Recebido em: 08/03/2015
Aprovado em: 20/12/2015
Usos metodológicos da cultura política e da políti-
ca: a coletividade e a individualidade na pesquisa
histórica
Methodological uses of the political culture and po-
litics: the collectivity and individuality in the historical
research
ROCHA, André Pereira
1*
Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir os pressupostos metodológicos do
conceito de cultura política, tendo como mote referencial as ideias de coletividade e
individualidade. Com a conhecida cultural turn, a partir da década de 1970, o conceito
de cultura política foi extensamente debatido, desenvolvido e aplicado de diferentes
formas pela historiografia, justamente na tentativa de abranger uma amplitude de
possibilidades de análises antes não levadas em consideração pelos pesquisadores.
Serge Berstein, Quentin Skinner e Paul Nesbitt-Larking representam, neste trabalho,
diferentes acepções acerca das possibilidades de análise sobre a política e as
discrepâncias em relação à cultura política, nas quais a coletividade e a individualidade
são postas em diferentes perspectivas.
Palavras-chave: Cultura política, historiografia, história, cultura, política, metodologia
1. Mestrando em História - Programa de pós-graduação em História – Escola de Filosofia, Letras e Ciên-
cias Humanas - UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo, Campus Guarulhos - Av. Monteiro Lobato,
679, Bairro Macedo, CEP 07112-000, Guarulhos, São Paulo - Brasil. Bolsista pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP. Email: andrerochabae@yahoo.com.br
Usos metodológicos da cultura política e da política: a coletividade e a individualidade na pesquisa histórica
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 112-127, jan.-jun., 2016.
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Abstract: This article aims to discuss the methodological assumptions of the concept of political
culture,
using as reference the ideas of collectivity and individuality. With the cultural turn
during the 1970s, the concept of political culture has been widely debated, developed and applied
in different ways by historiography in an attempt to cover a range of analytical possibilities
not previously taken into account by researchers. Serge Berstein, Quentin Skinner and Paul
Nesbitt-Larking represent, in this paper, different interpretations about the possibilities of
political analysis and discrepancies regarding the political culture in which the collectivity and
individuality are put into different perspectives.
Keywords: Political culture, historiography, history, culture, politics, methodology
Introdução
A política sempre foi uma das dimensões mais relevantes dentro da historiografia,
assim como determinante em alguns períodos, como em parte do século XIX.
Mesmo quando criticada, nunca deixou de ser um dos temas mais abordados pelos
historiadores. Este trabalho tem como intuito discutir algumas questões acerca das
concepções metodológicas e usos de abordagens históricas específicas que priorizam o
coletivo ou o indivíduo em suas análises. Há sempre um entrecruzamento entre as duas
acepções, mesmo quando muitos pesquisadores adotam posicionamentos que excluem
a viabilidade de compreensão de determinados fenômenos a partir de uma ou de outra.
Mais que somente os pontos colocados aqui, existe uma ampla gama de
discussões e problemas que perpassam todo o estudo da política dentro das ciências
humanas. Desde o século XIX, quando os diferentes campos do conhecimento estavam
se estabelecendo enquanto disciplinas, há uma grande preocupação com relação
às abordagens relevantes para se trabalhar com as dimensões da ação social e dela
compreender as concepções que circunscrevem as visões de mundo das pessoas.
No início de século XX, houve um distanciamento das características políticas como
abordagem suficiente para o entendimento histórico do passado analisado. Os Annales,
por exemplo, acabaram por transformar a política em um anátema para uma boa
parcela da historiografia francesa daquele momento, fazendo com que uma retomada
contundente fosse acontecer somente a partir da década de 1960. Todavia, as diferentes
tradições historiográficas não tiveram esta mesma relação com o tema. Mas, de forma
geral, foi posta lado a lado a muitos outros tipos de abordagem, e sem a importância
de antes, até meados do século XX. Os acontecimentos das guerras mundiais e crises
também foram impactantes e determinantes para se voltar novamente o olhar ao político
enquanto esfera potencialmente importante para a análise de qualquer sociedade.
A perpetuação do estudo da esfera política nas ciências humanas acabou por ser
colocado sob outros critérios nas diferentes perspectivas teóricas e metodológicas a
partir de então. Por meio deste prisma, é possível perceber que as diferentes tradições
historiográficas seguiram caminhos de divergência em alguns pontos, mesmo quando
mostram convergência dentro de um âmbito geral. Como colocado por René Rémond,
Karl Marx e Sigmund Freud foram determinantes na criação de uma perspectiva negativa
da política enquanto fonte de análise da sociedade (RÉMOND, 2003, p. 20). Na mesma
medida, na França, isso se aprofundou ainda mais com os Annales. Neste âmbito, a
história política, a história das ideias e a história das ideias políticas tornam-se o centro
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de referência dentro das discussões acerca do Político.
Frente às significativas mudanças que o mundo passou após as guerras mundiais,
que se refletiram diretamente nas discussões acadêmicas, a importância da história
cultural se mostrou significativa no desenvolvimento das possibilidades de se trabalhar
com o político. Michel Foucault, Roger Chartier, Pierre Bourdieu propuseram questões
que se relacionavam diretamente com os grandes paradigmas da década de 1960: o
marxismo e os Annales (HUNT, 1992, p. 1). O social ganhava uma importância maior
ao mesmo tempo em que as bases de um pensamento especificista, ainda arraigado à
tradição historicista e elitista, era criticado. Na década de 1990, ela se consolidou mesmo
sem ter se mostrado como uma “terceira via”, necessariamente, podendo ser concebida
mais como uma ampliação de questões e proposições já postas anteriormente.
A retomada do político, a partir de 1960, acabou por sintetizar uma série de
novos aspectos teóricos. Não houve uma sincronia entre as diferentes vertentes,
muito menos um direcionamento determinado para os novos usos. Uma das principais
influências foi a intensificação dos estudos sobre a cultura e o trabalho dentro de uma
configuração mais ampla de análise. A base antropológica, levando em consideração
principalmente a obra de Clifford Geertz, foi fundamental para a delimitação do aparato
instrumental metodológico a ser usado e estruturado dentro das pesquisas. A amplitude
proporcionada pela perspectiva cultural tinha por objetivo infligir o mesmo efeito
sobre a política: alargar o raio de análise acerca das relações políticas dos homens na
sociedade.
