Democracia como experimento: projetos de Brasil por meio
da escrita ordinária
Democracy as an experiment: Brazil projects through ordinary
writing
ANDRADE, Cibele da Silva*
https://orcid.org/0000-0002-3902-5470
RESUMO: O processo de construção da
Constituição de 1988 ocorreu a partir da
interação de diversos atores sociais, entre eles, a
sociedade civil que se organizou para debater,
influenciar e fiscalizar o projeto constitucional.
Investigamos a percepção de homens e mulheres
ordinários que vivenciaram esse momento da
História política brasileira, o que desejavam,
ansiavam e até acreditavam que aconteceria com
a promulgação da nova Constituição. Analisamos
narrativas criadas pela própria população, nossas
principais fontes foram cartas enviadas à
Assembleia Nacional Constituinte por piauienses
entre os anos de 1986 e 1987. Nesse sentido,
temos como recorte espacial um estado do
Nordeste a fim de que possamos compreender
como a população dessa região vivenciou esse
período de aprofundamento na reorganização da
democracia brasileira. Consideramos as cartas-
formulário fontes privilegiadas para
ultrapassarmos uma análise da formulação da
Constituição ligada apenas às atividades
desenvolvidas nos gabinetes político-partidários
e nas reuniões das comissões temáticas. A
Assembleia Nacional Constituinte teve
desdobramentos no cotidiano, nas ruas, nas
assembleias, nas associações e nas igrejas. Além
disso, as pessoas também debatiam a
Constituinte e tinham grande interesse nisso,
porque ansiavam, sobretudo, por mudanças.
ABSTRACT: The drafting of the 1988 Brazilian
Constitution involved the interaction of multiple
social actors, including civil society, which
organized itself to debate, influence, and monitor
the constitutional process. This study investigates
the perceptions of ordinary men and women who
experienced that historical momentwhat they
hoped for, desired, and believed would happen
with the promulgation of the new Constitution.
Our primary sources are letters sent to the
National Constituent Assembly by residents of
the state of Piauí between 1986 and 1987.
Focusing on this Northeastern state allows us to
explore how the population of this region
engaged with the democratic reorganization
underway. We regard the form-letters as
privileged sources, as they enable an analysis that
goes beyond the formal political arenas
commissions and party officesshedding light on
how the Constituent Assembly reverberated in
everyday life. Debates also took place in streets,
assemblies, associations, and churches, driven by
a widespread desire for change. Theoretical
grounding for this study is provided by Reinhart
Koselleck’s (2006) categories of "space of
experience" and "horizon of expectations." To
contextualize the production of these popular
suggestions, we also examine other forms of civil
society participation during the Constituent
process, linking them to broader economic and
* Mestra em História do Brasil pelo Programa de Pós-graduação em História do Brasil, Teresina- PI. Professora
da Rede Municipal de Fortaleza. E-mail: Cibeleluces@gmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
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Como fundamentação teórica, utilizamos as
categorias espaço de experiência e horizontes de
expectativas formulados por Reinhart Koselleck
(2006). No intuito de contextualizar a produção
das sugestões analisadas, também discutimos
outras formas de participação protagonizadas
pela sociedade civil na Constituinte, assim como
as articulamos ao contexto econômico e ao
cultural por meio da análise de jornais, fontes
bibliográficas e do próprio texto constitucional.
PALAVRAS-CHAVE: História; Constituinte;
Cartas; Redemocratização.
cultural dynamics through the analysis of
newspapers, bibliographic sources, and the
constitutional text itself.
KEYWORDS: History; Constituent Assembly;
Letters; Redemocratization
Recebido em: 01/08/2024
Aprovado em: 21/04/2025
Considerações Iniciais
Analisamos as percepções e tentativas de intervenção dos brasileiros no processo de
redemocratização ocorrido entre os fins da década de 1970 e 1980 por meio de mensagens
enviadas pela população ao projeto Diga Gente- Projeto Constituição com ênfase no conjunto
de cartas remetidas por piauienses à Assembleia Nacional Constituinte. O projeto foi
organizado a partir da articulação das seguintes instituições: a Comissão de Projetos Especiais
do Senado Federal, o Centro de Processamento de Dados do Senado Federal (PRODASEN) e a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o intuito era criar uma plataforma que auxiliasse os
Constituintes em seus trabalhos e resultou na formulação do Sistema de Apoio Informático à
Constituinte (SAIC), composto por cartas-formulário remetidas por brasileiros à Assembleia
Nacional Constituinte entre fevereiro de 1986 e julho de 1987.
Nas cartas-formulário, os participantes deveriam enviar sugestões aos senadores e aos
deputados que compunham a Assembleia Nacional Constituinte. Neste caso, a escrita
epistolar, ou seja, em formato de carta, permitiu-nos identificar o sentido atribuído, por parte
da população, à elaboração da Constituição Federal de 1988. As cartas nos dão acesso a um
discernimento ordinário do contexto político, econômico e cultural analisado, diverso do
discurso oficial, mas que não se contrapõe necessariamente a ele, contudo, matiza, gradua o
impacto da produção de uma nova Constituição e de um novo regime político em percepções
diversificadas, diferenciadas pelos interesses de quem as produziu.
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As narrativas das cartas-formulário nos dão acesso às interpretações, aos anseios, aos
pedidos e às sugestões dos brasileiros, assim como às estratégias discursivas empregadas para
o convencimento dos interlocutores, uma vez que, a proposta do projeto era que deputados
e senadores constituintes lessem as cartas-formulário anexadas ao banco de dados. Apesar
da pluralidade de temas discutidos pelos missivistas, buscamos identificar uma lógica que
marca o conjunto das cartas-formulário. Para tanto, mapeamos, dentre outras características,
que as mensagens se ancoram em uma articulação que envolve três categorias temporais:
passado, presente e futuro.
No que se refere à fundamentação teórica, utilizamos as seguintes categorias: opinião
pública, com base nos estudos de Jean Jacques Becker (2003), cultura política, de Serge
Berstein (2003) e participação popular, de Vincent Valla (1998). Foram empregadas na
problematização das fontes duas categorias centrais, ambas desenvolvidas por Reinhart
Koselleck (2006), espaço de experiência, tendo em vista que os missivistas mobilizaram
discursivamente suas experiências durante a escrita dos textos, horizonte de expectativas,
pois a Constituição foi posta, na maioria das mensagens, como um instrumento promissor
para a abertura de um futuro distinto do presente e do passado, tempos utilizados para
fundamentar as demandas apresentadas nas narrativas.
Empregamos metodologia qualitativa na análise das cartas-formulário a partir do
entrecruzamento com outros tipos de fontes, o que nos permitiu realizar o estudo dos textos
em interlocução com o contexto econômico, social e político. Cada mensagem foi analisada
de maneira individual durante a fase de catalogação e, posteriormente, identificamos
aspectos comuns a fim de demonstrar que, apesar da diversificação de pedidos, o movimento
de participação conjugou-se em torno de semelhanças, entre eles, a ideia de que melhores
condições de vida política, social e econômica dependiam da redemocratização do país e,
principalmente, da influência popular na formulação da Constituição. Em determinados
momentos, também fizemos usos de quantificações acerca dos dados assinalados pelos
missivistas no formulário, com o intuito de investigar a condição política, econômica e
material dos escritores.
Criamos uma categoria específica para discutir as cartas-formulário utilizadas neste
artigo, intitulamo-la Constituinte ideal, organizamo-la durante a catalogação das fontes,
somam-se a ela outras oito categorias: Poder e organização municipal, Economia, Saúde,
Mulheres, Liberdade de expressão, Corrupção, Reforma agrária e homem do campo e
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Educação, que não discutiremos aqui em detrimento da amplitude da abordagem.
