FACES DA HISTÓRIA
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A imprensa baiana e o americanismo na
Segunda Guerra (1942-1945)
The press of Bahia, Brazil, and the Americanism in the
World War II (1942 -1945)
SILVA, Raquel Oliveira
*
Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar, em linhas gerais, a maneira pela
qual a imprensa baiana procurou disseminar um discurso favorável às instituições políticas,
modelo econômico e padrão de vida dos Estados Unidos no contexto de participação do
Brasil na Segunda Guerra Mundial. Busca-se, também, refletir sobre as conexões entre a
propaganda do American Way of Life e a defesa da democracia nas páginas dos jornais
baianos. Por fim, pretende-se delinear os primeiros elementos de uma análise acerca do
discurso da imprensa baiana sobre um dos grupos aliados na busca pelo restabelecimento
da democracia — os comunistas.
Palavras-chave: Imprensa Bahia. Segunda Guerra. Americanismo.
Abstract: This article aims to present, broadly speaking, the way in which the Bahia’s press
sought to disseminate a speech in favour of the political institutions, economic model and
standard of living of the United States in the context of Brazil's participation in the World War
II. The aim is to also reflect on the connections between the propaganda of the American
Way of Life and the defence of democracy in the pages of Bahia’s newspapers. Finally, it is
intended to outline the first elements of an analysis about the Bahia’s press speech about
one of the allied groups in the search for restoration of democracy — the Communists.
Keywords: Press Bahia (Brazil). World War II. Americanism.
O americanismo e o Brasil na guerra
Na edição do dia 08 de agosto de 1943, o jornal baiano O Imparcial publicou um
editorial de seu redator-chefe, Wilson Lins, discorrendo sobre o regime político dos Estados
Unidos. Segundo o autor, a democracia americana estava presidindo uma grande
experiência social, “maior talvez do que a experiência russa”, “uma realidade humana que
desafia e desarma a mais fantástica das imaginações delirantes”. Lins afirmava que as
instituições sociais e órgãos governativos dos Estados Unidos eram poderes “nascidos do
*
Doutoranda em História Social pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Mestre em História Social pela
Universidade Federal da Bahia - UFBA. Graduada em História pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. E-
mail: Raquel.osilva@gmail.com
Recebido em: 0 de maio de 2014.
Aprovado em: 03 de junho de 2014.
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povo”, cuja força era inspirada “no mais sincero e inviolável respeito” aos interesses e
aspirações populares. Sempre comparando com o modelo russo, o redator-chefe de O
Imparcial apontava as vantagens do sistema capitalista para a classe trabalhadora, afinal,
nele era possível “ter um automóvel, ir ao Music Hall e fazer greve”. Assim sendo, para o
autor, eram “incalculáveis os benefícios do capitalismo ao povo norte-americano.” Embora
admitisse a União Soviética como uma grande experiência, considerava-a dolorosa e
sacrificante. os Estados Unidos, pelo contrário, seriam “uma grande experiência sem
sacrificar ninguém (O Imparcial, 8 de agosto de 1943, p.3).
Os excertos acima são exemplos do discurso favorável às instituições políticas,
modelo econômico e padrão de vida dos Estados Unidos, disseminado nas páginas dos
jornais baianos na primeira metade da década de 1940. As apreciações e os argumentos da
imprensa da Bahia assumiram um caráter marcadamente americanista na conjuntura da
Segunda Guerra Mundial, que se desenvolvia à época. O americanismo é entendido, aqui,
como uma ideologia programática, cujos elementos mais importantes tomaram corpo nos
Estados Unidos na primeira metade do século XX e passaram por um processo de
implantação na América Latina (TOTA, 2000, p. 18). Para Tocqueville, mais do que
simplesmente implementar preponderância política, militar e econômica sobre a América do
Sul, a América do Norte apontaria para um processo em que o atraso ibérico, sob o impacto
das diferentes influências exercidas pelo seu vizinho anglo-saxão, se converteria “às luzes”
e se modernizaria, rompendo com os fundamentos de sua própria história. Assim,
Tocqueville vai entender que a experiência americana não é irredutível à sua formação
nacional, devendo e podendo ser absorvida pelos países de raiz ibérica (VIANNA, 1997, p.
91). Dentre os componentes fundamentais do americanismo, pode-se citar a democracia,
sempre associada aos heróis americanos e, em especial, às ideias de liberdade, direitos
individuais e de independência, e o progressivismo, vinculado à ideia de um mundo de
abundância e à capacidade criativa do povo estadunidense.
A conjuntura mundial de 1940 fortaleceu a importância do Brasil como parceiro no
hemisfério e, assim, tornou-se imperativo, à política externa norte-americana, americanizar o
vizinho latino por vias pacíficas, a fim de quebrar possíveis resistências à aproximação entre
o Brasil e os Estados Unidos (TOTA, 2000, p. 19). De fato, a Segunda Guerra Mundial pode
ser considerada como o ponto de virada nas relações entre os dois países. Iniciado em
1939, com a invasão da Polônia pelo Exército da Alemanha nazista, o conflito foi
caracterizado pelo enfrentamento entre os regimes autocráticos de direita (nazismo alemão,
fascismo italiano e militarismo japonês), que compunham o chamado Eixo, e os regimes
liberal-democráticos dos Estados Unidos, Inglaterra e França, conhecidos como os Aliados,
aos quais se juntaram a União Soviética e a China. Apesar de a repercussão dos confrontos
ter sido, inicialmente, fraca na Bahia, o interesse, à distância, que a população local tinha
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pela guerra, começou a mudar quando o conflito alcançou o Brasil com o torpedeamento de
navios mercantes brasileiros por submarinos alemães, em fevereiro de 1942 (SAMPAIO,
1995).