Contudo, justamente pela abrangente premissa inicial, o termo “cultura”
mostrava-se extremamente volátil e de difícil delimitação (NESBITT-LARKING, 1992, p.
80). Esta característica acabou por agregar-se às concepções políticas vistas por esse
prisma. Consequentemente, inúmeras são as tentativas de especificação do estudo do
campo, assim como a construção de uma metodologia que abarque as necessidades dos
historiadores da política. Sua retomada se deu dentro de determinados parâmetros, das
quais História e ciências humanas tiveram importância fundamental. Na obra O beijo
de Lamourette, Robert Darnton realizou um levantamento da produção historiográfica
de inúmeras universidades americanas, do qual constatou que mesmo com o aumento
das obras de história social, em um quantitativo percentual, havia ainda um intenso
movimento de pesquisas que abarcavam o político como ponto principal em um
quantitativo bruto, demonstrando certa regularidade desta produção entre as décadas
de 1940 e fins de 1970 (DARNTON, 1990, p. 181-186). De certo modo, houve a aproximação
da cultura sobre um tema que, mesmo deixado de lado em sua importância e primazia
até meados do século XX, ainda tinha uma produção relevante no meio acadêmico.
A junção de abordagens e tradições, então, acabava por corresponder a muitos
dos anseios de parte significativa da historiografia. Dessa forma, há a possibilidade de se
visualizar duas posições metodológicas que permaneciam desenvolvidas paralelamente
em meio às várias possibilidades: a história da cultura política e a história política. Nesta
perspectiva, podemos estabelecer um parâmetro de comparação metodológico entre
Serge Berstein e Quentin Skinner, mesmo que suas concepções não sejam convergentes,
justamente tomando como base as possibilidades existentes através das propostas de
cada um deles e levando em consideração as devidas proporções.
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Serge Berstein e a cultura política francesa
Serge Berstein se insere em uma tradição de retomada dos estudos políticos
na historiografia francesa que ganhou força na década de 1960 tendo como principal
protagonista na linha de frente René Rémond. Com a gradativa retomada, confeccionada
sobre um novo escopo, foram associando a política a outros elementos, como a cultura,
na ânsia de propor respostas para novos problemas. Estes problemas, como colocado
por Lucian Pye (1991, p. 488), vinham, principalmente, em decorrência da depressão
econômica do final da década de 20 e da Segunda Guerra Mundial, que causaram
profundas alterações no panorama do pensamento contemporâneo.
A interseção entre cultura e política se consolidou na década de 1990 na
historiografia francesa, tendo como principais pesquisadores Jean-Pierre Rioux, Jean-
François Sirinelli e o próprio Berstein. As diretrizes fundamentais para a compreensão
do conceito de cultura estavam em amplo desenvolvimento na Antropologia, desde a
década de 1960 e tendo com um dos principais intelectuais em questão o antropólogo
Clifford Geertz (2008), de onde, gradativamente, a política foi se aproximando enquanto
parcela significativa de constituição do homem, da sociedade e da qual inúmeros novos
pontos poderiam ser discutidos. O uso da concepção abrangente de cultura fez com que
a cultura política também tomasse esse viés. A abrangência de possibilidades também
tornou maleável os contornos e as inserções dentro de um dado período histórico.
Contudo, a força e importância das pesquisas com o conceito, comumente, residem em
questões historicamente contemporâneas, partindo, no mais tardar, do século XVIII em
diante.
Nessa tomada de um corpo conceitual antropológico, muitas das principais concepções
foram trazidas para a História, mas a mais relevante para as análises políticas foi a “representação”.
Isto é perceptível na definição de Berstein:
Os historiadores entendem por cultura política um grupo de representações,
portadoras de normas e valores, que constituem a identidade das grandes
famílias políticas e que vão muito além da noção reducionista de partido
político. Pode-se concebê-la como uma visão global do mundo e de sua
evolução, do lugar que aí ocupa o homem e, também, da própria natureza dos
problemas relativos ao poder, visão que é partilhada por um grupo importante
da sociedade num dado país e num dado momento de sua história (BERSTEIN,
2009, p. 31).
Historiograficamente, isto trouxe mudanças na perspectiva do político na
História. Rémond, por exemplo, preocupava-se com a abertura temporal possibilitada
pela cultura política, remontando um cruzamento entre o factual e a longa duração, pois
o político seria um dos domínios privilegiados da articulação do todo social. Sendo assim,
há a continuidade de uma tradição historiográfica, principalmente na longa duração de
Fernard Braudel, na permanência da ideia de continuidades e rupturas verificáveis em
um dado recorte temporal em contraste com uma maior importância do sujeito, do
acontecimento e da própria narrativa enquanto estratégia de escrita (RÉMOND, 2003,
p. 7). Essa abertura tinha por objetivo proporcionar mais possibilidades de análise e a
representação, enquanto aparato de sustentação teórico, convergiria esses inúmeros
aspectos para um mesmo âmbito.
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Assim, a representação delineia aspectos fundamentais para a própria percepção
da política para a História. Primeiramente, a noção de que o político não pode ser
visto separadamente do corpo social. Apesar de ponto referencial, a política é um
entre inúmeros aspectos que sustentam a vida em sociedade. A separação da cultura
política da cultura global separaria o conjunto de referentes para a compreensão
do comportamento político dos indivíduos. Comportamento este, em um segundo
momento, que estabelece também sua importância crucial. Como Berstein salientou, a
cultura política é mobilizadora e determinante da ação política dos indivíduos em grupo,
estabelecida não só nos aspectos contemporâneos a eles, mas também remetendo a toda
uma tradição em que estão inseridos e que é constantemente adaptada e ressignificada
(BERSTEIN, 1992, p. 69).
