Homenagem
Professora Emérita Anna Maria Martinez Corrêa:
uma mulher de fazimentos
FUKUHARA, Rodrigo*
MONTEIRO, Carolina Domingos Barbosa**
Impossível não se deixar tocar pela
emoção, ao registrar como documento,
figuras e momentos relatados por vozes,
cuja sonoridade, para mim, soava de
maneira familiar, evocando o acento local
(Corrêa, 1998, p. 14).
Em 30 de agosto de 2023, às 15h21, tomamos conhecimento da morte da Professora
Emérita Anna Maria Martinez Corrêa (1933-2023) por meio de nota de falecimento
encaminhada por e-mail pelo Centro de Documentação e Memória da UNESP (CEDEM). Ante
a notícia, sucedeu-se um momento de reflexão, envolto em pesar e tristeza. Embora não a
conhecêssemos pessoalmente, seu legado se faz presente em nosso cotidiano e seu nome é
evocado em cada documento produzido pela instituição de salvaguarda na qual trabalhamos
uma unidade da Faculdade de Ciências e Letras de Assis (UNESP/FCL). Isso porque, em 2013,
ao completar 40 anos, merecidamente, tal entidade incorporou o nome de sua idealizadora,
passando a se chamar Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa “Prof.ª Dr.ª Anna Maria
Martinez Corrêa” (CEDAP).
Ainda no dia 30 de agosto, às 16h49, a Divisão Técnica Administrativa da UNESP/FCL-
Assis enviou um comunicado com local, horário e data do velório. Minutos depois, às 17h07,
* Graduado em História pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) e doutorando do Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Historiógrafo do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa “Prof.ª Dr.ª Anna Maria Martinez Corrêa” (CEDAP),
da Faculdade de Ciências e Letras de Assis (UNESP/FCL).
** Graduada em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Coordenadora
do Comitê de Ação Cultural da UNESP de Assis (CAC). Historiógrafa do Centro de Documentação e Apoio à
Pesquisa Prof.ª Dr.ª Anna Maria Martinez Corrêa” (CEDAP), da Faculdade de Ciências e Letras de Assis
(UNESP/FCL).
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
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recebemos da Assessoria de Comunicação e Imprensa da UNESP, a portaria pela qual seu
Reitor, Pasqual Barretti, decretou luto oficial de três dias. A essa altura, vários importantes
portais da imprensa já haviam noticiado o triste fato. No dia seguinte, às 10h38, o Centro de
Memória, Documentação e Hemeroteca Sindical “Florestan Fernandes” (CEMOSi) enviou uma
nota de pesar e, às 11h20, recebemos do Sindicato dos Trabalhadores da UNESP (SINTUNESP)
um necrológio elaborado em conjunto com a Associação dos Docentes da UNESP (ADUNESP).
Sob o prisma do arquivo institucional do CEDAP, fazemos essa breve mas pormenorizada
reconstituição do episódio para ressaltar a importância daquilo por que Anna Maria sempre
lutou: a preservação dos documentos.
1
São os documentos de arquivo os vestígios mais próximos dos eventos ocorridos e,
portanto, material indispensável ao ofício do historiador. São eles, em última análise, as
representações persistentes das ações sociais realizadas (Yeo, 2018). Não por menos, Anna
Maria se preocupou “com a pesquisa histórica fundamentada no trabalho com documentos”,
2
na “busca das fontes e dos testemunhos” (Christante, 2010, p. 8).
Como veremos, os méritos e as qualidades da homenageada são muitos. Quem com
ela conviveu, descreve-a como “uma pessoa muito afável, equilibrada e atualizada”, que
“sempre teve uma postura firme contra a ditadura”;
3
“humilde e discreta, [...] extremamente
leal”, detentora de uma capacidade intelectual incrível”;
4
“um dos grandes nomes na
preservação do patrimônio histórico no Brasil”.
5
Em relato para a comemoração dos 50 anos
da Faculdade de Assis,
6
José Ribeiro Júnior considera que
Anna Maria Martinez Corrêa merece citação muito especial pelo que representou
para o Departamento e ainda representa para toda a UNESP. Sua singular
competência, trabalho incessante e caráter inovador agregavam o Departamento.
Teve papel fundamental na graduação, na pós, na Revista desde o início; fundou o
CEDRAU (atual CEDAP) e o CEDEM (Centro de Memória da UNESP) em São Paulo,
dirigindo, produzindo também excelentes trabalhos publicados em livro e pesquisas
importantes. Anna foi modelo para mim e exemplo de trabalho e dignidade e
continua sendo para toda a nossa universidade. (Ribeiro Júnior, 2012, p. 125)
1
Todos os documentos destacados em itálico foram enviados para o e-mail cedap.assis@unesp.br e/ou para a
lista de funcionários da UNESP e podem ser acessados no arquivo do CEDAP.
2
Entrevista de Anna Maria Martinez Corrêa realizada em dezembro de 2016, acervo do CEDEM.
3
Opinião de José Ribeiro Júnior (Christante, 2010, p. 8).
4
Opinião de Manoel Lelo Bellotto (Christante, 2010, p. 8).
5
Opinião de Célia Reis Camargo (Christante, 2010, p. 8).
6
Utilizaremos “Faculdade de Assis” para se referir genericamente à entidade que passou pelas seguintes
denominações: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis Instituto Isolado de Ensino Superior; Instituto
de Letras, História e Psicologia de Assis (ILHPA); atualmente, Faculdade de Ciências e Letras de Assis (FCL).