Seguiram-se outros ataques, ocorridos no litoral da Bahia e de Sergipe, que
revoltaram a população de várias cidades brasileiras e motivaram as primeiras
manifestações de rua, após o golpe de 10 de novembro de 1937, quando foi instaurada a
ditadura do Estado Novo, regime vigente à época no Brasil. A opinião pública nacional,
impulsionada pelos antifascistas, pelos simpatizantes dos Estados Unidos, pelos comunistas
e pelos estudantes, que constituíram maioria, pressionava para que o Brasil abandonasse a
posição de neutralidade, até então adotada diante dos confrontos, comprometendo-se nessa
luta contra a agressão nazista, como haviam feito outros países americanos. No bojo das
mobilizações voltadas ao rompimento das relações do governo brasileiro com os países do
Eixo e em prol do envio de tropas brasileiras para combater na Europa, Sociedades de
Amigos da América foram criadas em diferentes estados do Brasil. Na Bahia, essa
sociedade foi criada com a ativa participação dos estudantes comunistas, entre eles Jacob
Gorender e João Falcão (FALCÃO, 1999, p. 64). Pressionado pelas manifestações de rua e
por integrantes do regime estadonovista, entusiastas da causa aliada, o governo federal,
que rompera relações diplomáticas com os países do Eixo, em janeiro de 1942, declarou
guerra à Alemanha, Itália e Japão, em agosto do mesmo ano (TAVARES, 1987, p.431).
O repúdio ao nazifascismo repercutiu em toda a sociedade baiana e nos periódicos
não foi diferente. A partir disso, foi possível identificar, nas páginas dos jornais de maior
circulação no estado, a existência de um posicionamento favorável aos Aliados e à defesa
de um esforço de guerra contra o Eixo. O movimento patriótico na Bahia tinha suas
atividades noticiadas, notadamente, pelo matutino O Imparcial, dirigido pelo jornalista Wilson
Lins, pelo Estado da Bahia e na Rádio Sociedade da Bahia, que era a única existente no
Estado e apresentava um programa diário, às 13 horas. Ambos, jornal e rádio, eram da
cadeia dos Diários Associados, administrada pelo poeta Odorico Tavares. Os jornais A
Tarde, cujo proprietário era o jornalista Ernesto Simões Filho, e Diário da Bahia, gerido por
Murilo Soares da Cunha e Antonino de Oliveira Dias, também prestigiavam o movimento
patriótico e dirigiam seus noticiários a favor dos Aliados. Somente o Diário de Notícias, do
qual era diretor Antonio Balbino de Carvalho, durante os anos iniciais da guerra, dava
cobertura aos regimes de direita e aos seus aliados nativos (FALCÃO, 1999, p.89). Todavia,
em 1942, o Diário de Notícias foi vendido aos Diários Associados e abandonou
completamente o discurso favorável à Alemanha, numa época em que as folhas pró-
nazistas mudaram suas orientações editoriais, após o rompimento das relações diplomáticas
do Brasil com os países do Eixo (PEIXOTO JÚNIOR, 2006, p. 155). A alteração no
comportamento editorial do jornal Diário de Notícias, após sua venda aos Diários
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Associados, reproduz um posicionamento recentemente adotado pelo conglomerado de
Assis Chateaubriand, que passara do apoio a Getúlio Vargas à defesa do regime
democrático, manifestando-se contrário aos governos totalitários e ao cerceamento das
liberdades individuais (SILVA, 2008, p. 95). A própria Associação Bahiana de Imprensa (ABI),
em setembro de 1942, manifestou solidariedade ao governo e declarava por os jornalistas
da Bahia à disposição do País, “nesta hora grave, em que o nosso povo se levanta num
movimento de indignação e disposição para a luta, os seus serviços e as suas pessoas
(ASSOCIAÇÃO, 01 de setembro de 1942, p. 62). Desse modo, havia, na imprensa baiana,
elementos argumentativos que buscavam mobilizar a população sobre a importância da
participação da sociedade brasileira na guerra contra o nazifascismo. Nesse sentido, os
jornais divulgavam os êxitos das potências democráticas na guerra, transmitidos pelas
agências transnacionais de notícias, e incluíam informações sobre os movimentos
patrióticos ocorridos em nível local e nacional.
Assim, com a entrada do Brasil no conflito, a imprensa da Bahia empenhou-se em
disseminar um discurso antifascista, vinculado à ideologia liberal, no qual os Estados Unidos
apareciam como seu maior representante. De fato, na Segunda Guerra Mundial, o país
norte-americano conseguiu submeter a sua hegemonia as nações mais fracas, pois entrou
no conflito com o mercado interno em relativo equilíbrio e não sofreu, diretamente, os
prejuízos da destruição, implementando a sua tutela sobre o mundo capitalista e colonial e
igualando, na submissão política, potências industriais e países atrasados. Apenas a União
Soviética e os povos em revolução escapavam ao seu domínio. Com a Europa devastada
pela guerra, os Estados Unidos constituíam a única fonte de financiamento externo e know-
how tecnológico, contribuindo para recrudescer a dominação norte-americana sobre o
restante do mundo (BANDEIRA, 1982, p.309).
o Brasil precisava buscar capitais estrangeiros privados para seu crescimento e,
como um país capitalista em desenvolvimento, sentiu todo o impacto da influência
estadunidense. Embora formalmente cordiais, os laços entre Estados Unidos e Brasil não
eram, a meados da década de 1930, prioritários para nenhum dos dois países. Foi a
administração Roosevelt, preocupada com a crescente e ostensiva atração do governo de
Getúlio Vargas em direção ao nazifascismo, que deu início a um processo de aproximação
que terminaria, durante a Segunda Guerra Mundial, produzindo um dos poucos momentos
na história das relações entre Estados Unidos e Brasil que podem ser classificados como de
vinculação estreita (SILVA, 1991, p.44).