Contudo, este mundo de significações, de representações, não é uno em uma
sociedade. Dentro de um mesmo grupo não existe um, mas diferentes patamares de
representação acerca do mundo, ou seja, em grande parte do tempo, inúmeras culturas
políticas diferentes, com representações distintas, convivem em um mesmo espaço e
tempo. Essa pluralidade, entretanto, acaba sendo direcionada, na maioria das vezes, por
uma cultura dominante. Mesmo com a convivência entre diferentes camadas culturais,
em um dado momento, uma se sobressairia, tomando não só a dominância cultural,
tornando-se referencial, como também direcionaria as representações gerais das
características políticas dessa sociedade, sendo assim determinadora e direcionadora
da maioria dos referenciais de significação. A base comportamental, nesta situação,
estaria estabelecida sob esta estrutura, que de certo modo, também condicionaria
o processo de formação identitário não só dos grupos, mas dos próprios indivíduos
(BERSTEIN, 2009, p. 43).
Em meio a essa pluralidade - juntamente com todas as mudanças, adaptações,
conflitos e sínteses – em momento algum a noção de cultura política de Berstein
compreende o domínio exclusivo da cultura dominante sobre as outras, pois o
monopólio, em si, não existiria. Equivocadamente, nos primeiros trabalhos concisos
sobre o tema na década de 1960, uma percepção permanente era a de que existiam
culturas políticas nacionais, fechando dentro de um mesmo espaço de discussão uma
infinidade de discrepâncias internas que só vieram a ser discutidas posteriormente,
pois um dos objetivos era estabelecer uma noção hierárquica de desenvolvimento,
delimitando culturas políticas específicas que possibilitassem o desenvolvimento e
modernização através dos parâmetros da época (PYE, 1991, p. 502-504).
Dentro dessa discussão que envolve as representações e as relações entre a
multiplicidade e a cultura, “o objetivo historiográfico do estudo das culturas políticas
[...] é fornecer uma resposta para o problema fundamental das motivações do político
(BERSTEIN, 1992, p. 41, tradução minha). Partindo desse ponto, há, então, a necessidade
de estabelecer as relações entre indivíduo e grupo. Consequentemente, o enfoque desta
base teórica concebe, basicamente, a primazia do social sobre o individual. Há a noção
de que a cultura é um fenômeno coletivo enquanto o ato político em si corresponde ao
indivíduo. Serge Berstein ainda completa:
E é justamente a relação existente entre a cultura política do indivíduo e
os atos [...] mencionados que desperta o interesse dos historiadores pela
cultura política. Esta, sendo resultante do banho cultural em que o indivíduo
está imerso, constituiria o núcleo duro da explicação dos comportamentos
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políticos, muito mais que o determinismo social, a adoção de um programa ou
os comportamentos psicológicos (BERSTEIN, 2009, p. 41).
Dessa forma, dentro desta linha de raciocínio, compreender as motivações estaria
ligado à compreensão de um largo espectro de representações presentes e atuantes
dentro da configuração de uma dada sociedade, que somente têm sentido a partir do
momento em que são compartilhadas, fazendo parte de um todo. Ainda, segundo o autor,
podemos perceber que este todo influencia o indivíduo de duas formas. Primeiro, uma
cultura política não desaparece totalmente de uma sociedade, pois inúmeros aspectos
acabam por influenciar gerações (BERSTEIN, 2009, 41). A transição entre elas não são
rupturas abruptas, mas processos longos de adaptação e ressifignicação. Segundo, os
atos individuais não são preponderantemente conscientes e, por muitas vezes, não são
ao mesmo percebidos pelo ator que os realiza (BERSTEIN, 2009, p. 41). A imersão em
uma cultura determina, em larga medida, os limites de ação e possibilidades dentro de
um determinado âmbito.
Quentin Skinner, política e diálogo com a história das ideias
A percepção analítica de Berstein mostra uma posição determinada para lidar
de forma teórica e metodológica com as questões da cultura política. De certo modo,
as questões da coletividade e da individualidade acabaram por definir parâmetros
instrumentais para a história da cultura política e a história da política, contando também
que ambas mantiveram direcionamentos de pesquisa pautados sobre questões distintas.
Enquanto a primeira enfoca uma importância mais voltada às questões da coletividade,
a segunda preocupa-se com o sujeito, agente da ação política. O pesquisador Quentin
Skinner pode ser enquadrado dentro deste âmbito do estudo do ato político, assim como
outros pesquisadores como John Pocock e John Dunn, conhecidos como fundadores da
Cambridge School da história do pensamento político. Apesar de estarem inseridos
dentro de uma mesma e específica tradição historiográfica – assim como outros países
também estavam na década de 1960 - eles não têm as mesmas questões e os mesmos
instrumentos para lidar com a política, necessariamente.
O desenvolvimento dos estudos sobre o político na Inglaterra foi delineado através
das discussões da história das ideias políticas, um domínio da Filosofia que ganhou
paulatina importância durante a década de 1920 (LOPES, 2002, p. 115). A cisão criada
entre a filosofia política e as ideias políticas criou um movimento específico de interesse
sobre a história política. Na França, por exemplo, a primeira cátedra foi criada somente
em 1943. Ainda assim, ela ainda estava pautada sob uma ideia de desenvolvimento de
uma “cultura política” de formação universitária, que priorizava o acesso e a leitura de
textos considerados canônicos (LOPES, 2002, p. 116).
Skinner também não está diretamente relacionado e sua obra não se volta às
discussões do caráter conceitual e historiográfico dos estudos sobre política e cultura
política. Suas preocupações são outras diretamente inseridas na tradição política inglesa
de ideias políticas, principalmente voltadas aos espectros da análise da linguagem
e de análises da história das ideias. Como dito anteriormente, a preocupação neste
texto é acerca de sua abordagem metodológica frente as discussões que envolvem o
âmbito político enquanto esfera pertinente de compreensão e de problematização,
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essencialmente voltadas ao caráter coletivo ou individual das ações na realidade e da
qual o autor está inserido, mesmo que indiretamente. Eles aparecem em sua linha de
raciocínio a partir da “narrativa”, presente na estrutura linguística de determinado
documento. No caso do historiador, o texto escrito se torna o ponto focal da análise.