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
25
O Professor Titular Benedito Barraviera, da Faculdade de Medicina de Botucatu
(UNESP/FM), foi direto ao ponto. Em seu parecer, emitido no âmbito do processo para a
concessão do título de Professora Emérita, reconhece Anna Maria como uma pessoa dotada
da “CAPACIDADE DE FAZER ACONTECER”.
7
o poderíamos estar mais de acordo. Se, alhures,
Darcy Ribeiro se apresentava como “um homem de fazimentos”, de modo análogo
consideramos Anna Maria uma mulher de fazimentos, que os legou por onde passou
(Heymann, 2012, p. 161). Dos documentos a que tivemos acesso, destacamos dentre seus
feitos:
a fundação, em 1973, do Centro de Documentação, ligado ao Departamento de
História da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis embrião
do atual CEDAP;
8
o desvelo para a constituição do Programa de Pós-Graduação em História da
UNESP/FCL-Assis, com a implantação do mestrado, em 1980 do qual foi
Coordenadora , e do doutorado, em 1989;
a participação em grupo de trabalho, em 1987, constituído para se pensar um
Sistema de Arquivos para a UNESP;
9
a criação do CEDEM, em 1987, e os diversos projetos desenvolvidos para a
formação de um conjunto documental relativo às origens da UNESP
doravante materializado na coleção Memória da Universidade (Valle, 2022);
a iniciativa, em 1988, de transformar o Centro de Documentação da Faculdade
de Assis em uma Unidade Auxiliar, fato que se concretizaria apenas em 1996;
o papel fundamental para o tombamento do Teatro São Vicente, da cidade de
Assis, em 1989, cujo processo iniciara em 1984;
10
a iniciativa pela criação da função de historiógrafo na UNESP;
7
Destaque em caixa alta no original. Processo ASSIS/FCL n. 414/2022, v. 1, fl. 16, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
8
Processo ASSIS/FCL n. 368/1973, v. 1, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
9
Memorial de Livre-Docência, p. 23 processo ASSIS/FCL n. 982/1987, v. 1, fl. 19, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
10
Processo n. 24042/1986, do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico
do Estado (CONDEPHAAT), por meio do qual se solicita o estudo de tombamento do Teatro São Vicente.
Disponível em: https://www.ipatrimonio.org/assis-teatro-sao-vicente/#!/map=38329&loc=-
22.661244658556555,-50.41102409362792,15. Acesso em: 20 set. 2023.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
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a ocupação da presidência da Comissão da Verdade da UNESP, criada em 2014,
e, mais tarde, da Comissão da Verdade da ADUNESP, em 2015.
11
Não menos importante é sua produção bibliográfica, com foco na história do Brasil e
da América Latina, e em temas caros à sua trajetória, como memória da universidade, história
oral e políticas públicas. Longe de nossas competências, este texto não pretende abordar as
contribuições da professora nessa seara. Nosso objetivo é outro. Buscaremos historicizar
algumas realizações de Anna Maria durante o período em que esteve à frente do Centro de
Documentação da Faculdade de Assis, entre 1973 e 1995.
Sua formação acadêmica começa na Faculdade de Filosofia do Instituto “Sedes
Sapientiae”, Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, onde realizou a graduação
em História e Geografia (1951-1954) época em que as duas disciplinas integravam o mesmo
curso.
12
Sob a orientação do professor Eduardo dOliveira França, no início dos anos de 1960,
fez especialização em História Contemponea na Universidade de São Paulo (USP), tomando
“gosto pela pesquisa em acervos locais”, uma vez que pesquisou a “história das instituições
de ensino do litoral norte paulista” (Christante, 2010, p. 8).
No mestrado, o gosto pelo “local” se aprofunda, ganha densidade. Ainda orientada por
França, escreve a dissertação História Social de Araraquara, defendida em novembro de 1968.
40 anos depois, também publicaria um livro sobre o tema, sob o título Araraquara - 1720-
1930: um capítulo da história do café em São Paulo (2008). Aprovada com o grau de
“DISTINÇÃO COM LOUVOR”, sua tese de doutorado, intitulada O movimento de 1924 em São
Paulo: um estudo das relações de poder (1974),
13
“ainda é a referência mais importante sobre
a Revolução Paulista de 1924”, segundo Célia Reis Camargo (Christante, 2010, p. 8). Sua tese
de livre-docência, Poder local e representatividade político-partidária no Vale do
Paranapanema: 1920-1930, defendida em junho 1988, decorre de anos de estudo e pesquisa,
e reitera apreço pelo local e regional.
Contudo, é antes do início do doutoramento, em agosto de 1967, que se seu
ingresso como docente no Departamento de História da Faculdade de Assis. Nesses primeiros
anos, segundo Anna Maria, havia uma grande interlocução com os “professores do
11
Ver necrológio publicado por ADUNESP e SINTUNESP, 31 ago. 2023. Disponível em:
https://www.adunesp.org.br/images/arquivos/publicacoes/Boletins%20Conjuntos%20AdunespSintunesp/Bole
tim_conjunto_-_Professora_Anna_Maria_-_31-8-2023.pdf. Acesso em: 20 set. 2023.
12
Processo ASSIS/FCL n. 982/1987, fl. 15, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
13
Destaque em caixa alta no original. Processo ASSIS/FCL n. 166/1971, fl. 45, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
27
Departamento de Filosofia, procurando aproximar as duas disciplinas” situação que se
alteraria com a mudança do curso de Filosofia para Marília, após a criação da UNESP, em 1976
(Christante, 2010, p. 9).