Salientamos que alguns textos enviados pelos missivistas contêm erros ortográficos e
decidimos mantê-los inalterados porque consideramos que a estética textual também
transmite informações sobre quem eram esses autores enquanto sujeitos advindos de
realidades sociais, econômicas e culturais distintas. Em Constituinte ideal, incluímos narrativas
nas quais os missivistas discutiram e significaram o próprio acontecimento político o qual foi
a criação de uma nova Constituição, textos em que encontramos idealizações, suspeições,
descrenças, projetos e desejos a respeito das garantias que poderiam ser incluídas na Carta
Constitucional. Salientamos o impacto social causado pela criação da Constituição de 1988, as
cartas-formulário são ecos do processo de redemocratização nos quais foram esboçados
projetos de Brasil por múltiplas vozes ordinárias, brasileiros que não tinham necessariamente
vínculos institucionais ou partidários, mas que discutiam o mesmo acontecimento porque,
ainda que do ponto de vista ordinário, compreendiam a pertinência do momento que
vivenciavam.
Os registros da Constituinte, por exemplo, foram produzidos com a intenção de
compor um acervo, conferindo-lhes um valor simbólico. A iniciativa partiu de instituições
estatais, que buscaram refletir a abertura do Estado à participação popular. Assim, o Projeto
Diga GenteConstituição foi pensado como um símbolo de um Brasil democrático e renovado.
O enquadramento de memória construído em torno da Assembleia Nacional Constituinte teve
como objetivo romper com a herança autoritária do regime militar e reafirmar os
fundamentos de uma nova ordem democrática. Ao associar a participação popular à
elaboração da Constituição de 1988, buscou-se legitimar o processo de transição e, ao mesmo
tempo, criar um referencial histórico capaz de confrontar futuras ameaças antidemocráticas.
A preservação e a disponibilização das cartas-formulário, em plataformas governamentais de
acesso livre, reforçam essa intenção, ao apresentarem a Constituição vigente como resultado
de um processo amplamente participativo.
Observamos os documentos relativos à ANC, sobretudo aqueles que se referem à
participação popular, à luz do que considera Jacques Le Goff (1994) por
documento/monumento. Tais registros foram transformados em função da imagem a ser
construída em torno da Assembleia Nacional Constituinte direcionada ao futuro como forma
de validação da Constituição e, de maneira mais ampla, da redemocratização. A
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documentação a respeito da participação popular, nesse processo, foi transformada em um
monumento sobre a história da democracia brasileira.
Na categoria Constituinte ideal, analisamos as sugestões dos missivistas que
escreveram acerca dos seus anseios para com a nova Constituição, de maneira geral, todas as
cartas tiveram essa característica, mas aqui anexamos especificadamente mensagens que
dizem respeito ao acontecimento em si, a criação de uma nova Carta Constitucional.
Observamos os significados atribuídos a ela, enfim, quais horizontes de expectativa os
piauienses criaram durante a sua produção:
Mas os prognósticos também são determinados pela necessidade Fde se esperar
alguma coisa. Voltada para um campo de ação mais amplo ou mais estreito, a
previsão libera expectativas, a que se misturam também temor ou esperança. As
condições alternativas têm que ser levadas em conta, pois sempre entram em jogo
possibilidades que contêm mais do que a realidade futura é capaz de cumprir. Assim,
um prognóstico abre expectativas que não decorrem apenas da experiência. Fazer
um prognóstico já significa modificar a situação de onde ele surge. Noutras palavras:
o espaço de experiência anterior nunca chega a determinar o horizonte de
expectativa (Koselleck, 2006, p. 313).
Em consonância com as considerações acima, as mensagens enviadas pelos missivistas
à ANC apresentam prognósticos e expectativas a respeito das possibilidades que se abriam
com a notícia de que uma nova Constituição seria feita. Tais expectativas foram baseadas na
mobilização de espaços de experiência dos autores que utilizavam suas experiências em
diversos âmbitos da vida para justificarem os pedidos. Em alguns casos, esse horizonte de
expectativa não se limitava às experiências anteriores, mas foi utilizado para tecer um futuro
possível, no qual ocorreria a subversão de problemas sociais, políticos e econômicos
vivenciados individual ou coletivamente. Identificamos no decorrer das categorias analisadas
diversas mensagens em que a aplicação real das proposições dos missivistas seria inviável
devido aos conflitos políticos que desencadeariam caso fossem implementadas, por exemplo,
fazer com que as pessoas mais ricas do país pagassem a dívida externa ou as escolas privadas
fossem fechadas. Parte dos missivistas criaram expectativas que não se restringiram à
realidade material, mas teceram alternativas que não poderiam ser realizadas. O fato é que
tais propostas estavam alinhadas com um senso de justiça inerente a cada escritor.
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A primeira mensagem que analisaremos em Constituinte ideal foi enviada por Iselda
Soares de Souza
1
:
[...] espero que a constituinte ouça mais a voz do povo, seus conflitos e tudo o mais
que o atinge. Quando falo em povo me refiro também aos índios, pois eles são o
povo, seres humanos, gente que quer viver em paz, mas se não houver acordo
com o governo, eles vão lutar, vão marrar, vão furtar, porque todos nós não
podemos nos enganar, sabemos que eles são a raça, o povo, o dono de tudo isso,
foram enganados pelo povo branco no início da colonização [...] (Souza, 1986).
A missivista revela expectativa quanto à participação do povo na Constituinte, uma
categoria abstrata que Iselda tratou de exemplificar, falava especialmente a respeito dos
indígenas e apresentava justificativas que legitimariam a reivindicação de direitos pela
população nativa. Não conseguimos explicitar as razões pelas quais a autora decidiu escrever
a respeito do tema, afinal, ela não demonstrava na narrativa nenhuma conexão direta com
uma trajetória individual, contudo, seu discurso nos remete a um aspecto evidente no
processo de reconstitucionalização, a mobilização social pela incorporação de direitos dos
povos indígenas na nova Constituição. Iselda estabeleceu conexões entre o presente e o
passado ao justificar que as reivindicações ocorriam em decorrência da ausência de acordos
com o governo. Dentro de um horizonte de expectativa, a autora construiu o prognóstico de
que os indígenas iriam “marrar, furtar, lutar” caso não houvesse acordos, e a legitimidade das
reivindicações baseava-se em um espaço de experiência histórico e social, em um passado que
nos remete ao processo de colonização, especialmente na exploração do uso da mão de obra
indígena e do território nativo.
A atuação de indígenas na luta por direitos foi parte indissociável do processo de
construção da nova Constituição, o discurso proferido pelo líder indígena Ailton Krenak no
plenário da ANC em setembro de 1987 representa um marco desse engajamento:
Assegurar isto, reconhecer às populações indígenas as suas formas de manifestar a
sua cultura, a sua tradição, se colocam como condições fundamentais para que o
povo indígena estabeleça relações harmoniosas com a sociedade nacional, para que
1
Iselda Soares de Souza enviou sua carta-formulário no dia 29 de abril de 1986, de Teresina, moradora da zona
urbana, possuía formação escolar até o segundo grau incompleto, solteira, tinha entre 15 e 19 anos, informou
não possuir rendimento e Heráclito Fortes, deputado Constituinte pelo PMDB- PI, foi o destinatário escolhido.
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haja realmente uma perspectiva de futuro de vida para o povo indígena, e não de
uma ameaça permanente e incessante (Krenak, 1987).
O desdobramento da organização dos povos indígenas e da sociedade para a
incorporação de garantias no texto constitucional pode ser observado no Capítulo VIII do
documento intitulado Dos índios”, em seu primeiro artigo tem-se o seguinte dispositivo: “São
reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (Brasil, 1988, cap. VIII, art. 231).
A Constituição de 1988 representa um marco histórico para o direito dos indígenas brasileiros,
dispondo sobre direito à terra, aos direitos culturais, aos sociais e aos de organização.
A segunda carta que analisamos foi enviada por Evangelista Pereira
2
: “A minha
sugestão é: “Que a Constituinte seja uma Constituinte livre e soberana, em que todas as
classes sociais tenham o direito de participar, em que o povo participe, e diga o que quer, e o
que espera de uma Constituinte” (Pereira, 1986). O desejo da missivista de que a população
participasse da Constituinte se concretizou, mas dentro de alguns limites, tratou-se de uma
influência efetivada mais por mecanismos indiretos do que diretos de participação, mas que
não deixou de ser relevante e inédita na história política do Brasil. Essa intensa participação
ocorreu tanto pelo esforço da população em organizar-se para influenciar e fiscalizar as
atividades Constituintes quanto pelos canais criados pelas instituições governamentais para
atender essa demanda.