Em seu Visões da Política, que reúne escritos produzidos entre meados das
décadas de 1960 e 1970, contém uma série de trabalhos desenvolvidos por Skinner ao
longo de aproximadamente quinze anos e que foram editados posteriormente no início
da década de 2000. Nela estão estabelecidas não somente as estruturas metodológicas
utilizadas e desenvolvidas pelo autor como também uma concisa discussão acerca
das especificidades do caminho tomado frente às perspectivas de outros autores e
suas respectivas visões. Sua obra foi revisada, passando por ajustes até sua edição de
2002. Como exposto pelo próprio em entrevista, os textos foram retomados para um
melhor delineamento da estrutura lógica das argumentações, sem interferir em parte
substancial e central do discurso (SILVA, 2009, p. 307).
Diferentemente dos historiadores franceses da cultura política, grande parte dos
trabalhos do inglês estão voltados para o estudo da política e da filosofia moderna,
desde a Renascença. Maquiavel e Hobbes são partes fundamentais das pesquisas
realizadas pelo inglês. E mais que os homens, os textos produzidos por eles são os
pontos-chave. A produção escrita toma uma independência frente ao autor, e é a partir
dela, e de seu narratio, que o historiador problematiza suas questões. Diferentemente
da perspectiva anterior da história das ideias, Skinner propõe que a matéria do ofício
do historiador está na própria estrutura linguística, sendo ela a substância e o fim, não
o meio. Essa disparidade temporal de recorte e de objeto também se reflete sobre as
questões metodológicas e teóricas que as sustentam em comparação aos franceses.
A base de sustentação da perspectiva de Skinner está nos atos de linguagem
vistos como atos linguísticos. Assim, os textos de um indivíduo estariam inseridos
dentro de um contexto normativo, pautados em convenções linguísticas intrínsecas a
sua produção. O indivíduo toma uma importância preponderante a partir do momento
em que é posto como ponto de referência para a compreensão desta ação. Como
exposto por Ricardo Silva, há uma aproximação do autor com a Filosofia da História de
Robin Collinwood, visualizando toda a história como história do pensamento. Através
deste princípio epistemológico, “[...] toda ação historicamente significativa deve ser
reconstituída tendo em vista o pensamento do agente que a efetuou” (SILVA, 2009, p.
308).
A ação deste agente, alcançada pelo pesquisador através de sua escrita e vista
como ato linguístico, torna-se um objeto de análise autossuficiente, de onde haveria
a possibilidade de serem retiradas grande parte das características, das quais seriam
fundamentais para a compreensão das noções de política do período e do autor
pesquisados. Essa perspectiva linguística, e a importância dada à produção escrita,
estabelece um apontamento sobre palavras-chave, as quais Skinner compreende que
somente é possível alcançar o conhecimento das ações linguísticas a partir do momento
em que elas são entendidas como “conceitos”, contendo um conjunto de significados
agrupados sob um mesmo referente. Assim, com estas palavras-chaves, juntamente
com suas significações dentro de um período histórico, os pesquisadores poderiam
direcionar seus discursos acerca da política e da sociedade (SKINNER, 2005, p. 158).
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Há, então, uma relação estabelecida entre a linguagem e a sociedade. As relações
sociais seriam construídas sobre uma base intrinsecamente linguística, pautada
sob uma convenção, estabelecendo-se um vocabulário social de compreensão e de
delimitação dentro de um espaço coeso. Um grupo social demonstraria possessão e
condições de uso de um determinado conceito quando desenvolvesse um vocabulário,
um grupo de denominação e significações para isso (SKINNER, 2005, p. 160). Esse
vocabulário traria informações contundentes para a compreensão do todo da sociedade.
Consequentemente, há o estabelecimento destes dois domínios para o autor, que se
complementam: o domínio do estritamente social e o domínio da linguagem (SKINNER,
2005, p. 170). Pode-se perceber a influência dos pragmáticos da filosofia da linguagem,
da conhecida Linguistic Turn e de autores como Ludwig Wittgenstein nestas afirmações,
pois os aspectos linguísticos aparecem como fonte de acesso aos parâmetros da
linguagem, assim como, também, são configurados de forma distinta em cada espaço
da sociedade.
Esta perspectiva circunscreve a própria concepção de como Quentin Skinner
concebe a política e como o pesquisador lida com ela. Para ele, como para outros
autores do tema, é possível atingir uma compreensão genuína dos fatos por meio da
intervenção linguística do pesquisador (TUCK, 1992, p. 287). O ato linguístico de um
agente, enquanto parte de uma estrutura social, está inserido dentro de um contexto
limitado de significações e representações, em grande parte, impostos pelos limites
da própria língua. Há a compreensão de que não é possível alcançar todos os sentidos
presentes na linguagem, pois eles têm seus respectivos referentes nas estruturas
linguísticas. Através dessas estruturas, a retomada e o discernimento do pensamento
do indivíduo da ação, feita em análise, seria papel fundamental do ofício do historiador
(SILVA, 2009, p. 308)
2
.
Este objetivo final somente seria possível, segundo Skinner, em consequência
de dois pontos específicos. Em um primeiro momento, assim como Dunn, concebe os
textos contendo elementos atemporais, dos quais, a partir deles, os conceitos podem
ser discutidos, trabalhados e compreendidos hoje (TUCK, 1992, p. 274). Assim, por
meio das continuidades e rupturas, o historiador pode compreender o conceito em seu
contexto e produção, no contexto do autor e de sua época.