Preocupada com a pesquisa fundamentada em fontes primárias e atenta ao que
acontecia a seu redor e no exterior, o passo seguinte seria a criação de um centro de
documentação, a fim de tornar os documentos acessíveis aos pesquisadores, ainda mais
tratando-se de uma cidade do interior, carente de instituições de memória. No período,
existia uma prática entre os docentes de socializar os “bens documentais adquiridos com a
pesquisa”, quer dizer, colocar à disposição de outros pesquisadores reproduções de
documentos oriundas de instituições país afora e do exterior (Corrêa, 2012, p. 79). “Teria sido
esse o começo da idéia de se formar no campus um centro de documentação” (Corrêa, 2012,
p. 79), posto que “havia um interesse muito grande pelo conhecimento da história local e
começavam a surgir nas universidades americanas” as primeiras entidades dessa natureza
(Christante, 2010, p. 9).
Por iniciativa de Anna Maria, o Centro de Documentação fora criado pelo
Departamento de História no dia 20 de junho de 1973, com a aprovação da Congregação em
09 de agosto, e do Conselho Superior, em 15 de agosto do mesmo ano.
14
Nesse primeiro
momento, a consulta era aberta a professores e alunos da Faculdade, devendo o acervo
“permanecer fechado sob a guarda da Secretária do Departamento”.
15
Interessante notar que
a Congregação, em sua deliberação, recomenda que “o centro seja, posteriormente,
centralizado ao nível de toda a Faculdade, por exemplo, dentro da biblioteca.”
16
Conforme ofício de 10 de julho de 1974, Glacyra Lazzari Leite e Anna Maria foram
nomeadas pelo Chefe do Departamento de História, José Ribeiro Júnior, para organizar a
entidade. Tal ofício encaminha, ao Diretor Manoel Lelo Bellotto, as Normas Gerais do Centro
de Documentação Histórica elaboradas pelas professoras, cuja versão de outubro de 1974
seria aprovada pelos órgãos colegiados da Faculdade.
17
O Projeto de Estruturação do Centro
14
No processo ASSIS/FCL n. 368/1973, que cria a entidade, consta o nome Centro de Documentação Audio-
Visual. No entanto, em outros documentos ofícios, projeto de estruturação , nomes diversos aparecem:
Centro de Documentação Histórica Audio-Visual (CENDHAVI), Centro de Documentação Histórica ou,
simplesmente, Centro de Documentação.
15
Processo ASSIS/FCL n. 368/1973, v. 1, fl. 03, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
16
Processo ASSIS/FCL n. 368/1973, v. 1, fl. 05, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
17
Ver cópias do ofício de 10 de julho de 1974, das Normas e do ofício de 12 de junho de 1975, arquivo do CEDAP.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
28
de Documentação, além das referidas docentes, contou também com a participação do
professor Bellotto.
18
Segundo as Normas Gerais, eram objetivos do Centro:
- Constituir um acervo documental composto por manuscritos, impressos e
documentos sonoros e visuais, oferecendo aos pesquisadores e alunos melhores
condições de pesquisa na própria instituição;
- Promover a conservação de coleções de documentos regionais;
- Uma vez em condições de funcionamento, abrir o acervo aos alunos e
pesquisadores interessados.
19
Obviamente, apenas a criação da entidade não propiciava condições satisfatórias para
a pesquisa histórica, era necessária uma infraestrutura mínima para o seu funcionamento.
Esta, até pelo menos 12 de junho de 1975, ainda não existia, como indica ofício do professor
Antonio Carlos Bernardo, Chefe do Departamento de História. Bernardo solicita, em caráter
de urgência, materiais permanentes e de consumo para a “instalação imediata do Centro”,
considerado indispensável para que o Curso de especialização pudesse ser realizado.
20
Os
professores precisavam dele para ministrar aulas práticas de iniciação à pesquisa; os alunos,
para a elaboração de suas monografias.
Afora isso, era necessário localizar, coletar, referenciar, organizar e descrever os
documentos correspondentes à área de atuação do Centro. Estabeleceu-se, então, que os
esforços deveriam se voltar para a documentação local e regional, de modo a realizar “um
trabalho de centralização dos documentos relativos à região do Vale do Paranapanema”
representada por 33 municípios, excluindo-se os paranaenses.
21
A proposta era ousada.
Analisando-a, de forma retrospectiva, fica evidente sua articulação com o projeto de pesquisa
coletivo desenvolvido, no início dos anos de 1980, por professores da Pós-Graduação em
História, a saber: História do Processo Capitalista na América Latina. Estudo do Vale do
Paranapanema. 1850-1980 (Corrêa, 1983). O projeto visava:
analisar o processo de implantação do capitalismo no Vale do Paranapanema numa
dupla perspectiva: a natureza do capitalismo e sua temporalidade. De um lado, o
tipo de capitalismo que se instalou, que criou um perfil específico e que vem se
18
Projeto de Estruturação do Centro de Documentação, arquivo do CEDAP.
19
Normas Gerais do Centro de Documentação Histórica, de 03 de outubro de 1974, arquivo do CEDAP.
20
Ofício de 12 de junho de 1975, arquivo do CEDAP.
21
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fl. 120, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
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transformando continuamente; de outro, a verificação da incidência dessas feições
dinâmicas nos diferentes momentos históricos (Corrêa, 1983, p. 56).
O levantamento teve início no Arquivo do Estado de São Paulo e em algumas
instituições da cidade de Assis.
