Recebido em: 29/08/2016
Aprovado em: 10/10/2016
MALATIAN, Teresa. O Cavaleiro Negro: Arlindo Veiga
dos Santos e a Frente Negra Brasileira. São Paulo:
Alameda, 2015
NACHTIGALL, Lucas Suzigan
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A seguinte resenha visa analisar o livro O Cavaleiro Negro: Arlindo Veiga dos
Santos e a Frente Negra Brasileira, da historiadora Teresa Malatian, cujo objetivo
central é abordar a participação de Arlindo Veiga dos Santos na Frente Negra Brasileira,
desde sua fundação em 1931 até sua dissolução com o estabelecimento do Estado Novo
em 1937. Ademais, o livro, lançado no ano passado, aborda também a formação do
intelectual e sua atuação em movimentos sociais pelo fim da segregação e pela inclusão
do negro na sociedade brasileira.
Sua constituição de pouco mais de trezentas páginas é dividida em vários
pequenos capítulos, nos quais são dissertados aspectos da vida e da obra de Arlindo
Veiga dos Santos e, consequentemente, das lutas, jornais e associações negras do final
da década de 20 e 30.
Após um breve, porém pertinente, prefácio da professora Maria de Lourdes
1. Mestre em História pela UNESP/Assis. E-mail: lucassuzigan@gmail.com
MALATIAN, Teresa. O Cavaleiro Negro: Arlindo Veiga dos Santos e a Frente Negra Brasileira. São Paulo: Alameda,
2015.
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº2, p. 261-264, jul.-dez., 2016.
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Monaco Janotti
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, o livro segue trabalhando a história de Arlindo Veiga dos Santos,
ferrenho militante negro, católico e monarquista, que atuou vivamente no Estado de
São Paulo durante as décadas de 20 e 30, militando a favor da inserção do negro e pela
instauração, no Brasil, de uma monarquia corporativista católica ultraconservadora,
distinta dos monarquistas tradicionais, reformistas e liberais.
O livro inicia com a narração dos primeiros anos da formação de Arlindo Veiga
dos Santos e seu irmão, Isaltino Veiga dos Santos, ressaltando sua origem de uma
família humilde, cujos pais eram cozinheiros, mas que, apesar de terem poucos recursos
financeiros, faziam questão de que seus filhos homens estudassem e tivessem uma boa
educação.
Posteriormente à conclusão de seus estudos no Colégio São Luiz, de ensino
caracteristicamente jesuíta, Arlindo Veiga dos Santos conseguiu, junto de seu irmão,
estudar na Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo (hoje parte da PUC-SP), onde
concluíram seus estudos.
Durante a faculdade, bem como no colégio que estudara anteriormente, Arlindo
Veiga dos Santos recebeu uma formação em filosofia e em oratória, que foi de grande
relevância para sua carreira. Foi também neste período que entrou em contato com
o neotomismo, vertente filosófica construída a partir do pensamento de Tomás de
Aquino e que, politicamente, advogava por uma visão de mundo medieval, notadamente
antiliberal, antidemocrática, antiparlamentar, e que se colocava como alternativa ao
socialismo, ao comunismo, ao anarquismo e à democracia liberal. Essa vertente filosófica
marcaria, então, o cerne de suas obras e militância, e o intelectual se inspiraria também
em movimentos políticos autoritários, como o fascismo italiano, para formular seu
modelo de regime monárquico católico e corporativista e sua defesa da inclusão social
do negro.
O livro segue contextualizando Arlindo Veiga dos Santos diante da intelectualidade
negra nos anos 20, abordando as relações sociais dos negros no período e suas redes de
sociabilidade construídas em torno de um associativismo cultivado a partir e em torno
da recreação e de eventos como bailes e festividades.