Isto leva ao segundo ponto. Segundo Silva, Skinner adotou, em grande medida,
as concepções de John Austin na questão da linguagem. De forma sintética, Austin
concebia três níveis distintos da fala: a dimensão locucionária, relativa ao ato de dizer; a
ilocucionária, sobre o que o agente está fazendo ao dizer; e perlocucionária, abarcando
os resultados dos atos no grupo que a recebeu (SILVA, 2009, p. 309). Prosseguindo, o
historiador inglês acreditaria que a dimensão ilocucionária é a primeira e mais importante
a ser levada em consideração nos estudos sobre política, pois, dentro de sua teoria e de
sua prática metodológica, o contexto social em si pode explicar os resultados, as causas
do texto analisado, mas não as intenções e seus significados internos. Ou seja, o entorno
do autor pouco poderia auxiliar na compreensão das motivações do agente, somente
a própria escrita em si. Esta dominância do contexto linguístico é compreendida por
Skinner como a reconstituição da dimensão ilocucionária de seu produtor, que ultrapassa
2. Assim também, pode-se constatar com estas informações que a aproximação muitas vezes posta en-
tre Skinner, Pocock e Dunn aparece somente em relação às outras perspectivas historiográficas, como
a feita com a francesa aqui. Entretanto, há uma concreta discrepância quando as afirmações deles são
colocadas em discussão.
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os limites da compreensão do autor, enquanto indivíduo. Entender o significado de um
texto seria revelar o que o autor estava fazendo ao escrevê-lo. Para justificar tal ideia,
Skinner configurou três sentidos para o termo “significado”: primeiro, acerca do que as
palavras significam dentro de um campo semântico, de um contexto sintático; segundo;
o que as palavras significam ao historiador e o efeito que ela causa nos leitores; por
último, o que o autor quer dizer utilizando determinado termo em um texto (SKINNER,
2005, p. 129-131). Assim, para ele, o terceiro significado é o relevante para uma pesquisa,
justificando, em grande medida, sua noção da importância do indivíduo no processo de
análise.
Berstein e Skinner lado a lado: uma crítica a partir da teoria de Carlo
Ginzburg
Como visto, esta preponderância do caráter linguístico de Skinner caracteriza
profundamente sua abordagem em discrepância às análises e às discussões propostas
pelos que desenvolvem o conceito de cultura política na França. Sintetizando estas
duas concepções de análises do político, a cultura política de Berstein estabelece um
parâmetro de abertura de possibilidades de análises do social através das representações
contidas em um determinado grupo de uma sociedade e, desta forma, priorizando uma
noção mais coletiva das motivações do que dos indivíduos em si. Em contrapartida, a
política de Skinner aparece distanciando-se do contexto no qual o agente da ação política
se encontra, pois, com ele, somente a causa da ação seria possível de ser explicada, não
as motivações do autor em si, a dimensão ilocucionária. A análise textual, priorizando
as estruturas linguísticas nas quais a obra está inserida, seria o ponto de partida para
a compreensão e discernimento de ações do passado. As respostas pelas quais o
historiador trabalha estão dentro do documento. Isto traz uma independência para toda
documentação e um direcionamento específico para o trabalho do historiador
3
.
Mas alguns outros pontos poderiam ser levantados em relação ao uso teórico
e metodológico de questões apresentadas por eles. Carlo Ginzburg, em seu ensaio
Representação: A palavra, a ideia, a coisa, presente em Olhos de Madeira: nove
reflexões sobre a distância, desenvolve uma perspectiva acerca do uso e da própria
significação do termo “representação. Apesar das disparidades e discrepância, e com
as devidas proporções, ele seguiu uma linha de raciocínio que o aproxima bastante de
autores como Roger Chartier e Michel Foucault.
Sua preocupação com a utilização do termo representação é estabelecida
inicialmente com dois diferentes significados: um sobre a ideia de realidade apresentada,
evocando ausência, e outro na acepção de tornar inteligível a realidade apresentada,
sugerindo presença (GINZBURG, 2001, p. 85). Dentro de toda a discussão, principalmente
na inserção de exemplos de luto na antiguidade greco-romana, o historiador italiano
expõe, de maneira bastante sutil, que há a impossibilidade do historiador conceber
uma mesma noção conceitual da “representação” na História. Apresentando as várias
concepções de seus exemplos, ele utilizou-se de um instrumental hermenêutico para
chegar aos resultados apresentados. Esta abordagem sugeriu que a representação,
assim como outros conceitos que estarão diretamente ligados ao historiador que se
volta ao passado, é constituída de uma historicidade, aspecto este que impossibilita o
3. Em contrapartida, assim como parte da crítica, pode-se compreender também como uma dependência
do historiador em relação à documentação.
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uso de uma mesma noção em vários períodos diferentes, já que eles terão percepções
e relações diferentes com o termo. Utilizando as bases de argumentação de Reinhart
Koselleck (2006), podemos dizer que Carlo Ginzburg visualiza a “representação” como
um conceito e não como uma categoria
4
. Neste ponto, é importante também afirmar que
tanto Ginzburg quanto Skinner tiveram influência da filosofia de Wittgenstein, mas sob
questões e utilizações diferentes.
Deste modo, o reflexo disso na perspectiva da cultura política abarca as próprias
bases de sustentação desta ideia, já instável em sua acepção. A dificuldade em se
estabelecer o que é a cultura circunscreve, em grande parte das vezes, as representações
de um determinado grupo ou de uma sociedade. O questionamento plausível sobre isso
recairia, metodologicamente, sobre o papel do historiador na construção do aparato
que seria usado no manuseio da documentação, assim como na própria forma como
ele lidaria com as diferentes características encontradas em seu trabalho com ela. A
representação não poderia ser somente um instrumento metodológico de análise
da sociedade, mas parte fundamental da pesquisa na compreensão da forma como
concebiam, entendiam e utilizavam as questões ligadas às ausências e às presenças
dentro de um determinado âmbito. Mais que uma ferramenta conceitual, ela deveria
ser buscada no próprio objeto, tornando-se ela própria parte dele, circunscrevendo
basicamente, assim, um procedimento hermenêutico para a análise.