22
Da incursão na primeira entidade, resulta a formação da
coleção Documentos Microfilmados sobre o Vale do Paranapanema,
23
composta por registros
ofícios, relatórios, atas, estatutos, anais que tratam de inúmeras questões, como
organização do poder local, situação dos indígenas, aldeamentos, instrução pública, geografia
e geologia da região, distribuição e ocupação da terra (Corrêa, 1981).
24
Na cidade de Assis, o
levantamento foi feito nos arquivos da Prefeitura Municipal, Câmara Municipal, Bispado e
Cartório do Júri Tabelionato de Registro e Protestos (Corrêa, 1981).
25
Nesse contexto, um
conjunto de documentos da Prefeitura Municipal de Assis, por meio de convênio, ficou sob a
custódia do Centro.
26
Parece-nos que havia um dilema em pauta. No início, ambicionava-se centralizar os
documentos originais ou reproduções atinentes à região do Vale do Paranapanema.
Porém, com o tempo, reconhecia-se a impossibilidade de tal feito, seja por questões
conceituais do que deveria ser um Centro de Documentação, seja pelo espaço físico que o
intento demandava. Trata-se de um período de reflexão, experimentação e muito
aprendizado. No relatório do Projeto de reorganização e equipamento do Centro de
Documentação,
27
Anna Maria afirma que esse tipo de instituição “não deve armazenar
22
Anna Maria menciona, ainda, as seguintes instituições: “Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, IBGE,
Biblioteca Mário de Andrade e IGG Memorial de Livre-Docência, p. 17 processo ASSIS/FCL n. 982/1987, v. 1,
fl. 19. No arquivo do CEDAP, encontramos uma série de questionários Levantamento Histórico da Região da
Alta Sorocabana aplicados, por alunos do curso de História, em Sindicatos, Associações, Santas Casas,
Prefeituras, Câmaras Municipais, Paróquias, Cartórios, das cidades de Assis, Palmital, Florínea, Ourinhos e
Maracaí. Nada, porém, comparado aos levantamentos citados no texto, muito mais detalhados.
23
O serviço de microfilmagem fora realizado pelo Setor de Documentação do Departamento de História da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, entre 23 de março e 29 de julho de 1981.
24
Em um levantamento preliminar, sem data, feito para o projeto História do Povoamento Regional, a
anotação manuscrita: “Primeiro levantamento de fontes, realizado por Warren Dean e Anna Maria M. Correa no
Arquivo do Estado de São Paulo”, arquivo do CEDAP.
25
Os levantamentos podem ser consultados no arquivo do CEDAP.
26
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fl. 132, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
27
O projeto fora submetido, no final de 1982, à Comissão de Projetos Especiais da UNESP processo RUNESP n.
3888/1982. Porém, as duas primeiras tentativas fracassaram. Somente em 1984 a Comissão financiaria uma
parte do projeto, que também recebeu auxílio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) processo n. 406330/84 , conforme relata Anna Maria em Memorial de Livre-Docência
processo ASSIS/FCL n. 982/1987, v. 1, fl. 19, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
30
documentos originais mas sim ser o depositário da informação sistematizada e proporcionar
meios para a produção científica”.
28
Sobre Anna Maria e os professores envolvidos com o projeto, pairava o receio da perda
irreparável de registros “sabemos que muitos e valiosos documentos têm sido destruídos
por negligência ou simples falta de espaço”, denunciava um texto de divulgação do Centro.
29
Ao mesmo tempo, admitia-se a inexequibilidade da entidade salvaguardar registros de todos
os municípios da região. O atual acervo do CEDAP reflete os desdobramentos desse percurso.
Se, por um lado, a entidade não custodia documentos nem é depositária de informações
sistematizadas que abranjam toda a região do Vale do Paranapanema, por outro, salvaguarda
muitos conjuntos documentais da cidade de Assis e de alguns municípios adjacentes.
Desse período embrionário, em que se buscava delinear a natureza, o perfil e as
atribuições do Centro, uma figura bastante conhecida dos profissionais de Arquivo é
destacada por Anna Maria em função do papel colaborativo desempenhado: Heloísa Liberalli
Bellotto. Foi por meio de “várias sessões expositivas e [...] seminários, com demonstrações in
loco,” que Bellotto realizou “uma orientação efetiva para o desenvolvimento do [...] trabalho”
em questão.
30
Entre 09 e 10 de dezembro de 1985, ofereceu o curso A organização de
Arquivos. Em 1987, com Fúlvia Maria Pavan Arderlini, ministrou outro, Técnicas de
organização de documentação e de disseminação da informação em Arquivos Permanentes,
com duração de 64 horas-aula.
31
À época, estavam em andamento os projetos A organização dos Arquivos Municipais
e Memória e História no Vale do Paranapanema, ambos integrantes do mencionado projeto
coletivo do Departamento de História. Em relação ao primeiro, ficou decidido tratar nas
dependências do Centro somente os materiais sob sua custódia, quais sejam, os originais da
Prefeitura Municipal de Assis e os documentos microfilmados do Arquivo do Estado de São
Paulo. Ademais, houve o entendimento de que à Universidade caberia o papel educativo para
a construção da “consciência preservacionista” na comunidade e a articulação com os poderes
públicos locais para a criação de Arquivos Municipais.
32
Nesse sentido, os demais conjuntos
28
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fl. 130, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
29
Texto Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis instala Centro de Documentação, arquivo do CEDAP.