Nesse sentido, o contexto de conflito mundial representou o melhor momento do
sistema interamericano. Ao longo dos confrontos contra o Eixo, o Brasil foi o mais fiel aliado
dos Estados Unidos na América Latina. Além de ceder bases no Nordeste, o país constituiu-
se num grande fornecedor de materiais estratégicos. Além disso, em julho de 1944 o Brasil
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enviou uma força expedicionária de 25 mil homens ao teatro de guerra europeu as únicas
tropas latino-americanas que entraram em ação durante o conflito. De seu lado, os Estados
Unidos forneceram equipamento militar inclusive tanques e aviões dentro do programa
Lend-Lease (Empréstimo e Arrendamento). Os Estados Unidos continuaram sendo o grande
mercado do café, principal produto de exportação do Brasil, e de outros alimentos. E,
embora incapazes de fornecer ao aliado todos os bens manufaturados de que ele precisava,
em parte devido às restrições à navegação, os Estados Unidos fizeram empréstimos e
deram assistência técnica, o que acelerou consideravelmente o desenvolvimento econômico
– e especialmente o industrial – do país (BETHELL; ROXBOROUGH, 1996, p. 43).
Dessa forma, a fim de se colocar em condições de atrair mais capital norte-
americano, um clima apropriado para o investimento estrangeiro teve de ser criado, dando-
se ainda diversos tipos de garantias, reais ou simbólicas. Exigia-se o compromisso com o
desenvolvimento capitalista, liberal e com uma “ideologia de produção”, sem traços de
nacionalismo. Com efeito, na década de 1940, como consequência das relações
diplomáticas especiais que os dois países começaram a manter, o governo norte-americano
passou a gastar mais dinheiro para promover a influência dos Estados Unidos no Brasil,
como parte de seu esforço de guerra no setor ideológico (MOURA, 1980, p. 139).
Interessados em manter o continente como parte de seu mercado, os Estados Unidos
promoveram uma obra de americanização no Brasil (TOTA, 2000, p. 35). O sistema de
poder estadunidense, desde cedo, começou a passar à América Latina uma ideologia
internacionalista, que suplantava a ideia de defesa nacional dos Estados Unidos e
acentuava a solidariedade entre as nações americanas e o respeito à sua soberania, em
nome de um objetivo maior: a defesa hemisférica contra o inimigo externo, corporificando-se
nos ideais do pan-americanismo (MOURA, 1980, p. 139).
Os “valores pan-americanos” não se propagavam de maneira espontânea. Nesse
sentido, o governo dos Estados Unidos adotou uma rie de medidas para garantir o êxito
do empreendimento. Tratou de dar novo alento às instituições pan-americanas existentes
e a órgãos governamentais norte-americanos, como a Divisão Cultural do Departamento de
Estado e o Comi Interdepartamental de Cooperação com as Repúblicas Americanas. A
decisão talvez mais importante foi a criação do OCIAA (Office of the Coordinator of Inter-
American Affairs), entregue à direção de Nelson Rockfeller e encarregado de contrabalançar
a crescente propaganda do Eixo na América Latina. A amplitude desse novo órgão pode ser
avaliada pelo exame de seus objetivos: persuadir as nações latino-americanas a seguir a
liderança estadunidense em oposição ao Eixo, integrar a economia americana com a dos
Estados Unidos em um mesmo sistema, impedir revoluções nas Américas e lutar contra os
agentes nazifascistas. E tudo isso sem dar a impressão de que estavam interferindo nos
negócios internos dos Estados soberanos (MOURA, 1980, p. 140).
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Sem dúvida, havia a luta contra a expansão do nazismo, mas, acima de tudo,
prevalecia a necessidade de afastar da América Latina os produtos alemães que concorriam
com os americanos. Os objetivos político-econômicos estavam na base do projeto da
agência e, para atingi-los, deu-se importância notável às atividades culturais e à
comunicação (TOTA, 2000, p. 51). Para Nelson Rockefeller, o futuro dos negócios norte-
americanos, na América Latina, dependia da venda não dos produtos, mas do modo de
vida estadunidense. Portanto, a fim de que houvesse sucesso no campo econômico, era
imperativa a consolidação de uma base no campo ideológico. Era necessário empregar
todos os meios para solidificar a imagem de um modelo a ser seguido, isto é, os Estados
Unidos deveriam ser um paradigma com forte destaque para a defesa do liberalismo e da
democracia (TOTA, 2000, p. 54).
Para atingir suas finalidades, o OCIAA desenvolveu um programa
extraordinariamente complexo de persuasão ideológica e penetração cultural. Dessa
maneira, o governo norte-americano passou a investir largas somas para, entre outras
atividades, distribuir artigos à imprensa latino-americana e patrocinar viagens de jornalistas
aos Estados Unidos (SILVA, 1991, p. 79). De fato, a imprensa e a propaganda impressa
eram meios importantes para a divulgação dos princípios do americanismo “fabricado” pela
Office, afinal, a Divisão de Imprensa era uma das maiores da agência (TOTA, 2000, p. 54-
56). A imprensa baiana foi fortemente influenciada por esse esforço de guerra no setor
ideológico, conforme se poderá verificar a seguir.
O “estreitamento das relações” entre a Bahia e os Estados Unidos através da
imprensa
Em março de 1943, o jornal A Tarde noticiou a instalação, em Salvador, do escritório
do Coordination Comitee for Bahia Sub-Comitê do Coordenador dos Assuntos Inter-
Americanos. Esse Sub-Comitê tinha como função divulgar o programa continental de
aproximação entre a Bahia e os Estados Unidos, subordinado, como os dos demais
estados, à Comissão de Coordenação dos Assuntos Inter-Americanos, responsável, pelo
governo estadunidense, por cuidar “da manutenção e estreitamento da amizade que une os
dois povos das Américas” (A Tarde, 26 de março de 1943, p. 4). Não por acaso, indícios
de que a presença de membros do Comitê da Coordenação Inter-Americana da Bahia era
constante entre os jornalistas locais, sobretudo nas reuniões da Associação Bahiana de
Imprensa (ABI). Em junho de 1943, a Associação realizou uma sessão conjunta com o
Comitê da Coordenação Inter-Americana da Bahia, quando o presidente da ABI manifestou
“grande satisfação dos jornalistas baianos de receberem a visita dos representantes da
nação amiga e aliada, dizendo que esses contatos eram necessários à causa pela qual
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todos trabalhavam”. Além disso, expressou-se agradecimento pelo modo como vinham
sendo tratados os jornalistas brasileiros em visita aos Estados Unidos, dentre os quais
constavam dois baianos: Simões Filho, diretor de A Tarde, e Wilson Lins, redator-chefe de O
Imparcial (ASSOCIAÇÃO, 30 de junho de 1943, p. 95-6).
