Recebido em: 10/03/2015
Aprovado em: 01/05/2015
Alegro ma nom troppo: comicidade como missão
polítca em Oduvaldo Vianna Filho
SILVA, Robson Pereira da
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Em tempos em que o humor tem se mostrado cada vez mais frágil na dimensão
política, sobretudo, no tocante a uma prática artística que, por meio do riso, faça
com que se tenha uma coerente e responsável interpretação sobre o Brasil. Na era
do “stand up comedy”, Thaís Leão Vieira, a autora de Alegro Ma Non Troppo, nos
faz observar o humor e sua máxima expressão, o riso, sob a óptica de uma estética
comprometida em pensar o Brasil em tempos de autoritarismo pela obra cômica do
dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, militante de esquerda, ligado ao CPC da UNE
e comprometido com o teatro engajado ao projeto político da esquerda do PCB, o
Vianinha. Dessa feita, essa obra é caracterizada pela capacidade de produzir uma
reflexão sobre a força do teatro, como linguagem no “ritmo cômico” (LANGER, 2011),
pensar os entraves da cultura brasileira no período ditatorial militar. Magistralmente,
clarividência as interfaces entre história e teatro.
Alegro Ma Non Troppo: ambiguidade do riso na dramaturgia de Oduvaldo Vianna
Filho, obra fruto da tese de doutoramento de Thaís Leão Vieira, comporta uma estrutura
de quatro capítulos divididos ao longo de 220 páginas em formato digital (e-book). A
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.
Mestrando em História pela Universidade Federal de Goiás - Campus de Goiânia. Membro do grupo de
pesquisa Arte.com. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
E-mail: robson _madonna@hotmaill.com.
Alegro ma nom troppo: comicidade como missão polítca em Oduvaldo Vianna Filho
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 276-280, jan.-jun., 2015.
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autora durante os capítulos nos faz compreender ação política posta na prática social do
riso. O riso nas obras cômicas de Vianinha como balizador de uma atitude de captação
e reflexão do que se apreende como estabelecido, assim, substancialmente, o subverte.
Em um esforço bibliográfico responsável e crítico, a autora apontou para uma
lacuna que, até então, se apresentava no que tange a obra do dramaturgo, a obliteração
de suas obras voltadas para o humor. Na medida em que apresenta a produção
bibliográfica da historiografia do teatro, balizada, sobretudo na crítica teatral de época
que se voltou para as obras de Vianinha, percebe-se que se sacralizou também no
âmbito historiográfico uma hierarquia, ou mesmo, uma atenção mais exclusiva as obras
dramáticas que, por vezes, deixou em um plano inferior as literaturas dramatúrgicas
voltadas para a comicidade. Como o caso da aclamada, porém interditada, em
certo momento, Rasga Coração. A autora, agora, traz para o centro das atenções
historiográficas, obras como Allegro Desbundaccio (Se Martins Penna Fosse Vivo);
“Dura Lex Sed Lex, no cabelo só Gumex”; etc. Desconstituindo assim, a “hierarquia
da consagração” empossada a Vianinha a respeito de suas obras dramáticas sob as
cômicas. Valorizando o efeito político do cômico no contexto ditatorial.
A autora tem como escopo de pesquisa, na obra, a convergência de ideias
acerca do cômico na obra de Oduvaldo Vianna Filho, no esforço de compreender o seu
posicionamento frente resistência democrática, contra o regime então estabelecido,
a ditadura civil militar. Dessa feita, no primeiro capítulo, cuidadosamente desenvolve
um panorama de referencial teórico que engendra da filosofia a teoria do teatro, de
Aristóteles a Pirandello, meandros que esclarecem ideias que comportam uma possível
teoria do cômico. Esse capítulo, primordialmente, garante a sustentação da análise
da autora sobre o repertório cômico do dramaturgo, ao longo dos demais capítulos
que apontam as nuances do risível, como compromisso ético e estético, em uma
interpretação do Brasil posta em Vianinha.
Desse modo, a obra da historiadora se dedica à incursão nas reflexões entre
História e Teatro, diga-se de passagem, a construção confere competência na articulação
da pesquisa histórica em paridade com a capacidade de compreensão e cotejo com o
uso da linguagem a qual investiga: a teatral.
Em Vianinha, pelo vetor do riso produto do cômico, se permite analisar na linguagem,
uma das preocupações do dramaturgo, que fez em repensar a potencialidade de se narrar,
de uma forma inversa, a tragédia da revolução interditada pelo regime autoritário de então.