Nesse contexto, teve início a ação panfletária de Arlindo Veiga dos Santos,
fomentando o surgimento e o crescimento de diversos movimentos negros, como o
Centro Cívico Palmares, que funcionava como uma escola, uma biblioteca, assim como,
um centro comunitário e um espaço doutrinário de sociabilidade dos negros. Ali também
eram confeccionados jornais escritos para a população negra, onde os “irmãos Santos”
eram assíduos colaboradores, panfletando pela integração do negro na sociedade
dentro de sua perspectiva católica.
Pouco depois da malsucedida tentativa de se estabelecer o Congresso da
Mocidade Negra, um núcleo que centralizaria a militância negra, Arlindo Veiga dos Santos
participara da formação da Frente Negra Brasileira (FNB), onde atuaria ativamente até
sua extinção em 1937. Malatian discorre, então, sobre a constituição dessa frente, dos
embates ideológicos internos ao grupo, especialmente entre Arlindo Veiga dos Santos,
monarquista de direita, e Correia Leite, ligado a grupos socialistas e comunistas, onde
Arlindo Veiga dos Santos assume, impondo sua liderança ao grupo.
2 Maria de Lourdes Monaco Janotti é professora da Universidade de São Paulo (USP), autora do livro
“Os subversivos da República” (1986), que abordou os monarquistas e sua militância nos anos iniciais do
regime republicano no Brasil.
NACHTIGALL, Lucas Suzigan
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº2, p. 261-264, jul.-dez., 2016.
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Com a vitória de Arlindo Veiga dos Santos, a Frente Negra cresce, estendendo
seu alcance muito além dos negros da classe média e congregando muitos populares,
tanto na capital como pelo interior, onde diversas sedes foram abertas. Com isso, foi
possível promover campanhas pela educação dos negros, bem como outras, como as que
defendiam a necessidade de sair do aluguel e adquirir a casa própria e a admissibilidade
de negros na Guarda Civil de São Paulo.
Simultaneamente, o livro também trabalha a face política da Frente Negra, desde
a participação de negros na Revolução de 32, enquanto o movimento se mantinha
neutro, denunciando o caráter oligárquico das elites revolucionárias, as aproximações
de Arlindo Veiga dos Santos e, com ele, a FNB, com o integralismo de Plínio Salgado, que
estreitaram muito as relações em vários momentos durante a década de 30.
Essa face política culminou com a candidatura de Arlindo Veiga dos Santos
para a Constituinte de 1933 e, após o fracasso da candidatura, o lento afastamento
do intelectual da presidência da Frente Negra Brasileira, onde ele permaneceria como
membro atuante até 1937, quando suas atividades foram encerradas pelo Estado Novo.
O livro, como é possível notar, possui seu conteúdo centralizado na ação de
Arlindo Veiga dos Santos e sua militância negra, monarquista e autoritária, com especial
enfoque em sua participação na Frente Negra Brasileira e jornais negros subjacentes,
como o Voz da Raça e o Clarim da Alvorada, onde participou junto de seu irmão Isaltino.
Sua postura e governos autoritários são diversas vezes apresentados e ressaltados pela
autora, bem como os elementos de inspiração medieval que, aliados à aproximação de
ideologias e movimentos autoritários, tornaram ímpar sua atuação no movimento negro
das décadas de 20 e 30.
Sua campanha pela educação, como mostra a autora, obteve profundos resultados.
O autor pregava a realização de uma “nova abolição, para combater a “escravidão
moral”, que assolava o Brasil após a abolição formal da escravidão, e que a educação
traria a redenção para o negro, e divulgava assiduamente a necessidade de escolarizar
os filhos. Com esforço conseguiram criar uma escola seriada, com alguns professores,
e lutar contra o analfabetismo em crianças e adultos, profissionalizá-los e capacitá-los
a combater a desigualdade e o preconceito que os negros enfrentavam.
A visão de Arlindo Veiga dos Santos, como nos mostra Malatian, era maniqueísta,
centrada no combate entre o bem (católicos, nacionalistas) e o mal (comunistas,
socialistas, anarquistas, liberais, entre outros). Nesse embate, os negros deviam lutar pela
integração plena na sociedade brasileira, combatendo pela Pátria contra seus inimigos,
como o preconceito e doutrinas perniciosas (socialismo, comunismo, liberalismo) para
o progresso da Nação.
