Usos metodológicos da cultura política e da política: a coletividade e a individualidade na pesquisa histórica
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 112-127, jan.-jun., 2016.
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uso de uma mesma noção em vários períodos diferentes, já que eles terão percepções
e relações diferentes com o termo. Utilizando as bases de argumentação de Reinhart
Koselleck (2006), podemos dizer que Carlo Ginzburg visualiza a “representação” como
um conceito e não como uma categoria
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. Neste ponto, é importante também afirmar que
tanto Ginzburg quanto Skinner tiveram influência da filosofia de Wittgenstein, mas sob
questões e utilizações diferentes.
Deste modo, o reflexo disso na perspectiva da cultura política abarca as próprias
bases de sustentação desta ideia, já instável em sua acepção. A dificuldade em se
estabelecer o que é a cultura circunscreve, em grande parte das vezes, as representações
de um determinado grupo ou de uma sociedade. O questionamento plausível sobre isso
recairia, metodologicamente, sobre o papel do historiador na construção do aparato
que seria usado no manuseio da documentação, assim como na própria forma como
ele lidaria com as diferentes características encontradas em seu trabalho com ela. A
representação não poderia ser somente um instrumento metodológico de análise
da sociedade, mas parte fundamental da pesquisa na compreensão da forma como
concebiam, entendiam e utilizavam as questões ligadas às ausências e às presenças
dentro de um determinado âmbito. Mais que uma ferramenta conceitual, ela deveria
ser buscada no próprio objeto, tornando-se ela própria parte dele, circunscrevendo
basicamente, assim, um procedimento hermenêutico para a análise.
Da mesma forma, a proposta de Ginzburg também se direciona a perspectiva
de Quentin Skinner. O caráter atemporal de determinados pontos do passado, o qual
o historiador usa-o para perceber as continuidades do pensamento político, são
abalados, em contrapartida, com a historicidade que os conceitos teriam. De certo
modo, a historicidade traria uma ruptura das ideias - não da ideia política em si, mas
da concepção epistemológica que constitui a própria política - fazendo com que ela se
transformasse ao longo do tempo ao invés de permanecer com uma estrutura regular.
Skinner, em contrapartida, mobilizou-se diversas vezes contra antigas percepções da
História das ideias com duras críticas, pautando grande parte de seu esforço sobre
discussões que revelassem as análises anacrônicas existentes nessa linha de pensamento
(GRZYBOWSKY, 2012, p. 150). Criticou, principalmente, o âmbito da atemporalidade e
dos problemas que estas abordagens geravam para o resultado das pesquisas históricas.
Mas, mesmo com a influência da Virada Linguística, através das reformulações acerca
do papel do autor na produção escrita, o inglês percebe que, ainda que não haja a
possibilidade de reconstituição dos fatos passados através de textos, eles são o ponto-
chave de compreensão histórica e sua estrutura linguística revela dados significativos
e diretamente vinculados ao seu tempo, sendo dever do historiador se debruçar sobre
essas representações da realidade. A estrutura regular de seu trabalho se dá através
desse aspecto da representação.
4. De acordo com o autor holandês, e em um parâmetro geral, “conceito” circunscreve a denominação
histórica de compreensão de uma dada palavra, ideia, ou expressão contida em um texto. Isto faz com que
sua análise seja pautada sobre os aspectos temporais indispensáveis à sua existência, pois ela tem uma
história, uma tradição. Já a “categoria” engloba uma compreensão meta-histórica do componente, exis-
tindo previamente à aproximação das fontes e à análise do historiador. Em seu célebre livro citado, Fu-
turo Passado, no capítulo Espaço de experiência e horizonte de expectativa: duas categorias históricas,
ele considera a “experiência” e a “expectativa” como “categorias meta-históricas”, ou seja, concepções
de abordagens anteriores ao processo de aproximação da documentação. Assim sendo, estas categorias
podem ser utilizadas para o trabalho com um amplo arco temporal, diferentemente do conceito, que é
circunscrito e delimitado.