Faces da História, Assis/SP, v. 10, n. 2, p. 16-22, jul./dez., 2023
Gramsci, refletindo sobre os momentos de crise de hegemonia em que “grupos sociais se
separam dos seus partidos tradicionais”, observou como a “situação imediata torna-se delicada e
perigosa, pois abre-se o campo para as soluções de força, à atividade de potências ocultas
representadas pelos homens providenciais ou carismáticos” (GRAMSCI, C13, §23). Com base na
teoria poulantziana, observamos como, em situações de crise de hegemonia, se torna mais evidente
o “grau variável de unidade interna do aparelho de Estado e o caráter contingente da estratificação
de seus múltiplos ramos (…) com as relações de força entre os aparelhos alterando-se sensivelmente
em curto espaço de tempo” (VELASCO E CRUZ, 2019).
A ascensão do fascismo está relacionada, tanto nos casos clássicos como nos
contemporâneos, à crise do capital, servindo, em última instância, de solução ao grande capital
(TROTSKY, 2018 [1933]; MANDEL, 1976). Como observou Virgínia Fontes, “a crise social aguça e
exacerba contradições que podem impulsionar a luta contra o capitalismo; porém, também suscita
contratendências procurando ofuscar e impedir tais lutas”. Estas “não são necessariamente um
obstáculo ao capital, podendo ser dramáticos trampolins para sua expansão e concentração”. A
autora observa como a obra de Jack London captou como “uma situação socialmente catastrófica
pôde ser, ao mesmo tempo, um momento de extensão planetária da dominação capitalista e de
expansão de relações sociais capitalistas muito além das fronteiras nas quais até então se restringia”
(FONTES, 2010, p. 11, 100, 104).
O golpe de 2016, desenlace da crise de hegemonia aflorada nos governos Dilma, resultou,
ao mesmo tempo, numa unificação feroz – assegurada pela retirada de direitos dos trabalhadores
e destinação dos recursos públicos aos setores empresariais – e numa nova fragmentação, pela
devastação que promoveu nos partidos clássicos dessas mesmas burguesias, a começar pelo Partido
da Social Democracia Brasileira (PSDB), e pelas disputas, agora intestinas e mais ocultas, sobre o
fundo público. Diante de situações de crise, internas e externas,
A grande diversidade associativa interburguesa favoreceu uma maior flexibilidade do
conjunto das classes dominantes (…) abrindo válvulas de escape e permitindo acordos e
ajustes no sentido de impulsionar fronteiras à exploração capitalista, assegurando-se a
sobrevivência de setores menos ágeis, amparando-os, confortando uma espécie de
retaguarda burguesa interna, ao passo que os setores de ponta encontravam-se libertos de
peias para expandir-se. (FONTES, 2010, p. 219)
Tal crise de hegemonia não se restringe a tensões interburguesas, mas abarca o movimento
geral das lutas de classes. Hoje, muitas leituras alinhadas a uma parte do petismo veem junho de
2013 como o “ovo da serpente” do golpismo e do fascismo, como se tivesse sido, desde o princípio,