Recebido em: 19/05/2015
Aprovado em: 14/10/2015
Metamorfoses políticas na esquerda brasileira: do
IV Congresso (1954) à Nova Política (1958) do PCB
Political metamorphosis in the Brazilian left-wing:
From the IV Congress (1954) to the New Politics
(1958) of PCB (Brazilian Communist Party)
OLIVEIRA, Eder Renato de
1
Resumo: Este trabalho propõe-se à análise histórico-política da trajetória do PCB e à
difícil construção da Revolução brasileira e, em específico os acontecimentos de 1954
a 1964, bem como às oscilações e divergências no Comitê Central no que tange ao
entendimento da categoria de Revolução brasileira. Como estrutura de análise serão
investigados alguns momentos políticos, frutos de divergências e convergências no
Comitê Central e base partidária que culminariam, a saber: na mudança de postura
frente ao suicídio de Vargas e o prognóstico da Revolução brasileira no IV Congresso
(1954); o significado do “golpe preventivo” do general Teixeira Lott (1955) e o apoio do
PCB a JK e, de outro lado, os episódios do XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da
União Soviética), em 1956 e a Declaração de Março de 1958. Assim, teremos elementos
1. Discente de Mestrado Acadêmico do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais pela Universi-
dade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho, Campus de Marília. Graduado em Ciências Sociais pela
UNESP de Marília. É pesquisador do Grupo de Pesquisa do Pensamento Político Brasileiro e Latino-ame-
ricano. Participa do Grupo de Estudos NEOM (Núcleo de Estudos de Ontologia Marxiana).
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para investigar como o PCB pensava o desenvolvimento da Revolução Burguesa no
Brasil. Ademais, como o PCB interpretou o Brasil da década de 50.
Palavras-chave: PCB; Revolução brasileira; História do Marxismo no Brasil.
Abstract: This Paper purpose is to analyze the historical and political trajectory of the
PCB, focusing specifically on the events that took place between 1954 and 1964, but
also paying attention to the phenomenon of political infighting between the different
factions inside the PCB and their interpretation of the Brazilian revolution during this
period. In order to complete our analytical objectives we will investigate key political
events, most of these arising from the political infighting aforementioned, events such
as: The changes in the party political strategy after the suicide of president Vargas in
1954; the Party’s new interpretation of the Brazilian revolution, adopted after the PCB’s
IV general congress in 1954; The political effects of the ‘preventive coup’ lead by Field
Marshall Lott in 1955; The new policies adopted on the aftermath of the XX congress
of the Soviet Union’s Communist Party in 1956; The declaration of March 1958. We
believe this analysis will provide a reasonable understanding about the PCB’s theories
regarding the burguoise Revolution in Brazil and it’s analysis and perceptions about key
political moments during the 1950s.
Keywords: PCB; Brazilian revolution; Marxism history in Brazil.
O ambiente sociocultural dos anos 50
Sem dúvida, a década de 1950 marcou a história brasileira. Muitos estudiosos
afirmam ser mesmo um divisor de águas da nossa trajetória temporal. Nesta parte de
nosso trabalho vamos analisar por que a década de 1950 foi tão rica, controversa e
mudou os rumos e o destino da Nação. Ademais, o caldo cultural que foi característico
da década de 50 não pode ser colocado num plano de análise de uma linha do tempo
que começa em 1950 e termina em 1960, pois seria demasiado ingênuo da nossa parte.
Quando falamos “década de 50” estamos querendo dizer determinadas características
próprias de um tempo que ultrapassa a mera data – como se fosse algo estanque e
estático. Por isso, em nosso entendimento a referida temporalidade histórica tem seu
início um pouco antes – já com o golpe
2
em 1945 – e termina em 1964.
Depois dos tempos da Semana de Arte Moderna de 1922, o Brasil da década
de 1950 conheceu um enorme florescimento no campo da arte e da cultura. Mutatis
mutandis, esse período está num momento em que a indústria cultural tem maior
inserção nas classes sociais menos abastadas. Foi o tempo do rádio. A televisão ainda
engatinhava os seus primeiros passos, e o rádio foi a alma da comunicação no Brasil. O
“sonho americano” parecia “atualizar” a Nação com vistas a uma tentativa de parear o
Brasil à modernidade dos centros mais industrializados (MENDONÇA, 1996).
Os programas radiofônicos eram ao vivo. Nestes, amplia-se rapidamente a
presença da música popular em programas de auditório com destaque para o repertório
carnavalesco que produziam suas “rainhas” e seus “ídolos”: é a sociedade de classes
adquirindo status de identidade cultural. Ficaram famosos os programas de humor
Balança, mas não cai – em que as personagens o “primo rico” e o “primo pobre” faziam o
2. Alguns historiadores de matriz epistemológica liberal a exemplo do brasilianista Thomas Skidmore,
entendem que a queda de Getúlio Vargas não foi um golpe orquestrado pelas forças armadas, mas sim
uma “abertura política” para a legalidade democrática. Cf. (SKIDMORE, 1975).
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país vibrar de alegria (MENDONÇA, 1996). Tal é a importância do rádio – como veremos
posteriormente – que foi a sua utilização, criando a chamada “Rede da Legalidade”, por
Leonel de Moura Brizola que ajudou a impedir um golpe de Estado em 1961 em episódio
dramático que quase levou o país a uma guerra civil.
Na música o tom de “desafinação” com as “melosas” cantoras do rádio com seus
vibratos fortes se dá pelo surgimento de uma nova batida
3
: é a Bossa Nova. Segundo o
jornalista Ruy Castro em obra renomada sobre as histórias da Bossa Nova, foi em 1958
que surge o disco “Canção do Amor Demais”, inaugurador do movimento de renovação
da música popular brasileira. Contou com a participação de Elizete Cardoso no vocal
e músicos como João Gilberto (violão) e Irany Pinto (violino), entre outros. Tom Jobim
foi o arranjador/compositor e Vinícius entrou como letrista. Apesar de não ter tido
êxito inicial - apenas 2000 cópias, o disco ficou famoso com a difusão da Bossa Nova
pelo mundo todo (CASTRO, 2008). O estilo revelava o desejo não apenas de renovação
estética nas harmonias e ritmos, mas os próprios setores da classe média urbana
4
revelarem-se como atores de uma sociedade que havia mudado. Ou seja, a classe média
tentando se identificar e acompanhar o surgimento do novo. É o Brasil Novo, é o Cinema
Novo, é a nova capital em processo de construção e idealizada por Lúcio Costa e Oscar
Niemeyer.
O cinema também conheceu uma explosão de audiência. O gênero de grande
apelo social foi achanchada – caricato e urbano – satiriza políticos, a classe média,
artistas, e até mesmo as grandes produções de Hollywood. Destaque especial é o
aparecimento do Cinema Novo. Em consonância com o nacionalismo da época é que
surgem os Congressos de Cinema em 1952-53. Nestes congressos está a gênese de
uma nova forma de fazer cinema no Brasil. Para o sociólogo José Mário Ortiz Ramos,
o cinema brasileiro refletia as duas tendências no que tange ao desenvolvimento
econômico do país: “uma mais ‘nacionalista’ se articulando de forma tática com o
desenvolvimentista, e outra mais pragmaticamente ‘industrialista’, ligada mais ao
ideário de JK [...]” (RAMOS, 1983, p. 23). O Cinema Novo procurou se alinhavar mais
com a tendência tida como nacionalista.
A ideia estética do Cinema Novo está na esfera dos conceitos. É o auge do
“cinema cabeça ou autoral”. Na prática isso se dava pelo lema “uma câmera na mão e
uma ideia na cabeça”. Interessante notar que a temática das questões sociais é o que
dá o tom das produções cinematográficas. É o caso de Vidas Secas, dirigida por Nelson
Pereira dos Santos – na verdade uma releitura da obra homônima escrita por Graciliano
Ramos – e Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. O filme Vidas Secas foi
lançado em 1963 e Deus e o Diabo na Terra do Sol em 1964 – momentos em que o PCB
estava a par das lutas pela terra na União dos Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB)
e que em 1963 resultou na criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (CONTAG). Sem falar na atuação das Ligas Camponesas e nas medidas de
reforma agrária das Reformas de Base do governo João Goulart. Nota-se que ambas as
3. O que indica a literatura sobre musicologia, a nova batida foi uma invenção do próprio João Gilberto e
consistia em modificar os tempos do samba tanto em suas células rítmicas e no seu andamento, mexendo
em seus contratempos e sincopas.
4. A cantora Nara Leão, não mais afeita com o movimento, chamou-o de “música de apartamento” e rom-
peu com a Bossa, pois esta não estava preocupada em fazer a crítica social, segundo ela. Obviamente que
essa crítica da cantora não é o suficiente para abalizarmos peremptoriamente a Bossa Nova como tal.
Seria necessário um estudo sociológico mais acurado e com uma mudança de “foco.
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produções acima citadas retratam a questão da terra e a situação de penúria em que
viviam os trabalhadores rurais.
Ou seja, percebemos que muitos artistas estavam sensíveis a uma questão cara:
a Revolução brasileira como antifeudal, a necessidade de reflexão sobre o problema no
campo e da distribuição das terras. Transversalmente ao tema da Revolução brasileira
não se deve deixar de citar o fenômeno político-ideológico que configurou a sociedade
brasileira da década de 50: o nacionalismo. A necessidade de trabalhar com esta
categoria é imprescindível para a análise de qualquer pesquisa na área das ciências
humanas que se pretende estudar o Brasil dos anos 50. Mais: esse conceito analítico é
extremamente importante para entender a categoria central deste estudo: a Revolução
brasileira.