A categoria povo foi novamente utilizada, apesar de ter sido menos específica na
definição do que Iselda Soares, Evangelista Pereira fez um recorte econômico, solicitou que
todas as classes sociais pudessem apresentar propostas e necessidades. Ao afirmar que o povo
deveria falar o que desejava, a missivista valoriza um tipo de participação que podemos
classificar como direta, sem a intermediação de terceiros. Mesmo que esses mediadores
fossem legisladores eleitos, a população deveria falar por si. Essa percepção revela certa
desconfiança a respeito da atuação dos Constituintes, logo, a missivista compartilha do
seguinte entendimento: as demandas sociais poderiam ser garantidas apenas por meio de
uma participação integral e concreta dos brasileiros. O horizonte de expectativas aberto com
2
Evangelista Pereira enviou sua carta-formulário no dia 21 de fevereiro de 1986 do município de São Gonçalo do
Piauí, morava na zona rural, possuía formação escolar até o segundo grau completo, solteiro, tinha entre 20 e 24
anos, informou receber até 01 salário mínimo e não escolheu destinatário.
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a nova Constituição comportava diversas possibilidades, os problemas apresentados pelos
autores poderiam ser solucionados, mas, ao mesmo tempo, nada poderia mudar.
A incerteza é um aspecto que não marcou apenas a narrativa de alguns missivistas
como também os mobilizou para escreverem suas cartas. Participar significava diminuir as
variáveis negativas dentro desse horizonte de expectativas acessível pela produção de uma
nova Lei. A desconfiança para com a atuação dos constituintes na defesa dos interesses da
população que está implícita na narrativa escrita por Evangelista Pereira pode ser observada
na matéria publicada pelo Jornal Alternativa. O periódico apresenta uma série de críticas e
acusações direcionadas aos Constituintes piauienses: “Os constituintes piauienses não são
confiáveis. A maioria é corrupta [...]” (Jornal Alternativa, fev. 1987, p. 03). A desconfiança para
com os representantes legislativos do Piauí na Constituinte expressada indiretamente na
carta-formulário de Evangelista Pereira remonta a difusão da ideia de que as demandas sociais
poderiam ser alcançadas caso os brasileiros criassem meios de influenciar e fiscalizar os
debates constituintes.
A ideia apresentada por Evangelista de que a Constituinte deveria ser “livre e
soberana” esteve no cerne dos debates realizados pela população a respeito do formato que
a Assembleia deveria ter, os grupos mais progressistas reivindicaram que fosse exclusiva, ou
seja, pessoas seriam eleitas exclusivamente para formular o documento e, posteriormente,
ocorreria a dissolução da convenção, todavia, o projeto realizado foi de uma Assembleia
Nacional Constituinte congressual, ou seja, teve como Constituintes os representantes
políticos eleitos no ano de 1986 e os senadores que possuíam mandato de oito anos eleitos
em 1982. Por meio da Emenda Constitucional 26 de 27 de novembro de 1985 aprovada
pelo Congresso Nacional, a Assembleia Nacional Constituinte seria congressual. Esse cenário
estimulou o engajamento da população na fiscalização das atividades e nos debates políticos,
tendência construída ao longo dos anos que precederam a própria Assembleia e conecta-se a
um processo mais amplo, o da redemocratização.
Analisaremos, a seguir, a mensagem enviada por Jonas Antunes Ribeiro
3
:
3
Jonas Antunes Ribeiro enviou sua carta-formulário em 21 de fevereiro de 1986, do município de Flores do Piauí,
morador da zona urbana, possuía formação escolar até o primeiro grau completo, solteiro, tinha entre 20 e 24
anos, informou que recebia mais de 01 a 02 salários mínimos e Jônathas Nunes foi o destinatário escolhido.
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Na minha pouca convivência com a política tenho quase certeza (sic) de que o Brasil
está vivendo um péssimo período político, e espero que esta nova constituinte
encontre a solução ideal, para que volte tudo ao normal o que está acontecendo no
quadro político brasileiro, no meu ímpeto ponto de vista, sinto (com a sensibilidade
do meu corpo), que o morador rural necessita (sic) de um contato mais íntimo,
aconchegante, pois os quais são os esquecidos por seus representantes. E uma outra
que necessita de uma fiscalização ágil é a administração pública, ondes certos
municípios (sic) existe o desgosto da população por não ter a imagem de tv
(Ribeiro, 1986).
Ao afirmar possuir pouca convivência com a política, Jonas Antunes demonstrou receio
ao apresentar suas ideias políticas porque conhecia o pressuposto de que o campo político é
um domínio pertencente aos representantes eleitos ou aos intelectuais que explicam
teoricamente suas opiniões, contudo justificou o pedido por melhorias ao dizer que sentia
corporalmente os impactos dos problemas aos quais se referia. Apesar de não especificar o
que seria a anormalidade do sistema político brasileiro, afirmou que a existência de problemas
era tão evidente que mesmo ele, homem ordinário e com pouco contato com a política
partidária ou institucional, percebia dada instabilidade. Por meio do cotidiano, o missivista
evidenciou seu inconformismo, morador da zona rural, informou que conhecera municípios
nos quais a população do local não tinha acesso ao sinal da TV.
Nesse sentido, teceu considerações acerca do contexto político com base no seu
próprio espaço de experiência constituído pela condição de habitante da Zona Rural de um
município no interior do Piauí. O autor utiliza, como exemplo, a falta de sinal de televisão
porque esse meio de comunicação, amplamente utilizado durante os finais dos anos 1980, era
símbolo de um progresso que não havia chegado a determinados municípios do campo. Nesse
sentido, o desgosto da população estava atrelado a um sentimento de atraso e a falta do sinal
de TV representava a escassez vivenciada pela população rural que se estendia a diversos
âmbitos do cotidiano.
Ao afirmar que sentira o abandono do homem do campo pelos representantes
políticos com o próprio corpo, Jonas tenta sensibilizar o interlocutor quanto às condições de
vida dos moradores da zona rural. Assegura que a população do local estava esquecida,
observação que reverbera características próprias do sistema de político brasileiro, a
tendência das cidades com menos poder eleitoral receberem pouca atenção do que os
principais centros urbanos, interesse que muitas vezes se limita ao período eleitoral. O
missivista também abordou a ausência de infraestrutura em determinadas localidades rurais
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e a atribuiu à falta de fiscalização das administrações desses lugares. Nessa perspectiva, Jonas
também criticou os órgãos que compunham o poder municipal.
A mensagem que analisamos a seguir foi enviada pelo missivista Luiz Paulo Oliveira
Lopes
4
:
Uma Constituinte que não viesse a se preocupar com a identidade cultural do seu
povo perderia, obviamente, sua essência. Este país perde, constantemente, seus
valores culturais, suas tradições, costumes, folclores, monumentos do passado. Urge
que dentro da nova Constituinte exista um espaço para preservar tudo aquilo que é
a nossa memória e a nossa identidade, partindo-se da afirmação de que "povo sem
memória é povo sem história" Que este país receba, através da Constituinte, um
mecanismo seguro que proteja o nosso passado, nossas raízes. Aqui no Piauí, por
exemplo, nossa tradição cultural está sendo pulverizada, nossos monumentos
históricos se transformando em ruínas e a nossa identidade é transformada com o
advento de outros conceitos ou outros valores. Se isso não for feito, pobre
Constituinte (Lopes, 1986).
A estrutura textual nos fornece indícios de que o missivista possuía uma formação
escolar considerável, assim como a indicação no formulário de que ele possuía ensino superior
completo. Luiz Paulo solicita a inclusão na Constituição de políticas públicas destinadas à
preservação do patrimônio e à identidade cultural brasileira. A justificativa foi baseada em
uma perspectiva social-cultural, é no passado histórico, aquele que diz respeito ao que as
sociedades produzem ao longo do tempo, que encontramos a identidade cultural de um povo.
Luiz Paulo Oliveira compreende o passado como uma referência que servirá para orientar a
sociedade brasileira de forma positiva, a ausência de uma identidade nacional desfavoreceria,
por conseguinte, a construção de um projeto que solucionasse os problemas do país.
