Escritos de um viado vermelho
Writings of a red fagot
PAIVA, Mário Jorge de*
https://orcid.org/0000-0001-7158-4371
AZEVEDO, Gustavo Cravo de **
https://orcid.org/0000-0003-2743-3503
GREEN, James N. Escritos de um viado vermelho: política, sexualidade, solidariedade. São
Paulo: Editora UNESP, 2024.
Recebido em: 11/01/2025
Aprovado em: 12/05/2025
James Green é um dos maiores pesquisadores sobre a história da homossexualidade
masculina no Brasil, logo sobre o livro Escritos de um viado vermelho podemos iniciar
falando que é uma obra de uma riqueza histórica ampla, de alguém que está décadas
estudando e militando pelo Brasil. Assim sendo, o saldo final da leitura é obviamente positivo,
* Doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ). Professor da Secretaria da Educação
de Santos, tendo como sede a E. E. Ary de Oliveira Garcia, Cubatão, São Paulo (SP). E-mail:
mariojpaiva91@gmail.com.
** Doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ). Técnico em Assuntos Educacionais
da UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ). E-mail: gustavo_cravo@hotmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
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mesmo que por ser um livro de ensaios, muitos publicados em locais e momentos diferentes,
possua uma série de redundâncias e questões do gênero.
Escritos de um viado vermelho é um livro de ensaios, como dito, que aborda diversos
temas envolvendo o Brasil e a defesa da comunidade LGBTQIAPN+. É algo ingrato fazer uma
resenha de um livro de quase 600 páginas, então aqui, infelizmente, não poderemos trabalhar
todos os textos profundamente, dando maior enfoque aos ensaios que nos soaram principais.
A introdução e o primeiro ensaio, Abaixo a repressão, mais amor e mais tesão, fala
sobre como, de forma inusitada, um americano terminou se envolvendo politicamente com
os movimentos de libertação da América Latina, por ser de esquerda, e sobre suas dificuldades
de conciliar lutas pelo movimento LGBTQIAPN+ e os grupos de esquerda, afinal, como é
frisado, vários movimentos, marxistas, socialistas etc., eram contra os gays. Se o ideal
revolucionário era Che Guevara, os gays eram vistos como fracos e efeminados (Green, 2024,
p. 44). Tal parte do livro fala igualmente sobre o jornal Lampião de Esquina, o Grupo Somos,
a importância de João S. Trevisan para o movimento (e o desentendimento entre Trevisan e
Green), a formação do Grupo de Ação Lésbica-Feminista e a longa vida do Grupo Gay da Bahia.
O segundo texto dessa primeira parte, Legado do passado do Brasil, nos soa como o
ensaio mais fraco do livro. Em umas 30 páginas, o autor tenta recontar, do ponto de vista
político, econômico e social, a história do Brasil, dando ênfase a certos elementos que ele
considera que cruzaram o tempo, como um Poder Executivo forte, força da liderança
carismática, influência do Exército em questões políticas, etc. Assim sendo, uma série de
questões ou eventos importantes são tratados de formas muito breves ou não são tratados.
Certas bibliografias extras poderiam ter sido usadas aqui, para enriquecer tais análises, desde
as obras políticas e econômicas de Baer (2009), Giambiagi et al. (2011), Eduardo Raposo
(2011), Vladimir Safatle (2022) e Jairo Nicolau (2020), passando por textos que aprofundaram
mais acerca das discussões raciais no país, como no caso do pioneiro trabalho de Florestan
Fernandes (2008) ou mesmo uma leitura mais densa de Gilberto Freyre (2006, 2009), até
chegarmos aos textos recentes sobre a nova direita brasileira, ver Cassimiro & Lynch (2022),
Castro Rocha (2023), Camila Rocha (2021) e mesmo nossos artigos sobre o tema (cf. Paiva,
2021, 2024; Azevedo; Paiva, 2022).
o ensaio Vozes lésbicas e o feminismo radical no “movimento homossexual”
brasileiro dos anos 1970 e início dos anos 1980 destaca-se por estar centrado na questão das
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lésbicas e dos movimentos feministas, mostrando que, nessa época, tais mulheres podiam ser
rechaçadas por movimentos feministas e marxistas.
O texto Ditadura e homossexualidades se destaca por discutir perseguições moralistas
na época da ditadura, em que havia censura nas mídias, violências policiais e homossexuais
podiam ser perseguidos, e mesmo perder empregos, nas instituições públicas. Para quem
leu o livro Ditadura e Homossexualidades (cf. Green & Quinalha, 2014) o texto em questão
não possui novidades, mas é sempre bom frisar esses pontos e rememorar essas perseguições
e injustiças realizadas nos governos militares.
Reinventando a história: Lincoln Gordon e as suas múltiplas versões de 1964 fala como
os Estados Unidos ajudaram no golpe militar brasileiro. Se antes Lincoln Gordon negava
qualquer envolvimento norte-americano, essa narrativa caiu com a abertura de uma série de
documentos, citados por Green. O mais impressionante é como certos argumentos de Gordon
eram frágeis e parece, em certos momentos, que os norte-americanos apoiaram uma
ditadura, que durou 21 anos, devido a boatos e exercícios especulativos. Gordon, sabe-se, foi
um defensor eterno do golpe de 1964 e, pelo menos, do governo de Castelo Branco.
O texto Opondo-se à ditadura nos Estados Unidos possui um título autoexplicativo, fala
sobre pressões feitas em tal país contra as torturas e arbitrariedades da ditadura brasileira,
valendo recordar que Green também comenta da oposição que ocorreu em países como
França e Alemanha. Um ponto bem interessante do texto, talvez ainda pouco estudado,
envolve a morte do padre Antônio Henrique Pereira Neto e de como houve perseguição,
torturas e mortes contra religiosos brasileiros, sejam bispos, sacerdotes e líderes seculares (cf.