O “estreitamento das relações” entre a Bahia e os Estados Unidos se estendia às
apreciações e aos posicionamentos dos jornais no estado. Naquele contexto, a imprensa
baiana engajou-se numa campanha entusiasta da aproximação entre os países americanos,
argumentando que os mesmos achavam-se “entrelaçados nos elos de uma cadeia
indissolúvel, arrastando com todas as consequências que lhes possam advir dessa união,
frente inquebrantável contra o despotismo e a tirania” (A Tarde, 14 de abril de 1942, p.1). Em
abril de 1943, o vespertino de Simões Filho publicou um texto assinado por Thales de
Azevedo, no qual sustentava que o que se tinha feito “para a compreensão dos Estados
Unidos pela nossa gente” era muito pouco, e que “os universitários, os estudiosos de toda
ordem” mantinham um contato precário “e de segunda mão com a vibrante atividade norte-
americana”. Portanto, era preciso considerar “a conveniência de uma aproximação
intelectual com os Estados Unidos”, tendo em vista “o muito que podemos lucrar nesse
intercâmbio com a pujante civilização cis-Atlântica do Norte” (A Tarde, 10 de abril de 1943, p.
4).
Essa aproximação entre os dois países incluía a defesa constante de uma interação
cultural entre baianos e norte-americanos. A Associação Cultural Brasil Estados Unidos
promoveu concursos para familiarizar estudantes das escolas baianas ao tema do pan-
americanismo:
A Associação Cultural Brasil-Estados Unidos, pretende realizar um concurso
entre os alunos dos diversos Colégios da Bahia. Esse concurso consistirá
numa dissertação sobre assunto pan-americano escolhido, no momento e
na resposta, dez perguntas sobre a Geografia, a História e a Economia dos
países do continente, formulados pela comissão julgadora do concurso. (A
Tarde, 03/04/43, p. 3)
A Associação Cultural Brasil - Estados Unidos, “entidade recentemente fundada com
finalidades expressivas de aproximação”, promovia cursos de inglês que se propunham a
possibilitar ao baiano “ver filmes, ouvir conferências, ler livros, que lhe fornecerão elementos
para a formação de um apreciável cabedal de conhecimentos”. A instituição oferecia
também bolsas de estudo no país norte-americano, destinadas aos estudantes baianos. De
acordo com o jornal Estado da Bahia, o número dessas bolsas foi aumentado por meio da
verba que o governo estadunidense aplicou especificamente para a sua concessão, estando
a escolha a cargo do Comitê de Assuntos Inter-Americanos (Estado da Bahia, 01/04/42, p.
3).
Até mesmo as manifestações artísticas eram utilizadas como instrumentos por meio
dos quais as folhas jornalísticas baianas sustentavam que, realmente, havia muitas
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afinidades entre os habitantes da Bahia e os dos Estados Unidos. Em outubro de 1943, A
Tarde publicou um artigo relacionando às obras de dois poetas que, segundo o texto,
aproximavam-se por suas tendências libertárias: o norte-americano Walt Whitman e o
baiano Castro Alves. Certamente, a intenção do periódico era sugerir que as ideias
democráticas eram inerentes e comuns a ambos os povos (A Tarde, 02 de outubro de 1943,
p. 5).
Os jornalistas baianos, em visita aos Estados Unidos, também registraram
impressões bastante positivas daquele país. O redator-chefe de O Imparcial, Wilson Lins,
escreveu para o periódico vários textos expondo o seu fascínio pela nação norte-americana.
Numa edição de julho de 1943, Lins mostrou todo o seu deslumbramento ao relatar suas
experiências em solo estadunidense:
Senhores,parece mentira, mas é verdade na batata. Estou em Nova York!
estive em cento e muitas cidades americanas, cortei mais de vinte dos
quarenta e oito Estados dos Estados Unidos; passei dias em Los Angeles;
dansei nos cabarés de Hollywood; tirei retrato com Grace Moore, Hady
Lamar, King Vitor, Margaret Sullivan, bebi e comi na mesma mesa que
Robert Taylor; namorei uma chinesa em São Francisco da Califórnia; viajei
no bonde aéreo de Chicago.(O Imparcial, 20 de julho de 1943, p. 3)
Seu encantamento pelos Estados Unidos pareceu tamanho a ponto de o autor
recorrer a neologismos e superlativos a fim de relatar suas experiências, além de deixar
transparecer certo provincianismo:
Nova York é um mundo, com os seus arranhaceíssimos altíssimos e o seu
movimentismo louquíssimo e o caboclo vindo das bandas da terra onde
canta o sabiá, que não tiver boas pernas, pernas firmes, está perdido nela.
[…] Eu estou é em Nova York e andei de subway”. Vocês podem pensar
que estou com a cabeça virada com a viagem, que estou ficando cretino e
cheio de dedos. Pois estou mesmo. E “não havera” de estar! Se estou em
Nova York e viajei no “subway”. Eu trazia as malas cheias de lembranças de
Chicago, Boston, Detroit, New Orleans, Los Angeles, Montreal, Quebec,
Ottawa. Joguei tudo fora. Agora eu sou novaiorquino. Néris de províncias. O
que eu quero é arranhaceíssimos e “subway”, muito “subway”, porque meus
amigos, no Brasil, com a falta de gasolina o bonde é uma fatalidade
irremediável e eu estou por aqui, de bonde. Não digo com soberba; mas,
pelo meu gosto, bonde nunca mais me verá. Afinal de contas, e repito para
melhor efeito: afinal de contas, eu estou é em Nova York e viajei de
“subway”. E isto para um brasileiro, vocês sabem muito bem o que significa
(O Imparcial, 20 de julho de 1943, p. 3).
