Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 110-137, jan./jun., 2025
As narrativas das cartas-formulário nos dão acesso às interpretações, aos anseios, aos
pedidos e às sugestões dos brasileiros, assim como às estratégias discursivas empregadas para
o convencimento dos interlocutores, uma vez que, a proposta do projeto era que deputados
e senadores constituintes lessem as cartas-formulário anexadas ao banco de dados. Apesar
da pluralidade de temas discutidos pelos missivistas, buscamos identificar uma lógica que
marca o conjunto das cartas-formulário. Para tanto, mapeamos, dentre outras características,
que as mensagens se ancoram em uma articulação que envolve três categorias temporais:
passado, presente e futuro.
No que se refere à fundamentação teórica, utilizamos as seguintes categorias: opinião
pública, com base nos estudos de Jean Jacques Becker (2003), cultura política, de Serge
Berstein (2003) e participação popular, de Vincent Valla (1998). Foram empregadas na
problematização das fontes duas categorias centrais, ambas desenvolvidas por Reinhart
Koselleck (2006), espaço de experiência, tendo em vista que os missivistas mobilizaram
discursivamente suas experiências durante a escrita dos textos, horizonte de expectativas,
pois a Constituição foi posta, na maioria das mensagens, como um instrumento promissor
para a abertura de um futuro distinto do presente e do passado, tempos utilizados para
fundamentar as demandas apresentadas nas narrativas.
Empregamos metodologia qualitativa na análise das cartas-formulário a partir do
entrecruzamento com outros tipos de fontes, o que nos permitiu realizar o estudo dos textos
em interlocução com o contexto econômico, social e político. Cada mensagem foi analisada
de maneira individual durante a fase de catalogação e, posteriormente, identificamos
aspectos comuns a fim de demonstrar que, apesar da diversificação de pedidos, o movimento
de participação conjugou-se em torno de semelhanças, entre eles, a ideia de que melhores
condições de vida política, social e econômica dependiam da redemocratização do país e,
principalmente, da influência popular na formulação da Constituição. Em determinados
momentos, também fizemos usos de quantificações acerca dos dados assinalados pelos
missivistas no formulário, com o intuito de investigar a condição política, econômica e
material dos escritores.
Criamos uma categoria específica para discutir as cartas-formulário utilizadas neste
artigo, intitulamo-la Constituinte ideal, organizamo-la durante a catalogação das fontes,
somam-se a ela outras oito categorias: Poder e organização municipal, Economia, Saúde,
Mulheres, Liberdade de expressão, Corrupção, Reforma agrária e homem do campo e