FRAGMENTAÇÃO E REELABORAÇÃO POSITIVA DA MEMÓRIA
EM CÂMARA LENTA, DE RENATO TAPAJÓS
DOI:
https://doi.org/10.5016/msc.v22i0.1093Palavras-chave:
Trauma, partilha do sensível, testemunho, memória, Em Câmara LentaResumo
Este trabalho dialoga com as ideias de Jean-François Lyotard quando este se refere à política do esquecimento em relação ao testemunho, e com Jacques Rancière, no que diz respeito à partilha do sensível, entre outros estudiosos. Para tanto, observamos tais questões no romance Em Câmara Lenta (1977), de Renato Tapajós. Nesta obra o narrador utiliza a técnica do flashback e do flashfoward para reconstituir a imagem do corpo morto e denunciar a barbárie ocorrida durante o regime militar de 64 no Brasil. Uma alucinatória “compulsão à repetição” é um dos vieses marcantes do romance de Tapajós: o fluxo incontrolável da memória faz com que o narrador represente seis vezes ao longo da narrativa a prisão da companheira Ela, principiando de forma fragmentada e desconexa, até atingir o desenho completo da perseguição, prisão, tortura e morte da personagem. Ao longo da narrativa observamos que o trauma é representado em sua totalidade, pois a imagem do corpo dilacerado pela violência e pela tortura equipara-se à mente do sujeito traumatizado: as memórias fragmentadas pela dor do trauma resistem e retornam incessantemente operando também uma espécie de violência contra o sujeito. No entanto, o corpo reconstruído também simboliza a coragem de enfrentar as visões aterradoras do passado e transmutá-las em narração, o que exprime um tipo de reelaboração positiva da memória e, sobretudo, a força criadora dos sobreviventes.