Se Walter Benjamim (2000, p. 20-1) chamou Paris de capital do século XIX, Nova
York pode ser chamada a capital do século XX. Não houve cidade que sofresse tantas
mudanças e modernizações como Nova York que, inclusive, fez o casamento entre a via
expressa e o automóvel (UZEDA, 2006, p. 57). Conforme é possível depreender do texto
acima, outro meio de transporte nova-iorquino, o metrô, impressionou enormemente Wilson
Lins. O viajante repetiu, diversas vezes, que estava em Nova York e que andara de
Raquel Oliveira Silva
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subway”, como um modo de enfatizar e transmitir ao leitor todo o seu arrebatamento por
aquele território norte-americano e os seus maravilhosos atrativos. Tamanha fascinação
expunha, também, um certo desprezo pelos recursos nacionais, o que ficou evidente
quando o autor descartou a possibilidade de tornar a andar de bonde. Pelo que ficou
demonstrado por meio do texto, Lins parecia se sentir superior por estar em Nova York,
assim como a própria nação norte-americana era avançada no seu alto nível de civilização e
desenvolvimento. E a última frase do excerto acima reforça ainda mais a ideia de quanto o
Brasil estava aquém daquela nação tão vigorosa, a qual deveria ser tomada como um
exemplo a ser seguido.
Imprensa baiana, americanismo e democracia
Àquela época, devido à ditadura estadonovista, a imprensa brasileira foi mantida sob
rigoroso controle por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). De acordo
com Paulo Santos Silva (1992, p. 38), somente em 1945 a censura foi rompida. Segundo o
autor, dois fatos jornalísticos, de considerável importância, simbolizaram essa ruptura: a
entrevista de Góis Monteiro à Folha da Manhã, defendendo a realização das eleições
prometidas por Vargas, e a entrevista de José Américo ao Correio da Manhã, revelando o
major-brigadeiro Eduardo Gomes como o candidato das forças liberais que se opunham ao
Estado Novo. Como em todo o país, até o início daquele ano os jornais baianos ocuparam
suas páginas com notícias sobre os desdobramentos da Segunda Guerra. Devido ao
rompimento da censura, começaram a aparecer matérias que procuravam abordar a
situação política interna. que se pensar se o discurso favorável às instituições norte-
americanas, nos anos finais do Estado Novo, foi uma maneira de defender a democracia
liberal, que não podiam fazê-lo abertamente devido às restrições impostas pelo DIP.
Afinal, nota-se que, mesmo antes de 1945, aclamações aos conceitos de democracia e de
liberdade eram frequentes nos jornais baianos.
O conceito de democracia que está sendo tratado nesse texto relaciona-se à
maneira como os setores liberais da época o concebiam. Afinal, verifica-se que, no processo
de redemocratização, determinados traços e práticas, herdados da República Velha,
reapareceram no processo político-partidário em diversas oportunidades e situações. Os
traços reincidentes configuram a perpetuação de certo padrão tradicional de comportamento
no exercício das atividades político-partidárias e eleitorais, que, certamente, não se pode
designar de democrático. Entendendo-se democracia como um processo, a expressão
redemocratização, para definir o período aqui examinado, é um tanto enganosa, uma vez
que pressupõe um estágio democrático que ficou estagnado no passado e que o fim da
A imprensa baiana e o americanismo na Segunda Guerra (1942-1945)
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ditadura estadonovista colocou novamente em marcha. Na concepção dos liberais baianos,
o passado democrático brasileiro havia sido interrompido em 10 de novembro de 1937. E
era aquele passado que cumpria recuperar (SILVA, 1992, p.158-159). Portanto, os
periódicos publicavam reportagens e artigos louvando o liberalismo e o modo de vida nos
países aliados, o que provavelmente era um meio de criar uma identificação da liberdade
que tanto se buscava aos países de sistema liberal-democrático, sobretudo os Estados
Unidos.
É possível que os anseios libertários manifestados pela imprensa baiana estejam
ligados a uma insatisfação com o governo vigente, pois uma parte significativa dos grupos
dirigentes do estado manteve uma postura de oposição a Getúlio Vargas. A defesa da
democracia foi a tônica dos liberais desde a Revolução de 1930, devido ao fato de que, a
partir desse episódio, expressivas figuras da política baiana foram desalojadas do poder
local. Nesse sentido, o sentimento antivarguista, existente em setores das classes dirigentes
da Bahia, antecede o Estado Novo. De acordo com Paulo Santos Silva (2000, p. 15), a fim
de acelerar a reorganização do país nos moldes democráticos, facções políticas que tinham
ficado distantes do poder na Bahia, dada a política discricionária e a centralização
econômica realizada pelo governo de Vargas, só tiveram condições de reagir nos momentos
finais do Estado Novo, quando o regime já apresentava sinais de fragilidade. Antigos
adversários políticos, que tinham sido afastados do comando local com a Revolução de
1930, tentaram superar suas divergências, devido à perspectiva de se reacomodarem,
novamente, em cargos dirigentes, e se reuniram em torno da Concentração Autonomista da
Bahia, corrente que reivindicava a autonomia do estado frente ao poder central.
A oposição ao Estado Novo desdobrou-se em diversas frentes de ação.
Encabeçados pelos “autonomistas”, os liberais lançaram mão de todos os meios possíveis
para enfraquecer o governo Vargas e conduzir o país ao Estado de direito. A imprensa, a
Faculdade de Direito, o Instituto da Ordem dos Advogados constituíram-se em focos de
resistência. A partir desses núcleos, a luta pela redemocratização do país foi às ruas.
