Inventários de um mosaico: Representação espacial e olhar corográfico no Brasil, século XIX.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº2, p. 230-244, jul.-dez., 2016.
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1989, p. 104). Sendo assim, os corógrafos, viajantes e jornalistas que descreveram a região
sul-mineira no Oitocentos são, todos, representantes do paradigma que denominamos
“gênero corográfico”.
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Em reflexão sobre o funcionamento epistemológico dos instrumentos de análise
próprios das Ciências Sociais, Pierre Bourdieu trata dos problemas inerentes ao espaço.
Para este teórico, as lutas por autoridade no campo espacial correspondem a momentos
da política governamental em matéria de ordenamento do território (BOURDIEU,
1980). Neste sentido, o autor infere que a crise de legitimidade do Estado nacional e a
emergência de formas de regionalização alternativas, fenômenos esses experimentados
pelas sociedades ocidentais na segunda metade do século XX, possam ser alguns dos
fatores responsáveis pelo crescente interesse de historiadores pela problemática
espacial.
Refletir sobre a formação territorial do Império do Brasil no século XIX é
necessariamente se debruçar sobre questões concernentes ao domínio do espaço e
sua institucionalização. Sendo assim, o conceito de território adquire centralidade
neste artigo, devendo ser compreendido como suporte pelo qual pessoas e coisas são
administradas, além de ser coeficiente das ações de poder.
No que concerne aos limites territoriais, esses são definidos não apenas por
critérios econômicos ou geográficos, mas também e, sobretudo, por ser zona de
competência institucionalizada. Assim, enquanto espaço é uma categoria geral,
ilimitada, que pode gerar ambiguidades, o território chama atenção para o princípio de
organização, relacionando-se intimamente às dinâmicas de poder e representação.
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Desta breve reflexão, percebemos que espaço e território estão longe de serem
categorias de análise inócuas. Cabe, portanto, estimarmos como as reflexões de
Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Edward Soja entre outros teóricos relacionados à
problemática do espaço podem nos ajudar a lidarmos com fontes corográficas sobre o
espaço brasileiro.
O material para a elaboração deste artigo consiste, basicamente, em
opúsculos corográficos produzidos durante o período imperial
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, que versam sobre o
território brasileiro. A sequência de análise foi estruturada no sentido de perceber
o desenvolvimento do paradigma corográfico durante o período imperial. Para isto,
abordamos a questão provincial no conjunto da política administrativa brasileira, de
4. Sobre os gêneros textuais, Luiz Antônio Marcuschi caracteriza-os como eventos altamente maleáveis
e dinâmicos que surgem emparelhados a inovações tecnológicas e necessidades sócio culturais (MAR-
CUSCHI, 2005, p. 19). Vale observar, como Jean-Michel Adam, que a função dessa categoria é, basicamen-
te, ordenar e estabilizar as atividades comunicativas, classificando-as de acordo com seu enunciador,
circunstâncias espaço-temporais, conteúdos, propriedades funcionais, suportes, estilo e composição.
Adaptados à metodologia da pesquisa histórica, a análise de gêneros textuais torna-se uma ferramenta
no trato das corografias oitocentistas, auxiliando-nos a identificar as características temáticas, estilís-
ticas e estruturais que remetem essas obras ao discurso de conhecimento do território (ADAM, 1997, p.
665).
5. Em estudo sobre os mecanismos de representação e produção do território francês na modernidade,
Jacques Revel obseva que o conhecimento do território é condição inseparável do exercício da soberania,
fazendo parte essencialmente do segredo de Estado (REVEL, 1989, p. 103).
6.Os opúsculos analisados são: 1) Corographia Brasílica ou Relação Histórico Geographica do Brasil
(1817), de Manoel Ayres de Casal; 2) Corographia ou abreviada História Geographica do Império do Bra-
sil (1829), de Domingos José Antonio Rebello e 3) Diccionario Topographico do Imperio do Brasil (1834),
de José Saturnino da Costa Pereira.