30
Grifos no original. Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fl. 130, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
31
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fls. 64-65, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
32
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fls. 132-133, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
31
documentais não seriam armazenados no Centro. O arquivo da Câmara Municipal de Assis,
33
bem como os arquivos da Câmara Municipal e da Prefeitura Municipal de Echaporã, por
exemplo, receberam tratamento em seus locais de origem estes últimos com a colaboração,
a partir de 1986, da professora Beatriz Westin Cerqueira Leite. O município de Echaporã
adquirira “interesse especial pelo fato de ser depositário de parte considerável dos
documentos mais antigos da região.”
34
Convém lembrar que a instituição do Sistema de
Arquivos do Estado de São Paulo (SAESP), por meio do Decreto n. 22.789, de 19 de outubro
de 1984, trouxe maior preocupação com a preservação e a gestão do patrimônio arquivístico
do Estado, desdobrando-se, em termos de orientação, para os municípios.
Outra frente de trabalho, também sob a coordenação de Anna Maria, voltava-se à
História Oral a epígrafe deste texto evidencia sua sensibilidade sobre o tema. A professora
credita a Warren Dean, contratado como professor visitante da New York University, o
incentivo para “a formação de um acervo de História Oral, bastante em voga nos Estados
Unidos” (Corrêa, 2012, p. 78).
35
O projeto Memória e História no Vale do Paranapanema,
desenvolvido entre 1985 e 1986, tinha como finalidade coletar depoimentos de moradores
antigos da região, ditos “homens comuns”.
36
Mais tarde, no início dos anos 1990, o Centro
colaboraria com o projeto Os Institutos Isolados do Ensino Superior do Estado de São Paulo:
1.923-1976, coordenado pelo CEDEM, entrevistando professores, funcionários e alunos da
Faculdade de Assis. Relevante perceber como o trabalho desenvolvido no Centro de
Documentação impactava nas atividades de docência de Anna Maria. Ele fornecia subsídios
para as aulas da disciplina Metodologia da Pesquisa Histórica, ministrada na Pós-Graduação,
em que a professora buscava “trabalhar, preferencialmente com temas de História Regional
e de História Oral.”
37
Em meados dos anos 1980, a ideia de interdisciplinaridade permeava os debates na
Universidade e era incentivada pelas agências de fomento. Com esse espírito, ganham força
discussões que ultrapassam os limites de cada área, mas usufruem de um aparato
metodológico e tecnológico comum, sobretudo mas não em projetos concernentes à
33
Em 1996, o CEDAP passou a custodiar o arquivo da Câmara Municipal de Assis, por meio de connio.
34
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fl. 140, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
35
Processo de contratação do professor Processo ASSIS/FCL n. 539/1974, v.1, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
36
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fl. 131, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
37
Memorial de Livre-Docência, p. 20 processo ASSIS/FCL n. 982/1987, v. 1, fl. 18, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
32
memória.
38
De um lado, o curso de Letras dispunha do Laboratório de Línguas, criado em 1972,
com equipamentos de reprodução e produção audiovisual; de outro, o curso de História
contava com o Centro de Documentação, provido de um programa de História Oral em
andamento e conjuntos de documentos à disposição para pesquisa. Assim, os relatos de
idosos
colhidos pelos estudantes de História eram de interesse de estudantes de Psicologia,
da mesma forma que, os relatos colhidos pelos psicólogos em suas entrevistas
continham informações históricas. os estudantes de Letras, manifestaram
interesse por questões de linguagem, nos relatos colhidos tanto por estudantes de
História como Psicologia, bem como os relatos colhidos pelos estudiosos da língua
interessavam igualmente aos outros pesquisadores.
39
A título de exemplo, resulta desse período as gravações de depoimentos de alemães
da Colônia Riograndense, localizada na zona rural dos municípios paulistas de Maracaí e
Cruzália. Os registros subsidiaram a pesquisa de mestrado de José Luís lix, intitulada Colônia
Riograndense: problemas de aculturação e de língua (1990), e foram doados ao Centro de
Documentação, em 1991, tornando-se acessíveis ao público.
Anna Maria e outros professores dos cursos de História e de Letras enxergaram na
interdisciplinaridade e nos aparelhos institucionais disponíveis Laboratório de Línguas e
Centro de Documentação a oportunidade de unir esforços para, se não criar algo novo, pelo
menos reestruturar aquilo que já existia.
40
Desse modo, em 1987, constituiu-se uma Comissão
para pensar tais questões.
41
Dela provém a proposta de fundar o Centro de Documentação e
Recursos Audio-Visuais (CEDRAU), uma Unidade Auxiliar que fosse responsável pela “criação
e manutenção das condições de apoio técnico (recursos audiovisuais) e informativo (fontes
para a pesquisa) às atividades desenvolvidas pela FCLA, relacionadas à docência, à pesquisa e
à prestação de serviços à comunidade.”
42
O relatório da Comissão e o regulamento do CEDRAU
foram apreciados, entre os dias 17 de março e 21 de abril de 1988, pela Congregação, que
38
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fl. 48, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
39
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fl. 49, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
40
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1 e v. 2, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
41
Portaria n. 14/87-D, de 27 de fevereiro de 1987 UNESP-Assis. Encontra-se no arquivo do CEDAP o Relatório
da Comissão do Centro de Documentação, de 02 de julho de 1987.
42
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fl. 27, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
33
deliberou pela implantação imediata do Centro como Unidade Auxiliar. A oficialização,
contudo, aguardava a apreciação do Conselho Universitário (CO) da UNESP.