Artigos, manifestos, moções, propostas de trabalho e palavras de ordem saídos do seio
dessas entidades chegavam às praças onde comunistas e liberais, ligados à Concentração
Autonomista da Bahia, proferiam inflamados discursos em favor da redemocratização
(SILVA, 2000, p. 48).
Como expressivas lideranças políticas baianas foram afastadas dos centros de
tomadas de decisão pelo exílio, cassação de mandatos ou exoneração dos cargos no
serviço público, essas circunstâncias proporcionaram motivação e oportunidades para
desenvolver trabalhos intelectuais, utilizando a imprensa como instrumento de combate ao
governo varguista.
Tolhidos pela censura do DIP, durante o Estado Novo, esses letrados
procuraram veicular protestos nas oportunidades que tiveram. A posição que ocupavam na
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escala social e o papel que desempenhavam como advogados e professores possibilitavam-
lhes essas intervenções.
Assim, a imprensa baiana passou a empreender uma campanha que incluiu a
publicação de artigos e reportagens defendendo o liberalismo como o único sistema
compatível com as liberdades democráticas, das quais os Estados Unidos apareciam como
seu máximo representante. Em abril de 1942, A Tarde publicou um artigo de Luiz Viana
Filho, louvando o presidente estadunidense Franklin Roosevelt como o maior arauto da
democracia:
Franklin Roosevelt, cujo título, o seu grande título, não é ser presidente da
maior democracia do mundo, mas o de ser tornado, pela decisão das
atitudes e pela imanente nas suas palavras o líder mundial da liberdade,
o homem em cuja ação repousa, não apenas a confiança de milhões de
seres humanos, que têm sede e fome de liberdade” (A Tarde, 16 de abril de
1942, p.3).
Em seguida, Luiz Viana Filho anuncia a publicação de uma coletânea de
pronunciamentos de Roosevelt, “o campeão das liberdades humanas”, a respeito da forma
democrática de governo. De acordo com o autor,
Recolhidos com inteligência, os conceitos de Franklin Roosevelt sobre a
forma democrática de governo valem nesta hora de dúvidas, hesitações e
conversações, como um verdadeiro catecismo, levando a todas as
consciências, a todos os corações, a todos os lares do Brasil um raio claro
de esperança e fé. É que nesse pequeno livro, que não chega a duzentas
páginas, condensa-se toda a filosofia do estadista insigne, do cidadão e do
homem, cuja vida e cujo esforço representa um labor ininterrupto em favor
da disseminação e da vitória das idéias democráticas. (A Tarde, 16 de abril
de 1942, p.3)
O autor transcreve as palavras iniciais do mencionado livro de Roosevelt, a respeito
da democracia representativa. De acordo com o texto do presidente norte-americano, em
períodos frequentes, os eleitores deveriam escolher novo congresso e novo presidente e
que a escolha dos candidatos haveria de ser feita livremente, respeitando a opinião pessoal
e sincera dos votantes. Ainda de acordo com as palavras de Roosevelt,
Essa é, afinal, a maior diferença entre o que nós sabemos ser a democracia
e aquelas outras formas de governo que, apesar de nos parecerem novas,
são essencialmente velhas, pois revertem aos sistemas de poder
concentrado e que se perpetua, contra os quais o sistema democrático
representativo foi lançado com êxito vários séculos. (A Tarde, 16 de abril
de 1942, p.3).
Ao que Luiz Viana Filho conclui, encerrando o artigo: “isto é o que se chama
A imprensa baiana e o americanismo na Segunda Guerra (1942-1945)
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democracia” (A Tarde, 16 de abril de 1942, p.3).
Os excertos extraídos, pelo político baiano, do texto do presidente estadunidense
não parecem ter sido escolhidos de forma inocente. Luiz Viana Filho destacou os trechos
que tratavam especificamente da rotatividade dos governantes como um item indispensável
à democracia. É uma observação capciosa, se formos relacioná-la ao fato de que o Brasil
vivia uma ditadura, liderada por um presidente que estava no poder doze anos. Além
disso, não é descabido vincular “aquelas outras formas de governo que, apesar de nos
parecerem novas, são essencialmente velhas (grifo nosso)” (A Tarde, 16 de abril de 1942,
p.3), mencionadas por Roosevelt e transcritas por Viana Filho, ao comando varguista, o que
poderia ser, até mesmo, uma ironia quanto ao nome do regime: Estado Novo. Dessa
maneira, fica reforçada a hipótese de que havia uma conexão entre o reforço de um
discurso favorável às instituições políticas, modelo econômico e padrão de vida dos Estados
Unidos, disseminado nas páginas dos jornais baianos, e o conceito de democracia
defendido pelos grupos locais por meio dos periódicos editados em Salvador.
Imprensa, americanismo e a esquerda
Entre os intelectuais que se dedicaram aos debates na imprensa antifascista, ao
mesmo tempo em que conspiravam contra o comando de Vargas, sugerindo a adoção de
um modelo inspirado nos Estados Unidos a ser seguido pelo Brasil, destaca-se Otávio
Mangabeira. Extremamente importante no estreitamento das relações entre as classes
dirigentes baianas e suas elites políticas e o país norte-americano, Mangabeira era uma
figura de primeira hora do liberalismo oligárquico da Primeira República, tendo ocupado o
cargo de Ministro das Relações Exteriores do governo Washington Luís. Depois de passar a
maior parte da guerra exilado nos Estados Unidos, quando de seu retorno ao Brasil, no final
do conflito, foi o responsável pela edição brasileira da revista Seleções, importante veículo
de disseminação do americanismo por parte da diplomacia estadunidense (LIMA, 2009, p.
166).
Da época da estada de Mangabeira nos Estados Unidos, uma intensa troca de
correspondências entre esse potico baiano e Simões Filho, diretor do jornal A Tarde.