Experiência trágica reafirmada ao longo da historiografia sobre o período, sobre o golpe de
1964 e seu recrudescimento, em 1968, com o AI-5, como aponta a historiadora. O projeto
“emperrado, sobretudo, sem reação da esquerda ao golpe, precisava ser interpretado,
revisto, porém Vianinha optou, segundo Thaís Leão, refletir essas experiências sobre seus
próprios mecanismos de linguagem dramatúrgica que se estendeu em um repertório cômico
em suas obras, no intuito de pensar as “alegorias da derrota” (AVELAR, 2003), ou como o
próprio dramaturgo expôs em 1967, em uma das passagens da obra: “o cemitério das ações
que é esse país” (VIANNA FILHO apud VIEIRA, 2013, p.10).
No segundo capítulo, compreende-se que, oportunamente, que a utilização
dos elementos do cômico por Vianinha se atrela a formação ao enredo de sua própria
trajetória, sobretudo, remetendo ao ofício de Oduvaldo Vianna, o pai, que teve sua
trajetória no teatro, sobretudo, voltado a Comédia de costumes e Revistas; consolidou-
se também no rádio. A autora percebe que a opção estética e política de Vianinha de se
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reportar a elementos de formulas já testadas no Brasil do século XIX e XX, inclusive
por seu pai, comporta uma perspectiva de incidir, na apropriação desses gêneros, em
uma “história em contrapelo.” (VIEIRA, 2013, p.41). Gêneros estes, que historicamente
testados, compartiam com os propósitos éticos e estéticos, como adentrar ao público
maior; reflexão que valoriza o conteúdo e a forma mais que o meio. Isso explica, por
exemplo, os trabalhos de Vianinha na TV, como a comédia de costumes A Grande
Família, na Rede Globo, nos primeiros anos da década de 1970.
Essas opções estéticas contrastam com questões próprias do seu próprio
métier,
ligado a um projeto de esquerda no âmbito da cultura, como a tensão do binômio arte e
mercado, resistência democrática. Esses gêneros que no contexto eram considerados
menores no campo do teatro, a revista produtora do riso em Vianinha, é reveladora de
focos da realidade do artista e com o contexto em que se insere, então, estão para além
do entretenimento, por vezes sendo o único elemento relevado por setores da crítica.
Assim, ambiguidade é o elemento motriz para se entender as proposições estéticas
do cômico, em que o artista configura politicamente os limites entre o tolerável e o
interdito, como superação e ultrapassagem da experiência trágica.
As peças: A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar”, “Companhia Teatral Amafeu de
Brusso”, correspondem as incursões teatrais na convergência de uma estética do cômico
que pudesse pensar os entraves da cultura brasileira, principalmente no meio teatral, o
local de pensamento do dramaturgo. Nesse topoi, as investigações da historiadora dão
forma ao terceiro capítulo da obra. Dessa maneira, a autora mostra como a retomada
do teatro cômico, posto no final do século XIX, oportunizou a Vianinha ressaltar suas
próprias questões, como militante de esquerda, em diálogo com o quadro mais geral,
por exemplo, as relações do mundo do trabalho, a partir de Karl Marx, em “A Mais-Valia
Vai Acabar, Seu Edgar” (1960).
Isso foi possível, também, pela estrutura em quadros disposta no teatro de revista,
que o dramaturgo, em textos reflexivos criticamente avaliou a história do teatro brasileiro,
com a finalidade de buscar uma forma teatral que convergisse com seu compromisso
político. Assim, encontrou esses elementos como sendo a forma compatível para aquele
momento, mesmo de encontro com a maré hierárquica da crítica. Como aponta, “o contexto
estabelece a forma” (VIEIRA, 2013, p.15). Desse modo, a pretensão é problematizar, não
somente narrar, isso acontece no processo de linguagem.
Com essa perspectiva do risível, Oduvaldo Vianna Filho colocou como meta
a “democratização do fracasso” firmado, sobretudo, pela revisão do “poço de
inação” colocado por um regime autoritário que inviabilizou o projeto de esquerda
efervescente, anterior ao golpe militar, “como cultura, processo ordinário, comum”
(WILLIAMS, 1979, p.16-19). Nessas peças analisadas por Thaís Leão, concentra-se um
riso calcado na crítica ao comportamento a uma classe média portadora em engajar-
se, mas engajar-se na via alavanque do mercado, o consumo, posto como meta de
parte do projeto desigual do regime.