Em 1954 Dante Moreira Leite publicava seu famoso ensaio “O Caráter Nacional
Brasileiro. A publicação dessa obra é um reflexo das discussões em torno do
nacionalismo. O autor discute com grandes nomes como Sílvio Romero, Euclides da
Cunha, Nina Rodrigues, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior.
A defesa central da obra é que as diversas noções de “nacionalismo” não representaram
“a autêntica tomada de consciência de uma nação, mas obstáculos para que um povo
se torne livre de preconceitos” (LEITE, 2002). Interessante notarmos que este ensaio
é escrito no “coração” da década de 50, no ponto de inflexão político-institucional de
crise política que se deu após o suicídio de Getúlio Vargas e o avanço da ideologia do
nacionalismo pelos vários setores, inclusive, pelo PCB em 1955, quando há a o apoio ao
“o golpe preventivo” – ou o “golpe dentro do golpe” como preferem outros de setores
“legalistas” do exército.
Fruto intelectual, também, desses “nacionalismos
5
” é a criação do ISEB
(Instituto Superior de Estudos Brasileiros) em 1956, órgão do Ministério da Educação
e Cultura. O ISEB congregava importantes intelectuais de matiz carioca e, pode-se
afirmar, configurava uma “intelligentsia” brasileira. Nelson Werneck Sodré, importante
historiador marxista, foi um dos seus mais ilustres professores. O ISEB desempenhou um
papel importante na disseminação e promoção de ideais nacionalistas. Desse instituto
é a obra de Álvaro Vieira Pinto, Ideologia e Desenvolvimento Nacional, (publicado em
1960; em realidade foi a aula inaugural do Curso Regular do ISEB, em maio de 1956).
Toda essa “apologia” do ISEB ao nacionalismo foi combatida por setores conservadores
e liberais (UDN, ESG, IPES, IBAD), bem como a grande imprensa (o Jornal O Globo, por
exemplo), que defendia interesses de classe contra as Reformas de Base no governo
João Goulart. Em realidade, há uma convergência, então, em defesa das Reformas, tanto
5. É oportuno falar aqui dessa palavra: [nacionalismo]. Desde o início do texto ela aparece, mas em con-
textos históricos diferentes. Segundo o Dicionário de Política organizado pelo filósofo político Norberto
Bobbio, há diferentes significados para este termo. Identificamos neste dicionário que a ideia de naciona-
lismo teria surgido após a Revolução Francesa (1789) e que designa uma ideologia nacional que abrange
num território tradição, língua, cultura etc., que estaria acima dos anseios de um grupo particular (um
partido, por exemplo). Mas o termo nacionalismo também pode tomar forma como algo particularizado,
um movimento político “[...] único e fiel intérprete do princípio nacional [...]” (BOBBIO, MATTEUCI, PAS-
QUINO, 1986, p. 799). A primeira definição foi a que deu suporte ideológico para a formação dos moder-
nos Estados nacionais no século XIX (Itália e Alemanha, por exemplo). A segunda definição em citação
direta identifica os “fascismos” surgidos na Itália (na figura de Mussolini) e o nazismo alemão (Adolf
Hitler). No entanto, o nacionalismo do ISEB não se identifica com nenhuma dessas definições. No ISEB
o nacionalismo estava atrelado à ideia de defesa do “nacional”, daquilo que é próprio do país (riquezas
naturais, a indústria nacional, a “cultura” nacional etc). Também sobre o ISEB ver obra: “ISEB: fábrica de
ideologias” de Caio Navarro Toledo.
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no ISEB quanto do PCB depois do seu V Congresso, como se pode verificar até esta
etapa da pesquisa.
É evidente o nacionalismo do PCB à época, por exemplo, do governo JK. Apesar
das severas críticas do partido ao governo, o PCB acreditava nas forças patrióticas
6
.
Podemos entender que a defesa, pelo partido, das forças nacionalistas, patrióticas
em torno de uma suposta burguesia nacional
7
, está no cerne da luta pela Revolução
Brasileira e seu aspecto nacional.
Este foi o ambiente sociocultural da temporalidade histórica que está sendo
analisada. Procuramos apenas indicar, pincelar, alguns pontos altos de expressão da
cultura
8
na década de 50. Não foi nossa pretensão fazer uma análise mais rigorosa, mas
tão somente indicar como as questões referentes ao nosso objeto e temática estavam
interligadas – ainda que indiretamente – ao ambiente sociocultural do período.
O IV Congresso do PCB na mira da bala: o significado da morte de Vargas
e os comunistas
O ambiente político que vamos analisar agora é o do ano de 1954. Faremos a
discussão procurando os nexos causais entre a morte de Getúlio Vargas e as mudanças
processadas na concepção de Revolução brasileira no IV Congresso de 1954.
Getúlio Dornelles Vargas foi, talvez, a figura política mais emblemática da história
do Brasil no século XX. Após quinze anos no poder (1930-1945), Getúlio Vargas volta à
cena política nas eleições de 1950. Vence com relativa facilidade na coligação PTB/PSP
(Partido Trabalhista Brasileiro e Partido Social Progressista) com 48,7% dos votos
9
. Sua
política pautou-se pela linha nacionalista. O nacionalismo de Vargas procurou levar a
cabo uma política econômica em bases nacionais ainda que fazendo algumas concessões
às pretensões norte-americanas.
Criou o BNDE
10
(Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico) em 1952 durante
6. Para o PCB, seguindo a orientação da Declaração de Março de 1958, as forças patrióticas ou naciona-
listas eram aquilo que chamavam de povo (as massas rurais, o operariado urbano, setores médios urba-
nos) e a burguesia dita “nacional”.
7. Segundo o cientista político Antônio Carlos Mazzeo (MAZZEO, 1995), até o início da década de 1940, a
burguesia dividia-se em dois setores: 1) o ligado ao imperialismo e; 2) o setor burguês identificado com o
desenvolvimento das forças produtivas nacionais e a urbanização – a burguesia nacional (ou seja, aquilo
que Lênin chama de Revolução Burguesa. Cf. LÊNIN, I.V. Dos Tacticas de la socialdemocracia en la re-
volucion democratica. In: Lênin, Obras Completas Tomo 11. Moscú, 1982).
Vale ressaltar que para Mazzeo, a partir do governo JK, os ditos setores de uma suposta burguesia na-
cional já estavam “associados” ao capital internacional e este teria sido o grande erro do partido: o de
não ter feito a análise correta da conjuntura. Mas, para o PCB a burguesia nacional (fração de classe da
burguesia) tinha o interesse no desenvolvimento de um capitalismo autônomo, desenvolvido, maduro que
poderia levar a cabo um projeto de Revolução Burguesa. (Lembrando aqui que para Lênin, e o partido
seguia os princípios do “marxismo-leninismo”, a Revolução Burguesa não necessariamente é feita pela
burguesia, mas pelos setores do “povo”; sendo que a burguesia nacional era um setor propenso a “vaci-
lar” nos decisivos momentos.
8. Tomamos aqui o termo cultura em sua acepção antropológica (LARAIA, 2013).
9. Os outros candidatos de expressão eleitoral foram Eduardo Gomes pela União Democrática Nacional
– UDN (29,7%) e Cristiano Machado – PSD (21,5%).
10. O BNDE era ligado à CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina). Juntos, criaram cursos de
formação pessoal. O característico da CEPAL foi o de dar outra explicação ao processo inflacionário e
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a vigência da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Este banco teve importante papel
na administração dos negócios públicos brasileiros: dava assistência técnica, entrosava
capitais públicos e/ou privados e realizou estudos e levantamento de dados econômicos.
Em relação à criação do BNDE, o periódico do partido, Voz Operária
11
, de agosto de
1952, em seis pontos denunciava o controle americano, o Itamarati como sucursal do
Departamento do Estado Americano, controle “ianque” do comércio exterior. Nota-se
que o PCB fez acirrada oposição durante todo o período de vigência do governo Vargas
(1951-1954). Era evidente que o PCB não via com bons olhos um banco – mesmo que
nacional – ligado ao capital externo.
Não esqueçamos que, neste momento (1954), o PCB estava na clandestinidade
desde 1947, quando houve a cassação de seu registro pelo TSE
12
e de seus parlamentares.
Portanto, reagiu com dogmatismo e sectarismo (VINHAS, 1982) a brutal repressão que
vinha sendo imposta pelo autoritário governo Dutra (1946-1950).
Obviamente que este quadro de clandestinidade mudava as concepções táticas
do partido. O período que vai entre 1947-1954 mostrará um PCB voltado para a crítica
radical em relação às suas concepções de Revolução brasileira, conciliadora e defensora
do Estado democrático. Segundo Reis Filho (2002), quando os comunistas voltaram à
ilegalidade, reagiram com a radicalização revolucionária e foram importantes os textos
políticos: Manifesto de Janeiro de 1948 e, principalmente, o Manifesto de Agosto de
1950
13
.
O Manifesto de Agosto (1950) configura o governo Dutra como de “traição
nacional” e resume a Revolução brasileira em nove pontos: entre os mais importantes
está a luta anti-imperialista contra Washington, a melhoria das condições de vida do
proletariado urbano, a luta pela terra e a criação de um exército popular numa grande
e poderosa FDLN – FRENTE DEMOCRÁTICA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL (VINHAS,
1982). Vale ressaltar que essa política está de acordo com o envolvimento do partido na
campanha pela Petrobrás e sua atuação nas cidades de Formoso e Trombas
14
(CUNHA,
2007) e a influência decisiva na greve geral dos 300 mil em São Paulo, em 1953.