Observamos que a noção de futuro formulada pelo missivista apresenta uma perspectiva
negativa do porvir, Luiz Paulo afirma que valores e conceitos em ascensão estavam em
desconformidade com a valorização cultural da identidade nacional que para ele se
encontrava no elemento indígena.
O missivista informou que possuía ensino superior completo, a narrativa apresentada
indica que sua formação acadêmica foi na área de História ou Arquitetura, visto que
desenvolveu a sugestão a partir de temas estudados em ambas as áreas, a preservação do
patrimônio e as tradições culturais. Ao considerar que a Constituinte não poderia deixar de
4
Luiz Paulo Oliveira Lopes enviou sua carta-formulário em 21 de fevereiro de 1986, do município de Floriano,
morador da zona urbana, possuía formação escolar até o superior completo, divorciado, tinha entre 40 e 49 anos,
informou que recebia mais de 05 a 10 salários mínimos e não escolheu destinatário.
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abordar aspectos da memória e da identidade brasileiras, Luiz Paulo considerou que a criação
de um novo horizonte de expectativas não poderia estar dissociada do espaço de experiência
formado pelas tradições culturais brasileiras.
Independentemente da aplicabilidade real das leis constitucionais, o tema discutido
pelo missivista foi contemplado no seguinte artigo da CF: Art. 216. Constituem patrimônio
cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira” (Brasil, 1988, cap. III , art. 216). Percebemos que diversos
missivistas debateram temas que foram contemplados na Constituição de 1988 justamente
porque estavam inseridos em uma sociedade que discutir esses assuntos e pressionou os
Constituintes a pensarem sobre eles.
A frase de Luiz Paulo, “Se isso não for feito, pobre Constituinte” (Lopes, 1986),
reverbera um padrão na percepção dos missivistas acerca da Constituição que seria criada,
uma vez que as sugestões foram construídas com base nas prioridades políticas, sociais,
culturais e econômicas de cada autor, caso fossem preteridas, a ausência de algo considerado
essencial individualmente empobreceria o impacto do texto constitucional. Nessa
perspectiva, os missivistas consideraram que as suas sugestões não poderiam ficar à parte dos
debates Constituintes, na perspectiva de Koselleck (2006): "Sempre as coisas podem
acontecer diferentemente do que se espera: esta é apenas uma formulação subjetiva daquele
resultado objetivo, de que o futuro histórico nunca é o resultado puro e simples do passado
histórico" (Koselleck, 2006, p. 312). Apesar das solicitações e dos desejos exprimidos, os
missivistas compreendiam que as proposições feitas poderiam não ser atendidas, esse
desapontamento com o futuro histórico foi sintetizado por Luís Paulo na frase “Se isso não for
feito, pobre Constituinte” (Lopes, 1986). A perspectiva dos missivistas de que a Constituição
ficaria empobrecida caso as sugestões que escreveram não fossem contempladas aponta-nos
às próprias caraterísticas do gênero textual da carta, trata-se de uma escrita epistolar, nas
palavras de Ângela de Castro Gomes (2004), uma escrita de si, ou seja, feita a partir do que
cada indivíduo considerava pertinente.
A próxima mensagem analisada a seguir foi enviada por Raimundo Adelmar Sérvio
5
:
5
Raimundo Adelmar Sério enviou sua sugestão no dia 20 de fevereiro de 1986, do município de Socorro do Piauí,
morador da zona urbana, possuía até o primeiro grau incompleto, casado, tinha entre 30 e 39 anos, recebia até
um salário mínimo e Heráclito Fortes foi o destinatário escolhido.
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Quanto ao futuro da nova Constituinte na minha opinião quero apenas pedir aos
senhores que nos representam que baseados naquilo que mais nos interessa é
assegurar os nossos direitos principalmente daqueles assalariados. Espero, portanto,
melhoria salarial, uma boa formação social de todos nós brasileiros. Senhor
Deputado, confiado no bom espírito de humanidade dos nossos representantes, eu
e todos desejamos que a nova Constituinte nos traga aquilo que a muito esperamos.
Saúde, Educação, Transportes, etc (Sérvio,1986).
Das 155 cartas-formulários enviadas por piauienses ao SAIC, a categoria direito foi
citada de maneira direta em vinte mensagens. A mensagem de Raimundo possui um caráter
mais geral, trata dos direitos de maneira ampla, reiteramos que a busca por influenciar a
Constituição partiu, dentre outros motivos, da ideia de que a incorporação de direitos ao texto
constitucional não seria apenas uma forma de assegurá-los legalmente, mas também abriria
precedentes para que esses fossem cobrados à posteriori. O missivista parecia confiante
quanto à possibilidade de os Constituintes contemplarem as demandas apresentadas.
Decerto, nota-se o quão a nova Constituição foi aguardada pelos brasileiros como um
instrumento de transformação social e econômica.
Na maior parte das mensagens analisadas, percebemos a criação de um horizonte de
expectativas preenchido por um sentimento de esperança, a Constituição poderia de fato criar
uma realidade nova, diferente de tudo que havia acontecido anteriormente, distinto do
espaço de experiência vivenciado pelos autores das cartas-formulário. Observamos, contudo,
exceções, foi o caso da missivista Rosa Lima de Rezende Cruz
6
, que afirmou: “Tornei-me
apolítica desde 84” (Cruz, 1986), a mensagem reflete postura adotada por alguns missivistas
que desconfiavam da atuação dos representantes políticos brasileiros e tampouco
acreditavam que os interesses da população teriam espaço em meio aos interesses dos
político-partidários.
Retornemos à análise da mensagem de Raimundo Adelmar, ele reiterou que ansiava
pela garantia de direitos sociais, entre eles, saúde, educação e transportes, analisamos a
sugestão à luz das considerações de Vavy Pacheco Borges:
6
Rosa Lima de Rezende Cruz enviou sua carta-formulário em 20 de fevereiro de 1986, do município de Piripiri,
moradora da zona urbana, possuía formação escolar até o segundo grau completo, solteira, tinha entre 20 e 24
anos, recebia até 01 salário mínimo e Alberto Silva foi o destinatário escolhido. O acontecimento que fez com
que a missivista se mostrasse desapontada com a política foi de ordem pessoal, no qual foi aprovada em um
concurso, porém não foi nomeada. Rosa Lima acusou um deputado estadual do Piauí pelo ocorrido, por isso,
afirmou ter se tornado apolítica.
122
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[...] a racionalidade de uma época e de um espaço determinados na problemática
própria do objeto em questão - seja este um país, uma cidade, uma instituição; vai
procurar retomar os "comos" e os "porquês" das tentativas de respostas dos homens
a seus próprios problemas, em diversos espaços e tempos; vai retomar sua cultura
política própria, os conceitos que centraram sues debates; vai retomar, enfim, todas
as suas ideias e atitudes políticas, isto é, aquelas que surgem ao tentarem os homens
influenciar decisões sobre seu destino, em qualquer tipo de situação (Borges, 1991,
p. 154).
O estudo da História Política na atualidade atravessa diversos campos da vida em
sociedade porque pode ser aplicado a diferentes problemáticas e objetos, assim como os
apresentados por Raimundo Adelmar em sua mensagem, a cidade, as instituições, um grupo
ou um país, desde que se busque nesse objeto a racionalidade de determinado espaço e
época, como e porque os homens tentavam responder a seus problemas e atitudes. Esse é
um ponto em comum entre todas as mensagens analisadas, o conteúdo das cartas-formulário
foram respostas de homens e mulheres comuns, ou seja, que não possuíam necessariamente
vínculos com a política institucional, mas buscaram resoluções para problemas vivenciados no
cotidiano, que eram desdobramentos de crises econômicas e políticas dos anos 1980 no Brasil.
Os piauienses também enviaram cartas-formulário nas quais explicaram o que
compreendiam do contexto político do país, foi o caso da sugestão escrita por José Cleuton
Batista de Sá
7
:
Como é do conhecimento de Vossa Senhoria, bem como do conhecimento de todos
os brasileiros, que a constituição é um conjunto de leis que depois de votada,
aprovada e sancionada pelo Excelentíssimo Presidente da República, é quem define
e protege todos os direitos nela reservada a cada Cidadão brasileiro. No entanto,
Senhor Deputado o que tenho observado é que as leis existem, mas não são
aplicadas quando necessário [...] (Sá, 1986).