Green, 2024, p. 218). Logo, faz sentido toda pressão e condenação que a Igreja Católica
realizou contra essa ditadura em certo período, em que, acrescentemos, intelectuais católicos
reacionários foram descredibilizados, como é o caso de Gustavo Corção (cf. Paiva, 2021), que
ainda possui impacto hoje no Brasil através de outras figuras da extrema direita, como Olavo
de Carvalho, que foi um leitor de sua obra.
Na sequência, Green caminha para uma discussão sobre como é difícil trabalhar com
grupos que carecem de boas fontes históricas, grupos que podem estar mentindo ou estarem
errados, vide o exemplo do agente da ditadura que o confundiu, James Green, com o Gabeira.
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Green, igualmente, aborda o cuidado que temos de ter ao abrir documentos, pois essas
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Fernando Gabeira é um escritor, jornalista e político brasileiro que atuou de modo marcante como resistência
contra a Ditadura Militar, tendo por isso passado vários anos em exílio.
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pessoas podem ainda estarem vivas. O curto artigo Abrindo os arquivos e os armários:
pesquisando a homossexualidade no Arquivo Público do Estado de São Paulo é curioso, pois
se debruça em apenas um caso e mostra como a história individual pode revelar padrões
sociais mais amplos (cf. Green, 2024, p. 262). Nele acompanhamos o diretor de uma escola
particular, chamado Napoleão B., que foi internado no Sanatório Pinel devido ao fato de sua
família estar achando estranha sua relação com um professor da mesma instituição, no caso,
o João Cândido. O relato mostra uma resistência, porque, mesmo com dificuldades, o ente
conseguiu contratar um advogado e houve uma briga na justiça contra o próprio pai. Mesmo
que o juiz tenha indeferido seu pedido, ainda no ano de sua prisão, 1935, Napoleão voltou
para sua liberdade, porém, exatamente pela falta de dados, não sabemos se ele continuou
sua relação com o outro homem.
O texto Abrindo os arquivos do Tio Sam é importante por apresentar a riqueza do
projeto Opening the Arquives, idealizado e desenvolvido por Green e sua equipe, o projeto
busca disponibilizar, de forma fácil, vários arquivos americanos. Estamos falando de um site
que disponibilizou 70.000 documentos internacionais sobre o Brasil, abordando um período
entre 1961 e o início dos anos 80 (Green, 2024, p. 287). A quantidade de artigos, teses,
dissertações que podem surgir disso, claro, é gigantesca.
Já na parte seguinte do livro, o autor começa a falar do avanço da direita no Brasil, da
questão do impeachment de Dilma, sobre o governo Temer e da Operação Lava Jato, frisando
como o juiz Moro e o procurador Dallagnol possuíam conluio para garantir Lula inelegível na
eleição de 2018 (cf. Green, 2018, p. 315), frisando os excessos e medidas injustificadas da
operação, acordos dúbios e vazamentos seletivos de informações para a mídia (cf. Green,
2018, p. 314).
O próximo ensaio que nos soou de maior relevância é Quem é o macho que quer me
matar?. Nele, Green discute longamente sobre a questão da homossexualidade dentro de
movimentos revolucionários brasileiros. Na leitura do autor, houve uma influência moralista
em suas formações, devido às bases católicas que tais jovens receberam, existindo também o
fato de que certas questões culturais podiam chegar com atraso aqui, afinal o governo
censurava nossa mídia. De um modo geral, o autor vê que foi na geração seguinte, depois do
fim da guerrilha, que tais pautas foram se abrindo mais para o pensamento progressista.
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falta de fontes e histórias discrepantes, sendo um ponto fora da curva, nesse sentido, a vida
de Herbert Daniel.
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Os próximos artigos discutem alguns personagens interessantes da vida cultural
brasileira, como Sarah Bernhardt, João do Rio e a campanha contra ele na Academia Brasileira
de Letras, Clodovil, Clóvis Bornay, Roberta Close, Mário de Andrade e Chico Alves, entre
outros. O livro, antes de suas considerações finais, fecha com um artigo sobre Madame Satã.
As considerações finais são apresentadas em um texto chamado What´s left?, em tal
momento Green fala de seus futuros projetos, agora que pretende se aposentar, e ele ainda
acredita que há muito por fazer.
James deseja pesquisas mais extensas sobre a vida LGBTQIAPN+ no regime colonial e
imperial (cf. Green, 2024, p. 557), assim como fala sobre a necessidade de um estudo
abrangente sobre a sociabilidade lésbica no século XX, o mesmo valendo para uma história
abrangente sobre pessoas trans e as mudanças nas noções de gênero (cf. Green, 2024, p. 558).
Outro ponto destacado envolve mais estudos regionais, que examinem diferentes histórias da
homossexualidade no país (cf. Green, 2024, p. 558), algo que é percebido melhor, por
exemplo, no recente livro organizado por Maior & Quinalha (2023), que é um projeto, aliás,
do qual Green também participa. Seu tópico importante final é um questionamento sobre o
conservadorismo dentro da própria esquerda. Em suma, mesmo depois de sua aposentadoria,
Green pretende continuar trabalhando, e é excelente continuarmos a ter esse incansável
viado vermelho americano nos campos de estudos LGBTQIAPN+ brasileiros.
Referências
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pensamento conservador brasileiro no período mais recente da presença obrigatória da
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Globo, 2008.
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Herbert Eustáquio de Carvalho, ou Herbert Daniel, foi um escritor, sociólogo e jornalista brasileiro, sendo que
James Green passou vários anos pesquisando sua vida e obra.
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