Mas o fato maior do nacionalismo econômico varguista talvez esteja na criação
da Petrobrás, votada pelo Congresso em 1953, aprovando, ainda, o monopólio estatal.
“Curiosamente, o monopólio resultou de emenda constitucional proposta pela UDN,
partido visto com defensor do capitalismo cosmopolita” (IGLESIAS, 2002, p. 265).
Essa linha nacionalista não agradava diversos setores da sociedade brasileira.
Desde a classe empresarial, os militares ligados à ESG
15
até os setores médios urbanos.
defender a indústria com técnicas de política econômica. Além disso, muitos de seus intelectuais faziam
a denúncia do capital externo.
11. Cf. Voz Operária, 16/08/1952, apud E. Carone, op. cit., p. 112-114.
12. Tribunal Superior Eleitoral.
13. Não entraremos em maiores detalhes sobre estes dois documentos do partido, visto que não nos ca-
beria espaço e prejudicaria o andamento da nossa linha de exposição (1954-64).
14. Foi uma revolta ocorrida no Norte do estado de Goiás entre 1950 e 1957 e que envolveu camponeses
sem terra e grileiros. A luta travou-se no campo da política institucional e, principalmente da luta armada
e teve ampla participação de militantes do PCB. Apesar de ter sido um dos únicos movimentos vitoriosos
na luta pela terra, em 1964 seus líderes – com destaque para José Porfírio – foram cassados e torturados
pela Ditadura Civil-militar de 1964 (CUNHA, 2007). José Porfírio encontra-se até hoje desaparecido. So-
bre isso, há escasso material. Há um documentário do diretor Hélio Brito em parceria com a TV Cultura.
15. Escola Superior de Guerra. Criada em 1948, teve enorme influência norte-americana. Recebeu o título
de “Sorbonne Militar” por suas “altas pretensões ideológicas”.
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O conjunto de contradições neste período inchava em elementos. Havia diversas
contradições que brotavam no plano da política interna, na economia, na política,
nos círculos militares, nos partidos. Nessa equação, Getúlio Vargas e sua máquina
governamental viam-se cada vez mais minados por forças da reação.
A UDN fazia acirrada oposição. Desde o início do mandato Getúlio Vargas era
acusado de continuísmo golpista. Denúncias de escândalos, favorecimento a jornais,
acusação de corrupção e todo tipo de injúrias e calúnias – verdadeiras ou não –
marcaram o governo de Vargas.
As polarizações se acirraram mesmo quando o ministro do Trabalho de Vargas
anunciou, em 22 de fevereiro, o aumento de 100% no salário mínimo
16
. No entanto, os
militares
17
advertiram Vargas que essa medida prejudicaria as relações do governo com
a oposição e seria necessária a destituição de seu ministro. João Goulart foi deposto,
mas em 1º de maio – data significativa – Getúlio Vargas, discursando agressivamente,
anunciou que o aumento seria de 100% (SKIDMORE, 1975).
Isto levou a oposição à loucura febril, principalmente os udenistas mais
extremados. A grande mídia, como O Estado de S. Paulo e O Globo, engrossou a fala
contra Getúlio
18
.
Como sempre em política, faltava um pretexto para o estopim das contradições.
Na madrugada de 05 de agosto, o jornalista Carlos Lacerda caminhava com um major
19
da aeronáutica na Rua Toneleiros, no bairro de Copacabana, quando foi vítima de um
atentado à bala. Morreu o oficial e Lacerda foi levemente ferido. Bastou para a oposição
estrebuchar. A “solução pacífica e honrosa” para a crise seria a “renúncia do Senhor
Getúlio Vargas ao cargo de Presidente da República
20
”.
A alta cúpula do exército também exigia a renúncia do presidente. Em 22 de
agosto de 1954 os mais altos postos da oficialidade lançaram o “Manifesto dos Generais
à Nação”, no qual pediam “[...] a renúncia do atual presidente da República, processando-
se a sua substituição de acordo com os preceitos constitucionais
21
”.
Os militares queriam sua renúncia, a mídia fazia acusações inflamadas, a UDN
queria o governo Vargas na “lama”. As esquerdas o acusava de “traição nacional”. Era
uma clara tentativa de golpe por parte dos setores da oposição. Getúlio Vargas reuniu-
se, a portas fechadas, com seu corpo ministerial na noite do dia 24 para fazer o “balanço
da crise”. Logo após a reunião, Vargas entrou para os seus aposentos e, na madrugada
do dia 24, “apontou cuidadosamente a arma contra o coração e apertou o gatilho
(SKIDMORE, 1975, p. 179).
16. João Goulart era o ministro do trabalho e essa medida elevaria o salário de 1200 para 2400 cruzeiros
mensais “aplicável, sobretudo, aos trabalhadores do comércio e indústria do setor urbano (SKIDMORE,
1975, p. 166)”.
17. Isto demonstra a influência que sempre teve o exército na vida política nacional. 82 coronéis assina-
ram aquilo que ficou conhecido como Memorial dos Coronéis do Exército, em fevereiro de 1954. Como
veremos nas próximas páginas, o exército dará seu ultimato em 22 de agosto no conhecido Manifesto
dos Generais.
18. Apenas o jornal Última Hora de Samuel Wainer defendeu o governo.
19. Era o major Rubens Florentino Vaz. Lacerda era precavido – por causa de seus desafetos políticos – e
sempre tinha ao seu redor oficiais.
20. Edição do jornal carioca de 9/8/1954. Cf. Correio da Manhã, 09/08/1954, apud E. Carone, op. cit.,
p.55-57.
21. Cf. DORATIOTO; FILHO, 1991, p. 72, apud CPDOC/FGV, Impasses da democracia brasileira, p. 305.
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Antes do suicídio, no entanto, deixou uma poderosa carta-testamento que
balançou a Nação. Os caminhões que transportavam jornais de O Globo foram
queimados. A praia de Copacabana lotou milhares de populares. A população enfureceu
diante da Embaixada dos Estados Unidos. Segundo o brasilianista Thomas Skidmore:
Autêntica ou não, a carta-testamento foi imediatamente aceita como tal
pelo povo [..] Sua carta-suicídio era o apelo nacionalista mais vigoroso que
jamais fizera [...]. Através de seu ato final de sacrifício, Getúlio neutralizou
as vantagens políticas e psicológicas que seus oponentes haviam acumulado.
Na morte, como na vida, os atos de Getúlio foram cuidadosamente calculados
para produzir o máximo de efeito político (SKIDMORE, 1975, p. 180).
O que isso tem a ver com o nosso objeto de pesquisa – o PCB? Quais são as
permanências e rupturas em sua interpretação de Revolução brasileira? É sabido que
para o PCB as eleições de 1950, que levaram Vargas de volta ao poder, não expressavam
a vontade da maioria da população brasileira, “não haveria apelação para Vargas: o
seu governo [...], é um governo de preparação para a guerra e de traição nacional, é
um governo inimigo do povo (FILHO, 2002, p. 81). Tanto que nestas eleições o partido
propôs o voto em branco.
Esta orientação do partido estava em consonância com a sua formulação
de Revolução brasileira do período que vai da ilegalidade do partido (1947) até o IV
Congresso (1954).
Interessante notar que a morte de Getúlio Vargas provocou na esquerda pecebista
um aturdimento, levando a um turnover político. Essa reviravolta iria minar as teses
esboçadas no IV Congresso, como veremos adiante.
Seguindo as regras constitucionais assume o vice de Getúlio, Café Filho. O Comitê
Central do partido, reunido no dia 1º de setembro, lança no seu periódico Voz Operária
22
um Manifesto caracterizando Café Filho como um ditador em oposição a “Governo
Vargas”. Nota-se aí uma mudança no discurso. Outrora Vargas fora identificado como de
“traição nacional”. Agora, os termos são outros: o artigo coloca “governo” em oposição à
“ditadura. O que muda, então, é em relação à caracterização do governo Vargas outrora
de “traição nacional”; e após a morte do líder trabalhista, a imperiosidade urgente de
coligação com os “irmãos trabalhistas”.
Neste manifesto é clara a intenção do partido. Em face da “ameaça” que,
supostamente, trazia Café Filho, o partido conclama o “povo” brasileiro na união da
defesa das liberdades de imprensa, sindical, na defesa da Constituição. O Manifesto não
deixa dúvidas: o momento exigia que “trabalhistas e comunistas se deem fraternalmente
as mãos” nas lutas “em defesa das leis sociais já conquistadas
23
”.
Fazia-se necessário, então, que o “povo” se unisse em “ampla frente democrática
de libertação nacional”. Que para isso, o PC não abrisse mão da campanha eleitoral
no sentido de educar as grandes massas populares e “ganhá-las para o Programa de
salvação nacional apresentado pelo Partido Comunista do Brasil”.
22. Cf. Voz Operária, 11/09/1954, apud E. Carone, op. cit., p. 120-123. O Manifesto foi publicado no Voz
Operária no dia 11/09/1954.
23. Ibid., p. 120-123.
OLIVEIRA, Eder Renato de
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 159-181, jan.-jun., 2016.