José Cleuton buscou respaldar e conferir credibilidade às suas sugestões ao
demonstrar que conhecia os trâmites necessários para a criação de uma nova Constituição e
o que ela representava, dessa forma, chamou atenção dos Constituintes e buscou destacar
suas sugestões em meio às inúmeras mensagens que foram remetidas a ANC. Identificamos
7
José Cleuton Batista de Sá enviou sua carta-formulário em 24 de fevereiro de 1986, do município de Fronteiras,
morador da zona rural, possuía formação escolar até o segundo grau completo, solteiro, tinha entre 20 e 24 anos,
informou que recebia até 01 salário mínimo e Jônathas Nunes foi o destinatário escolhido.
123
Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 110-137, jan./jun., 2025
um tom de apelo direcionado ao deputado Jônathas Nunes no trecho em que o missivista
destaca que observara que as leis existiam, mas não eram aplicadas, ou seja, a criação de
novas leis não traria necessariamente mudanças significativas. No mesmo sentido, Silveira da
Costa Pereira de Oliveira
8
, antes de apresentar seus anseios, explicou o que compreendia por
Constituinte:
É com satisfação que aproveito esta oportunidade para dizer o que entendo por
Constituinte. São aqueles que constituem, que fazem parte de um organismo, de um
todo que tem poder de construir, afirmar, de estabelecer, organizar e democratizar.
O poder Constituinte reside no povo. Não Constituinte relativa, assim como não
existe democracia relativa, a Nação exige transformação mais profunda e que os
novos Constituinte apliquem a democracia que o Dr. Tancredo muito desejava,
dando assim os direitos de cada um, defendendo os deveres, garantindo nossa
segurança (Oliveira, 1986).
A missivista demonstrou satisfação com a possibilidade de redigir sugestões que
seriam enviadas à ANC. No texto, fez associações entre a Constituinte, o povo, a democracia
e a nação, destarte, reiterou, seguindo uma perspectiva jurídica, que a principal relação do
texto constitucional deveria ser para com o povo que ela representava. A autora compreendia
que os diversos interesses político-partidários poderiam secundarizar as demandas da
população. Ao afirmar que o poder Constituinte reside no povo” (Oliveira, 1986), buscou
relembrar aos Constituintes que ela, enquanto parte desse povo, conhecia os aspectos
legitimadores do texto constitucional. O contentamento da autora em escrever aos
Constituintes estava atrelado à sensação de ser consultada a respeito do que ela, enquanto
brasileira, esperava da nova Constituição, contudo, nos chamou atenção o fato da remetente
relacionar a noção de democracia que apresentara com a atuação de um político brasileiro,
Tancredo Neves. A autora, além de problematizar a democracia, a relacionou à Tancredo
Neves, primeiro civil indicado ao cargo de Presidente da República pelo Colégio Eleitoral desde
1964.
A interligação que a autora estabeleceu entre a democracia e Tancredo Neves
reverbera a repercussão do movimento Diretas
9
entre os brasileiros, mobilização na qual
8
Silveira da Costa Pereira de Oliveira enviou sua carta-formulário em 30 de fevereiro de 1986, do município de
São Francisco do Piauí, morador da zona urbana, possuía formação escolar até o segundo grau completo, casado,
tinha entre 40 e 49 anos, informou que recebia até 01 salário mínimo e não escolheu destinatário.
9
Entre os anos 1983 e 1984, ocorreu intensa mobilização popular pelo retorno das eleições diretas para
presidente da república, que ficou conhecida como Diretas Já. As manifestações pressionaram o Congresso
124
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obteve considerável notoriedade entre a população. Em articulação com Reinhart Koselleck:
“A experiência é o passado atual, aquele no qual acontecimentos foram incorporados e
podem ser lembrados" (Koselleck, 2006, p. 309), a narrativa de Silveira da Costa articula-se
diretamente com essa consideração, é evidente que ao solicitar a aplicação de uma
democracia difundida pelos discursos de Tancredo, a missivista promovia uma atualização de
um passado relacionado às lutas políticas que marcaram o processo de redemocratização do
país, nas quais o referido político obteve considerável notoriedade entre a população.
A concepção positiva criada em torno da figura de Tancredo e sua possível gestão foi
compartilhada por outros missivistas. Augusto Pereira dos Santos
10
remeteu sua carta-
formulário em 21 de fevereiro de 1986, do município de Flores do Piauí:
Tanto que, Tancredo falou que ia olhar para os pobres, o Sarney prometeu, mais foi
enganando e está tudo negativo. Até que no início agradou. Exmo. Sr. Senador, eu
desejo muito que a nova constituinte faça o que Tancredo deixou planejado. Sim,
nada de bom apareceu (Santos, 1986).
O missivista afirmou que havia se decepcionado com o governo Sarney e comparou os
projetos do então presidente com os discursos feitos por Tancredo Neves. As expectativas
criadas por Augusto Pereira em torno do novo governo foram frustradas pela morte
inesperada de Tancredo, sob a ótica discutida por Koselleck (2006):
Quanto menor a experiência tanto maior a expectativa eis uma fórmula para a
estrutura temporal da modernidade, conceitualizada pelo "progresso". Isso foi
plausível enquanto as experiências anteriores não eram suficientes para
fundamentar as expectativas geradas por um mundo que se transformava
tecnicamente [...] (Koselleck, 2006, p. 326).
O Brasil havia ficado 21 anos sob regime ditatorial de 1964 a 1985, o missivista possuía
entre 40 e 49 anos quando enviou a carta-formulário, logo, a última Constituição construída
democraticamente havia sido publicada em 1946, quando o autor da carta tinha no máximo
Nacional a aprovar a Emenda Constitucional Dante de Oliveira, que estabelecia a volta de eleições diretas, mas
a emenda foi derrotada no dia 25 de abril de 1984. Parte dos membros do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro- PMDB, no qual tinha entre seus líderes Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, ganharam notoriedade
pública ao participarem de comícios das Diretas-Já.
10
Augusto Pereira dos Santos enviou sua sugestão no dia 21 de fevereiro de 1986, do município de Flores do
Piauí, morava zona rural, possuía formação escolar até o primeiro grau incompleto, tinha entre 40 e 49 anos,
recebia até 01 salário mínimo e Alberto Silva foi destinatário de sua carta-formulário.
125
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7 anos de idade. Nessa perspectiva, Augusto possuía uma vivência pequena quanto à
construção de um documento constitucional, a produção da Constituição de 1988 era algo
novo para ele, consequentemente, suas expectativas eram consideravelmente maiores
porque não havia nenhuma experiência semelhante que limitasse o seu horizonte de
expectativas, era a primeira vez que experenciava o processo de fabricação do documento
mais importante para a organização do Estado.
A criação de um prognóstico, aquilo que se acredita que irá ocorrer, configura-se a
partir da relação entre expectativa e experiência, que é resolvida apenas quando o futuro se
torna presente, ou seja, basear as expectativas somente na experiência não preenche a
realidade futura, assim como criar expectativas sem referência alguma no passado também
não terá aplicabilidade (Koselleck, 2006). Percebemos por meio das cartas-formulário
analisadas que a atuação política de Tancredo Neves na legenda do PMDB,
11
durante a década
de 1980, desdobrou-se na criação de horizontes de expectativas por parte da população
brasileira que qualificava o caminho democrático como o ideal, distanciando-se, por
conseguinte do que havia sido produzido durante a ditadura militar.
O espaço de experiência não é composto apenas por uma memória, mas por múltiplas,
criadas a partir das experiências vivenciadas, é, em linhas gerais, uma atualização do passado
que influencia o modo com que as pessoas se posicionam no presente. O espaço de
experiência foi a base para a formulação das mensagens enviadas pelos missivistas. José Vieira
dos Santos escreveu em sua carta-formulário:
A Constituinte, na minha opinião, é um acontecimento importante na vida nacional
e para os direitos dos cidadãos, desde que seja mantida corretamente nos seus
devidos estatutos. Como se espera, que sejam assegurados por toda a pula
nacional, na pessoa do senhor Presidente e todo o Congresso Nacional (Santos,
1986).