Da mesma forma, a proposta de Ginzburg também se direciona a perspectiva
de Quentin Skinner. O caráter atemporal de determinados pontos do passado, o qual
o historiador usa-o para perceber as continuidades do pensamento político, são
abalados, em contrapartida, com a historicidade que os conceitos teriam. De certo
modo, a historicidade traria uma ruptura das ideias - não da ideia política em si, mas
da concepção epistemológica que constitui a própria política - fazendo com que ela se
transformasse ao longo do tempo ao invés de permanecer com uma estrutura regular.
Skinner, em contrapartida, mobilizou-se diversas vezes contra antigas percepções da
História das ideias com duras críticas, pautando grande parte de seu esforço sobre
discussões que revelassem as análises anacrônicas existentes nessa linha de pensamento
(GRZYBOWSKY, 2012, p. 150). Criticou, principalmente, o âmbito da atemporalidade e
dos problemas que estas abordagens geravam para o resultado das pesquisas históricas.
Mas, mesmo com a influência da Virada Linguística, através das reformulações acerca
do papel do autor na produção escrita, o inglês percebe que, ainda que não haja a
possibilidade de reconstituição dos fatos passados através de textos, eles são o ponto-
chave de compreensão histórica e sua estrutura linguística revela dados significativos
e diretamente vinculados ao seu tempo, sendo dever do historiador se debruçar sobre
essas representações da realidade. A estrutura regular de seu trabalho se dá através
desse aspecto da representação.
4. De acordo com o autor holandês, e em um parâmetro geral, “conceito” circunscreve a denominação
histórica de compreensão de uma dada palavra, ideia, ou expressão contida em um texto. Isto faz com que
sua análise seja pautada sobre os aspectos temporais indispensáveis à sua existência, pois ela tem uma
história, uma tradição. Já a “categoria” engloba uma compreensão meta-histórica do componente, exis-
tindo previamente à aproximação das fontes e à análise do historiador. Em seu célebre livro citado, Fu-
turo Passado, no capítulo Espaço de experiência e horizonte de expectativa: duas categorias históricas,
ele considera a “experiência” e a “expectativa” como “categorias meta-históricas”, ou seja, concepções
de abordagens anteriores ao processo de aproximação da documentação. Assim sendo, estas categorias
podem ser utilizadas para o trabalho com um amplo arco temporal, diferentemente do conceito, que é
circunscrito e delimitado.
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Diretamente, o historiador italiano não trabalha com estes parâmetros políticos
e, mesmo retomando suas obras em um contexto historiográfico mais amplo, ele próprio
acredita em certos graus de “verdades” que estão presentes na pesquisa histórica,
alcançada metodologicamente de forma diferente da proposta por Skinner. Contudo, a
historicidade dos conceitos é um ponto de atrito entre as duas ideias por partirem de
questões distintas ao se voltarem à documentação do passado.
Paul Nesbitt-Larking e o caminho (metodológico) do meio
Levando em consideração os atritos e discrepâncias do tema, as questões
metodológicas apresentadas por Paul Nesbitt-Larking introduzem uma série de
reflexões nas pesquisas de história da cultura política e da história política. Os Estados
Unidos também tiveram um caminho diferente no desenvolvimento deste conceito,
ainda mais se comparado ao mundo europeu. São perceptíveis, desde a década de 1930
e 1940, as estruturações que levariam a sua construção. Nathan Leites em seu trabalho
Psychocultural hypotheses about political acts, em 1948, chegou próximo de conceituá-
la na acepção que seria usada nas décadas subsequentes, como visualizou Lucian Pye
(1991, p. 489). Diferentemente de outras tradições acadêmicas, os norte-americanos
tiveram na Psicologia um suporte essencial, dado que seu desenvolvimento se deu de
forma tão assídua quanto na relação com as ciências humanas.
Na década de 1920, a academia americana teve uma recepção bastante positiva
do desenvolvimento das ideias políticas vinda da Europa (LOPES, 2002, p. 115) como
um campo específico e separado da Filosofia. Posteriormente, entre as décadas de 1960
e 1980, a obra de Ernst Kantorowicz teve peso significativo sobre o desenvolvimento
da história política no país, principalmente pela importância dada e pelo apuro teórico
colocado sobre os estudos do desenvolvimento do Estado. Sua obra Os dois corpos
do rei (KANTOROWICZ, 1998) foi o ponto inicial para o desenvolvimento de inúmeras
pesquisas sobre o Estado Moderno, que ficou conhecida como Escola Cerimonialista
Norte-Americana. Entretanto, e como já dito, as discussões que se postavam em torno
da política nas academias dos EUA não estavam circunscritas exclusivamente ao âmbito
da História.
Em 1992, Nesbitt-Larking propôs a retomada de inúmeros aspectos teóricos e
instrumentais, acreditando que existiam problemas que não estavam sendo respondidos
dentro do tema por questões metodológicas. Em seu artigo Methodological notes on
the study of political culture, publicado na Polical Psychology, construiu um aparato
de estudo na tentativa de discutir e suplantar as debilidades que havia verificado
anteriormente. Apesar de sua preocupação em dados momentos estar voltada a
pequenos grupos de análise e verificação, algumas questões gerais também abarcam os
problemas enfrentados nas ciências humanas como um todo.
Como nas Ciências Sociais, Nesbitt-Larking concebe a cultura política como uma
multiplicidade de atividades e uma pluralidade de conceituações. Entretanto, para ele,
o sucesso de uma análise neste âmbito está na capacidade que o pesquisador tem de
dialogar com os aspectos culturais e políticos de um grupo (NESBITT-LARKING, 1992, p.
80). A construção metodológica da pesquisa passa preponderantemente pela construção
intrínseca do aparato instrumental a ser utilizado. Esta sua perspectiva aparece como
resposta aos muitos estudos que vinham mostrando arranjos insuficientes para lidar
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com o tema, considerado por ele, tão complexo (NESBITT-LARKING, 1992, p. 79).
