
Alegro ma nom troppo: comicidade como missão polítca em Oduvaldo Vianna Filho
FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.2, nº1, p. 276-280, jan.-jun., 2015.
279
de trabalho, e as dimensões da publicidade e propaganda fixadas no personagem Buja, na
busca de esclarecer impasses produzidos nessa composição da sociedade; na segunda,
a historiadora, mostra como Vianinha compartiu os sentimentos de impossibilidade
diante das interdições e mazelas políticas, expressas na figura da personagem Virgem
Maria, enviada para resolver os imbróglios da América Latina. Há outras questões mais
abrangentes postas nessas obras, como o trânsito das experiências da contracultura no
Brasil, pejorativamente chamada de desbunde.
Inspiradas nas reflexões de Raymond Williams, em A Tragédia Moderna (2002),
Thaís Leão incorpora a seu escrutínio da obra de Oduvaldo Vianna Filho, os fundamentos
postos pelo autor sobre a deformação do homem no sistema capitalista, como efeito
trágico que, em Brecht, averígua-se pela negação da Tragédia em seu complexo teatral.
Williams localiza uma estrutura de sentimento no sofrimento do homem, em meio ao
capitalismo, encontra-se estagnado na sua capacidade de empreender a transformação.
Assim, a revolução é um processo atrelado à experiência da Tragédia, nessa assertiva, o
alemão, segundo Williams, implica na negação do trágico. Em Vianinha, segundo a autora,
essa estrutura complexa é mantenedora da locomotiva do regime, então instaurado, que
barrou um projeto de revolução. E a forma encontrada pelo dramaturgo para narrar a
experiência da impossibilidade e inviabilidade do cotidiano civil, trágico, foi pelo viés do
cômico. Desse modo, torna-se possível a clarividência da derrota, e expressar o pânico,
como o ressentimento do personagem Buja em escapar a esse corrosivo universo que
se desenhava entre as décadas de 1960 e 1970 (p.45)
Assim, em um empreendimento historiográfico categórico, Thaís Leão Vieira,
demonstrou o esforço de Vianinha em não internalizar a crise brasileira, por conseguinte
seus infortúnios, mas o mesmo não deixou, em nenhum momento de sua carreira, de
problematiza-los como tensões de seu tempo, comportados como experiência trágica;
não obstante, essa opção pelo cômico é implicada em uma trajetória de militância de
esquerda interditada, de modo que, em suas obras, nesse procedimento, nota-se que
esses problemas existiram. Dessa maneira, a comédia, nas formulas apropriadas por
Vianinha, mais do que nunca, tendeu enfatizar, na mesma intensidade, assuntos que
também foram empreendidos nos dramas consagrados pela crítica sobre a obra de
Oduvaldo Vianna Filho, mas que, diferentemente, postularam-na em detrimento da obra
cômica do mesmo.
Em suma, a relevância dessa obra para os estudos de História Cultural, de maneira
geral para os Estudos Culturais, é a percepção das interfaces do teatro com o humor,
mesmo que por vezes, descaracterizado pela crítica como gênero menor. A autora o indica
como objeto carregado de uma historicidade, portador de sentimento, nos remetendo ao
que Suzanne Langer (2011) nos aponta como sentimento: produtor de conhecimento. No
caso da obra de Vianinha, o cômico é descortinador da composição de uma realidade
em que o autoritarismo é produtor de interdições dos segmentos sociais, os inviabiliza.
O sentimento, no caso, o ritmo do cômico em Vianinha, indica o enfrentamento dessa
realidade, em que a acusa, dialeticamente, e a ultrapassa, como aponta Marcuse em A
dimensão Estética (1981), sendo compromisso da arte. Thais Leão Vieira nos oportuniza
enxergar, em Vianinha, a face política do humor no esforço do homem significar em
meio a fragmentação, no intuito de interpretar-se e configurar uma problematização de
sua história, instrumento político de responsabilidade social, ao contrário do que vem
ocorrendo na vulgarização deteriorante do humor atual, na era do “stand up comedy”.