A mensagem foi enviada em tom de apoio aos trabalhos constitucionais e, ao mesmo
tempo, demonstra que os brasileiros estavam interessados em acompanhar as pautas
discutidas nas comissões da ANC. Além disso, o missivista também considerou que a
11
Tancredo concorreu à presidência, com o vice José Sarney, pela Aliança Democrática, que reuniu dissidentes
do PDS, partido governista e membros PDMB no colégio eleitoral de 15 de janeiro de 1985, destinado à eleição
indireta do sucessor de João Batista Figueiredo. A Aliança Democrática venceu o Colégio Eleitoral de 1985,
entretanto, em decorrência da grave doença e morte que acometeu Tancredo, no dia 15 de março de 1985,
Sarney assumiu a presidência de forma interina.
126
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efetivação do trabalho Constituinte dependeria da sua adequação aos propósitos
constitucionais e a responsabilidade em assegurar esta ordem era do presidente e do
Congresso Nacional. A mensagem de José da Paz Araújo
12
possui, em linhas gerais, a mesma
abordagem da carta-formulário anterior, pois o missivista também buscou demonstrar ter
interesse no tema ao explicar o que considerava ser a Constituinte:
Eu penso que a constituinte são muitas leis, são as principais de um país. Essas leis
são para que sejam tomadas as principais providências do país para que tenham mais
ordem. Eu espero da constituinte que vem aí que seja uma constituinte de leis muito
elaboradas para que acabe a violência (sic) neste país. Eu desejo que esta
constituinte seja uma constituinte de muita participação do povo para dar suas
opiniões e que essas opiniões sejam bem aproveitadas (Araújo, 1986).
A projeção criada a partir da elaboração das principais leis que regulamentam o país
foi tão intensa que alguns missivistas não distinguiam as garantias constitucionais da sua
aplicabilidade prática. Essa dinâmica ocorreu porque as expectativas criadas com a
instauração de uma nova Constituição não se restringiram às experiências anteriores, afinal,
a criação das Constituições durante a ditadura militar, ainda que propagandeadas como
promulgadas, foram feitas de maneira unilateral e atravessadas pelo autoritarismo do regime
em vigor no período. Em suma, na maior parte das mensagens que integram a categoria
Constituinte ideal, os missivistas desejaram que a nova Constituição abrisse um horizonte de
expectativas que viabilizasse a resolução de problemas sociais, econômicos e políticos, a
mensagem de Abiné José Ferreira
13
também ilustra essa visão:
Saúde, Paz e Prosperidade. Tudo o que nós esperamos da Nova Constituição é um
melhoramento básico, que venha a beneficiar a nação brasileira, corrigir tantas,
irregularidades que até então, reina no nosso sofrido Nordeste. Ainda falta muito
para a democracia estender suas asas, em todos os recantos deste imenso país
(Ferreira, 1986).
12
José da Paz Araújo enviou sua carta-formulário em 15 de julho de 1986, do município de São João do Piauí,
morador da zona rural, possuía formação escolar até o segundo grau completo, solteiro, tinha entre 15 e 19 anos,
informou que recebia até 01 salário mínimo e Ciro Nogueira foi o destinatário escolhido.
13
Abiné José Ferreira enviou sua carta-formulário em 24 de fevereiro de 1986, do município de Monte Alegre do
Piauí, morador da zona urbana, possuía formação escolar até o primeiro grau completo, casado, tinha entre 25
e 29 anos, informou que recebia até 01 salário mínimo e Alberto Silva foi o destinatário escolhido.
127
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Abiné Ferreira além de desejar que os habitantes do Nordeste, adjetivados como
sofridos, fossem amparados por meio de políticas públicas implementadas a partir da
Constituinte, relacionou a construção do texto Constitucional com o regime democrático. A
autora considerou que a nova Constituição fazia parte do processo de redemocratização do
país que, de maneira positiva, voltava a “estender suas asas” (Ferreira, 1986), ou seja, era
restabelecido após 21 anos de ditadura militar. A mensagem reverbera a escolha do nome
Constituinte ideal para nossa categoria de análise, percebemos que os missivistas idealizavam
não o que deveria ser incluído no texto constitucional, mas os desdobramentos que
ocorreriam na sociedade a partir da promulgação dessas leis e os problemas que elas
solucionariam. Abiné, que possuía formação escolar apenas de primeiro grau
14
, associava a
criação da Constituição a uma etapa importante para a expansão da democracia no Brasil.
A mesma concepção foi identificada em mensagens de outros missivistas com maior
grau escolar, nota-se, portanto, que, independente da formação escolar ou acadêmica,
pessoas de diversos estratos sociais ansiavam pela nova Constituição e a consideravam uma
etapa necessária para a redemocratização. O missivista Francisco de Assis Leite
15
ressaltou a
importância da Constituição como um projeto político que serviria para orientar as decisões
aplicadas por meio dos poderes estatais: “Uma nação sem a sua Constituinte é uma
embarcação no insondável oceano sem sua necessária direção [...]” (Leite, 1986). O autor
caracteriza a Constituição como documento norteador que conferiria assertividade às ações
estatais e aos projetos políticos a serem desenvolvidos no país. Na mensagem da missivista
Ivaneide Viana Cardoso,
16
percebemos mais uma vez a esperança de que os problemas sociais
e econômicos do país seriam resolvidos com a nova Constituição:
Em primeiro lugar, o que eu espero da Constituinte: [...] E também para que
possamos viver em paz, com fé, sem violência, que hoje em dia é que vemos em
nosso país. Tanta violência que nós vivemos coagidos. É isso que nós esperamos da
nova Constituinte. s brasileiros esperamos é que o nosso país mude e ajude nós,
brasileiros necessitados, e que possamos viver em paz, com fé, fraternidade
(Cardoso, 1986).
14
O primeiro grau equivale atualmente ao Ensino Fundamental I e II.
15
Francisco de Assis Leite enviou sua carta-formulário em 11 de abril de 1986, do município de Valença do Piauí,
morador da zona urbana, possuía formação escolar até o primeiro grau completo, casado, tinha acima de 59
anos, informou que recebia mais de 01 a 02 salários mínimos e não escolheu destinatário.
16
Ivaneide Viana Cardoso enviou sua carta-formulário em 01 de agosto de 1986, de Teresina, morador da zona
urbana, possuía formação escolar até o primeiro grau completo, solteiro, tinha acima de entre 15 e 19 anos,
informou que recebia mais de 05 a 10 salários mínimos e Cid Saboia Carvalho, senador Constituinte do Ceará
filiado ao PMDB, foi o destinatário escolhido.
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Ivaneide Viana escolheu a violência como tema central da narrativa, o horizonte de
expectativas aberto a partir da construção de uma nova Constituição permitiu que a autora
imaginasse uma realidade social diversa da que vivenciava no período de escrita da carta-
formulário. Observamos a criação de futuros possíveis pelos missivistas que ilustram, para
utilizarmos palavras de Reinhart Koselleck, o tempo histórico em transformação: “Com isto,
veremos que a classificação dos conceitos sociais e políticos pelas categorias ‘expectativa’ e
‘experiência’ oferece, não obstante, uma chave para mostrar o tempo histórico em mutação”
(Koselleck, 2006, p. 322). As cartas-formulário apresentam-se como uma chave para
percebermos o tempo histórico em mutação, sobretudo a partir de uma perspectiva política.
A nova Constituição foi esperada por Ivaneide como algo revolucionário, a missivista
ansiava que um tempo de paz e fraternidade fosse inaugurado, para tanto, as estruturas
políticas, sociais e econômicas seriam transformadas. A Constituição de 1988, por meio da
perspectiva ordinária, não disporia apenas sobre a organização do Estado brasileiro e os
direitos do cidadão, ela viabilizaria a resolução dos mais diversos conflitos e desigualdades.