Nessas cartas, os missivistas desenvolveram comentários sobre a guerra, a situação política
do Brasil e da Bahia e a censura à imprensa. O jornalista chegou a tecer elogios a
declarações recentes de Mangabeira e até fez pedidos para que o exilado intercedesse,
junto a fornecedores norte-americanos, em prol do bom funcionamento do seu vespertino
(SIMÕES FILHO, 10 de janeiro de 1944, p.1). Além disso, consta que Simões Filho visitou
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Mangabeira em 1943, quando o diretor de A Tarde foi aos Estados Unidos, no intercâmbio
patrocinado por esse país aos jornalistas brasileiros durante a Segunda Guerra
(MANGABEIRA, 01 de agosto de 1943, p. 1). Desse modo, essa troca de correspondências
sugere que eram estreitas as relações entre representantes da imprensa baiana e
importantes figuras brasileiras entusiastas dos Estados Unidos, o que poderia influir,
inclusive, no conteúdo das folhas que circulavam na Bahia no período.
De acordo com Aruã Lima (2009, p. 159), ironicamente, foi nos Estados Unidos que
Mangabeira se aproximou mais da esquerda, pois a atuação do político baiano no período,
que finda a década de 30 e inicia os anos 40, é marcada por suas posições antifascistas,
aproximando-se de setores diversos da esquerda ocidental, ao mesmo tempo em que
solidificava sua posição como formulador de decisões no plano da sociedade política. Como
porta-vozes da ideologia liberal, naquele contexto de guerra contra o nazifascismo, os
jornais baianos adotaram um discurso antifascista, ao mesmo tempo em que aproximavam o
seu conteúdo a respeito da guerra ao teor da revista Seiva, editada em Salvador e vinculada
aos comunistas. Esse periódico publicava artigos de membros do Partido Comunista do
Brasil (PCB) e também de liberais como Luiz Viana Filho e Nestor Duarte. Um exemplo
relevante das semelhanças entre as apreciações de Seiva e dos jornais da grande imprensa
se refere à questão da união nacional contra o nazifascismo e a quinta-coluna.
De fato, os órgãos de comunicação refletiram a convergência de interesses existente
entre liberais e comunistas, durante a guerra. A partir do ingresso do Brasil no confronto
mundial, a campanha democrática, empreendida por meio de alianças liberais, esquerda e
segmentos populares, e identificada ao pensamento liberal burguês, expressou-se, no plano
internacional, pelo repúdio ao Eixo. No plano interno, essa campanha, embora combatesse,
igualmente, as forças nazifascistas no país, não constituiu oposição explícita ao regime
autoritário de Getúlio Vargas (VAZQUEZ, 1986, p. 36). Porém, o combate à extrema direita
logo passou a se identificar com o esforço pela redemocratização do Brasil. Nesse sentido,
pela União Nacional e na luta pela democracia, políticos de formação liberal e inimigos da
ditadura Vargas encontraram diversos níveis de entendimento com partidos políticos de
esquerda, dos quais o principal era o PCB. Liberais e comunistas divergiam nos métodos e
objetivos da luta pela democracia representativa, mas concordavam que só a união de todas
as forças opostas ao nazifascismo e ao Estado Novo conseguiriam anistia para os presos
políticos e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte que outorgasse ao país
uma Constituição, de fato, democrática (TAVARES, 1987, p. 433-434).
Essa aproximação com a esquerda pode ser atestada por meio de um exame dos
textos publicados nos jornais baianos no contexto da guerra contra o Eixo. Com efeito, os
jornais da imprensa baiana passaram a enfocar no antifascismo e no combate à quinta-
coluna e reduziram os ataques ao comunismo. Em um artigo publicado pelo jornal A Tarde,
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em dezembro de 1944, elogios à coragem do povo russo na guerra contra o Eixo e
sustentando que o fascismo promoveu uma propaganda difamatória contra o comunismo:
O liberalismo encontrou no fascismo aquilo que não queria ser: um
adversário intransigente para o comunismo. O liberalismo limitava-se,
apenas, a reprimir a propagação do comunismo, enquanto o fascismo o
combatia sistematicamente, movendo-lhe uma campanha de descrédito,
que encontrava ressonâncias. [...] A Rússia ficou conhecida, então, como
um vasto campo de fome, miséria e morte. Essa campanha persistente e
desenfreada criou até, no centro de onde partia, sem ser mesmo levado em
conta o exagero, a mística de que a URSS era, na verdade, aquilo mesmo.
e essa ilusão levou e está levando o fascismo e seus apêndices à
derrocada. Fascinados pela eficiência de sua máquina de propaganda, os
homens do fáscio e da swastica não se apercebiam de que a Rússia, na
sua aparente desintegração interna, trabalhava febrilmente, para dar ao
mundo, tempos depois, o mais belo espetáculo de fé, de organização e de
civismo. [...] Mas desde a histórica resistência de Stalingrado o mundo
mudou a sua opinião acerca da Rússia. Desvendou-se o mistério. Ela que
tinha sido considerada egressa à barbárie está combatendo a barbárie; ela
que tinha sido considerada uma pátria de homens desfibrados, está
demonstrando o mais alto exemplo de heroísmo, de fé, de obstinação e de
nacionalismo acendrado; ela que tinha sido considerada a inimiga da
Civilização, está salvando a Civilização!” (A Tarde, 16 de dezembro de 1944,
p.4)
Contudo, essa aliança não se desenvolvia sem reservas da parte dos liberais. Afinal,
os periódicos o chegaram a abandonar totalmente o discurso anticomunista, procurando
manter um posicionamento, segundo o qual o único regime, verdadeiramente, democrático
era o representado pelo liberalismo.