167
Explicitamente, o PCB, convidava “todas as forças políticas
24
” a unir-se contra
“as forças da reação e do entreguismo
25
” em torno de uma plataforma democrática
no sentido de educar as grandes massas populares e “ganha-las para o Programa
de salvação nacional apresentado pelo Partido Comunista do Brasil
26
. O Manifesto
terminava em tom de interjeição:
Concidadãos! Tudo façamos para participar ativamente do próximo pleito
eleitoral! Unamo-nos todos em defesa da Constituição! Viva a união de todas
as forças democráticas para barrar o caminho à ditadura terrorista com
que ameaçam a nação os generais golpistas e os politiqueiros reacionários
serviçais dos imperialistas norte-americanos! Viva a unidade da classe
operária! Operários e operárias, camaradas trabalhistas, vinde reforçar as
fileiras do Partido Comunista, o Partido de Prestes! Viva a União de todos
os patriotas em ampla frente democrática de libertação nacional! Abaixo
os traidores e assassinos! Viva o Brasil livre, independente e progressista!
(CARONE, 1982, p. 123).
Na publicação do dia 02 de outubro do periódico Voz Operária, Luís Carlos Prestes
denunciava a tentativa de golpe das forças políticas reacionárias que se depararam
com os vigorosos movimentos populares que demonstraram o poder popular nas ruas.
Prestes insistia – seguindo a mesma orientação do Manifesto – na união de todos os
patriotas contra essas forças que são as culpadas pelo agravamento da situação social
dos trabalhadores. No artigo do referido periódico
27
, Prestes nomeia alguns dos generais
fascistas e golpistas: Eduardo Gomes e Juarez Távora
28
que – aliados aos udenistas
– “dirigem” a “ditadura” de Café Filho com a clara intenção de “vender” o Brasil aos
trustes internacionais colocando o “povo” à mercê das vontades de Washington.
Mas o ponto central da ideia de Prestes neste artigo é fazer um convite explícito
aos trabalhistas
29
. Prestes entendia que a conjuntura política do ano de 1954
30
os
colocavam em situação de união: “Trabalhistas e comunistas, lutamos contra o mesmo
inimigo que é o imperialismo norte-americano, lutamos contra seus agentes em nosso
país – os generais fascistas e os politiqueiros reacionários da UDN
31
, dizia Prestes.
A análise destes documentos da imprensa pecebista demonstra o turnover nas
concepções táticas do partido. Agora o PCB voltava-se para os trabalhistas numa clara
tentativa de união, mesmo na ilegalidade.
Aos desdobramentos da morte do presidente, seguiram-se os preparativos para
o IV Congresso que foi realizado do dia 7 ao dia 11 de novembro. É neste Congresso
que o Partido formulará sua concepção de Revolução brasileira. Predominava um
24. Ibid.,
25. Ibid.,
26. Ibid.,
27. Ibid.,
28. Tanto este, como aquele, foram destacados tenentistas e opositores da “República Velha”.
29. Políticos do PTB e/ou alinhados com a ideologia do trabalhismo de Getúlio Vargas.
30. A conjuntura que Prestes se refere foram os acontecimentos de tentativas de “golpe” da União Demo-
crática Nacional (UDN) gerando instabilidade político-institucional que culminou no suicídio de Getúlio
Vargas. Ver ABREU, Alzira Alves de, LATTMAN-WELTMAN, Fernando. Fechando o cerco: a imprensa e
a crise de agosto de 1954 In: GOMES, Ângela Maria de Castro, org. Vargas e a crise dos anos 50. Rio de
Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
31. Cf. Voz Operária, 02/10/1954, apud E. Carone, op. cit., p. 123-126.
Metamorfoses políticas na esquerda brasileira: do IV Congresso (1954) à Nova Política (1958) do PCB
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 159-181, jan.-jun., 2016.
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clima de “mandonismo” e dogmatismo. Moisés Vinhas lembra que, neste momento,
“de um grande partido de massas havia se tornado um pequeno partido, dogmático e
militarizado (VINHAS, 1982, p. 134).
O “centralismo democrático” era identificado com manipulação e “servilismo”.
Demonstra isto o episódio em que Gregório Bezerra
32
não pôde participar, pois teria
sido vetado pelo “poderoso nº 2” – Diógenes de Arruda Câmara. (VINHAS, 1982).
Nada se questionava no IV Congresso. João Saldanha chegou a ser acusado de
“chauvinismo paulista” quando tenta elaborar projeto político para São Paulo. O Comitê
Central argumentou que as ideias de João Saldanha não se “ajustavam” às prédicas do
partido.
Foram eleitas, unanimemente, 31 pessoas para o Comitê Central, das quais
destacaram: Luís Carlos Prestes, Diógenes de Arruda Câmara, João Amazonas, Maurício
Grabois, Agildo Barata, Apolônio de Carvalho, Carlos Marighela e Jacob Gorender.
Também 15 suplentes: em que podemos ver a presença de Octávio Brandão, dirigente
histórico do partido entre 1922-30, e Moisés Vinhas. Desse total, nove tinham formação
militar
33
. Havia sindicalistas, empregadas domésticas
34
, professoras, jornalistas, etc. A
composição social do Comitê Central era bastante heterogênea.
O Informe de Prestes é contundente sobre a atual etapa que vivia o Brasil. Diante
da conjuntura internacional, em que a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS) tinha um papel importante na luta contra o imperialismo norte-americano e da
conjuntura nacional, em que Café Filho seguia a receita dos monopólios americanos,
Prestes dizia que o Programa é de “salvação nacional”. Em sua atual etapa, a Revolução
brasileira era democrática-popular e de luta contra o imperialismo, agrária e antifeudal.
Democrática, pois deveria lutar contra os generais fascistas de Café Filho
que queriam de roldão levar a democracia – ainda que burguesa – e os “elementos
patrióticos” ao fim. Ao que tudo indica, os elementos patrióticos eram aquelas massas
que foram às ruas por Getúlio e os “irmãos” do PTB.
Vejamos com mais acuidade e rigor histórico
35
porque aquela atual etapa da
Revolução brasileira era caracterizada como anti-imperialista e antifeudal na análise
dos congressistas.
Para os congressistas, o Brasil, apesar da independência política obtida em 1822,
da abolição da escravidão em 1888, da queda da monarquia em 1889, “não modificaram
no fundamental o caráter semifeudal e semi-escravista da sociedade brasileira”
(CARONE, 1982, p. 127)
36
.
O Programa do Partido identificava naquela ocasião uma “dupla opressão”: a dos
imperialistas e dos “restos feudais” que são os responsáveis pela pauperização a que vive
o “povo”. Neste conjunto, o partido ainda identificava a burguesia brasileira. Na leitura
do partido, esta se dividia dialeticamente em dois grupos que se reconheciam em alguns
32. Militante atuante nas bases partidárias, apesar de ter sido ex-deputado constituinte em 1946. Bezerra
desempenhou importante papel como organizador de lutas no meio rural em Pernambuco.
33. Luís Carlos Prestes, Maurício Grabois, Agildo Barata, Apolônio de Carvalho, Benedito de Carvalho,
Ivã Ribeiro, Agliberto de Azevedo, Orestes Timbaúva e Lincoln Cordeiro Oest.
34. A militante Olga Maranhão e Iracema Ribeiro, ambas do Rio de Janeiro.
35. Pela análise das fontes documentais escritas, mais bibliografia selecionada sobre o assunto.
36. Cf. Problemas, Nº 64, dezembro de 1954 a fevereiro e 1955, apud E. Carone, op. cit., p. 126-136.
OLIVEIRA, Eder Renato de
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 159-181, jan.-jun., 2016.
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interesses e circunstâncias, mas que eram opostas em relação ao desenvolvimento
nacional. Uma ala era ligada aos trustes internacionais em concerto com a burguesia
agrária (os latifundiários); a outra, a parte restante, refletiria os interesses da indústria
nacional: deseja a ampliação do mercado interno. Nesta perspectiva, era “acertada” a
visão do partido de que a burguesia nacional tinha um papel a cumprir no novo regime,
o democrático-popular.
Mas havia ressalvas: para o partido, a burguesia nacional tendia ao vacilo.
Economicamente e politicamente era débil, não sendo capaz de levar a frente a “bandeira
da democracia e da independência nacional
37
. Sobre as relações com a burguesia
nacional, a Revista Problemas
38
publica:
Seria um erro que enfraqueceria o campo das forças anti-imperialistas e
antifeudais, confundir a burguesia nacional com as forças do campo feudal-
imperialista, assim como subestimar a significação que tem a burguesia
nacional, especialmente no estágio atual do movimento revolucionário
brasileiro, pela sua influência nas fileiras da pequena burguesia, das massas
camponesas e mesmo de parte da classe operária. Semelhante atitude levaria
a uma política sectária e ao isolamento dos comunistas de grandes massas do
povo, quando a vitória da revolução exige ganhar essas massas para o lado do
proletariado, arrancá-las da influência da burguesia nacional e do nacional-
reformismo. Sem amainar a luta econômica pelos seus interesses de classe,
contra a exploração burguesa, trata-se para o proletariado de lutar e marchar
junto com a burguesia nacional contra os imperialistas norte-americanos e
contra o regime de latifundiários e grandes capitalistas (CARONE, 1982, p.
133).
Naquele momento, quase toda a população brasileira era constituída por massas
camponesas vivendo, segundo o partido, em situação semicolonial e semifeudal. Soma-
se a isto, que, na análise dos congressistas, a contradição fundamental era entre
imperialismo versus Nação e entre os restos feudais versus “povo brasileiro”. Ou seja,
imperialismo e restos feudais eram os inimigos do Brasil.
A tarefa a que os comunistas estavam incumbidos era a de libertar o Brasil da
influência norte-americana e lutar por transformações radicais na democracia, pois: “a
Revolução brasileira em sua etapa atual é, assim, uma revolução democrático-popular,
de cunho anti-imperialista e agrária antifeudal” (CARONE, 1982, p. 128).