Por outro lado, apesar de a maior parte dos missivistas terem depositado suas esperanças por
mudanças na Constituição, existiram aqueles que utilizaram o espaço para afirmar que não
acreditavam em mudanças significativas. José Wilson da Silva
17
fez as seguintes
considerações:
Essa é a minha opinião: eu acho que a Constituinte não vai resolver o problema do
nosso país, porque, na situação em que nosso país se encontra, não há remédio que
cure nossos males. O que mais precisamos, em nosso país, é de homens
competentes e sinceros, para que o nosso Brasil não chegue ao desespero. Por outro
lado, quando os nossos parlamentares se encontram com o poder na mão,
esquecem que se comprometeram com a nação. Então não há partido político, não
há Constituinte que venha acabar, de uma vez toda, com o nosso problema: porque
os nossos parlamentares, quando em suas campanhas política oferecem mil
maravilhas para a nação, saem correndo atrás de cada brasileiro, por mais pobre que
for, e, depois que chegam, cada um em seus gabinetes, esquecem de que fomos nós,
que os levamos até ali, e em vez de irem trabalhar para cumprir o que prometeram,
não, vão à luta é por sua condição financeira. E é por isso que não mais acreditamos
em mudança. Todos são iguais quando estão querendo alcançar suas vitórias; então,
por que agem de tal maneira? Todos deveriam lutar e estar, lado a lado, com o povo,
mas não, eles querem só que o povo esteja com eles, e esquecem que sempre vem
outra campanha política, e, que mais uma vez vão precisar do povo (Silva, 1986).
17
Jose Wilson da Silva enviou sua carta-formulário em 30 de fevereiro de 1986, do município de Ipiranga do Piauí,
morador da zona rural, possuía formação escolar até o primeiro grau incompleto, casado, tinha entre 25 e 29
anos, informou que recebia mais de 01 a 02 salários mínimos e Helvídio Nunes foi o destinatário escolhido.
129
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O missivista não acreditava que seria possível solucionar os problemas econômicos,
sociais e políticos do Brasil por meio de uma nova Constituição. José Wilson argumenta que
os próprios Constituintes, aqueles que construiriam o texto constitucional, representavam um
dos males do país, pois, segundo as próprias experiências, os representantes agiam apenas de
acordo com interesses particulares e partidários. Analisemos as afirmações a partir das
considerações de Koselleck (2006):
Algo semelhante se pode dizer da expectativa: também ela é ao mesmo tempo ligada
à pessoa e ao interpessoal, também a expectativa se realiza no hoje, é futuro
presente, voltado para o ainda-não, para o não experimentado, para o que apenas
pode ser previsto. Esperança e medo, desejo e vontade, a inquietude, mas também
a análise racional, a visão receptiva ou a curiosidade fazem parte da expectativa e a
constituem (Koselleck, 2006, p. 310).
A expectativa é futuro presente porque se trata de algo que esperamos que
acontecer, mas é formulada no presente, tais previsões não precisam ser necessariamente
positivas, é o caso da mensagem de José Wilson que traz uma perspectiva mais racional sobre
o momento de transição que vivenciava, o autor o caracterizou mais pelas permanências do
que pelas transformações. Percebe-se um tom de indignação nas palavras escritas pelo
missivista que discute a respeito das práticas de políticos que se aproximam dos eleitores
apenas para angariar votos e, após ganharem os pleitos, afastam-se dessas populações
marginalizadas. Nesse sentido, a expectativa apresentada pelo missivista foi baseada em
experiências negativas e influenciou a falta de esperança para com a construção da
Constituinte, pois a permanência das práticas de corrupção era mais real do que as
possibilidades de mudança.
Apesar de acreditar que a Constituição não teria um impacto significativo na própria
realidade, José Wilson da Silva considerou importante participar do projeto Diga-Gente -
Projeto Constituição para manifestar a sua indignação com o sistema político do país, além da
oportunidade de ter como interlocutor um representante político, ou seja, poderia direcionar
as críticas para aqueles a quem considerava responsáveis pelos problemas do país. O
posicionamento do missivista também nos permite compreender que o impacto da
Constituição de 1988 foi visto de maneiras plurais, majoritariamente, percebe-se a
empolgação e a esperança de que algo novo transformaria os males estruturais do país,
130
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contudo, havia aqueles que não acreditavam nessa possibilidade, em termos teóricos, que
limitaram o horizonte de expectativa a partir do espaço de experiência.
A carta-formulário a seguir não possui identificação do autor: “Que o trabalhador
pudesse participar da Constituinte. Que as forças militares sejam (sic) desligadas (sic) da
política. Última sugestão. Um grupo de pessoas que não sofrem jamais poderão saber o que
os pobres precisam”
18
(1986). O missivista, além de solicitar que os trabalhadores pudessem
participar da Constituinte, embora não tenha especificado qual forma de participação,
considerava a mais pertinente crítica à Constituinte a sua composição, formada por deputados
e senadores com um espaço de experiência distinto das camadas menos abastadas, em suma,
para o autor, eles não saberiam precisar as reais necessidades da população. O discurso do
missivista aproxima-se dos debates promovidos pelos movimentos pró-participação popular
na Constituinte que reivindicou, incialmente, um modelo exclusivo ao invés de congressual.
Os membros de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva são eleitos,
especificadamente, para trabalharem na produção da Constituição e após a conclusão do
texto a mesma é dissolvida. O modelo adotado na criação da Constituição de 1988 foi do tipo
congressual, formada pelos membros do Congresso Nacional, isso fez com que os movimentos
sociais intensificassem as campanhas em prol da participação popular na Constituinte porque
compartilhavam da percepção crítica de que os deputados e senadores agiriam de acordo com
interesses político-partidários. Fora essa percepção, que intensificou a participação da
população nos debates constituintes, não por meio do envio de cartas-formulário como
também pela organização de manifestações, congressos, caravanas, criação de emendas
populares, dentre outras.
As considerações do missivista não identificado reverberam a concepção de que a
discussão política não deveria ser limitada pela formação escolar ou pelo domínio teórico, o
que legitimava a participação popular eram as experiências acumuladas pelos brasileiros que
vivenciavam cotidianamente os problemas do país. Além disso, o autor solicitou que os
militares fossem afastados da política, dessa maneira, observamos o estabelecimento de uma
relação com o regime político anterior, a ditadura militar, representada como um ponto
oposto ao que deveria ser construído a partir da criação da nova Carta Constitucional.
18
A carta-formulário foi enviada em 30 de fevereiro de 1986, do município de Teresina, morador da zona urbana,
possuía formação escolar até o segundo grau completo, casado, tinha entre 30 e 39 anos, informou que recebia
mais de 01 a 02 salários mínimos e João Lobo foi o destinatário escolhido.
131
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Consideramos que o pedido de afastamento dos militares do sistema político influenciou o
autor a não ter se identificado no formulário. O missivista indeterminou a autoria da carta
como forma de autopreservação e segurança, uma vez que a presença dos militares e de
mecanismos autoritários não foi encerrada com a eleição indireta de Tancredo Neves ou com
o mandato de José Sarney, mas perdurou durante a reconstitucionalização do país.
Os missivistas também relacionaram à nova ordem constitucional que seria instaurada
à religião, principalmente no que se refere à liberdade de realizar cultos religiosos. Este foi o
pedido realizado por Jonas Tomaz dos Santos
19
:
Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. Da nova Constituição
brasileira eu penso que vai melhorar o nosso país em todos os setores. Espero que
a influência religiosa não afete os direitos que todos nós brasileiros temos, e
religiosamente sermos libertos e propagar a nossa crença em alto e bom som [...]
(Santos, 1986).
Religião e política são temas que foram constantemente tratados de maneira conjunta
no Brasil. Apesar do país ter se tornado laico, com a instauração da república no ano de 1889,
a relação foi discutida pelos missivistas nas cartas-formulário, alguns autores demonstraram
preocupação, pois consideravam que a nova ordem constitucional poderia restringir algum
culto religioso. O mesmo pedido foi feito pelos dois próximos missivistas, entre eles, Francisco
de Sousa Santos
20
:
Como Ministro Evangélico, sou a favor de uma Nova Constituição como a lei máxima
da Pátria. Espero que os Evangélicos, como parte da sociedade Brasileiro nesta Nova
Constituição, sejam assegurados os direitos de liberdade de debater, de consciência,
de expressão, de culto, de propagação do Evangelho e acesso às solenidades
públicas, como têm os demais ministros religiosos (Santos, 1986).
Além dos fiéis das religiões, os chefes das congregações também reivindicaram o
direito de proferir as suas crenças, entre eles, o ministro evangélico Francisco de Sousa Santos.
