Memórias em Disputa

a trajetória da estátua de Stroessner e os valores do patrimônio dissonante

Autores

Palavras-chave:

Monumentos Incômodos, Valores patrimoniais, Memória, Ditadura, Ressignificação

Resumo

Monumentos intencionados, ao materializarem narrativas oficiais de poder, tornam-se objetos de disputa quando suas mensagens entram em conflito com valores sociais e identitários em transformação. Este artigo analisa a trajetória da estátua de Alfredo Stroessner, ditador que governou o Paraguai entre 1954 e 1989, inicialmente celebrada no Monumento a La Paz Victoriosa e posteriormente ressignificada na obra Entierro de un (otro) monumento, de Carlos Colombino. Com base na teoria de valores patrimoniais de Aloïs Riegl, a análise aborda os significados atribuídos ao monumento em dois momentos: sua construção, em 1979, como símbolo de glorificação do regime stronista, e sua derrubada em 1991, quando os fragmentos da estátua foram reutilizados para denunciar as violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura. O estudo dialoga com os conceitos de memória coletiva, memória cultural e memória política, destacando os processos de patrimonialização de memórias traumáticas e as disputas por reconhecimento histórico. A nova configuração da estátua, instalada na Plaza de los Desaparecidos, transforma a representação do ditador em um símbolo de opressão vencida, enquanto o vazio deixado no monumento original sinaliza uma recusa explícita em substituir a sua presença. O caso evidencia como monumentos incômodos mobilizam distintas categorias de valores ao longo do tempo, funcionando como instrumentos de enfrentamento de violências simbólicas e afirmação de direitos humanos. A experiência paraguaia antecipa debates contemporâneos sobre patrimônio dissonante e memória pública, reforçando a compreensão dos monumentos como suportes dinâmicos de discursos, identidades e disputas políticas.

Biografia do Autor

Claudia Nunes de Lima e Andrade, Doutoranda em Memória e Patrimônio Cultural –UFMG

Arquiteta e Urbanista Pesquisadora em Patrimônio Cultural e SustentabilidadeCom uma sólida formação acadêmica e vasta experiência na área de patrimônio cultural, desenvolvo pesquisas e projetos que integram memória, conservação e sustentabilidade. Atualmente, sou doutoranda na linha de memória e patrimônio cultural pela UFMG, onde também concluí o mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável. Minha atuação inclui projetos de pesquisa e extensão sobre gentrificação, turismo cultural e novas abordagens para a conservação patrimonial.Ao longo da minha trajetória, exerci funções estratégicas no Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG), colaborando em ações de recuperação e gestão do patrimônio em áreas impactadas por desastres. Minha experiência abrange também docência em cursos de especialização, participação ativa em organizações como o ICOMOS Brasil e a Association for Preservation Technology International (APTi), além da elaboração de estudos técnicos e publicações acadêmicas sobre patrimônio e urbanismo.Busco continuamente aprofundar o conhecimento e promover iniciativas que conciliem a valorização do patrimônio com a sustentabilidade e o desenvolvimento das comunidades.

Tamara Nunes Pereira, Doutoranda em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável –UFMG

Doutoranda em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestra Profissional em Conservação e Restauração de Monumentos e Núcleos Históricos pelo MP-CECRE da Universidade Federal da Bahia (2018). Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2015). Técnica em Edificações pelo Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais - Campus Juiz de Fora (2010). Atuou como Professora Adjunta do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário do Sudeste Mineiro (UNICSUM), entre 2019 e 2022, ministrando disciplinas de teoria da restauração, projeto em patrimônio cultural, história e teoria da arquitetura, do urbanismo e da arte. Atualmente, elabora projetos de intervenção em bens de interesse cultural em parceria com outros arquitetos e empresas. Tem experiência na área de arquitetura e urbanismo, com enfoque em patrimônio cultural, ações de conservação e restauração de edificações históricas, sistemas construtivos tradicionais e arquitetura do café.

João Pedro Otoni Cardoso, Doutorando em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável - UFMG

Arquiteto e urbanista, mestre e doutorando em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela UFMG. Sua trajetória combina pesquisa em memória e patrimônio cultural com atuação prática, incluindo passagem pelo ICCROM e participação no ICOMOS Brasil. Possui experiência em projetos, capacitação e gestão do patrimônio cultural.

Leonardo Barci Castriota, Professor titular - UFMG

Leonardo Barci Castriota é arquiteto-urbanista (1986), com doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000) e pós-doutorado junto ao Getty Conservation Institute (GCI) em Los Angeles (2001) e a Universidad Politécnica de Madrid (2009/2010). Atualmente é Professor Titular da Universidade Federal de Minas Gerais. É Presidente do Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS/BRASIL) e, desde dezembro de 2017, Vice-Presidente do ICOMOS internacional. Foi Vice-Presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação Interdisciplinar em Sociais e Humanidades (ANINTER-SH), de 2012 a 2016. Publicou 53 artigos em periódicos especializados e 98 trabalhos em anais de eventos. Possui 68 capítulos de livros e 24 livros publicados e organizados. Possui 71 itens de produção técnica, entre os quais se destacam projetos de restauração, planos e projetos de conservação e reabilitação do patrimônio e de planejamento urbano, notadamente a coordenação de seis planos diretores municipais. Participou de 115 eventos, no exterior e no Brasil. Orientou 3 teses de doutorado, 44 dissertações de mestrado, 30 monografias de conclusão de curso de especialização, além de ter orientado 62 trabalhos de iniciação científica nas áreas de arquitetura e urbanismo, filosofia e direito. Recebeu 9 prêmios e/ou homenagens. Atua na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em conservação e revitalização do patrimônio do planejamento e projeto do espaço urbano. Foi pesquisador da Rockfeller Foundation e do Getty Conservation Institute, sendo pesquisador com bolsa de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, desde 2002 e da FAPEMIG, com a bolsa de Pesquisador Mineiro, desde 2007. Tem atuação também em diversos cargos e conselhos na área do patrimônio, podendo se destacar a Diretoria de Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte (1993-1994), o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte (1995-2000), o Conselho Curador do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG), sendo atualmente membro do Conselho Técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Conselho Estadual do Patrimônio de Minas Gerais (CONEP-MG). Foi Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento de Minas Gerais (IAB-MG) (1999-2003), Diretor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (2002-2006) e coordenador do Programa Interdisciplinar em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável (MACPS) na UFMG (2009-2012). Em seu currículo Lattes, os termos mais frequentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: patrimônio, arquitetura, planejamento urbano, revitalização, preservação, Brasil, conservação, cidade e história. 

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Publicado

20-10-2025

Como Citar

Nunes de Lima e Andrade, C., Nunes Pereira, T., Otoni Cardoso, J. P., & Barci Castriota, L. (2025). Memórias em Disputa: a trajetória da estátua de Stroessner e os valores do patrimônio dissonante. Patrimônio E Memória, 21(1), 1–29. Recuperado de https://seer.assis.unesp.br/index.php/pem/article/view/3992