Em relação ao problema camponês, o partido entendia que interessava ao
imperialismo americano que o Brasil conservasse uma “minoria reacionária” detentora
de terras. O Programa do Partido entendia que a necessidade de confisco da terra dos
grandes latifundiários, entregando-a aos camponeses despossuídos ou com pouca terra.
O programa também refletiria a necessidade de abolir as relações sociais de exploração
semifeudais.
A ideia básica das teses do IV Congresso do PCB em relação à questão agrária
era que o Brasil continuava no atraso por causa do latifúndio e dos restos feudais. O
latifúndio semifeudal impediria o desenvolvimento no campo, tornando os camponeses,
fruto dessas relações, miseráveis e sem condições para comprar os bens que necessitava;
muito menos vender seus produtos (matérias-primas) às indústrias. Isto geraria diversos
37. Ibid., p.133.
38. Cf. Problemas, Nº 64, dezembro de 1954 a fevereiro e 1955, apud E. Carone, op. cit., p. 126-136.
Metamorfoses políticas na esquerda brasileira: do IV Congresso (1954) à Nova Política (1958) do PCB
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170
problemas sociais, como o êxodo rural e a inflação dos bens de primeira necessidade
nos centros urbanos – ou seja – elevados custo de vida da classe trabalhadora das
cidades.
Na edição da Revista Problemas, de 1954, para o êxito vitorioso da Revolução
brasileira, era essencial que os camponeses adquirissem na própria luta a consciência
revolucionária para a destruição do “atual regime de latifundiários” e “grandes
capitalistas
39
”.
O programa previa como solução imediata a nacionalização da terra e a repartição
entre todos os camponeses, não importando se rico ou pobre, bem como a manutenção
da terra enquanto propriedade privada e não coletiva.
Para a vitória da Revolução brasileira, o essencial agora é que os camponeses
adquiram na própria luta a consciência da necessidade da destruição
revolucionária do atual regime de latifundiários e grandes capitalistas. Por
isso o Programa do partido não levanta a reivindicação de nacionalização
da terra, tem em conta a manifesta vontade da massa camponesa que, em
nosso país, reclama, e acima de tudo, a distribuição da terra sob a forma de
propriedade privada [...] Nestas condições, a massa camponesa que constitui
a maioria da população do país, todos os camponeses médios e mesmo os
camponeses ricos – podem ser ganhos para o lado do proletariado e devem
constituir seu principal aliado. É possível e indispensável a aliança com todos
os camponeses (CARONE, 1982, p. 132).
O Programa do Partido previa a liquidação do atual governo que estaria a serviço
dos imperialistas norte-americanos. Os comunistas deviam lutar, então, por um novo
regime, o democrático-popular. Pois a atual “etapa” em que se encontrava, para a
esquerda pecebista, a Revolução brasileira, não seria possível a ditadura do proletariado,
tampouco previa uma ditadura da burguesia. Seria pelas mãos do proletariado –
classe dirigente da Revolução brasileira – que se “criará um poder de transição para o
desenvolvimento não capitalista do Brasil
40
”.
Ou seja, foi o proletariado na figura do seu partido de vanguarda (o PCB) que criou,
nas condições históricas dadas, o regime democrático-popular. Em que consistia, para
o PCB, esse novo regime? O regime democrático-popular teria como base econômica
os capitais confiscados das empresas norte-americanas e dos “elementos traidores da
burguesia nacional”. Previa, ainda, tirar o Brasil do campo da guerra (EUA) e estabelecer
fortes laços com o campo da paz (URSS). Qualquer tentativa ao contrário seria entendida
como a liquidação da Revolução brasileira em sua perspectiva democrática.
Assim, como nos apontam a bibliografia e os documentos históricos, as resoluções
do IV Congresso eram “letra morta”. Se de um lado tanto o governo do Catete (Vargas-
Café Filho) fora caracterizado como de “traição nacional”, um mês depois da morte de
Vargas os comunistas já configuravam uma mudança de posição e, em 1955, apoiam a
chapa eleitoral PSD-PTB, com Juscelino Kubitschek para presidente e o ex-ministro do
trabalho de Getúlio – João Goulart – como vice e, como moeda de troca, os comunistas
esperavam a legalização do PCB (SANTOS, 2003). Tanto é assim que o programa-mínimo
de 1955 propõe: 1. Liberdades democráticas e legalidade para o PCB; 2. Política externa
39. Cf. Problemas, Nº 64, dezembro de 1954 a fevereiro e 1955, apud E. Carone, op. cit., p. 126-136.
40. Ibid., p. 134.
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171
de paz; 3. Melhoria das condições de vida para as classes trabalhadoras, bem como a
luta pela reforma agrária; 4. Defesa de uma política nacional de petróleo e minérios
(VINHAS, 1982, p. 176).
Tentamos esboçar uma anatomia sumária do que foi o ambiente do IV Congresso.
Buscamos chamar a atenção para os fatos das correlações entre a política institucional
(morte de Vargas, Governo Café Filho, etc.) e como isso modifica a própria noção
de Revolução brasileira no interior do PCB. Fica, portanto, implícito aqui nossas
posturas metodológicas: o nosso objeto histórico (PCB) muda sua condição de ser no
mundo conforme muda a realidade. O objeto não é estático. O objeto transforma-se,
movimenta-se conforme o estado da luta de classes
41
. Tanto é assim, que conferimos
haver algo mudando nas consciências partidárias quando os comunistas – mesmo não
abandonando as teses sectárias do Manifesto de Janeiro (1948) e do Manifesto de Agosto
(1950) – já estavam inclinando-se para os trabalhistas
42
.
A Revolução brasileira diante dos golpistas (1955)
A morte de Getúlio Vargas foi um verdadeiro redemoinho. A princípio, como
dissemos, o suicídio de Vargas dá um choque nas forças golpistas que rondavam o poder
do Estado. Café Filho assume e demonstra que sua política estava voltada aos interesses
da burguesia. Mas qual burguesia? A primeira, aquela ligada aos trustes internacionais;
ou a segunda, aquela burguesia que se identificava com o nacionalismo varguista – o
desenvolvimento independente da economia nacional? Esta pergunta parece ser falsa.
Vejamos.
Segundo o cientista político e historiador da economia, Antônio Carlos Mazzeo,
podemos inferir que até a década de 1940 a burguesia dividia-se, sim, em 1) setores
ligados ao imperialismo: bancos, latifundiários, exportadores e; 2) setores ligados à
produção interna: aqueles originados ao primeiro impulso de industrialização pós-
década de 1930, ou seja, algo que poderíamos chamar de burguesia nacional. No
entanto, segundo as análises de Mazzeo, o governo Juscelino Kubistchek (JK) aglutinou
os setores ligados da burguesia nacional. Portanto, já em 1955, não podemos mais falar
em burguesia nacional (MAZZEO, 1995).
Partimos da hipótese, aprofundando a tese de Mazzeo, de que o suicídio de Vargas
e os problemas institucionais na luta pelo poder que se seguiram demonstram que:
os setores ligados ao imperialismo no seio da burguesia brasileira estavam, já naquele
momento, em franco processo de ascensão de hegemonia. Portanto, era a “morte” de um
arremedo de burguesia nacional e o PCB não pode enxergar isto por várias questões: a)
a brutal repressão e ilegalidade, mas também, b) a cegueira “stalinista” na interpretação
da realidade.
Vejamos mais de perto como foi o ano 1955 na vida politica brasileira e o que isso
causou na militância de esquerda.
Café Filho assumiu em 24 de agosto de 1954 e, por motivos de saúde, deixou o cargo
41. Não estamos querendo dizer que a luta de classes ocorra nos meandros da política institucional. Tão
somente, indicamos que a política institucional como política do Estado-burguês, reflete, também, a luta
de classes na vida nacional.
42. Há uma discussão na historiografia se o partido ficou ou não a reboque dos trabalhistas. Cf. ANTU-
NES, Ricardo. O Continente do Labor. São Paulo: Boitempo, 2011.
Metamorfoses políticas na esquerda brasileira: do IV Congresso (1954) à Nova Política (1958) do PCB
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 159-181, jan.-jun., 2016.
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de Presidente da República em 8 de novembro de 1955. Seu ministério era composto por
vários nomes que tinham aversão a Vargas. Destacamos: Eduardo Gomes (Aeronáutica)
da UDN, derrotado nas eleições de 1950. Eugênio Gudin (Fazenda) conhecido burocrata
na área da economia e reconhecido liberal com fortes ligações com a UDN e os capitais
estrangeiros. Ao lado de Gudin, estava o também liberal Otávio Gouveia de Bulhões.
Segundo o historiador Francisco Iglesias:
O velho político não tinha a garra de outros tempos. Cerca-se sobretudo de
gente adversa ao presidente, e estas pessoas pensam que vão mandar agora.
De fato, Café Filho fez um ministério com conhecidos udenistas (IGLESIAS,
2002, p. 267).
Após o adoecimento de Café Filho, assumiria Carlos Luz, Presidente da Câmara
que não chegou a assumir formalmente. Percebendo um clima de golpismo, o homem
mais forte do governo – o general Henrique Batista Duffles Teixeira Lott – impede
a posse: “Ele não passa o cargo ao novo governo” (IGLESIAS, 2002, p. 268). O país
vive momentos de rara tensão. Teixeira Lott era um militar decidido a resguardar a
Constituição. Não vacilava. Estava alinhado com a linha nacionalista. Lott passa a
faixa presidencial a Nereu Ramos, vice-presidente do Senado. Carlos Luz e seu grupo
golpista tenta instalar o governo indo de navio até a cidade de Santos e, não conseguindo
desembarcar, volta ao Rio de Janeiro: “[...] a viagem fora apenas um passeio tenso”
(IGLESIAS, 2002, p. 269).