43
O CEDRAU foi estruturado em dois setores: Documentação e Apoio à Pesquisa,
CEDRAU I, também referido como “a casinha” edifício em que, atualmente, funciona a Seção
Técnica de Saúde (STS); e Apoio Técnico e Didático, CEDRAU II, localizado no chamado “Prédio
I”. Importa-nos aqui refletir sobre a perspicácia de Anna Maria ao formar a equipe do setor de
Documentação e Apoio à Pesquisa, ponto de virada para a qualidade dos serviços prestados
pelo Centro.
A necessidade de profissionais especializados para trabalhar no local muito era
anunciada. Em justificativa para solicitar a admissão de um servidor, em 1986, lamenta-se que
“apesar do alcance das possibilidades do CD [Centro de Documentação] elas têm sido
limitadas em razão de sua não formalização, pela ausência de um local adequado e pela
ausência de pessoal técnico especializado.”
44
No tocante à contratação de historiógrafo, os
documentos nos permitem afirmar que diversas foram as tentativas frustradas. Pelo menos
quatro entre 1989 e 1991.
45
A propósito, em fevereiro de 1989, segundo Neusa Vitoratti Dias
Cordeiro, Assistente de Planejamento e Controle, ainda sequer existia historiógrafo “no
Quadro de Funções da UNESP”.
46
A primeira resolução para o impasse se deu fora do quadro de funcionários da
Universidade. Anna Maria pautou, em reunião do Conselho Diretor do CEDRAU, a
possibilidade de comissionamento de uma especialista na área de arquivo e documentação, à
época funcionária da ELETROPAULO Eletricidade de São Paulo S/A, para supervisionar o
CEDRAU I. Com a aprovação do colegiado e da Direção da Faculdade de Assis, coube à Reitoria
solicitar ao Secretário de Governo do Estado de São Paulo, Roberto Valle Rollemberg,
autorização para que o comissionamento se efetivasse. Foi assim que Célia Reis Camargo veio
a integrar a equipe do CEDRAU. Camargo detinha vasta experiência na área e, ao assumir a
chefia do setor de Documentação e Apoio à Pesquisa, em setembro de 1989, tratou de
43
Deliberações da Congregação dos dias 22/03 e 21/04 de 1988, integrantes do Processo ASSIS/FCL n. 369/1992,
v. 1, fls. 165-166, arquivo da UNESP/FCL-Assis. Nota-se que nas referidas deliberações consta o nome “Centro de
Documentação e de Recursos Audio-Visuais”. Preferimos retirar a preposição “de”, posto ser a forma mais
corriqueira encontrada nos documentos consultados. Outras formas diferem para “Audio Visuais” ou
“Audiovisuais”.
44
Processo ASSIS/FCL n. 804/1986, fl. 9, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
45
Processo ASSIS/FCL n. 804/1986. As datas das tentativas são: 03 de março de 1989, fl. 48; 13 de junho de 1989,
fl. 51; 04 de outubro de 1989, fl. 61; 26 de junho de 1991, fl. 375.
46
Processo ASSIS/FCL n. 837/1988, fl. 31, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
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organizá-lo.
47
No dia 05 do mês seguinte, sua atuação se fazia notar pelo proferimento da
palestra Arquivos Municipais.
48
Outra iniciativa se sucedeu em âmbito interno. O convite feito à funcionária Marlene
Aparecida de Souza Gasque para assumir a função de historiógrafa foi igualmente importante
para a formação da equipe do CEDRAU. Como vimos acima, a contratação desse profissional
não havia prosperado. Cabe ressaltar, aliás, que a função de historiógrafo existe na UNESP
graças ao empenho de Anna Maria. A ocupação original de Gasque era a de Auxiliar de
Laboratório.
49
O fato de ter feito graduação em História, e de que estava cursando o mestrado
nessa área, atendia perfeitamente ao perfil profissional desejado para o Centro. Marlene
ingressou no CEDRAU em junho de 1990 e, em agosto deste ano, um Boletim Informativo
elaborado por ela foi posto a circular entre professores, alunos e funcionários da Faculdade.
50
A publicação trazia informações sobre os serviços prestados pelo Centro e, de forma sumária,
a relação dos documentos existentes em seu acervo.
As ações realizadas por Anna Maria e sua equipe, no início da década de 1990, foram
cruciais para que o Centro se firmasse como tal. Em 1991, a entidade publicou o Guia
Preliminar do Acervo do CEDRAU.
51
Segundo Viviane Tessitore (2012, p. 28), o guia tem a
função de “divulgar e promover o Arquivo ou Centro de Documentação e seu acervo”. Tal
instrumento possuía campos padronizados de descrição e apresentava o acervo do CEDRAU
dividido de acordo com os gêneros documentais. Em relação ao Boletim Informativo, é notável
o aumento do número de periódicos disponíveis. Com efeito, nesse período, o Centro ampliou
substancialmente seu acervo. Em 1991, por meio de convênio firmado entre o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo e a Reitoria da UNESP, passou a custodiar os processos do
Fórum da Comarca de Assis. No mesmo ano, recebeu a doação do conjunto Jo Nazareno
Mimessi, cujos documentos são de extrema importância para os pesquisadores de Arte Naif.
Além disso, adquiriu a coleção Canto Libertário, composta predominantemente por periódicos
anarquistas. Todos conjuntos documentais de grande volume e potencial informativo.
47
O comissionamento de Camargo perdurou até 31 de janeiro de 1995. Processo ASSIS/FCL n. 674/1989, arquivo
da UNESP/FCL-Assis.
