvidas
dos caminhos que o PSDB irá tomar. O partido mudará sua forma de organização
institucional? Reconstruirá sua identidade ideológica? Se reposicionará em que posição do
espectro político? O ninho tucano, tradicionalmente posicionado no Sudeste, está de
mudança para outra região? Finalmente, o PSDB voltará a ter relevância política no sistema
partidário e eleitoral brasileiro, ou se tornará uma legenda nanica, à mer dos novos
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ambientes que hoje se estabelece no cenário nacional? São muitas as perguntas que este
estudo levanta, mas que somente o tempo e trabalhos futuros poderão responder.
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