Café Filho sai da convalescência e quer reassumir a presidência, mas o Congresso
o impede. Essa decisão do Congresso foi entendida como “um ato de salvação nacional”
para o PCB
43
:
A decisão do Congresso Nacional contra a volta à presidência da República
do sr. Café Filho traduz a vontade da maioria esmagadora da nação, é um ato
de salvação nacional e conta com isto com o aplauso entusiástico de todos
os patriotas e democratas que lutam em defesa da soberania nacional contra
a ingererência do opressor norte-americano nos negócios internos de nossa
pátria (CARONE, 1982, p. 142).
Preparavam-se as eleições de 1955. Candidataram-se: Juarez Távora (UDN),
outro segundo lugar, desta vez com 30,2% dos votos. O eleito foi Juscelino Kubitschek
na coligação PTB-PSD com 35,7% da votação (SCHMITT, 2000). Neste ínterim
44
Nereu
Ramos “firma-se no poder” entregando a faixa presidencial para Juscelino Kubistchek
no dia 31 de janeiro de 1956; ficou pouco tempo no poder.
Os episódios que marcaram a não posse de Carlos Luz entrou para a história
como o “movimento de 11 de novembro. Na verdade, foi mais uma tentativa de golpe
udenista que encontrou em seu caminho o contragolpe de Lott – ou o golpe dentro do
golpe.
Diante desses acontecimentos a imprensa pecebista teve importante papel. O
Comitê Central lança uma propaganda de apoio à candidatura de Juscelino Kubitschek
43. Cf. Voz Operária, 19/11/1955, apud, E. Carone, op. cit., p. 142.
44. Novembro de 1955 a janeiro de 1956.
OLIVEIRA, Eder Renato de
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173
(PSD) e ao candidato a vice, João Goulart (PTB)
45
. Citamos alguns trechos da propaganda
no periódico Voz Operária
46
:
Unamo-nos para impedir no país a implantação de uma ditadura fascista
[...] O Partido Comunista do Brasil apoia e indica aos sufrágios do povo as
candidaturas à presidência e vice-presidência da República dos srs. Juscelino
Kubtschek e João Goulart [...] Derrotemos nas ruas, de maneira esmagadora,
a candidatura do sr. Juarez Távora [...] Não há tempo a perder. Lancemo-nos
com ardor à campanha eleitoral. O Partido Comunista do Brasil concita
47
o
povo a criar milhares de Comitês Eleitorais, nas empresas, nos bairros, nas
cidades e nas vilas [...] Através de comícios, assembleias, debates públicos, do
rádio, de manifestações de massas é nosso dever esclarecer o povo, alertá-lo
ante as ameaças golpistas, convencê-lo da necessidade e da Constituição, de
suas conquistas e de seus direitos. Todos as urnas a 3 de outubro! Derrotemos
os inimigos do povo! (CARONE, 1982, p. 139).
O Comitê Central manifesta grande indignação frente ao “grupelho” fascista.
No Voz Operária são nomeados alguns nomes, que segundo a reportagem, teriam
Café Filho como um dos golpistas: Eduardo Gomes, Amorim do Vale, Carlos Luz, Pena
Boto, Jurandir Mamede, Honorato Pradel, Cordeiro de Farias, Tasso Tinoto, Alcides
Etchegoyen e Menezes Cortes. Diante dessas forças políticas, o PCB chamava, em
“ampla coalização de forças”, todos aqueles setores patrióticos e comprometidos com
a democracia e as liberdades previstas na Constituição. As eleições e as tentativas de
golpe em 1955 tiveram grande impacto na consciência dos militantes pecebistas. No
pleito de outubro de 1955, o PCB fez ostensiva campanha como demonstra a citação
acima. No entanto, o IV Congresso do partido havia há pouco sido realizado e já, na
prática, caíra em desuso.
Na análise do historiador Daniel A. Reis Filho, o programa de 1954 demonstrara-
se antiquado “no momento mesmo de sua edição”, que só pode ser creditada à política
centralizadora dos delegados que o aprovaram: “não correspondia mais ao que os
comunistas vinham fazendo e dizendo em público” (FILHO, 2002 p. 82).
O XX Congresso do PCUS (1956): a Revolução brasileira em processo de
mudança
A teoria de Revolução brasileira contida no IV Congresso, que se orientava no
sentido de uma revolução “antifeudal e anti-imperialista” e na derrubada do governo por
uma Frente Democrática de Libertação Nacional (FDLN), descarrilou de vez diante das
denúncias, no XX Congresso do PCUS
48
(1956), de crimes do “maquinista da história” –
Josef Vissarionovitch Stalin – por Nikita Kruschev.
O “relatório secreto” – como ficou conhecido – denunciava o “culto à
personalidade de Stálin” na URSS e no Movimento Comunista Internacional (MCI) e
as “barbáries” cometidas, como as execuções, processos falsos, uso indiscriminado da
45. A lei eleitoral daquela época não indicava que ao ser eleito o presidente, automaticamente seu vice
também estaria eleito. Ao contrário, o eleitor podia votar, separadamente, para os cargos de presidente
e vice-presidente.
46. Cf. Voz Operária, 24/09/ 1955, apud, E. Carone, op. cit., p. 136-139.
47. Incita, chama.
48. Partido Comunista da União Soviética
Metamorfoses políticas na esquerda brasileira: do IV Congresso (1954) à Nova Política (1958) do PCB
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.3, nº1, p. 159-181, jan.-jun., 2016.
174
força, etc. Claro está que o XX Congresso do PCUS põe em dúvida o marxismo-leninismo
codificado por Stálin. Diante disso, o PCI
49
interpreta que tal “relatório secreto” deva
servir como “um estímulo para sair da passividade, do burocratismo dos muitos anos
de Stalinismo”.
O Secretário-geral do PC americano – Eugene Dennis reconhece a validade do
“relatório secreto. Eugene Dennis:
[...] chega a detalhar, para arrepio dos comunistas brasileiros – torturas,
processos, farsa contra velhos líderes bolcheviques etc, - mas também proporá
até mesmo a popularização das decisões do XX Congresso para melhorar a
imagem do socialismo no mundo (SANTOS, 2003, p. 234).
O XX Congresso do PCUS foi amplamente noticiado pela mídia internacional.
O partido manifestou-se dizendo que as notícias não passavam de invenções da CIA
50
.
Demorou quase oito meses para que o Comitê Central se manifestasse. Nem mesmo na
V Conferência de junho daquele ano, o partido fez sequer menção ao XX Congresso.
A verdade é que, se o presidium, ou seja, a Comissão Executiva, não se pronunciou,
a imprensa pecebista
51
foi quem, primeiro, sem a autorização do Comitê Central, abriu
o debate. Militantes como Pinto Ferreira, na edição de 6 de outubro de 1956, publica
uma matéria em que deveriam abrir-se os debates vinculando o “relatório secreto” aos
erros de análise na formulação da Revolução brasileira. Na mesma edição, João Batista
de Lima atrelava o “culto à personalidade” às análises toscas do partido em relação à
conjuntura brasileira (SANTOS, 2003).
Diante desta questão surge uma corrente renovadora (“abridistas”) e uma
corrente conservadora (os “fechadistas”). Abrir ou não o debate? Intervindo, o Comitê
Central, num claro tom de proibição, buscará por meio do Projeto de Resolução do
Comitê Central do PCB: sobre os ensinamentos do XX Congresso do PCUS, dirigir os
debates. O Balanço que se seguiu pode ser lido nos trechos deste Projeto:
O XX Congresso do PCUS deu grande destaque ao princípio leninista segundo
o qual o Partido deve ser dirigido por organismos que funcionem de modo
regular e coletivo [...] Igualmente foram criticados alguns erros teóricos de
Stálin e sua atividade como dirigente [...] O Culto à personalidade é contrário
ao marxismo-leninismo. É uma concepção idealista que freia a capacidade de
iniciativa dos militantes do partido e das massas, impede o desenvolvimento
criador da teoria e da prática revolucionárias [...] Reconhecemos agora nosso
erro e tudo faremos para corrigi-lo [...] Conquanto a submissão da minoria à
maioria deva ser rigorosamente observada em todo o partido, é importante
observar a conveniência de vir a ser assegurada à minoria o direito de manter
e defender sua opinião [...] (CARONE, 1982, p. 143-54).
Obviamente que o XX Congresso causou novo aturdimento nos comunistas. Na
ocasião, o comitê regional de São Paulo decide romper com a estrutura do mandonismo,
que era típica do PCB. Aprovou que as decisões de cúpula deveriam ser ampliadas para
49. Partido Comunista Italiano.
50. Central Intelligence Agency (lit. “Agência Central de Inteligência”).
51. Imprensa Popular de circulação no RJ; Notícias de Hoje de SP e, também, o Voz Operária.
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os comitês regionais. Na mesma linha, o comitê do Ceará divergiu do IV Congresso.