48
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fl. 65, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
49
Em 1994, Gasque ingressou oficialmente na função de historiógrafa por meio de concurso público processo
ASSIS/FCL n. 1457/1993, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
50
Boletim Informativo de agosto de 1990, arquivo do CEDAP.
51
À época, além das pessoas mencionadas, compunham a equipe do CEDRAU I: Secretária: Maria Pedroso
Duarte; Técnico em Serviços Fotográficos: Jorge Luiz Romanello; Auxiliares: Aurelio Bueno e Oliria Montagnini
Torretti. Guia Preliminar do Acervo do CEDRAU, 1991, arquivo do CEDAP.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
35
Não obstante, a institucionalização do Centro como Unidade Auxiliar perante o CO não
se efetivara. A publicação da resolução UNESP n. 09, que regulamenta a implantação de
Unidade Auxiliar e de Centro Interdepartamental, em 23 de janeiro de 1991,
52
reavivou as
esperanças para tanto. Incansável e resiliente, Anna Maria tornou a solicitar a implantação do
CEDRAU como Unidade Auxiliar em 16 de março de 1992.
53
A aprovação pela Congregação da
Faculdade de Assis foi rápida. Em reunião realizada em 19 de março de 1992, o colegiado
votou favoravelmente à proposta de implantação do Centro. Os documentos necessários
foram encaminhados pelo Diretor do Câmpus, Carlos Erivany Fantinati, ao Reitor Paulo Milton
Barbosa Landim, em 24 de março de 1992. Quase um ano depois, em 14 de janeiro de 1993,
o Reitor decide deixar o assunto para “ser analisado à luz das prioridades definidas pela nova
administração”, “por se tratar da criação de uma nova Unidade”.
54
Os assessores técnicos do novo Reitor, Arthur Roquete de Macedo, em informação de
07 de outubro de 1993,
55
entenderam que o Centro não apresentava as características de uma
Unidade Auxiliar, em conformidade com a resolução UNESP n. 09. Segundo eles, a entidade
carecia de “controle direto” das “atividades próprias dos Departamentos, usualmente no
campo da extensão, cuja dimensão e cuja complexidade exijam estrutura própria.”
56
Em
outras palavras, reconhecia-se a necessidade de institucionalização do CEDRAU, mas se
sugeria que o fosse como um Centro Interdepartamental, pois ainda que a entidade não se
reduzisse a tal modelo, dele era o que mais se aproximava.
O despacho do Reitor, de 20 de outubro de 1993, determina que o interessado tome
ciência e se manifeste quanto à questão, o que ocorreria somente em 26 de outubro de 1994.
A demora tem justificativa. De acordo com Anna Maria, a complexidade do problema
demandava “estudos mais prolongados”.
57
Uma conversa fora realizada com a assessora
técnica do Reitor, Maria de Lourdes Mariotto Haidar, a fim de dirimir dúvidas e conhecer os
pontos frágeis e ambíguos da proposta. A discussão maior estava em conciliar as atividades
52
Resolução disponível em: https://sistemas.unesp.br/legislacao-web/. Acesso em: 10 out. 2023.
53
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, fl. 02, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
54
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, verso da fl. 153, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
55
Informação, segundo o Manual de redação oficial e padronização de atos administrativos da UNESP (2020, p.
20), “é o instrumento pelo qual se fornecem, por solicitação ou por ordem, elementos necessários para o
esclarecimento de fatos ou para a fundamentação de assuntos, a fim de que os dados informados auxiliem a
autoridade competente em seus despachos e na solução de problemas. O emitente da informação deve tomar
conhecimento do processo ou do fato que a fundamenta. Disponível em:
https://www2.unesp.br/portal#!/secgeral/manuais/manuais/. Acesso em: 30 out. 2023.
56
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, verso da fl. 254, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
57
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1, verso da fl. 256, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
36
de dois setores que haviam adquirido tamanho protagonismo e perfis próprios. A solução para
o impasse ficou a cargo do Conselho Diretor Provisório do CEDRAU, responsável por elaborar
uma nova proposta. Nesse período, Anna Maria não estava mais à frente do Centro, mas
deixara o caminho pavimentado para que a nova supervisão desse prosseguimento à
implantação da Unidade Auxiliar. A nova proposta foi submetida à Direção da Faculdade, em
18 de outubro de 1995, pela Supervisora provisória do Centro, Zélia Lopes da Silva. Nela, o
setor de Apoio Técnico e Didático (CEDRAU II) desaparece, permanecendo apenas aquele que
dará nome à entidade que se estava a criar: o Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa
(CEDAP).
O processo de implantação da Unidade Auxiliar como um todo foge ao escopo deste
texto. Cumpre-nos assinalar, entretanto, que nele Anna Maria também se fez presente, desta
vez na condição de Coordenadora do CEDEM, fazendo apontamentos para informar os
avaliadores e gestores. Em 01 de março de 1996, a professora conclui que
o formato institucional mais adequado a uma padronização para a
institucionalização desses centros é o de unidade auxiliar, não somente por suas
características de funcionamento e do alcance dos serviços que prestam nas
Unidades Universitárias, como pelo perfil de recursos humanos especializados que
exigem, principalmente de seu corpo técnico.
58
Os apontamentos feitos por Anna Maria, acreditamos, foram fundamentais para a
avaliação do Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa (PROPP), José Ribeiro Júnior, e, no
âmbito do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão Universitária (CEPE), da relatora Hercídia
Mara Facuri Coelho. Ribeiro Júnior “reitera o parecer favorável emitido pela Coordenadora do
CEDEM, entendendo que os Centros em apreço apresentam perspectivas de um trabalho
altamente produtivo para a Universidade”.