O estilo de escrita do livro é bastante característico da autora Teresa Malatian.
Como seu livro anterior a respeito do Patrianovismo, Império e Missão: Um novo
monarquismo em brasileiro (Editora Nacional, 2001), Malatian aborda a década de 30,
com seus movimentos religiosos, sociais e políticos, com bastante familiaridade. Os
capítulos, curtos, são apresentados de forma breve e temática, mas sucessiva e bem
entrelaçada. Sua redação, que lhe é particular, é muito fluída e agradável, o que facilita
a leitura e absorção da quantidade de informação que a autora traz à obra.
São apresentados, nos capítulos, uma quantidade relevante de trechos de artigos
jornais, poemas e cartas, o que divulga e disponibiliza o acesso a essa documentação.
MALATIAN, Teresa. O Cavaleiro Negro: Arlindo Veiga dos Santos e a Frente Negra Brasileira. São Paulo: Alameda,
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FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº2, p. 261-264, jul.-dez., 2016.
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Ao final de muitos desses capítulos, diversas fotografias relacionadas às temáticas são
apresentadas, ilustrando os argumentos da autora (o que tem relevância quando se
tratam de escolas, bandeiras, uniformes). Porém, infelizmente, a diagramação delas, na
fase da edição, acabou fazendo com que algumas delas, como as imagens 05 e 06 (pág.
48 e 49, respectivamente), ficassem estranhas e demasiadamente pequenas, utilizando
uma página inteira em uma foto minúscula. Outras, por conta da impressão, ficaram tão
escuras que dificultou a definição do que estava representado, ou distinguir as pessoas.
Como são problemas de simples resolução, é possível que seja solucionado em alguma
eventual reedição.
Apesar desses detalhes, o livro permanece como uma boa escolha de leitura
clara e fluída, acompanhada de uma história consideravelmente rica de conteúdo e
informações. Esse conteúdo não trata profundamente acerca da atuação de Arlindo
Veiga dos Santos na Ação Imperial Patrianovista Brasileira - tema abordado no livro
supracitado da autora, e também no seu mestrado e doutorado - mas contextualiza
a ação do intelectual e seu monarquismo católico e autoritário dentro do movimento
negro da época, o que carecia de trabalhos dedicados.
Certamente, a obra oferece uma leitura útil para aqueles interessados tanto no
movimento negro quanto nos movimentos católicos e de inspiração política autoritária
da época, principalmente por contextualizar muito bem Arlindo Veiga dos Santos, seus
embates e ideias, no movimento negro, e oferecer um panorama bem abrangente de sua
ação como militante negro, católico, monarquista e nacionalista.
A autora do livro, doutora Teresa Malatian, é docente titular do curso de História
da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho – UNESP - campus de Franca. Possui titulação de Mestre em História,
pela PUC/SP, com a dissertação A Ação Imperial Patrianovista Brasileira (1978) e de
Doutora em História, pela FFLCH - USP, com a tese Os Cruzados do Império (1988).
Atualmente, desenvolve principalmente pesquisas sobre os movimentos monarquistas
no Brasil República, História do Brasil e historiografia.
Referências
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Os Subversivos da República. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
MALATIAN, Teresa. A Ação Imperial Patrianovista Brasileira. Dissertação (Mestrado
em História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1978.
MALATIAN, Teresa. Os Cruzados do Império (1988). Tese (Doutorado em História).
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988.
MALATIAN, Teresa. Os Cruzados do Império. São Paulo: Contexto, 1990.
MALATIAN, Teresa. Império e missão: um novo monarquismo brasileiro. 1.a. ed. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.
MALATIAN, Teresa. O Cavaleiro Negro: Arlindo Veiga dos Santos e a Frente Negra
Brasileira. São Paulo: Alameda, 2015.