Um dos direcionamentos mais contundentes de seu trabalho é a importância
sobre a figura do indivíduo e seu papel no grupo. O espaço de ação onde as relações e
os significados coletivos de uma cultura perpassam, segundo o norte-americano, são
constantemente configurados e reconfigurados pelas ações individuais mais do que
pelas coletivas (NESBITT-LARKING, 1992, p. 82). Ele pautou-se em algumas concepções
de Wilhelm Reich, psicanalista austríaco que desenvolveu grande parte de seu trabalho
nos E.U.A., que na obra The mass of psychology of fascism trabalhou com as ações dos
indivíduos inseridos dentro de um espaço coercitivo de estruturação psicológica. Para
Nesbitt-Larking, assim como para Reich, uma das maiores preocupações no estudo das
culturas políticas estaria voltada às ações que não seguem os padrões estabelecidos
para a cultura dominante e que, por vezes, não estão nem mesmo nas concepções da
sociedade em si. Dentro de um espaço cultural, além das significações que permeiam
o meio, há também um intricado limite de delimitação em relação às ações individuais
conscientes, pois a cultura, de certo modo, estabelece uma série de padrões, pelas
quais, grande parte dos indivíduos guiam suas atividades assim como reconhecem uns
aos outros. No limite, uma das questões fundamentais, como apontado pelo austríaco,
não é compreender o porquê de uma pessoa com fome roubar, mas o porquê dela não
roubar, por exemplo (NESBITT-LARKING, 1992, p. 82).
Consequentemente, em uma pesquisa sobre uma sociedade, o pesquisador tem
de se voltar aos aspectos do senso comum, mesmo sabendo que, psicologicamente, os
padrões encontrados no todo não serão necessariamente seguidos pelos indivíduos
ou mesmo interiorizados por eles. Diferentemente do concebido pelos historiadores
franceses, a perspectiva social não traria a mesma carga de significações e de
compreensão de uma sociedade. Pela própria forma como as pessoas podem e conseguem
produzir significados em um grupo, eles carregam mais problemas e questões a serem
analisados do que o social é capaz de expressar, já que, em grande medida, é este agente
que age e constrói as bases culturais.
Na própria delimitação de Nesbitt-Larking,
[...] cultura política acontece enquanto pessoas, operando em um já existente
campo simbólico de conceitos e práticas culturais, que transmitem umas às
outras concepções de distribuição e usos das fontes de valor e de produção de
decisões e regras. (NESBITT-LARKING, 1992, p. 81, tradução minha).
Assim, o autor percebe a cisão criada para as análises entre as dimensões macro
e microssociais, do coletivo e do individual, como artificiais e parte da estruturação
metodológica. Além da dificuldade da acepção do termo cultura, da dificuldade em se
estabelecer os parâmetros da importância do indivíduo no meio social, por seus atos não
seguirem necessariamente o padrão esperado, há também o desafio de compreender
como a sociedade se mantém enquanto grupo coeso, mesmo na divergência. Separar as
dimensões de ação é distanciar as possibilidades de resultados e, metodologicamente,
não levar em consideração uma série de aspectos fundamentais para o estudo.
A cultura enquanto espaço ativo e a política vista como uma “multifacetada
prática de poderes”
(NESBITT-LARKING, 1992, p. 80) faz com que a “performatização”
5
5. O autor utiliza o conceito de “performar” (perform) em grande parte do texto na ideia de exprimir a
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de ações em um determinado meio seja o ponto de referência para as análises de um
pesquisador, segundo o autor. Apesar das possibilidades de aproximação com Quentin
Skinner, principalmente na importância dada à ação política, o contexto para Nesbitt-
Larking não é somente um objeto para a explicação das causas da ação, mas parte
integrante dele, de onde os significados partem e também de onde as práticas e
mudanças de significação irão acontecer. Neste último ponto, uma aproximação com
a tradição historiográfica francesa, pois, de forma geral, não haveria possibilidade de
compreender os comportamentos e as intenções dos indivíduos sem os referentes com
as quais ele trabalha e a partir de onde as ações são realizadas.
Nesbitt-Larking tem a preocupação de eliminar distorções metodológicas e
disparidades entre dados quantitativos e qualitativos nas pesquisas, a fim de ampliar
não só as possibilidades, mas os resultados que seriam obtidos pelos pesquisadores.
Mas como grande parte dos que se utilizam da cultura política, seus trabalhos estão
voltados à atualidade e, mais ainda, à imersão do pesquisador no espaço a ser estudado,
principalmente na questão da análise de grupos e na aproximação dos indivíduos
(NESBITT-LARKING, 1992, p. 83). Os resultados apresentados sempre estão pautados
em informações obtidas em relações e discussões, e não necessariamente em uma
documentação escrita, forma como os historiadores lidam com o passado na maior
parte das vezes.
Conclusões
Mais que somente a dificuldade de se conceituar os termos cultura, assim como
também cultura política, as questões metodológicas são um dos aspectos de discussão
centrais em qualquer pesquisa, a partir do momento em que se estabelece o instrumental
a ser usado para obter, analisar e se discutir os dados e informações obtidos. A criação,
então, do aparato metodológico a ser usado torna-se indispensável ao historiador, pois
ele determina não somente a abordagem sobre a documentação, mas a forma como
conceberá as informações e os dados obtidos. A abertura proposta por Serge Berstein
reforça esta ideia. Para ele, a utilização da concepção de culturas políticas em uma
pesquisa será útil somente no momento em que há a ampliação e a convergência de
um maior número de fatores que auxiliarão na compreensão de uma dada sociedade
estabelecida em dado momento no tempo. Entretanto, apesar da mobilidade, o uso
excessivo do conceito pode acarretar a diluição dos próprios limites que sustentam as
pesquisas, pois nem tudo pode ser analisado a partir desta noção (BERSTEIN, 1992, p.
67-68).
Contudo, partindo da delimitação construída pelos autores aqui debatidos,
é possível visualizar o direcionamento e as determinações postas pelas escolhas
metodológicas feitas por cada um deles, fazendo perceber, de certo modo, que mais
do que delimitar e desenvolver questões sobre as fontes e a base teórico-metodológica
a serem trabalhadas, obviamente elas próprias influenciam de forma determinante na
forma do produto final da pesquisa. Partindo da perspectiva da construção metodológica
conotação de “representação” do ato de um determinado indivíduo na realidade do meio social ao invés
de somente “realizá-lo”, “efetuá-lo” ou “cumpri-lo”, de acordo com outras traduções possíveis. Neste
contexto, a discussão entra em consonância com os aspectos já discutidos em Ginzburg e sua crítica à
utilização do conceito de “representação, pois aqui eles também são concebidos como históricos e, por-
tanto, mutáveis temporalmente, diferentemente da perspectiva de Skinner, por exemplo.