Em dezembro de 1944, O Imparcial publicou um artigo
assinado por Hermes Lima, no qual os homens são iguais perante a lei, mas viverão sempre
“diferentemente”: haverá sempre variedade de aptidões, de sensibilidades, estilos de vida, o
que justificaria que também ganhem mais ou menos dinheiro ou morem em casas piores ou
melhores. Nesse sentido, o autor afirma que viver diferentemente não significa viver
antagonicamente, pois o antagonismo “corrói a organização atual da sociedade, impedindo,
por exemplo, que todas as classes tenham o mesmo interesse nos resultados da liberdade”
(O Imparcial, 04 de fevereiro de 1944, p.3). Logo, o autor sugere que as diferenças entre o
padrão de vida dos indivíduos se reduzam a características pessoais, sem levar em
consideração fatores de ordem social, e que, independente dessas distinções, os homens
deveriam evitar o conflito e trabalhar juntos em prol de um objetivo que beneficiaria à
sociedade como um todo. Assim, essa negação da luta de classes levava à rejeição do
comunismo como um sistema legítimo e aceitável, embora a conjuntura de combate ao
nazifascismo induzisse a imprensa baiana a priorizar a campanha contrária à quinta-coluna.
Para citar outro exemplo, numa outra edição de A Tarde, foi publicado um artigo
apontando os “perigos” de uma economia planificada, afirmando existir, entre eles, a falta de
liberdade econômica e, em decorrência disso, um impedimento ao trabalhador de se
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empregar onde e no que quiser:
Os revolucionários que desejam ver o socialismo atingir o seu fim lógico
exigem que toda economia nacional seja planificada como um todo.
Desejam que o governo promova a abolição do capital e das empresas
particulares, assumindo o controle de toda atividade industrial, agrícola e
mineral organizando-a de alto a baixo, de conformidade com o plano
preconcebido que venha beneficiar os interesses da comunidade em geral.
Mas o que significa isto? Significa, em primeiro lugar, a construção de uma
espécie de Estado comunista ou totalitário em que todos os recursos
financeiros, materiais e outros seriam transferidos à nação para serem
administrados pelo governo que estivesse no poder. Significa, em segundo
lugar, que nenhum homem seria livre no futuro para escolher sua própria
ocupação: seria obrigado, diante dessa centralização, a executar o trabalho
que o governo lhe apontasse. [...] Em quarto lugar nenhum homem poderá
alterar sua posição: é obrigado a fazer o que o governo lhe determina. Não
será livre para melhorar sua posição, pois não haverá outro empregador a
quem possa oferecer seus serviços. Haverá apenas um empregador: o
governo. [...] Sob um sistema se planejamento nacional, tudo será decidido
por uma autoridade central que terá o controle supremo sobre os gêneros
alimentícios e sobre toda a produção industrial e agrícola. A liberdade
pessoal, tal como a compreendemos hoje, deverá necessariamente
desaparecer sob qualquer sistema lógico que tenha por base os princípios
do coletivismo. Essa é a significação e o perigo de uma economia
planejada (A Tarde, 18 de dezembro de 1944, p.4).
Para Rodrigo Patto Sá Motta (2002, p. 164-167), embora partidários do mesmo
propósito libertador, comunismo e democracia iniciavam um caminhar divergente. Ao que
parece, no Ocidente, por iniciativa dos democratas, para usar o linguajar da época, a aliança
com os comunistas se desfazia no quase imediato fim da guerra. Nesse sentido, de
acordo com o autor, a relação entre alguns políticos brasileiros e os Estados Unidos diz
respeito a um projeto de nação que secundarizava a participação democrática na tomada de
decisões.
Dessa forma, com o fim da ditadura, não foi possível nenhum entendimento para a
manutenção da chamada união nacional, pois os novos partidos foram se afirmando com
posições imediatistas de apoio, tolerância ou total hostilidade ao presidente Vargas. Além
disso, a partir do segundo semestre de 1945, os jornais da grande imprensa baiana
elegeram o comunismo como um inimigo a ser combatido. De fato, as matérias e editoriais
desabonando o PCB e a União Soviética tornaram-se frequentes nas páginas da grande
imprensa baiana, o que sugere que os setores liberais encaravam, com preocupação, o
crescimento do Partido Comunista no Brasil, levando-os a considerar o comunismo como
uma ameaça aos seus interesses.
Assim, apesar de o foco principal, durante a Segunda Guerra, ser a derrota do
nazifascismo, o anticomunismo não foi totalmente abandonado nas apreciações da
imprensa liberal, mesmo quando se procurava reconhecer o empenho da União Soviética no
combate ao Eixo. As aclamações às instituições norte-americanas, muitas vezes
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acompanhadas de críticas ao modelo russo, sugerem que a vinculação entre democracia e
americanismo, no conteúdo dos jornais baianos, era atrelada a interesses de grupos
predeterminados, que buscavam, inclusive no nível do discurso, afastar, paulatinamente,
aqueles que até então vinham sendo aliados como os comunistas na luta contra os
regimes autocráticos.
Considerações finais
A pesquisa, que resultou na elaboração desse artigo, encontra-se em sua fase inicial,
de modo que, nesse texto, procurou-se apresentar as primeiras ideias e as hipóteses que
permeiam esse estudo.
A partir do que foi discutido no presente texto, depreende-se que a imprensa baiana
passou a empreender uma campanha que incluiu a publicação de artigos e reportagens
defendendo o liberalismo como o único sistema compatível com as liberdades democráticas,
das quais os Estados Unidos apareciam como seu máximo representante. Setores dos
grupos dirigentes na Bahia conspiravam contra o comando de Vargas, muitas vezes
utilizando a imprensa para glorificar a economia, padrão de vida e sistema econômico dos
Estados Unidos, sugerindo a adoção de um modelo inspirado no país norte-americano a ser
seguido pelo Brasil. É válido analisar se o discurso favorável às instituições norte-
americanas, nos anos finais do Estado Novo, foi uma maneira de defender a democracia
liberal, que não podiam fazê-lo abertamente devido às restrições impostas pelo DIP.
Afinal, nota-se que, mesmo antes de 1945, quando do rompimento da censura, aclamações
aos conceitos de democracia e de liberdade eram frequentes nos jornais baianos. E, por fim,
indícios de essa aclamação ao sistema estadunidense articular-se a um discurso que
buscava, gradativamente, excluir, do jogo democrático, grupos até então aliados na busca
pela redemocratização, entre eles, os comunistas.
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