Este evento, como até agora caracterizou a bibliografia que propomos investigar,
gerou uma conflituosa luta no seio do Comitê Central, que levará o partido a uma nova
concepção de partido revolucionário e, consequentemente, uma outra maneira de
caracterizar a Revolução brasileira, que é o que nos interessa aqui. O XX Congresso do
PCUS, em agosto de 1956, trará na ordem do dia a discussão sobre quais os rumos que
o partido iria tomar. Não só o PCB levou o choque como todos os partidos comunistas
alinhados pela Kominform
52
. O cientista Político Daniel Aarão Reis Filho nos dá uma
indicação de como reagiram os líderes do partido:
O Comitê Central reuniu-se para ouvir a delegação em agosto. Foi enorme,
como se pode presumir, a perplexidade. O Deus virara Demônio. O ‚genial
guia dos povos‘ não passava de um apocalíptico criminoso. Khrutchev
simplesmente demolira o ‚maquinista da locomotiva da História‘. Entre muitos,
a perda da inocência, o desgosto, náuseas e vômitos. Ainda assim, conservou-
se o silêncio. Até quando seria possível manter uma frágil folha de parreira
cobrindo aquelas vergonhas cada vez mais escancaradas? (FILHO, 2002, p.
83).
Nesta mesma linha de argumentação Vinhas nos aponta que as denúncias do
“sistema do culto à personalidade” de Stálin foi como um “raio em céu azul” - mas desta
vez nos arraiais dos comunistas. Em princípio a “reação de avestruz”, ou seja, adiar o
quanto possível a discussão (VINHAS, 1982, p. 178).
Prestes, até então em silêncio, escreve uma carta ao Comitê Central. Nesta carta,
conhecida como a “carta-rolha”, o secretário geral manifesta profunda indignação.
O partido não podia, segundo ele, entrar em situação de auto-liquidacionismo. Era
inaceitável, nas fileiras do partido, atacar a URSS e seu partido; muito menos o marxismo
– a teoria do proletariado. Advertia aos militantes lutar pela unidade partidária
53
.
O certo é que a celeuma que se seguiu sobre as discussões em torno do XX
Congresso do PCUS levou à saída da Comissão Executiva o antigo grupo dirigente
“stalinista” (Arruda, João Amazonas e Grabois). Entraram para a Comissão Executiva
nomes como Giocondo Dias e Mário Alves. Formou-se, na realidade, um grupo de cúpula
(conciliadores) que ratificava o Projeto de Resolução. Esse grupo de cúpula tratou de
afastar o antigo grupo “stalinista” da Comissão Executiva e neutralizar os renovadores,
ou seja, os conhecidos “abridistas”.
Agildo Barata, principal líder dos renovadores, em março de 1957, fez duras
críticas ao Projeto de Resolução, principalmente quando Agildo discorda das teses do IV
Congresso. A ideia de Revolução brasileira de Agildo Barata ia no sentido de formar uma
frente única como prolongamento da aliança operário-camponesa, não um governo de
libertação nacional como proposto pelo IV Congresso. O ideal para Barata seria uma
frente única na luta por um governo nacional e democrático, na defesa da soberania
nacional e da coexistência pacífica. Segundo Barata, a frente deveria introduzir o debate
para a inclusão no país de um “democratismo” que poderia levar as massas a um nível
altíssimo de consciência. No entanto, Agildo Barata foi expulso pelos conciliadores.
52. À época escritório de correspondência do partidos comunistas do mundo inteiro – localizado em
Praga, capital da extinta Checoslováquia, hoje capital da República Checa.
53. Cf. Voz Operária, 24/11/1956, apud, E. Carone, op. cit., p. 154-160.
Metamorfoses políticas na esquerda brasileira: do IV Congresso (1954) à Nova Política (1958) do PCB
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Em abril, na resolução sobre a unidade do partido, o Comitê Central declarou
encerradas as discussões em torno do XX Congresso.
54
Na verdade, este Projeto de
Resolução serviu como primeira referência aos desorientados militantes impactados
pelo XX Congresso. Em realidade, sintetizou os debates “sobretudo do que diziam os
renovadores sobre a política do partido. Moisés Vinhas resume bem os resultados das
lutas internas:
A essa altura, duas grandes tendências ganharam corpo. A primeira, tendo a
frente o ex – tenente Agildo Barata [...] A segunda, a da maioria da Comissão
Executiva, profundamente comprometida com o status quo anterior, resiste
a qualquer preço à mudança. No meio, os conciliadores, que num primeiro
momento reforçam a “esquerda” contra a “direita” e, uma vez liquidada esta,
“cortam a cabeça” daquela (VINHAS, 1982, p. 180).
Poderíamos assim resumir: O XX Congresso do PCUS leva o PCB a uma crise de
organização. Mais: era uma crise de interpretação da Revolução brasileira. O que estava
em jogo mesmo era: como o partido deveria se organizar? De início manifestaram-se
os “abridistas”, que se concentraram na figura de Agildo Barata. Ficaram conhecidos
como renovadores. A reação aos renovadores veio do “grupo forte” (fechadistas) e
comprometido com a linha “stalinista. Surge na figura de Prestes uma linha conciliatória
(o grupo baiano), que acaba por destituir o antigo grupo dirigente defensor das teses do
IV Congresso
55
. Esse grupo de conciliadores serão os responsáveis pela Nova Política,
a Declaração de março de 1958.
A Declaração de Março de 1958: modernização da teoria de Revolução
brasileira
Momento crucial desta investigação foi a análise da Declaração de Março de
1958. Para enriquecimento, tentamos observar as análises das principais bibliografias
sobre o tema. As consultadas são unânimes de que foi um momento único, um ponto de
inflexão na forma de interpretar a Revolução brasileira. Não satisfeitas nossas perguntas
teóricas, resolvemos recorrer a fontes diferenciadas para a melhor compreensão de
como o PCB formulou sua nova concepção de Revolução brasileira. Uma das estratégias
metodológicas foi a procura de materiais na Internet. Nas buscas online, nos deparamos
com rico material em forma de documentário, em que foi entrevistado o intelectual-
militante Jacob Gorender
56
.
Diante daquela situação em que se configurou um novo grupo dirigente, Jacob
Gorender conta que era preciso tirar o PCB da esfera política do Manifesto de agosto
(1950). Era urgente formular uma nova linha política. O grupo a qual pertencia Gorender
foi o responsável pela elaboração dessa nova política. Assim, Mário Alves e Gorender
tiveram algumas reuniões com Giocondo Dias (que à época era secretário geral e
protetor de Prestes – o “verdadeiro secretário”).
54. Cf. Voz Operária, 20/04/1957, apud, E. Carone, op. cit., p. 160-165.
55. Foram afastados da Comissão Executiva: Arruda, João Amazonas, Grabois e Sérgio Holmos.
56. Em forma de documentário, esta entrevista foi produzida pela TV Câmara. Disponível em: <http://
www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/MEMORIAS/186448-JACOB-GORENDER---A-ES-
QUERDA-REVELADA.html>. Acesso em: 16 fev. 2015.
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Nestas reuniões, os dois militantes convenceram Giocondo Dias da urgência
de renovação do partido, mas que isto deveria ser feito à revelia do Comitê Central
57
.
Giocondo Dias é convencido a conversar com Prestes sobre a proposta, que terminou
por dar o aval. No entanto, o documento seria assinado e apresentado por Prestes.
Citaremos aqui a revelação contundente de Jacob Gorender: “[...] o redator fui eu, posso
dizer isso agora. Eu fiz a redação que é, claro, foi apresentado ao grupo que, também,
fez modificações, obviamente [...]” (min 21:00-22:00).
58
Gorender explica que a Declaração teria sido escrita à mão, por ele. Isto é
surpreendente, pois choca-se com as informações da totalidade das bibliografias
consultadas nesta pesquisa. E isto deve ser levado em consideração, pois elas dizem ter
sido, a Declaração, escrita por Prestes
59
. A Declaração de Março traz uma novíssima
orientação da Revolução brasileira. Basicamente, a leitura que o PCB fazia na Declaração
era a de que a sociedade brasileira vivia duas fundamentais contradições. De um lado,
a contradição entre Nação versus imperialismo norte-americano e seus colaboradores
internos. De outro, “as forças produtivas em desenvolvimento” e as “relações de
produção semifeudais na agricultura” (RODRIGUES, 1997).
Naquele momento histórico, no entendimento dos comunistas, era necessário
que a teoria de Revolução brasileira se inclinasse a “resolver” as contradições
fundamentais. A contradição entre capital e trabalho não exigiria uma solução radical
naquela conjuntura. Na seção IV da Declaração de Março está contida claramente esta
ideia:
Como decorrência da exploração imperialista norte-americana e da
permanência do monopólio da terra, a sociedade brasileira está submetida,
na atual etapa de sua história, a duas contradições fundamentais. A primeira
é a contradição entre nação e imperialismo norte-americano e seus
agentes internos. A segunda é a contradição entre as forças produtivas em
desenvolvimento e as relações de produção semifeudais na agricultura [...]
A sociedade brasileira encerra também a contradição entre o proletariado
e a burguesia, que se expressa nas várias formas da luta de classes entre
operários e capitalistas. Mas esta contradição não exige uma solução radicalna
etapa atual. Nas condições presentes dos país, o desenvolvimento capitalista
57. Vale lembrar que o Comitê Central havia decidido, como lembra Moisés Vinhas, elaborar um docu-
mento para analisar “os reflexos do sistema do culto à personalidade dentro do PCB”. No entanto, esse
documento, apesar de escrito por Moisés Vinhas, Jover Telles, Sérgio Holmos, Leivas Otero e Francisco
Gomes, é rechaçado e substituído pelo anteprojeto intitulado “Declaração de Março” (VINHAS, 1982, p.
181).