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sobre um determinado problema em história, é possível analisar os direcionamentos
específicos que cada um dos autores tem frente às suas necessidades. Serge Berstein,
assim como grande parte do grupo em que está inserido, compreende uma abordagem
que privilegia aspectos das dinâmicas dos processos históricos basicamente funcional
para a partir do final do século XVIII. Quentin Skinner, apesar de construir um aparato
metodológico-instrumental para se trabalhar sobre uma abordagem linguística da
política através da história das ideias, privilegia aspectos determinantes do mundo
ocidental a partir do século XVI. Paul Nesbitt-Larking traz à tona toda uma série de
questões pertinentes acerca das possibilidades metodológicas ainda não desenvolvidas
de forma satisfatória e que, por esse mesmo motivo, estariam acarretando equívocos
aos resultados de determinados trabalhos. Entretanto, mesmo com esta retomada,
grande parte de sua atenção foca-se em análises específicas de pequenos grupos, em
um recorte temporal contemporâneo.
É possível notar que as percepções do papel da coletividade e da individualidade
não são necessariamente construídas enquanto conceitos pelos autores, mas refletem
a estrutura teórica de onde partem suas premissas. Ao mesmo tempo em que o
historicismo do século XIX era criticado, tendo como principal mote a história política
produzida, criticava-se também as bases de sustentação de uma prática pautada sobre
os fatos, os indivíduos ilustres e da verdade histórica. Entretanto, os movimentos que
geraram as críticas destes fundamentos correspondiam a inúmeras mudanças que
vinham ocorrendo no campo das ciências humanas.
A presença contundente dos Annales na França fez com que grande parte da
tradição historiográfica fosse repensada. Mesmo com a permanência de inúmeros
fatores, como os estudos voltados aos grandes pensadores, produzidos por Jean-
Jacques Chevalier e seus discípulos, havia um crescente interesse por outros aspectos
da sociedade que não o individual, o pontual e o específico. A partir de meados do
século XX, acompanhando não só a tradição francesa, a Escola Britânica do Marxismo
trouxe mais discussões ao âmbito das relações sociais, aproximando consideravelmente
inúmeros aspectos trabalhados nas Ciências Sociais. Nesta tendência, a virada cultural
acabou por acrescentar uma amplitude para as possibilidades de análise, para a grande
maioria das correntes de pensamento da época.
Contudo, a história política ainda continuou sendo estudada de forma
significativa nas universidades, mesmo com os diferentes direcionamentos de cada
tradição intelectual. Neste ponto, Quentin Skinner está estabelecido em um ponto de
continuidade da tradição de história das ideias e da história política, sobre o indivíduo
e o específico, mas sobre outros alicerces. Além do mais, a sua própria obra revela
que a história política, dentro de suas especificidades, podia ainda trazer consideráveis
resultados para as pesquisas. Suas obras Hobbes e a liberdade republicana (2010a) e
Maquiavel (2010b) refletem ainda a preocupação com o indivíduo enquanto aspecto
central de análise do historiador, mas em Visões da Política (2005) há uma preocupação
grande em especificar os aspectos substanciais da análise do político. Não há uma
negação da importância do social, do cultural ou de outras esferas de um dado contexto.
Não se pode perceber a obra do historiador inglês sob um prisma de eliminação de
possibilidades analíticas, pelo contrário. No limite, o ponto central é que todas elas
convergem para o texto, através do indivíduo, no momento da produção autoral,
apresentadas e consolidadas através dos aspectos linguísticos.
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Serge Berstein, inserido sob uma outra tradição historiográfica, também não
nega o papel da ação política individual na realidade. Tanto as perspectivas sociais
quanto as culturais não tiram a importância do indivíduo, a partir do momento em que
ela é realocada sob outros critérios. Assim, os atos políticos individuais não podem
ser retirados do contexto da cultura, enquanto fenômeno coletivo, pois ambos são
essenciais para as análises de uma determinada sociedade. Contudo, a primazia sobre
a coletividade parece como catalizador das inúmeras atividades pontuais, postas na
realidade através das suas diferentes representações. Diferentemente de Skinner,
Berstein leva em consideração toda uma rede de relações em um determinado recorte,
sejam conscientes ou inconscientes.
Desta forma, Paul Nisbitt-Larking aponta não somente os problemas na
perspectiva de desenvolvimento de pesquisas dentro da questão da cultura política,
permeada por inúmeras variáveis e inserida entre o desenvolvimento de diferente
correntes de pensamento, como ainda desenvolve uma discussão que perpassa pelos
problemas postos pela História até então, não se apropriando totalmente deles, já
que está inserido em outro campo do conhecimento. Então, a criação do instrumental
adequado para cada pesquisa trabalha com as duas diferentes esferas, da coletividade e
individualidade, dentro de um mesmo nível. Isto faz com que haja tanto a possibilidade
de aproximação com os pressupostos de Skinner quanto de Berstein, mas, ao mesmo
tempo, configura meios distintos dos postulados por ambos como também se distancia
da tradição das ideias políticas nos EUA.
É visível, assim, mais que somente a utilização de determinada estruturação
metodológica, a necessidade imprescindível da construção e discussão de um aparato
consistente e objetivo pelo historiador, assim como também por todo o pesquisador
envolvido com as ciências humanas. Mais que pontuar uma escala de valoração e de
viabilidade para cada uma das abordagens, por estes aspectos estarem intrinsecamente
ligadas aos objetos e aos objetivos de cada pesquisador, o intuito neste artigo foi
proporcionar um espaço de reflexão, exposição e discussão que necessariamente de
escolha sobre elas.
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