Antes das duas últimas cartas-formulário discutidas, havíamos identificado apenas narrativas
19
Jonas Tomaz dos Santos enviou sua carta-formulário em 01 de março de 1986, do município de Corrente,
morador da zona urbana, possuía formação escolar até o segundo grau completo, não informou estado civil,
tinha entre 20 e 24 anos, informou que recebia até 01 salário mínimo e não escolheu destinatário.
20
Francisco de Sousa Santos enviou sua carta-formulário em 02 de março de 1986, do município de Santa Cruz
do Piauí, morador da zona urbana, possuía formação escolar até o primeiro grau incompleto, casado, tinha entre
30 e 39 anos, informou que recebia até 01 salário mínimo e não escolheu destinatário.
132
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em que os missivistas ansiavam por mudanças. Em contraponto, nas mensagens de Jonas
Tomaz dos Santos e Francisco de Sousa Santos, temos a preocupação de que garantias
existentes não fossem abolidas com as novas leis. A inquietação demonstrada pelos autores a
respeito da liberdade religiosa pode indicar certo nível de desconhecimento a respeito do
regime político a ser construído, uma democracia, sistema intrinsecamente ligado à liberdade
de expressão. A preocupação do missivista também pode estar relacionada às experiências de
preconceito contra pessoas da religião. Segundo dados do IBGE, os evangélicos
representavam apenas 6,6% da população na década de 1980 e 9,0% nos anos 1990. Os
pedidos dos missivistas Jonas Tomaz dos Santos e Francisco de Sousa Santos foram atendidos
na Constituição no capítulo “Dos direitos e garantias fundamentais”, Artigo 5º, inciso VI, têm-
se a garantia de liberdade de crença, por conseguinte, de religiosidade: “é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (Brasil, 1988, cap.
I, art. 5, inc. VI).
Apesar de termos estabelecido um recorte temporal restrito aos anos em que o projeto
Diga Gente - Projeto Constituição esteve em funcionamento, tratamos de um tema que
pertence ao campo da História do Tempo Presente brasileira, acerca desse campo de estudos,
Jean- Pierre Rioux (1999) fez as seguintes considerações:
[...] a história do presente ao mesmo tempo como término de uma periodização e
fina película cronológica que deseja apenas se espessar, mas também como um
momento particularmente favorável à observação da ação do tempo passado sobre
o presente e, enfim, como uma permuta tangível entre memória e acontecimento
(Rioux, 1999, p. 40).
A construção da nova Constituição e os efeitos causados a partir de sua criação
permanecem como uma ação do passado sobre o presente, não apenas por meio da
interpretação dos seus dispositivos constitucionais, mas também por meio dos espaços de
experiência modificados com a promulgação da Carta Magna, documento que a população
continua analisando e reinterpretando a partir das necessidades constantemente atualizadas
do presente.
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Considerações finais
Algumas considerações realizadas ao longo do texto são valiosas para a análise da
problemática discutida, as propostas que fundamentaram a conservação das cartas-
formulário e a sua preservação em plataformas digitais podem ser entendidas como um
enquadramento de memória. Representavam a construção de um acervo nacional sobre a
Constituinte que conferiria legitimidade à instauração e à preservação do regime democrático
no país.
A realidade material presente no contexto vivenciado pelos brasileiros que escreveram
cartas-formulário à Assembleia Nacional Constituinte não limitou as expectativas criadas, uma
nova Constituição poderia trazer soluções aos mais variados problemas apresentados. Por
exemplo, por mais que o problema da desigualdade de renda fosse estrutural no Brasil, ou
seja, ancorado em uma longa duração como uma permanência, considerável parte dos
missivistas acreditavam que a nova Constituição Federal resolveria esse problema ou o
amenizaria, justamente porque criaram um horizonte de expectativas que não fora limitado
pelas experiências que possuíam. Ao tempo que construíam os textos, criaram expectativas
que não eram limitadas pela experiência, mas iam para além dela, uma projeção que poderia
ser tanto negativa quanto positiva, mas não restrita. As possibilidades foram expandidas para
além da materialidade real porque não existia ainda nada de concreto, havendo espaço para
uma criação que tornou a realidade dobrável Nessa perspectiva, em alguns casos, ocorreu a
subversão da realidade material pela expectativa.
A conjugação das diversas formas de intervenção que os brasileiros criaram para
manifestarem seus posicionamentos políticos de forma direta comportou opiniões públicas
variadas, mas interligadas pela concepção de que era necessário participar do debate público,
essa dinâmica culminou na emergência de uma cultura política que teve como cerne uma
população ativa politicamente, que pressionou e impôs limites a atuação dos Constituintes. A
sociedade civil organizada disputou espaços políticos no intuito de que as demandas sociais
apresentadas recebessem garantia constitucional. Os brasileiros criaram cenários
desfavoráveis ou favoráveis às pautas discutidas pelos membros dos partidos políticos que
formaram a Assembleia Nacional Constituinte. Ainda que fossem problemas compartilhados
por um grupo, as apresentações dos temas estavam sempre articuladas às perspectivas
individuais e subjetivas. A justificativa para os anseios e pedidos narrados foi realizada por
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meio da representação de si, do lugar onde viviam, manifestavam suas crenças, estudavam e
trabalhavam.
O principal elo de todas as mensagens, ao menos da maioria delas, residiu na crença
de que a nova Constituição abria um horizonte de expectativas positivo que resultaria na
resolução dos problemas sociais, políticos e econômicos do país. As cartas-formulário
salvaguardadas no banco de dados SAIC foram remetidas por piauienses de 39 municípios,
pessoas que apresentaram condições financeiras, formação escolar e idades diversificadas,
elementos que influenciaram a variedade de abordagens e temas tratados pelos missivistas.
A pluralidade é uma característica própria da participação popular, fenômeno que comporta
flexibilidade e modos de intervenção de pessoas de diferentes extratos sociais. Segundo o
espaço de experiência de cada missivista, o horizonte de expectativas apresentado, em
decorrência da construção de uma Constituinte, foi retraído ou expandido, alguns destacaram
nas mensagens elementos de permanência que contaminavam qualquer prognóstico positivo,
por exemplo, a corrupção.
Os missivistas, ao escreverem as narrativas, estabeleceram relações entre o passado,
o presente e o futuro; em síntese, os conectaram de diferentes maneiras e mobilizaram esses
tempos ao discorrerem acerca das vivências que tiveram e dos anseios que possuíam em
relação à nova Constituição. Para compreender as relações que os missivistas estabeleceram
entre os estratos temporais, utilizamos duas categorias desenvolvidas por Reinhart Koselleck
(2006), espaço de experiência e horizonte de expectativa. As cartas-formulário foram escritas
a partir da intersecção entre o espaço de experiência e o horizonte de expectativa aberto em
decorrência da construção da Constituição.
Na maioria das mensagens, os prognósticos criados a respeito das consequências que
a Constituinte desencadearia foram positivos, pois sua construção representou para os
missivistas uma possibilidade de resolução das demandas sociais que apresentaram. Em
alguns casos, essa perspectiva positiva foi estendida a tantas instâncias da estrutura social do
país que parte dos missivistas piauienses esperou que a nova Carta Constitucional viabilizasse
a resolução concreta de problemas nas localidades em que viviam, por exemplo, a instalação
de um canal de televisão ou a melhora na oferta de transporte público. Percebemos que o
passado evocado nas narrativas epistolares foi apresentado a partir de vivências negativas
que os missivistas tiveram, questões que deveriam ser superadas, reajustadas.
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O anseio de que a nova Constituição poderia solucionar os problemas da ordem
econômica e política do país aparece de maneira majoritária nas sugestões, de tal forma que
nada poderia ficar de fora do texto Constitucional, pois, embora as garantias constitucionais
não significassem suas práticas, elas abririam espaço para a população cobrá-las do Estado.
Foram sugestões criadas a partir de experiências peculiares, que envolveram a construção de
uma identidade de si e da significação do mundo que rodeava os escritores. Foi por meio da
construção de narrativas que estes elementos de construção identitária contribuíram para o
desenvolvimento de discursos que poderiam convencer os interlocutores a atenderem as
sugestões e os pedidos.
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