58. Ibid.
59. A obra mais significativa indicando que a autoria da Declaração de Março pertence a Prestes é
Sinfonia Inacabada: a política dos comunistas no Brasil do cientista político Antônio. Segundo Mazzeo
em alusão à Declaração de Março: “Essa nova formulação aparece claramente no documento escrito
por Prestes, em 20 de março de 1958, no qual se explicita o conteúdo da linha política do PCB”. (MAZ-
ZEO, 1999, p.87). Cf. MAZZEO, Antônio Carlos. Sinfonia Inacabada: a política dos comunistas no Brasil.
São Paulo: Boitempo, 1999. Ressaltamos que Mazzeo o coloca assim, pois a Declaração de Março tem
a assinatura de Prestes (obviamente porque Prestes era o Secretário Geral do partido) e não de Jacob
Gorender. Mais, Mazzeo escreveu Sinfonia Inacabada em 1999 e, Gorender deu essa entrevista em à TV
Câmara no ano de 2009. Infelizmente, não temos como saber a verdadeira autoria, pois tanto Prestes
como Jacob Gorender já estão mortos. Mas acreditamos que isso não é relevante quando consideramos
a resultante histórica deste documento político para o partido. Se foi Prestes ou não, o fato é que ele
assinou pois estava convencido de que as teses ali esboçadas eram as que deveriam nortear a concepção
de Revolução brasileira.
Metamorfoses políticas na esquerda brasileira: do IV Congresso (1954) à Nova Política (1958) do PCB
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corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo. A revolução
no Brasil, por conseguinte, não é ainda socialista, mas anti-imperialista e
antifeudal, nacional e democrática (NOGUEIRA, 1980, p. 13).
Evidentemente, o partido entendia que era preciso a criação de uma Frente
Única Nacionalista e democrática para combater os agentes internos do entreguismo
(a burguesia agrária, o capital financeiro internacional monopolista, e os políticos e
generais comprometidos com os primeiros). Assim, o PCB apostou no caminho pacífico
para a Revolução brasileira: reformas na democracia pela combinação de ações políticas
parlamentares e extraparlamentares.
Essa frente única compor-se-ia, entretanto, como bem expressa o documento,
na luta do „povo“ contra os setores mais reacionários da sociedade. Neste ponto, povo
é entendido basicamente como:
[a] burguesia nacional“, proletariado e campesinato. Dito isto, „A etapa
contemporânea da Revolução brasileira, assim caracterizada, implicaria a
necessidade de formação de uma frente única ao mesmo tempo nacionalista e
democrática (SEGATTO, 1989, p. 93).
De fato, o documento expressa a Revolução brasileira como antiimperialista,
antifeudal, nacional e democrática. Em outras palavras, é a volta à política de conciliação
de classes do período 1945-47. No entanto, em outro contexto de organização do
capitalismo global e da relação da burguesia brasileira no contexto mundial – cada vez
mais orientado à monopolização. Essa nova orientação ideológica do PCB será decisiva
para que compreendamos alguns aspectos de como o partido atuou em relação à
burguesia de extração colonial, golpista e bonapartista (MAZZEO,1999).
Em Combate nas Trevas, Gorender chama a atenção a este aspecto enfatizando
o elemento ilusório que a Declaração de Março destacava: “[...] a opção pelo caminho
pacífico num país em que a burguesia já era classe dominante e tinha vinculação estreita
com o imperialismo [...]”(GORENDER, 1987, p. 31). O PCB, então, abrirá mão de sua
hegemonia política– como entende alguns autores
60
- a partir da Declaração Política de
1958 para configurar sua „noção“ de Revolução brasileira (antifeudal, antiimperialista,
nacional e democrática em ampla frente única).
É insuficiente entendermos as mudanças nas concepções táticas e estratégicas
de um partido, baseando-se apenas nas lutas internas pela direção do Comitê Central.
Como vimos acima, o capitalismo, num contexto mundial, orientava-se cada vez mais ao
entrelaçamento das finanças e à monopolização. Soma-se a essas questões a crise no
movimento comunista internacional após a dissolução da III Internacional
61
. Na análise
de Antônio Carlos Mazzeo, a crise profunda que se instalou no PCB após o IV Congresso,
foi a particularidade brasileira da crise no movimento comunista internacional e a
dissolução da Kominform (MAZZEO, 1999).
Para Mazzeo, mesmo mantendo o ideal libertador – “presente em todas as
60. Cf. ANTUNES, Ricardo. O Continente do Labor. São Paulo: Boitempo, 2011.
61. O fim da III Internacional Comunista (1919-1943), deve-se, entre outros fatores, ao fato de que a
URSS lutava na Segunda Guerra Mundial ao lado das potências capitalistas ocidentais contra os países
do “eixo” (Alemanha, Itália e Japão, principalmente). Ver: TRAGTENBERG, Maurício. Reflexões sobre o
socialismo. 8. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2008.
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formulações do partido, somado à ideia de revolução por “etapa”, a Declaração de março
trazia uma nova interpretação sobre o caráter do desenvolvimento capitalista brasileiro.
Para o PCB o capitalismo teria condições de se desenvolver. E, em consequência do
desenvolvimento capitalista no Brasil, surgiria uma “burguesia nacional” com traços
progressistas e que poderia ser fundamental na luta contra as forças retrógradas. Por
fim, as tarefas democráticas da Revolução Brasileira centrar-se-iam na formação de
uma Frente Nacionalista: os patriotas da burguesia nacional, a pequena burguesia e o
proletariado urbano e rural (MAZZEO, 1999).
Em resumo: a Declaração de março pode ser entendida como fruto de uma longa
crise na formulação de Revolução brasileira. Desde a morte de Getúlio Vargas, o IV
Congresso, passando para os eventos das eleições de 1955, o impacto do XX Congresso
do PCUS seguindo-se da crise de organização partidária. Fato é que foi preciso várias
cisões (“abridistas”, “fechadistas”, renovadores, conciliadores, etc.), até chegar a essa
nova concepção. É óbvio que a Declaração não rompe em definitivo com as formulações
anteriores como, por exemplo, o ideal de “etapismo”.
O que nos autoriza a falar em mudança é o fato de que ela “aceita a tese de
coexistência pacífica” (VINHAS, 1992), recusando uma leitura de que o capitalismo,
naquela fase, seria catastrófico: o proletariado, no Brasil, sofre mais da ausência do
desenvolvimento do capitalismo. Por isso, retoma-se a questão da democracia em bases
nacionais afirmando a via pacífica da Revolução brasileira.
Considerações finais
Podemos interpretar que a teoria de Revolução brasileira sofreu verdadeira
metamorfose nestes dez anos.
Em 1954 Getúlio Vargas “sai da vida para entrar na história” e o PCB entra na
cena da história querendo sair da ilegalidade
62
. Seu IV Congresso, de linha dogmática
e sectária – fruto da enorme repressão durante o governo Dutra –, começa a ser um
“cheque sem fundo. Não tinha mais valor na base partidária. Vemos que seu núcleo duro
sob o bastião de Diógenes de Arruda Câmara perdurará até 1956 com um evento que
balançou o partido e dividiu opiniões acerca da teoria da Revolução brasileira contida
no IV Congresso. Este evento foi o XX Congresso do PCUS. Vemos que a partir daí a
Revolução brasileira começa lentamente a mudar de forma.
Mas serão as querelas entre “fechadistas” e “abridistas” na imprensa “pecebista”
que darão lugar a um novo grupo dirigente – os conciliadores – os quais serão os
responsáveis pela renovação da teoria da Revolução brasileira expressa no famoso
documento político – A Declaração de Março de 1958.
A Declaração Política de 1958 significou uma nova atuação do partido. O PCB
abandona a linha sectária e passa a atuar no dia a dia da cidade com seus escritórios
62. Entre 1945 e 1964 o PCB só gozou de liberdades políticas até 1947 quando seu registro foi cassado
pelo Supremo Tribunal Eleitoral (STE). De 1947 a 1954, o PCB rejeitou a legalidade política. Apenas com
a morte de Vargas (1954), o partido passa a rever essa política “isolacionista” e começa a elaborar muito
timidamente o anseio da “volta à legalidade”. Mas é a partir da Declaração de Março de 1958 que a política
de voltar à legalidade fica mais clara, sendo que de 1961 a 1964 o partido fez intensa campanha pública
no sentido de os órgãos institucionais ratificarem o seu registro. Cf. BENEVIDES, Maria Victória de Mes-
quita. O Governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956-1961. 5. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2011, p. 119-120.
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abertos. Mas é no V Congresso que podemos perceber uma formulação mais refinada
dessa nova política. Se antes predominava a construção de uma Frente Democrática de
Libertação Nacional e a formação de um exército popular para derrubar o “governo de
traição nacional”, agora, no V Congresso o partido engendra uma Frente única nacional
e democrática com os setores patrióticos: a classe trabalhadora urbana e rural, os
setores médios e a burguesia nacional.
Foi a teoria de Revolução brasileira, forjada na Declaração de Março e ratificada
no V Congresso, que guiou os comunistas do PCB durante os três últimos anos de
“experiência democrática” (1961-64). Obviamente, o PCB não estava preparado para o
golpe-civil militar. Superestimou uma ala pequena da burguesia nacional e não mediu as
reais correlações de força. Esses desvios de análise são frutos de uma não renovação
da teoria de revolução. Ademais, o partido acreditou na via pacífica para o socialismo e
creditou sua hegemonia no trabalhismo de Jango.
Como analisou o professor Lincoln Secco,
Para o PCB, portanto, a independência nacional era o pressuposto do
desenvolvimento. O partido não conseguia perceber que a diferenciação do
sistema produtivo (ou seja “progresso”) prescindia de formação de centros
autônomos de decisão (SECCO, 2008).
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