59
Coelho, por sua vez, entende que
A existência, na UNESP, de outros centros de pesquisa de objetivos semelhantes,
notadamente o CEDEM, não [...] parece ser um obstáculo à implantação ora
proposta tendo em vista os esclarecimentos da Coordenadora deste Centro relativos
às especificidades de cada um e de suas articulações.
60
58
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 2, fl. 337, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
59
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 2, fl. 342, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
60
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 2, fls. 343-344, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
37
A aprovação do CEDAP como Unidade Auxiliar ocorreria, finalmente, em sessão do CO
de 31 de outubro de 1996, sendo a resolução UNESP n. 59, que dispõe sobre a questão,
baixada em 22 de novembro de 1996.
61
Mais um fazimento com ânimo de Anna Maria, mulher
decidida a “fazer acontecer”. Naturalmente, ao longo de toda essa trajetória, como reconhece
a própria homenageada em seu Memorial de Livre-Docência, “muitas expectativas ficaram em
meio do caminho”, fato que não significou, de maneira alguma, “impedimento para se pensar
em novos projetos.
62
O CEDAP está entre seus empreendimentos que vicejaram. Passados 50 anos de sua
fundação, as marcas deixadas pela gestão de Anna Maria demonstram indelebilidade. Os
conjuntos documentais angariados durante o período não nos deixam mentir, continuam sob
a salvaguarda do Centro. Por consequência, permanece a linha de acervo Memória Local e
Regional, cuja documentação fez aumentar nos últimos anos. muito o que se
comemorar.
Com isso, concluímos esta singela homenagem, fazendo coro às diversas outras
realizadas:
Anna Maria Martinez Corrêa presente, sempre!
Fontes
Boletim Informativo de agosto de 1990, arquivo do CEDAP.
Entrevista de Anna Maria Martinez Corrêa realizada em dezembro de 2016, acervo do
CEDEM.
Guia Preliminar do Acervo do CEDRAU, 1991, arquivo do CEDAP.
Levantamento documental dos arquivos da cidade de Assis: Prefeitura Municipal, Câmara
Municipal, Bispado e Cartório do Júri Tabelionato de Registro e Protestos, arquivo do
CEDAP.
Levantamento preliminar, sem data, feito para o projeto História do Povoamento Regional,
arquivo do CEDAP.
61
A partir de 01 de setembro de 2020, infelizmente, o CEDAP deixou de ser uma Unidade Auxiliar, conforme
dispõe a resolução UNESP n. 45, de 27 de agosto de 2020. O Centro, todavia, continua prestando os mesmos
serviços de antes.
62
Memorial de Livre-Docência, p. 24 processo ASSIS/FCL n. 982/1987, v. 1, fl. 19, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
38
Manual de redação oficial e padronização de atos administrativos da UNESP. São Paulo:
UNESP, Secretaria Geral, 2020. Disponível em:
https://www2.unesp.br/portal#!/secgeral/manuais/manuais/. Acesso em: 30 out. 2023.
Memorial de Livre-Docência de Anna Maria Martinez Corrêa processo ASSIS/FCL n.
982/1987, v. 1, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Necrológio publicado por ADUNESP e SINTUNESP, 31 ago. 2023. Disponível em:
https://www.adunesp.org.br/images/arquivos/publicacoes/Boletins%20Conjuntos%20Adun
espSintunesp/Boletim_conjunto_-_Professora_Anna_Maria_-_31-8-2023.pdf. Acesso em: 20
set. 2023.
Normas Gerais do Centro de Documentação Histórica, de 03 de outubro de 1974, arquivo do
CEDAP.
Ofício de 10 de julho de 1974, arquivo do CEDAP.
Ofício de 12 de junho de 1975, arquivo do CEDAP.
Processo ASSIS/FCL n. 1457/1993, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Processo ASSIS/FCL n. 166/1971, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Processo ASSIS/FCL n. 368/1973, v. 1, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Processo ASSIS/FCL n. 369/1992, v. 1 e v. 2, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Processo ASSIS/FCL n. 414/2022, v. 1, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Processo ASSIS/FCL n. 539/1974, v.1, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Processo ASSIS/FCL n. 674/1989, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Processo ASSIS/FCL n. 804/1986, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Processo ASSIS/FCL n. 837/1988, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Processo ASSIS/FCL n. 982/1987, arquivo da UNESP/FCL-Assis.
Processo n. 24042/1986, do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico do Estado (CONDEPHAAT). Disponível em:
https://www.ipatrimonio.org/assis-teatro-sao-vicente/#!/map=38329&loc=-
22.661244658556555,-50.41102409362792,15. Acesso em: 20 set. 2023.
Projeto de Estruturação do Centro de Documentação, arquivo do CEDAP.
Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 23-38, jul./dez., 2023
39
Relatório da Comissão do Centro de Documentação, de 02 de julho de 1987, arquivo do
CEDAP.
Resolução UNESP n. 09, de 23 de janeiro de 1991. Disponível em:
https://sistemas.unesp.br/legislacao-web/. Acesso em: 10 out. 2023.
Resolução UNESP n. 45, de 27 de agosto de 2020. Disponível em:
https://sistemas.unesp.br/legislacao-web/. Acesso em: 10 out. 2023.
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CEDAP.
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arquivo do CEDAP.
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