Nas análises da autora observa-se que a literatura dramatúrgica de Vianinha,
pelo viés do cômico, retrata fatos que, em seu conjunto, comportam um cenário
nacional em que a impossibilidade é o mote das relações. Isso torna-se mais evidente no
último capítulo, com a análise das peças Allegro Desbundaccio e “Dura Lex Sed Lex; na
primeira, o dramaturgo desenvolve um diálogo profícuo com as tensões de seu tempo,
como as relações da classe média e sua imersão ao consumo, sobrelevado nas relações
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de trabalho, e as dimensões da publicidade e propaganda fixadas no personagem Buja, na
busca de esclarecer impasses produzidos nessa composição da sociedade; na segunda,
a historiadora, mostra como Vianinha compartiu os sentimentos de impossibilidade
diante das interdições e mazelas políticas, expressas na figura da personagem Virgem
Maria, enviada para resolver os imbróglios da América Latina. Há outras questões mais
abrangentes postas nessas obras, como o trânsito das experiências da contracultura no
Brasil, pejorativamente chamada de desbunde.
Inspiradas nas reflexões de Raymond Williams, em A Tragédia Moderna (2002),
Thaís Leão incorpora a seu escrutínio da obra de Oduvaldo Vianna Filho, os fundamentos
postos pelo autor sobre a deformação do homem no sistema capitalista, como efeito
trágico que, em Brecht, averígua-se pela negação da Tragédia em seu complexo teatral.
Williams localiza uma estrutura de sentimento no sofrimento do homem, em meio ao
capitalismo, encontra-se estagnado na sua capacidade de empreender a transformação.
Assim, a revolução é um processo atrelado à experiência da Tragédia, nessa assertiva, o
alemão, segundo Williams, implica na negação do trágico. Em Vianinha, segundo a autora,
essa estrutura complexa é mantenedora da locomotiva do regime, então instaurado, que
barrou um projeto de revolução. E a forma encontrada pelo dramaturgo para narrar a
experiência da impossibilidade e inviabilidade do cotidiano civil, trágico, foi pelo viés do
cômico. Desse modo, torna-se possível a clarividência da derrota, e expressar o pânico,
como o ressentimento do personagem Buja em escapar a esse corrosivo universo que
se desenhava entre as décadas de 1960 e 1970 (p.45)
Assim, em um empreendimento historiográfico categórico, Thaís Leão Vieira,
demonstrou o esforço de Vianinha em não internalizar a crise brasileira, por conseguinte
seus infortúnios, mas o mesmo não deixou, em nenhum momento de sua carreira, de
problematiza-los como tensões de seu tempo, comportados como experiência trágica;
não obstante, essa opção pelo cômico é implicada em uma trajetória de militância de
esquerda interditada, de modo que, em suas obras, nesse procedimento, nota-se que
esses problemas existiram. Dessa maneira, a comédia, nas formulas apropriadas por
Vianinha, mais do que nunca, tendeu enfatizar, na mesma intensidade, assuntos que
também foram empreendidos nos dramas consagrados pela crítica sobre a obra de
Oduvaldo Vianna Filho, mas que, diferentemente, postularam-na em detrimento da obra
cômica do mesmo.
Em suma, a relevância dessa obra para os estudos de História Cultural, de maneira
geral para os Estudos Culturais, é a percepção das interfaces do teatro com o humor,
mesmo que por vezes, descaracterizado pela crítica como gênero menor. A autora o indica
como objeto carregado de uma historicidade, portador de sentimento, nos remetendo ao
que Suzanne Langer (2011) nos aponta como sentimento: produtor de conhecimento. No
caso da obra de Vianinha, o cômico é descortinador da composição de uma realidade
em que o autoritarismo é produtor de interdições dos segmentos sociais, os inviabiliza.
O sentimento, no caso, o ritmo do cômico em Vianinha, indica o enfrentamento dessa
realidade, em que a acusa, dialeticamente, e a ultrapassa, como aponta Marcuse em A
dimensão Estética (1981), sendo compromisso da arte. Thais Leão Vieira nos oportuniza
enxergar, em Vianinha, a face política do humor no esforço do homem significar em
meio a fragmentação, no intuito de interpretar-se e configurar uma problematização de
sua história, instrumento político de responsabilidade social, ao contrário do que vem
ocorrendo na vulgarização deteriorante do humor atual, na era do “stand up comedy”.
SILVA, Robson Pereira da
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 276-280, jan.-jun., 2015.
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REFERÊNCIAS:
AVELLAR, Idelber. Alegorias da derrota: a ficção pós-ditatorial e o trabalho do luto na
América Latina. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
LANGER, Susanne. Sentimento e Forma. São Paulo: Perspectiva, 2011.
MARCUSE, Herbert. A Dimensão Estética. Lisboa: Edições 70, 1981.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979