Faces da História, Assis/SP, v. 12, n. 1, p. 46-65, jan./jul., 2025
da imprensa enquanto criavam uma retórica de guerra contra o morro da Favela, que surgiu
na imprensa nos primeiros meses do século XX. Notícias foram publicadas com títulos que
deixavam poucas dúvidas sobre o discurso que se queria construir sobre a Favela: Cenas de
sangue e Favela Vermelha são alguns exemplos constantemente mobilizados para se referir à
rotina dos vagabundos, gatunos, bandidos, navalhistas, capoeiras, viciados, e degenerados
que habitavam aquele “antro infecto” de criminosos.
No decorrer da década de 1900, ao passo que a Favela se tornava notória nas colunas
criminais dos diversos jornais cariocas, outro prefeito da cidade assumiu as rédeas de um
grande processo civilizatório que tornaria o período um marco histórico do Rio de Janeiro.
Unido a um conjunto de ações realizadas pelo presidente Rodrigues Alves, o prefeito Pereira
Passos conduziu um conjunto de reformas que visava transformar a capital brasileira em uma
“Paris dos Trópicos”. Inspirado pelas intervenções realizadas pelo Barão de Haussmann,
prefeito parisiense em meados do século XIX, Passos realizou um conjunto de intervenções
urbanísticas radicais, como o alargamento de diversas vias e a padronização das fachadas dos
prédios. Mais que uma revolução estética, as “Reformas Passos” (como são mais comumente
conhecidas), visavam uma transformação dos usos do espaço urbano carioca.
A transformação da forma urbana visava sobretudo resolver as contradições que ela
apresentava. Era imperativo agilizar o processo de importação/exportação de
mercadorias, que ainda apresentava características coloniais devido à ausência de um
moderno porto. Era preciso, também, criar uma nova capital, um espaço que
simbolizasse concretamente a importância do país como principal produtor de café do
mundo, que expressasse os valores e os modi vivendi cosmopolitas e modernos das
elites econômica e política nacionais. Nesse sentido, o rápido crescimento da cidade
em direção à zona sul, o aparecimento de um novo e elitista meio de transporte (o
automóvel), a sofisticação tecnológica do transporte de massa que servia às áreas
urbanas (o bonde elétrico), e a importância cada vez maior da cidade no contexto
internacional não condiziam com a existência de uma área central ainda com
características coloniais, com ruas estreitas e sombrias, e onde se misturavam as sedes
dos poderes político e econômico com carroças, animais e cortiços. Não condiziam,
também, com a ausência de obras suntuosas, que proporcionavam “status” às rivais
platinas. Era preciso acabar com a noção de que o Rio era sinônimo de febre amarela
e de condições anti-higiênicas, e transformá-lo num verdadeiro símbolo do “novo
Brasil” (Abreu, 2022, p. 81).
Para isso, Passos, assim que assumiu a prefeitura, reorganizou a Comissão da Carta
Cadastral da cidade, instituindo uma ordem de recuo progressivo dos edifícios e a
uniformização do alinhamento das ruas da cidade (Abreu, 2022). Tomando como exemplo as
ruas Salvador de Sá e Mem de Sá, que ligariam o Estácio à Lapa, as vias de 17 metros foram