Crítica da Economia Digital: Uma Análise do
Tecno-Feudalismo
Critique of the Digital Economy: An Analysis of Techno-Feudalism
RODRIGUES, Pedro Eurico*
https://orcid.org/0000-0002-5854-0208
Durand, Cédric. Techno-féodalisme: Critique de l'économie numérique. Paris: Éditions La
Découverte, Collection La Découverte Poche. 2020.
Recebido em: 03/02/2025
Aprovado em: 12/05/2025
A obra Technoféodalisme: Critique de l'économie numérique, de Cédric Durand,
publicada originalmente em 2020 pelo selo La Découverte (coleção "Zones"), apresenta uma
análise rigorosa e inovadora sobre a ascensão das grandes corporações tecnológicas e sua
influência na economia contemporânea. Ainda sem tradução publicada no Brasil, o livro
circula amplamente nos meios acadêmicos francófonos e tem sido debatido em diversos
fóruns internacionais de crítica ao capitalismo digital. Professor de Economia na Université
Sorbonne Paris Nord e pesquisador associado ao Centre d’Économie Paris Nord (CEPN),
Durand é conhecido por seus estudos sobre financeirização, transformações do capitalismo
recente e crítica à economia baseada em dados. Neste livro, ele argumenta que as grandes
empresas tecnológicas não apenas consolidam monopólios digitais, mas também promovem
* É mestre em história pelo PPGH-UDESC, Florianópolis SC. É doutorando pelo PPGH-UDESC, Florianópolis, SC. É
professor de história da rede privada de Florianópolis. E-mail: pedro.eurico.rodrigues@gmail.com.
Este é um artigo de acesso livre distribuído sob licença dos termos da Creative Commons Attribution License.
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uma reorganização profunda da economia global, que remete ao feudalismo. Sua tese central
é que a extração de valor no capitalismo digital se por meio do controle de plataformas e
da apropriação do conhecimento, desafiando as categorias clássicas da economia política.
O autor estrutura sua análise em torno de quatro eixos principais: a ideologia
californiana, o domínio digital, a renda dos intangíveis e a consolidação do tecno-feudalismo.
Ao tratar da chamada ideologia californiana, Durand evidencia a fusão paradoxal entre a
contracultura e o neoliberalismo, que fomenta a crença na tecnologia como instrumento
natural de emancipação. No entanto, argumenta que essa narrativa serve sobretudo para
ocultar a crescente concentração de poder e riqueza em torno de poucas corporações.
Quando discute a “renda dos intangíveis”, Durand se refere a formas específicas de
apropriação de valor que não dependem diretamente da produção material, mas do controle
de ativos imateriais como softwares, algoritmos, marcas, bases de dados e redes. Tais ativos
por serem não rivais e de fácil replicação permitem retornos crescentes e tendem à
monopolização. Essa dinâmica, intensificada pelas plataformas digitais, gera quatro formas
principais de renda: a renda legal, baseada em direitos de propriedade intelectual; a renda de
monopólio natural, ligada ao domínio de funções centrais em cadeias globais; a renda
diferencial, proveniente das vantagens de escala dos ativos digitais; e a renda de inovação,
que resulta da centralização e uso estratégico dos dados. Em conjunto, esses mecanismos
expressam uma lógica de captura e dependência que se aproxima mais da pilhagem do que
da produção uma economia de predação que sustenta a estrutura do tecno-feudalismo.
No que concerne ao domínio digital, Durand estabelece um paralelo com a estrutura
feudal, argumentando que empresas como Google, Amazon, Meta e Apple se comportam
como novos senhores digitais, apropriando-se da infraestrutura tecnológica e convertendo
dados em capital. Essas corporações detêm o controle sobre as redes digitais, organizando
não apenas os fluxos econômicos, mas também a dinâmica social e cultural de vastas parcelas
da população conectada.
A questão da renda dos intangíveis é central para a explicação do fenômeno. O autor
demonstra como ativos imateriais como patentes, algoritmos, redes de usuários, softwares
e marcas tornam-se formas estratégicas de extração de valor. Esses ativos não possuem
materialidade física, mas sua posse e controle garantem posições privilegiadas no mercado.
Essa dinâmica fortalece monopólios e limita a concorrência, o que compromete o dinamismo
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econômico e acentua a dependência de indivíduos e empresas em relação às plataformas
dominantes.
