Os quilombos e o silêncio patrimonial

o que falam os processos de tombamento dos antigos quilombos?

Autores/as

Palabras clave:

Tombamento, Quilombos, Silêncios, Racismo, Inclusão

Resumen

O artigo tem como objetivo discutir os achados de pesquisa encontrados nos processos administrativos de tombamento dos sítios com reminiscências históricas dos antigos quilombos em tramitação junto ao IPHAN. O que é possível extrair desses processos aparentemente desprovidos de informações? Faz-se a diferenciação, de forma dual e não mais binária, entre patrimonialidade (art. 216, § 5º) e contemporaneidade quilombola (art.68 do ADCT), ambas da Constituição brasileira. A metodologia consistiu análise crítica de literatura e na análise documental de 21 (vinte e um) processos, os quais evidenciaram as seguintes questões, propostas ao longo do texto: a) prevalência de binarismo entre patrimonialidade e contemporaneidade quilombola; b) a data de autuação dos processos, geralmente, é anterior ao Decreto nº 4.887/2003; c) a participação das comunidades quilombolas é diminuta e pouco estimulada; d) ignoram a dinamicidade e complexidade dos quilombos. Como conclusão, propõe-se um maior diálogo entre Estado e comunidades quilombolas, aprofundando-se as discussões raciais e dissipando-se a ferida colonial que faz permanecer o racismo institucional e cultural nas ações estatais e da sociedade civil.

Biografía del autor/a

Paulo Fernando Soares Pereira, Universidad Estatal de São Paulo UNESP

Paulo Fernando Soares Pereira é Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU), atuando em demandas relacionadas a comunidades quilombolas, povos indígenas e patrimônio cultural brasileiro.

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Publicado

2020-12-30

Cómo citar

Soares Pereira, P. F. (2020). Os quilombos e o silêncio patrimonial: o que falam os processos de tombamento dos antigos quilombos?. Patrimônio E Memória, 16(2), 469–501. Recuperado a partir de https://seer.assis.unesp.br/index.php/pem/article/view/3208