Durand argumenta que o capitalismo digital inaugura um novo regime de acumulação
baseado na captura e controle das infraestruturas digitais. Nesse sistema, as plataformas não
apenas intermediam relações econômicas: elas aprisionam usuários e produtores em
ecossistemas fechados, nos quais a concorrência é bloqueada e a extração de valor é
maximizada. Os algoritmos, nesse contexto, operam como dispositivos de controle social,
orientando comportamentos e influenciando decisões econômicas e políticas. Trata-se de um
exercício de poder que se aproxima do que Michel Foucault chamou de biopolítica o
gerenciamento estratégico da vida e de governamentalidade formas de conduzir
condutas por meio de técnicas e saberes. Durand atualiza esse quadro com a noção de
governamentalidade algorítmica, inspirada em Antoinette Rouvroy e Thomas Berns, para
designar o uso de dados massivos e previsões probabilísticas como instrumentos de
antecipação e modulação de condutas, à margem da vontade dos sujeitos.O autor dialoga
com uma ampla gama de teóricos para embasar sua argumentação. A Magna Carta do
Ciberespaço, por exemplo, é apresentada como um marco do tecnolibertarianismo,
ideologicamente alinhado aos interesses do Vale do Silício. Ayn Rand, com sua exaltação do
individualismo e da meritocracia, é vista como influência central na formação da mentalidade
dos empresários tecnológicos, justificando a busca irrestrita por acumulação. Joseph
Schumpeter e sua teoria da destruição criativa são citados para explicar como a inovação
tecnológica é frequentemente instrumentalizada como meio de concentração de poder e
eliminação de concorrência. Em contraste, Karl Marx se trata de referencial para compreender
as dinâmicas do capitalismo contemporâneo, permitindo uma análise crítica da exploração do
trabalho digital e da alienação nas plataformas.
A obra também problematiza os efeitos do tecno-feudalismo sobre a inovação e a
concorrência. Ao consolidar monopólios baseados na acumulação de dados e na regulação
dos mercados digitais, as big techs inibem o surgimento de novas empresas e restringem a
diversidade tecnológica. Esse fenômeno compromete o desenvolvimento de um ambiente
econômico mais plural e democrático, reforçando assimetrias estruturais.
Durand contrasta essa realidade com a visão de Vannevar Bush sobre o papel do
Estado na inovação, destacando como os avanços tecnológicos frequentemente dependem
de investimentos públicos, mas são apropriados por interesses privados. O autor também
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dialoga com Boltanski e Chiapello, que analisam a reconfiguração subjetiva promovida pelo
capitalismo contemporâneo, enfatizando como a ideologia da realização pessoal é mobilizada
para intensificar a produtividade e a disciplina laboral.
A dependência das plataformas digitais, segundo Durand, reduz a autonomia dos
indivíduos e empresas, pois o acesso a serviços essenciais e oportunidades econômicas é
mediado por regras corporativas opacas e voláteis. Essa estrutura reforça as análises de
Frédéric Lordon sobre a centralidade do desejo e da submissão no funcionamento do
capitalismo, demonstrando a necessidade de um olhar mais abrangente sobre as relações de
poder no ambiente digital.
Durand conclui que o tecno-feudalismo não apenas amplia as desigualdades
econômicas, mas também consolida um modelo de poder que transcende os limites do
capitalismo tradicional. O controle das infraestruturas digitais permite que grandes
corporações operem como novas entidades soberanas, definindo as regras do jogo econômico
e político de maneira pouco contestável.
Além disso, Durand contrapõe Friedrich Hayek e sua defesa do mercado autorregulado
às práticas monopolistas das big techs, demonstrando as contradições inerentes ao
liberalismo econômico contemporâneo. Shoshana Zuboff e sua análise do capitalismo de
vigilância são mencionadas, embora o autor critique a insuficiência de sua abordagem ao não
contemplar as dimensões econômicas do fenômeno. Lina Khan e sua crítica ao modelo
antitruste vigente fornecem elementos essenciais para a compreensão dos desafios da
regulação digital.
A obra é fundamental para compreender as dinâmicas do capitalismo digital e seus
desafios regulatórios. O diálogo com autores como Douglass North e Robert Thomas, que
estudaram feudalismo a partir da teoria dos direitos de propriedade, e Robert Brenner, que
enfatiza a importância das relações de classe na análise econômica, enriquece o debate.
Thorstein Veblen e sua teoria da classe ociosa são mobilizados para examinar como a
predação se torna um elemento central na nova lógica de acumulação.
Assim, Durand não apenas denuncia as limitações do modelo tecno-feudalista, mas
também sugere caminhos para sua superação. A necessidade de regulação mais eficaz, a
implementação de novas políticas públicas e a promoção de alternativas descentralizadas
para o desenvolvimento tecnológico são elementos centrais para um futuro digital mais
equitativo e menos dominado por monopólios corporativos.
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Para sintetizar a transformação estrutural do capitalismo contemporâneo, Durand
recorre a uma provocativa formulação de Gilles Deleuze: “coletar em vez de organizar a
produção, decidir sobre a morte em vez de gerenciar a vida” (Durand, 2023, p. 317, tradução
nossa). A frase, destacada na abertura da seção Logique du Techno-féodalisme, opera como
um ponto de ancoragem para a tese do livro. Nessa perspectiva, o tecno-feudalismo redefine
as formas de dominação econômica, substituindo os tradicionais vetores da produção e da
gestão por mecanismos de predação e controle baseados na posse da infraestrutura e na
vigilância algorítmica.
Referências
Durand, Cédric. Techno-féodalisme: Critique de l'économie numérique. Paris: Éditions La
Découverte, Collection La Découverte Poche. 2020.